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sábado, 5 de setembro de 2015

A LITERATURA de Cabo Verde (pesquisa realizada pelos alunos do Professor Moisés Neto para debate em sala de aula)




A LITERATURA de Cabo Verde
O romance "Chiquinho", publicado pelo já falecido escritor cabo-verdiano Baltasar Lopes da Silva, constitui "a obra fundadora da literatura" de Cabo Verde, defende o tradutor italiano Vincenzo Barca.
Segundo o professor, que traduziu para italiano a obra publicada pela primeira vez em 1947 e que é alvo de estudo no ensino secundário em Cabo Verde, em "Chiquinho", Baltasar Lopes da Silva "apresenta uma espécie de súmula de toda a cultura cabo-verdiana".
 Vincenzo Barca é professor de Literaturas Africanas de Língua Portuguesa na Universidade de Roma III e está em Cabo Verde a participar na conferência ""A Herança de Chiquinho: Com os Pés Fincados em Itália", para homenagear o autor cabo-verdiano, nascido em Caleijão, ilha de São Nicolau, a 23 de Abril de 1907, e que faleceu a 28 de Maio de 1989 em Lisboa.
Baltasar Lopes da Silva foi, com Manuel Lopes e Jorge Barbosa, fundador da revista Claridade, tendo usado, nalguns dos seus poemas - também foi poeta - o pseudónimo Osvaldo Alcântara.
 "O nome de Baltasar Lopes da Silva é incontornável na literatura, cultura e educação de Cabo Verde. Escritor, poeta, linguista e ensaísta, foi um homem da escrita que revolucionou a sua época com o seu multifacetado talento", disse Vincenzo Barca, que já traduziu para italiano muitos dos autores de Língua Portuguesa.
Venerado em Cabo Verde, onde é nome de rua e de escola, o escritor cabo-verdiano foi, em 1957, o primeiro dar conta da existência de vários dialetos crioulos no arquipélago.



