Pesquisar este blog

quarta-feira, 14 de maio de 2014

O teatro de Carlos Bartolomeu


                                                                                             por Moisés Neto


“Ser um encenador se dá em amplo leque de liberdades criativas, técnicas exercitadas, investimento de tempo, recursos etc... Todavia, tais circunstâncias podem elas mesmas implodir um projeto criativo.  Um diretor autor deve ter em mente a realidade que o cerca e o posicionamento firme de que ele é o contador de histórias, árbitro em um perímetro que convoca seu espírito e o tempo, mais aqueles, e tudo o mais que ele reúne e conduz à reinvenção. Essa arquitetura pede cumplicidade do público; reconhecimento, compassividade, entusiasmo, prazer ou surpresa, até mesmo a silenciosa. A história já provou que tanto um quanto outro podem criar valores ou desconhecê-los. Cabe ao encenador ser fiel ao seu jeito especial de revelar ou encobrir. O encenador-professor diferencia-se na medida em que não pode excluir do seu diálogo com os alunos a exposição permanente e transparência. Todos seus atos devem estar ao alcance da crítica, mesmo da crítica fácil, impertinente. Não pode impor seu ponto de vista, mas defender a variedade de pontos de vista. Mesmo sua ironia e tons depreciativos devem estar ao alcance dos discípulos e revelar para eles a humanidade e os sombrios desvãos do conhecimento. O encenador se mascara; o encenador-professor se confessa.”, afirma-nos Carlos Bartolomeu, Professor do Dept° de Teoria da Arte da UFPE.  Ele  possui graduação em Comunicação Social pela Universidade Federal de Pernambuco (1977) e mestrado em Biblioteconomia UFPB(1998). Tem experiência na área de Artes, com ênfase nas Artes Cênicas, atuando principalmente em Educação Artística nos seguintes temas: teatro, memória, encenador, sonoplastia e teleteatro e cinema. Desenvolve projeto de pesquisa sobre o Teatro pernambucano e seus encenadores. Encenador teatral, pesquisou e escreveu sobre a teledramaturgia pernambucana, editando a historia da televisão através da publicação - TESTEMUNHO DE ATORES-PANORAMA DO TELETEATRO DA TV JORNAL DO COMMERCIO. Na dramaturgia destaca-se o seu TEATRO SUSPEITO. Dirigiu peças  premiadas como PARA UM AMOR NO RECIFE ("A ação se passa na noite de Natal, no calçadão da Praia do Pina. O foco é a cidade do Recife, os personagens são daqui... Acho que isso é uma das coisas mais importantes para o teatro atualmente, tratar da realidade, de coisas próximas ao público", destaca o diretor), e musicais como A ILHA DO TESOURO, que também recebeu vários prêmios da Associação de produtores teatrais. Em setembro de 2009 lançou o livro sobre documentaçãp de programas de peças - CARTAS DE PREGO. 
Em 1980, o grupo de Teatro Vivencial   levou ao palco do Teatro de Santa Isabel (Recife)  All Star Tapuias, colagem de textos escritos por Antonio Cadengue, Carlos Bartolomeu e Guilherme Coelho, que também assinam a direção do espetáculo. Mutilada pelos cortes da Censura Federal, a montagem encerra suas apresentações no Teatro de Santa Isabel e faz temporada no Vivencial Diversiones, onde é lançado o Manifesto Quá-Quá-Quá, em que se reafirma: "o prazer é gargalhar" (conforme está registrado no na enciclopédia do Itau Cultural). E sobre isso Bartô ainda esclarece:All star tapuias, se a memória não me falha, nasce de uma espécie de resumo crítico de Amir Hadad, no qual ele divisava o brasileiro com a cabeça à esquerda e o coração à direita. Antonio contou-me essa historia acrescida de detalhamentos sobre um universo plástico teatral. Debate e síntese de tal visão seriam a escola, o circo e o cabaré. Desenvolvemos conjuntamente o roteiro, dividimos as direções. Coube-me encenar o Circo, a escola ficou com Antonio e o Cabaré com Guilherme. Havia entreatos, uma abertura e finale operísticos, onde apresentávamos os principais manifestos ligados à Semana de 22, como também um manifesto que eu escrevera: o “MANIFESTO QUÁ QUÁ”. Tal discurso apresentava nossas aspirações dentro de uma ótica modernista, e mixava comicidade e crítica com a política e o sentido dramático do período”.


Enquanto  dramaturgo e diretor teatral recifense, pensa (e põe em prática) um teatro que se possa vivenciar e o faz com o olho e o desejo voltado para as fontes mais antigas desta arte que muitos dizem está em extinção (o teatro como o conhecemos hoje e desde a Grécia 500 AC).
Suas ideias que de longe, dos centros de criação europeus ou americanos (e sulistas) nos são enviadas (para nós, criadores da metrópole-Recife que já tivemos o tempo necessário, e mais que o tempo físico, o tempo interior para nos desvincularmos desse ordenamento, dessa imposição cultural, externa) nos faz reconhecer que a importância das construções de outros espaços, de
criadores estranhos a nossa cultura e realidade, não implica necessariamente
numa tomada de posição comprometida com a repetição dos achados teóricos e
práticos dessas matrizes.


