Pesquisar este blog

sábado, 19 de setembro de 2015

O que é trabalhar como ator?

" O teatro é inglório. Todo dia você repete aquele processo e todo dia corre o risco de fracassar. Será que se foi bom hoje vai ser bom amanhã? Isso depende de muita coisa. Muitas vezes você vê uma pessoa falar: “Vi um espetáculo maravilhoso”, você vai ver e não acha grandes coisas. É que, independente da vontade do elenco, a mágica não aconteceu naquele dia. Não é todo dia que é maravilhoso.
Para a gente que viveu o apogeu das grandes produções, teatro hoje, um monólogo ou diálogo que fica um mês em cartaz e depois sai, é triste! É teatro de catacumba.
O ator que ambiciona trabalhar com dramaturgia costumava ter uma base no palco. Com o tempo, passou a existir uma formação voltada especificamente para a televisão.
Hoje, por incrível que pareça, existem cursos para atores de televisão! Eu fico observando e imagino que lá a pessoa aprende o naturalismo da TV. Digo naturalismo sem querer ofender os índios.
As pessoas começam lá num programa juvenil, saem do Big Brother, aí vão melhorando. Algumas com o tempo se aprimoram e viram bons atores de televisão. Existem tantas possibilidades de atuação hoje... e, se existem, é porque tem mercado para isso. A indústria da imagem requer reposição de peças, sempre digo isso. Claro que os cursos de teatro mesmo formam atores com consistência, em programas que foram cumpridos por quatro ou cinco anos.
A gente não pode ignorar o meio eletrônico. O teatro é um artesanato arcaico, não vai morrer. Porque a necessidade de discutir e emocionar com o sentimento do ser humano nunca vai deixar de existir. Pode não ser para 40 milhões de espectadores, um bilhão de espectadores, mas nem que seja para 20 pessoas numa sala. O processo da indústria da imagem é o da substituição de peças. Para quem vem do teatro, como eu, a formação é difícil. Dez anos de teatro não significam nada. Com 10 anos de teatro você está começando. E se você estourar numa primeira peça, pode ter a certeza de que vai comer pó de palco por mais 10 anos. Porque é um artesanato lento e raramente chega por obra do divino espírito santo. 



O jovem Ator de hoje em dia está focado em outro tipo de Teatro. O teatro atualmente não tem vez. Não todo ele, porque teatro musical é teatro. Falo do teatro da palavra, o teatro da ideia, o que pode trazer alguma inquietação, uma contestação, como o que minha geração viveu. O teatro era um campo de debate emocional. Isso, hoje em dia, não tem. Nas opções das comissões que distribuem os dinheiros e os investimentos para a diversão, o teatro da palavra está muito desacreditado. Estão jogando nos musicais, nas comédias, mais no entretenimento do que no lado mais atuante, na posição de cidadania que o teatro tem muito. 


Breno Fittipaldi e Wellinton Júnior, cena do Espetáculo "Orgia:
Túlio Carella e o teatro do Insólito"
(Texto Moisés Monteiro de Melo Neto
Direção:Breno Fittipaldi)



se você leva esse ofício a sério, entra todos os dias no palco, seja encenando uma comédia leve ou uma tragédia grega. Você tem que se exibir inteiro, tem que estar em carne viva. Porque a pessoa saiu de casa para te ver, pagou, pegou uma cidade de trânsito difícil, você tem que dar o seu melhor.
A diferença entre Atuar para Teatro e Televisão e Cinema é a montagem. A montagem salva o Ator. Eu já fiz cena com um jovem ator que tinha de se estertorar de desespero porque sua jovem mulher estava morrendo de parto. Nós ficamos uma noite inteira repetindo. Eu era a parteira, que estava ali do lado. E repetimos, repetimos. E se gravou, se gravou. Depois, o diretor pegou as melhores partes daquele jovem ator e ficou uma coisa maravilhosa. Mas ele fazer isso em teatro... compreende? Essa é a mecânica do montador, do repetir, do se não chora, pinga lágrima, do faz de novo. Por isso, esse outro rapaz pode dizer que não lê e não vai ao teatro. Porque ele funciona muito bem na TV, mesmo sendo ignorante ? e falo essa palavra não no sentido de ofender, mas da pessoa que ignora, que nunca leu Dostoiévski. Porque ele vive feliz sem ler. Porque ele vai para aquele meio de trabalho e lá repete, tartamudeia, e na segunda novela já fala melhor. Alguma coisa vai se movendo com o ofício, e ele vai aprendendo aquela linguagem específica. Muitos que nunca pisaram no palco fazem uma carreira brilhante na televisão e no cinema, porque o método de trabalho é que nem o Jack, o Estripador, é por partes. O montador bota de você a parte que ele quiser. Você é uma matéria-prima que vai ser moldada por um diretor e por um montador. Essa linha de montagem da indústria da imagem requer outro tipo de linguagem, um outro tipo de ator. Hollywood disse que tem que ter o jovem lindo com dentadura linda, cintura fina, peito largo, músculos latejando. E a menina tem que ser linda, deslumbrante, ter um sorriso maravilhoso. Isso você não encontra nos palcos do Brasil nem do mundo inteiro. Mas você encontra nas passarelas, na praia.
Se o cara ou a menina estão na rua, são bonitos, e alguém pergunta: “Quer ser ator de televisão?”, claro que a pessoa responde que quer. E a família também incentiva. Quando eu era criança, toda menina queria ser professora. Hoje ninguém quer ser professor porque pagam muito mal, não são respeitados. Mas o que dá glória imediata é você, desde os 14 anos, parar de comer e virar modelo. Existe um mercado para isso. Não estou sendo preconceituosa. Toda maneira de amar vale a pena. E tem também os jovens atores maravilhosos, que se agrupam, que fazem projetos. E, quando chegam à televisão, você percebe que são atores bem formados. Temos uma boa tropa jovem nos palcos. Com responsabilidade cênica, que encara aquilo como projeto de vida. E, dentro dos meios eletrônicos, tem uma turma que está tentando melhorar, chegar ao seu momento de glória. Os tempos vão passando. Uns deles são cuspidos, outros se aprimoram, mas muitos deles não querem chegar perto de um palco.
Vocação não é para fugir dela. Nós fazemos aquilo de que gostamos! O trabalho é duro. Mas não é com o suor do nosso rosto que ganhamos nosso pão. Não há condenação bíblica! O artista não está desvirtuado do seu chamado. Acho que a gente foge disso. Escapa. Porque o cara ter que ganhar a vida com o suor do seu rosto é uma condenação. O artista sofre, é desassossegado, é desconfortado, mas não é um condenado.", Fernanda Montenegro, Atriz

Nenhum comentário:

Postar um comentário