PERIODIZAÇÃO

1ºPeríodo, das origens até 1925. a que chamaremos de Iniciação, por, a par de grandes vazios, abranger umavariada gama de textos (não necessariamenteliterários) muito influenciados pelas duas fases do baixo romantismo e do parnasianismo (embora com iniciativas de alguma vocação regionalista ou mesmo de «vocação patriótica», no primeiro quartel do séc. XX), antes da fase moderna.
Em Cabo Verde, após a introdução do prelo, em 1842, e a publicação do romance cabo-verdiano de José Evaristo d’Almeida, O escravo (1856), em Lisboa, segue-se um longo período (ainda hoje mal conhecido no que respeita ao século XIX), até à publicação do livro de poemas Arquipélago (1935), de Jorge Barbosa, e da revista Claridade (1936), Fundada por Baltasar Lopes, Manuel Lopes e Jorge Barbosa, entre outros […]. A criação, em 1 866, do Liceu-Seminário de SãoNicolau (Ribeira Brava), que durou até 1928, muito contribuiu para o surgimento de uma classe de letrados equiparável ou superior à dos angolanos. Em 1877, criou-se a imprensa periódica não oficial. […] 
O 2° Período, de 1926 a 1935, a que chamamos Hesperitano, antecede a modernidade que o movimento da Claridade (1936) incarnou. Desde os primeirostempos, até ao final deste 2° Período, entendemos, com Manuel Ferreira, que vigorou o Cabo-verdianismo, caracterizado como de «regionalismo telúrico», masque, nalguns textos, se expande para temas e elementos recorrentes da literatura cabo-verdiana, como os da fome, do vento e da terra seca, ou de certainsatisfação e incomodidade, numa atmosfera muito próxima do naturalismo.
O fundamento que leva a que se possa designar tal período como Hesperitano ressalta da assunção do antigo mito hesperitano ou arsinário. Trata-se domito, proveniente da Antiguidade Clássica, de que, no Atlântico, existiu um imenso continente, a que deram o nome de Continente Hespério. As ilhas de CaboVerde seriam, então, as ilhas arsinárias, de Cabo Arsinário, nome antigo do Cabo Verde continental, recuperado da obra de Estrabão.
Os poetas criaram o mito poético para escaparem idealmente à limitação da pátria portuguesa, exterior ao sentimento ou desejo de uma pátria interna,íntima, simbolicamente representada pela lenda da Atlântida, de que resultou também o nome de atlantismo hesperitano, por oposição ao continentalismoafricano e europeu. […] 
3.° Período, que principia no ano de 1936 (ano da publicação da revista-mater Claridade) e vai até 1957, muito mais tarde do que a fase a que Luís Romanochama dos «Regionalistas ou Claridosos» (para ele termina com os neo-realistas da revista Certeza, de 1944) […].
Ainda em 1941, sai Ambiente, livro de poemas de Jorge Barbosa. António Nunes publica, depois, os Poemas de longe (1945) e Manuel Lopes, os Poemas dequem ficou (1949), a que se segue o romance fundador Chiquinho (1947), de Baltasar Lopes, passando pelo Caderno de um ilhéu (1956), de Jorge Barbosa, e oprimeiro romance de Manuel Lopes, Chuva braba (1956). Todos sem interferência da Negritude, mas, curiosamente, coincidindo no tempo as publicações de neo-realistas e claridosos, não sem que, entretanto, fossem impressos livros deslocados no tempo, como os Lírios e cravos (1951), de Pedro Cardoso, e asPoesias (1952), de Januário Leite, poetas do cabo-verdianismo. […] 
4.° Período, indo de 1958 a 1965, em que, com o Suplemento Cultural, se assume uma nova cabo-verdianidade que, por não desdenhar o credonegritudinista, se pode apelidar de Cabo-verdianitude, que, desde a sua ténue assunção por Gabriel Mariano, num curto artigo (1958), até muito depois dovirulento e celebrado ensaio de Onésimo Silveira (1963), provocou uma verdadeira polémica em torno da aceitação tranquila do patriarcado da Claridade. DoSuplemento Cultural do Boletim Cabo Verde fizeram parte Gabriel Mariano, Ovídio Martins, Aguinaldo Fonseca, Terêncio Anahory e Yolanda Morazzo. […] 
5.° Período, entre 1966 e 1982, do Universalismo assumido, sobretudo por João Vário, quando o PAIGC (acoplando forças políticas de Cabo Verde e da Guiné-Bissau) se achava já envolvido, desde 1963, na luta armada de libertação nacional, abrindo, aquele poeta, muito mais cedo do que nas outras colónias, afrente literária do intimismo, do abstraccionismo e do cosmopolitismo: aliás, só depois da independência, e passado algum tempo, surgiu descomplexada e polémica, sobretudo em Angola e Moçambique. Podemos datar de 1966, com a impressão dos poemas, em Coimbra, de Exemplo geral, de João Vário (João Manuel Varela), essa viragem, que, diga-se, pouco impacto veio provocar. […] 
6.° Período, de 1983 à actualidade, começando por uma fase de contestação, comum aos novos países, para gradualmente se vir afirmando como verdadeirotempo de Consolidação do sistema e da instituição literária. O primeiro momento é dominado pela edição da revista Ponto & Vírgula (1983-1987), liderada porGermano de Almeida e Leão Lopes […]. 
(Literaturas Africanas de Expressão Portuguesa, vol. 64, Pires Laranjeira, Lisboa, Universidade Aberta, 1995, pp.180-185)






A literatura cabo-verdiana caracterizava-se por um desprendimento quase total do ambiente, sublimando-se numa expressão poética que nada tinha em comum com a terra e o povo do arquipélago.
O impacto do colonialismo não foi tão drástico, impulsivo e dramático em Cabo Verde como o foi nas outras regiões africanas que passaram pelo processo de colonização portuguesa. Este ocorrido acabou criando condições que foram importantes para o surgimento da literatura cabo-verdiana.
O grande passo para a virada da temática da literatura produzida em Cabo Verde foi dado em 1936, na Ilha de S. Vicente, por um grupo de intelectuais, que lançou a revista Claridade. Os intelectuais que possibilitaram a publicação da revista foram, Baltasar Lopes, Manuel Lopes e Jorge Barbosa
A poesia de Manuel Bandeira foi uma grande inspiração para os intelectuais cabo-verdianos, que também destacaram Jorge de Lima e Ribeiro Couto como descobertas instigantes. Vejam-se os versos do poema “Palavra profundamente”, de Jorge Barbosa , dedicado ao poema de mesmo nome de Manuel Bandeira:
[...]
Enquanto isso Manuel Bandeira vai passando
por nós no tempo
na sua alegria melancólica
na sua alegria de coração apertado
vai passando na sua
poesia profundamente.