Carlos Bartolomeu, Moisés Neto, Ivonete Melo e José Francisco Filho 
em frente ao teatro Arraial, Recife




Seu livro “Teatro Suspeito”  foi lançado em 2007 e também gerou certa polêmica em torno dos rumos que tomam  as Arte Cênicas em Pernambuco.
Em relação aos  trabalhos da nova geração de dramaturgos formada por Moisés Neto, Luiz Felipe Botelho, Samuel Santos, Adriano Marcena, Newton Moreno, João Falcão, Bartolomeu opina sobre a relação que a encenação contemporânea mantém com esses escritores, pensando que nos anos 80 do século passado : “Não creio que procurássemos dar força maior aos estrangeiros; havia teatro local cunhado a partir dos ecos sertanejos e posturas agrestes, uma galeria interessante de tipos e vozes deslocadas das zonas interioranas. Era como não houvesse uma voz teatral das grandes cidades nordestinas. Entre o medievo e a desolação tropical filtrava-se a veia dramatúrgica. Necessitávamos de uma dramaturgia que espelhasse nossa visão, nosso entrelaçamento com o mundo que buscávamos criar, como também o estranhamento que o mundo já erguido por outros, antes de nós, assinalava. Quanto à dramaturgia de Moisés Neto, ele explora e apresenta o mundo íntimo de seu autor e de sua convivência com o mundo de nosso irrealismo teatral . Sua escritura vive disso e incorpora os efeitos e as ações desses mundos deplorando em ambos o lado insustentável e evanescente. A ação tateante de suas personagens retoma trejeitos e ridicularias do entorno risível e da precariedade de nossas construções e pretensões . Espelho quebrado, enquadra o ilusório de nossa materialidade, delimitando o espaço tragicômico do conviver, do re/criar, gritando dissonante por afeto, compreensão e palco. Porque para maioria de nós é penosa essa aceitação? Para maioria de nós, sujeitos normais eles podem ser tudo menos artistas; podem até se tornar artistas. Mas, terem em si, a verdadeira chama da criação, o desejo inesgotável do fazimento...isso nós duvidamos. No caso das criativas mentes provincianas a proximidade não é um espaço de reconhecimento e avaliação, antes é o lugar do desconforto diante da individualidade que se lança corajosa. Penso alto e na defesa daqueles que hoje se lançam e lutam por espaço. Penso e escrevo projetando muito daquilo que houve em mim, nos de agora . Penso em mim e na poesia que necessita e deve ser aceita: a de Moisés Neto.”

Bartolomeu também assinou a montagem da peça ATORES DO ÓRGÃO IRRESPONSÁVEL, uma produção da TELAC e COMPANHIA DO CHISTE, apresentando três grandes atores: Paschoal Filizola, Rodrigo Cunha e Rogério Bravo. A peça tem dois atos: ATORES DA NOITE (texto de Carlos Bartolomeu) e O CORAÇÃO É UM ÓRGÃO IRRESPONSÁVEL (texto de Walther Moreira Santos). O pequeno teatro Joaquim Cardoso lotou durante várias sessões e o que se ouvia era o riso solto, descontraído e debochado (deboches escrachados da representação).

Para se ter uma ideia, afirma-nos o cronista Dom Antônio,  do que é a peça,  “transcrevo a chamada nos folhetos: ´Nós sabemos o que você faz nos cinemas, nas ruas escuras, só ou acompanhado. O que você apronta nos bares, saunas e boates, na sua escola, até mesmo, no recesso sagrado do seu próprio lar´. E, conclue, ameaçando: ´E nós vamos contarrrrr´. E contam mesmo. Desnudam os ambientes gays e heteros dos mais recônditos espaços nelsonrodrigueanos (sim, vi alguma coisa de Nelson Rodrigues) de qualquer cidade metropolitana, chegando em alguns momentos a causar quase um choque, mas é tudo colocado de uma maneira tão delicada que você não sente. O teatro dirigido por Carlos Bartolomeu prova que pode ser feito um teatro alegre, humorador, engraçado, de massa, sem cair na pornografia gratuita dos espetáculos a la Cinderela cuja fórmula está cansando. Diverte com escracho e alegria. Debocha com muito humor. Pra mim sã duas as peças do ano: Poemas Esparadrápicos e Atores do Órgão Irresponsável!”