Jorge Barbosa também se define como um poeta inovador, ao dar à sua poesia uma entonação dramática e traduzida denúncia.Um poema que marca a escrita de Jorge Barbosa, de um “eu” em constante tensão com um ambiente exterior é Prisão:

Prisão

Pobre do que ficou na cadeia
de olhar resignado,
a ver das grades quem passa na rua!
pobre de mim que fiquei detido também
na Ilha tão desolada rodeada de Mar!...
... as grades também da minha prisão!



A cultura cabo-verdiana tem o seu coração a pulsar na poesia, espelhada nas mornas, nas histórias de sabor popular e nas novelas... a sua alma gira em torno da "sodade", termo que deriva da ‘"audade" portuguesa.
O primeiro movimento poético cabo-verdiano eclodiu em 1890, não refletindo ainda, propriamente, sobre a identidade cabo-verdiana, mas como estrita derivação do gosto português. O movimento nasceu em São Nicolau, à época o centro intelectual de Cabo Verde. Este período, dito clássico, durou até 1930. O compositor e poeta Eugénio Tavares, que recriou e popularizou a morna, introduzindo as letras da música em crioulo, foi um ilustre representante desta corrente literária.
Em 1936 um novo movimento literário veio substituí-lo. Estava centrado na revista literária "Claridade" e tinha como ponto de referência a cultura Crioula e as condições de vida da população. Baltazar Lopes, Jorge Barbosa e Manuel Lopes, três nomes fundamentais da literatura das ilhas, introduziram um novo estilo no labor poético, refletindo sobre o paradoxo que sempre atormentou o cabo-verdiano e que consiste no desejo de sair quando é forçado a ficar e no desejo de ficar quando é obrigado a partir
Atualmente, os escritores cabo-verdianos estão ocupados em recriar o seu enraizamento africano. Entre eles destacam-se Germano de Almeida e Corsino Fortes.

Os escritores cabo-verdianos Corsino Fortes (Pão e Fonema, 1974), Danny Spínola (Os Avatares das ilhas, 2008), Fátima Bettencourt (Um certo olhar…, 2001) e Vera Duarte (poeta e Ministra da Educação), estiveram no país para falar sobre as interculturalidades e intertextualidades entre Cabo Verde e Brasil.
Após uma escala na 14ª Feira Nacional do Livro de Ribeirão Preto, os escritores foram convidados para participar do evento “Diálogos Atlânticos: Cabo Verde e Brasil”, que aconteceu última segunda-feira (19), no Anfiteatro da Reitoria da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar). Os autores cabo-verdianos palestraram para um grande público presente e também concederam uma entrevista ao Livre Opinião – Ideias em Debate.

Para Jorge Valentim, professor de literaturas portuguesas e africanas da UFSCar que organizou o evento, a participação dos autores nos “Diálogos Atlânticos” forneceu uma maior “visibilidade, não apenas à disciplina, mas ao nosso objeto de pesquisa que é o das Literaturas Africanas de Língua Portuguesa, especificamente de Cabo Verde. O evento também foi uma espécie de resposta, porque as pessoas acham que a África está tão longe de nós, e os quatro escritores vieram provar não pela fala de professores, mas pela fala de escritores, que o Brasil está mais próximo da África do que podemos imaginar”.
Durante o bate-papo com o Livre Opinião, os quatro escritores falaram sobre a literatura de Cabo Verde, as relações entre a literatura e a cultura do país com o Brasil e também sobre a realidade da literatura cabo-verdiana no mundo. Confira abaixo:
Livre Opinião – Ideias em Debate: Qual o lugar da literatura de Cabo Verde no mundo?
Fátima Bettencourt: Este lugar adquiriu muita importância, pois já temos um prêmio Camões, portanto não é uma brincadeira. É uma coisa séria e que vem desde o século 17, mas tem-se conseguido pouco, pois as prioridades do país são sempre outras. Porque a terra é pobre, produz muito pouco quase nada. Então, o momento de fazer da literatura uma prioridade, eu não sei quando é que vai ser não [risos]. Mas nós vamos tentando engatinhar, fazer algumas coisas aos poucos, como este evento aqui na universidade. Também já estivemos há algum tempo na Universidade de São Paulo, pois lá há muita leitura das obras cabo-verdianas, as literaturas cabo-verdianas estão sendo muito estudadas, tem-se feito várias teses de mestrado e doutoramento em toda a obra dos cabo-verdianos, então isso dá-nos alguma animação. Mas é uma coisa muito pontual e que ainda não tem muita expressão.
Danny Spínola: Nós, em Cabo Verde, temos ainda muitos constrangimentos. Temos um espaço enorme em termos de pertencimento, que são os países de língua portuguesa, onde nós poderíamos estar inseridos, termos nossas obras neste espaço. Mas acontece que não temos grandes editoras e não temos distribuição dos livros, então o que nós editamos em Cabo Verde acaba ficando apenas em Cabo Verde, não temos essa opção de distribuição. Em Portugal, por exemplo, não há possibilidade de se fazer essa distribuição porque é muito caro, assim, é preciso ter este intercambio de fato [“Diálogos Atlânticos: Cabo Verde e Brasil”], porque são encontros como este que dão-nos a possibilidade de estarmos, por exemplo, aqui em São Carlos, fazendo a divulgação. Mas é uma coisa ainda mais no nível de convite e não uma atividade programada que nos dê essa oportunidade de levar nossa literatura para fora, então temos ainda estes tipos de constrangimentos.
Mesmo internamente, temos ainda um grande problema, pois não existe um mercado que possibilite-nos sermos editados e que nos possibilite vivermos de nossas próprias literaturas e, só então, termos a possibilidade de sair do país e mostrar nosso trabalho. Existem sim algumas editoras que vão até Cabo Verde, ou que editam ainda escritores cabo-verdianos, mas não têm uma visão ampla e acabam por escolher apenas alguns, cerceando a possibilidade de novos autores surgirem com força no mundo. Outro problema grave é que não temos críticos literários, críticos de arte… então, vês que há ainda várias questões, vários problemas em termos críticos e também comerciais, que nos impedem de termos, de fato, uma importância e uma grande visibilidade.
Vera Duarte: A literatura cabo-verdiana tem alguma visibilidade, sobretudo no mundo, porque é uma literatura escrita essencialmente em português, embora a gente já tenha alguns autores que são traduzidos em outras línguas, por exemplo, em francês e inglês. Os países africanos de língua portuguesa, além do Brasil e Portugal, têm na literatura alguma repercussão, mas devo dizer também que apesar de não haver ainda um grande movimento de tradução das obras de outros autores cabo-verdianos, muitos outros autores têm seus livros traduzidos em várias línguas. Além disso, o que se mais verifica é a presença e participação de escritores cabo-verdianos em vários países, seja da África, da América, até mesmo de países asiáticos, onde vão falar um pouco da literatura cabo-verdiana e da escrita dos escritores cabo-verdianos. Isso que é essencial para o conhecimento da literatura de Cabo Verde.
Corsino Fortes: Completando com o que disse a Vera Duarte, não há dúvida nenhuma que depois do aparecimento do Prêmio Camões a nossa expressão literária ganhou muita visibilidade e, notadamente, nas universidades também, principalmente as brasileiras. Vários escritores cabo-verdianos já são objetos de teses de mestrado e doutorado, mesmo assim o que também se deu certa visibilidade da obra foi devido a qualidade estética, abordagem e temática. Nós temos como referência na área acadêmica a professora Simone Caputo, que tem trabalhado há cerca de 40 anos sobre literatura cabo-verdiana e servindo como orientadora com muitos mestrandos e doutorandos. Não há dúvida nenhuma que entre nós isso tudo tem ajudado na divulgação das obras de Cabo Verde.
Notadamente, somos um país pacífico, não têm grandes problemas, mas de qualquer forma a literatura cabo-verdiana é muito querida e respeitada na sua qualidade estética e também no seu conteúdo. Nós esperamos que medidas políticas e diplomáticas tenham a intenção à expressão literária que se realiza hoje nos cinco países africanos de língua portuguesa, para que os livros não tenham a mesma carga fiscal que tem outros produtos, que haja uma livre circulação nas alfândegas e aeroportos. Por exemplo, nós trouxemos livros, alguns ficaram por motivos disso, é óbvio que tudo isso é um problema que tem que ser compreendido, conscientizado para que todos os países possam de fato abrir para que tudo que seja expressão cultural tenha um trânsito livre.
LOID: Quais são as principais influências da literatura brasileira nas obras cabo-verdianas? Qual a ligação que vocês têm com a literatura do Brasil?
Fátima Bettencourt: Bom, há alguns autores que não gostam que se fale em influências, mas eu, particularmente, gosto de falar. Porque, na verdade, não há nada de novo, tudo se vai aprendendo com os outros e com aquilo que já foi feito. Vamos dando nosso cunho pessoal e acho que foi isso que aconteceu conosco. Não posso garantir isso cem por cento porque não estava naquela época [risos], mas quando se começou lá o movimento Claridoso, por exemplo, que veio dar um grande impulso à literatura realmente cabo-verdiana, eles tinham lido sim o José Lins do Rego, o Graciliano Ramos, Jorge Amado e toda essa gente, então não é nenhuma asneira a gente ver que dali pegaram alguma coisa e elaboraram de outra maneira, deram suas próprias formas. Existem trabalhos feitos por investigadores que fazem uma comparação, um paralelismo, entre Manuel Lopes e Graciliano Ramos, por exemplo, principalmente no que concerne ao cunho social daquelas literaturas.
Então, há sim senhor alguma influência. Ninguém está aqui pensando que isso diminui o valor do que é escrito, pelo contrário, eu sei que o principal divulgador dos Claridosos, que era o Doutor Baltazar Lopes da Silva, nunca escondeu que lia estes livros. Ele tinha até uma frase muito bonita que dizia algo como “Caiu em nossas mãos fraternas e fraternalmente juntas os livros dos fulanos e cicranos e etc”, quer dizer, ele considerava aquilo uma coisa boa, uma coisa boa que estava acontecendo. E foi assim com a primeira leva dos escritores Claridosos, claro que depois vieram novos autores que adotaram outras técnicas, outras filosofias, literaturas e mesmo políticas, portanto, outros tipos de escrita, outras formas, outros posicionamentos e assim é. Neste assunto acredito que possa falar melhor meu amigo Danny, pois é de sua geração que estamos a falar [risos].
Danny Spínola: Pois é, sempre houve alguma intertextualidade entre escritores cabo-verdianos e também brasileiros, inclusive até na música houve sempre alguma influencia, uma dinâmica enorme em termos de encontros entre diálogos entre Brasil e Cabo Verde. No caso da literatura – vou falar de mim, pois é evidente que há diversos outros pensamentos entre a minha geração –, tivemos sempre muito mais contato também com os escritores universais, não somente os escritores cabo-verdianos, portugueses e brasileiros. Evidentemente que, em alguma altura, os cabo-verdianos não poderiam mais ficar confinados aos portugueses porque não tinham muita possibilidade de ter acesso a outros escritores – embora alguns tenham tido.
Mas, em meu caso, se eu fosse ter uma influência seria de Clarice Lispector, porque eu adoro Clarice [risos]. Mas é evidente que já convivi com vários outros escritores como Jorge Amado, Machado de Assis, Carlos Drummond de Andrade, Mário de Andrade – especialmente Macunaíma – e também vários outros poetas, desde os mais clássicos até os contemporâneos. Mas não creio que eu tenha tido influência direta deles, se calhar, talvez até tenha tido alguma, porém inconsciente. Conscientemente, acho que, se fosse ter, seria a Clarice Lispector, embora eu também goste de Cecília Meireles, Rachel de Queiroz e etc.
Fátima Bettencourt: Eu acho o seguinte: toda influência é inconsciente, senão, seria plágio [risos na mesa].
Danny Spínola: Mas não é nem que se vá fazer um plágio, pode sim haver uma influência consciente e que te vai motivar a escrever algo, como um força, como um ponto de partida, mas não realmente como plágio. Mas claro, é certo que, de se conviver com outros escritores, há frases e versos que te marcam e vão sair em tua literatura de alguma maneira, e isto é até uma coisa muito bonita.
Vera Duarte: A gente tem falado um pouco disso na palestra. Essa influência foi desde o início quando começou a ter os primeiros traços da literatura na metade do século XIX, 1850 para ser mais exato, que a primeira geração cabo-verdiana já cita escritores brasileiros como Olavo Bilac, Castro Alves, José de Alencar. Portanto, desde essa primeira geração já tínhamos vestígios de escritores cabo-verdianos terem lido os escritores brasileiros através dos livros e revistas que chegavam a Cabo Verde, sobretudo os que vinham da Europa do Norte e do Brasil e Argentina.
Depois do advento da geração modernista com a revista Claridade, esse diálogo entre Brasil e Cabo Verde se tornou mais explícito na medida em que são os próprios autores da revista Claridade que dizem que encontram nos escritores brasileiros a influência. Autores como José Lins do Rêgo, Jorge Amado, Manuel Bandeira, enfim são diversas as obras que os escritores cabo-verdianos encontraram certa cumplicidade e acima de tudo as situações sociais que verificavam existir em Cabo Verde e que fizeram muito de suas escritas um manifesto, os claridosos fincaram os pés no chão e falaram sobre as realidades do país.
Portanto, eu acho que os modernistas brasileiros tiveram um papel bastante influente para os escritores cabo-verdianos, falando genericamente.  Atualmente, as influências se tornaram mais diversificadas.
Corsino Fortes: Bom, tenho muito pouco a acrescentar do que já disse a nossa querida Vera Duarte. Na verdade, se o Movimento Claridoso apareceu em Cabo Verde e foi, podemos dizer, essencialmente a primeira tomada de consciência da posse da terra na sua expressão literária, mas também em sua relevância uma tomada de consciência política, não tão expressa porque o ambiente político não era agradável, qualquer reação contra o sistema a pessoa era presa. Não há dúvida nenhuma que esse movimento que aconteceu aqui no Brasil em 1922, que transformou o que chamam de neorrealismo chegou a Cabo Verde e foi apropriado, sendo a primeira independência em relação aos cânones literários da Metrópole [Portugal].
Já para o Brasil era a posse da terra, porque teve a independência, mas os cânones ainda eram europeus. Para Cabo Verde era também no sentido de fincar os pés no chão e termos a consciência do quem nós somos. Tudo bem, somos portugueses, mas temos uma especificidade própria. Neste sentido, começamos a buscar a nossa identidade que já vinha sendo traçada com os Nativistas, que ganhou mais vigor com os claridosos e que depois com a geração de [Amílcar Lopes] Cabral assumem a sua totalidade, uns como combatente da liberdade da pátria outros na resistência cultural até chegar de fato na independência.
Bastou a luta política no sentido de conscientização, e não há dúvida nenhuma que Brasil e Cabo Verde estavam sempre ligados, até porque existia um orgulho muito grande do Brasil independente e havia consciência disso, por isso que Cabo Verde se afastava do continente africano e começou a ter mais relações com o Brasil. Preciso dizer que houve sempre entre cabo-verdianos e brasileiros, mesmo os portugueses de esquerda, uma consciência política que  ajudaram na luta não contra Portugal e sim contra a ditadura salazarista.
LOID: Para vocês como está a literatura cabo-verdiana nos dias de hoje? Há publicações, divulgações, produções e circulações?
Fátima Bettencourt: Bom, na época da independência nós tivemos uma paralisação. Foi um momento de dizer: vamos colocar a caneta no lugar e arregaçar as mangas para resolver a situação do país, só depois vamos voltar a escrever. Tivemos esta paragem, pois foi uma mudança muito grande. Imagine ter uma bandeira e de repente subir outra, isto mexe com as pessoas, com todas as estruturas emocionais… com tudo!
Então foi isso que aconteceu, tivemos esta paragem, mas depois veio tudo de novo com muito vigor, uma vontade de escrever, de inovar, enfim, de se fazer coisas novas em literatura. Eu, particularmente, só ando a escrever contos e crônicas, tenho evitado a escrita de textos muito longos. Mas já têm me cobrado e essa brincadeira de não escrever textos longos tem também seus negativos. Enfim, há coisas que eu gosto de deixar escapar, deixar para trás, gosto de textos enxutos, sem muitos anseios.
Danny Spínola: Bom, nós não tivemos algo da mesma razão que vocês tiveram, como a Semana de Arte Moderna, não? Algo propositadamente realizado para que houvesse uma revolução em termos de escrita, em termos do ideário poético, artístico, literário. Para nós, as coisas foram acontecendo, tivemos vários e vários escritores, vários momentos. Tivemos também algumas rupturas entre alguma geração e outra em termos temáticos e até estéticos, além de termos como marco o período claridoso, que começa com a Revista Claridade e que inaugura a moderna poesia cabo-verdiana com o versolivrismo, deixando para trás os cânones clássicos das rimas e métricas, isso tudo na década de 1930.
Após a independência, como disse a Fátima, houve um momento mesmo de blackout, porque os escritores tinham já a tendência para ter uma poesia constestatória da situação colonial em que vivíamos, portanto, nós, no combate àquela imposição colonial, acabamos tendo uma paragem mesmo, não havia um motivo – no sentido de uma inspiração – claro para se escrever naquele momento de luta. Mas, depois, com o tempo, vieram sim novos escritores e mesmo os escritores que foram da Claridade e que começaram a abordar novas temáticas, novas linguagens. Além, é claro, daqueles escritores que foram da Geração Claridosa e que também são desta geração. Assim, na literatura, passamos a ter outras realidades: se antes a realidade era de seca, fome, de opressão e dessa opressão surgia a força da literatura como contestação, como reivindicação, passamos a ter outras preocupações para representar. Agora temos os espaços urbanos com muitos problemas que trazem a enfermidade ao homem, problemas psíquicos, de segurança, criminalidade, etc. Quer dizer, são outros, são novos tempos.
Portanto, temos aí uma nova geração que é ampla, heterogênea, com escritores formados por várias leituras do mundo. Há uma heterogeneidade imensa de estilo, de tema e de abordagem do mundo. Aliás, ao contrário de muitas literaturas do mundo, nós não temos escolas, ou correntes, literárias. Cada um vai escrevendo à sua maneira, cada um vai fazendo a sua literatura, consoante ao diálogo que tem com outros escritores, com o mundo.
Vera Duarte: Basicamente não podemos nos esquecer de uma coisa, nós somos um país com uma população pequena, então o público leitor não é muito, isto faz com que as edições e tiragens não possam ser de grande dimensão. Neste sentido, precisaríamos de muito mais apoio, mais possibilidades de edições, porque os nossos livros esgotam e ficam muitas vezes sem reedições. Enfim, precisaria de mais apoio, portanto, continuamos a escrever e o caminho está sendo bem trilhado.
Corsino Fortes: Nós estamos a fazer um esforço e esse esforço está ligado à criação da Academia Cabo-Verdiana de Letras [Corsino é atualmente o presidente]. Nós encontramos um governo muito aberto com ótimas ideias e espero que toda essa conjugação dos esforços possibilitará a publicação e a difusão da literatura, porque há muita gente para publicar. Existe muita gente produzindo e escrevendo só não tem condições de publicação, mas estão sendo criadas condições neste sentido. Então, temos um governo que está muito interessado, só que não há dúvida nenhuma que eu e a Vera, ela como foi ministra da Educação e eu fui ministro da Justiça, sabemos das grandes dificuldades de Cabo Verde.


Entrevistadores: Jorge Filholini e Vinicius de Andrade

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