Em depoimento para nossa coluna Carlos afirmou certa vez:
“ Uma atitude conscientemente pirata é a origem de nossa canibalizada modernidade. Somos nossa matriz. O teatro feito por nós precisa menos dessa muleta cultural para se resolver enquanto arte. Precisamos sim, revelarmos a nós mesmos, o quanto de subserviente e colonizado existe em nossa artisticidade, quando aquiescemos em reverenciar a continuidade desse modelo.
É sempre no outro, no ser ausente, de língua estranha, de costas voltadas
pra nós que apontamos nossa busca, imaginamos nosso acerto. Recriamos
sempre a ilusão, que tudo é mais próximo quando instalado na casa vizinha, na
sala do adversário, no quarto das babás importadas. Estripemos as babás e
envenenemos os seus chás. Dificilmente a realidade artística é tomada sob nossa responsabilidade e assumida como nossa cria. Abrimos mão de sermos fabricantes de nossa receita.”
Essa atitude diante do que  nossa própria identidade criativa, mesmo aquela que é pirateada ou híbrida. Faz do teatro de Bartolomeu algo que nos traz de volta o jogo, o lúdico, a busca da identidade m como construção individual que se projeta no coletivo enquanto discussão, evolução. O teatro com sua responsabilidade social, mas também como uma brincadeira (“está bem, me proponham a
adjetivação: séria!”, desafia-nos o mestre), onde se faz necessário apenas, parceiros, espaço e... toda uma vida!
“O dolo é fingirmos acreditar que isso, só é possível no quintal do vizinho.”. Assim Carlos nos coloca em xeque dramático.

Bartolomeu é um diretor teatral eclético, que transita com facilidade por diferentes formas de produção de espetáculos. Atualmente é diretor artístico da Companhia do Chiste. Acredita no teatro como um fato de palco e, assim, exerce seu trabalho tanto a partir de peças de autores dramáticos - como Fernando Arrabal, August Strindberg, Moisés Neto, Luiz Francisco Rebello, Jean Tardieu, Hermilo Borba Filho, Bernardo Santareno, Alfred Jarry, Eurípedes, Jorge Andrade, José Carlos Cavalcante Borges, Plínio Marcos, entre outros - quanto retrabalhando materiais como em A vida diva, Flash clowns e Ato negativo. Recentemente publicou seus primeiros textos teatrais no livro Teatro Suspeito. A qualidade dos trabalhos de Bartolomeu se deve tanto ao vivo interesse que demonstra pelo trabalho do ator, quanto ao talento na composição rítmica da cena e na sua profunda compreensão da riqueza e multivalência do jogo teatral. Em entrevista concedida a Wellington Jr. e Rodrigo Dourado, Carlos declarou:
“Admitindo não haver aquilo que se convencionou chamar de estética homossexual, acredito que a poesia é privilégio dos corações abertos de todos os gêneros ou daqueles que porventura ainda desabrocharão. Para mim, isto é um fato, independentemente de gostos, predileções, discussões ou perturbações ideológicas.  A obra de arte verdadeira não tem gênero, discute-o, e não se confunde com a questão. Meu imaginário cultua Marlowe, compreende a sua fervorosa e bélica sexualidade, dentro de um limite que intuo ser uma revelação pessoal através de Eduardo II. Neste memorial de personas ‘superiores’, espreito uma dinâmica na organização de material ‘em construção’ – memória oral, documentos de época, gossip - e muito, muito de inspiração arrebanhada de sua agitada vida de outsider. Poreja suor e sêmen de seus relatos subtraídos às frestas da documentação ‘real’. Neste sentido acompanho a via inspiradora do poeta e penso que devemos muito a ele e à sua narrativa grandiosa de uma história de cunho homossexual. Dentre os relatos sobre Cristophe Marlowe, diverte-me imaginá-lo espião a serviço da corte, e que alguns tenham chegado a afirmar que ele teria sido a sombra criadora de Shakespeare. Tal afirmativa coteja os aspectos da carreira literária do bardo inglês às criações de Marlowe e o desaparecimento deste insuperável criador. Eduardo II é um texto que reverencio, e nele encontramos o espírito independente e criador de uma época, como também a política inteligente de uma família que transgride e recria uma nação. É sempre enriquecedor observarmos como essa família, os ‘Tudor’, dialogava com o drama na sua real dimensão, legando à poesia do teatro de seu tempo, e a eles mesmos, uma dramaticidade insuperável, tão iridescente quanto os ‘Médici’ na sua relação com a pintura e escultura do renascimento italiano. Considero a definição ‘caráter homoerótico’ como um vocábulo superável dentro do tempo por vir. Ainda nos desnorteia a certeza de que somos iguais na diversidade: heteros, bi, trans. As inumeráveis possibilidades da sexualidade humana deslizam a meu ver pelo transitório. O que está em constante estado de expansão é a amorosidade. Anseio que meu texto SUSPEITO arranhe de leve tal espírito e comporte-se diferentemente da tradição culposa e sofredora modelada por uma herança de pecado, e que se apresenta na atualidade reencenando o embate vitima/algoz em circunstâncias polarizadas, onde se premia a morte, a vergonha, a derrota e o medo. Observo que na arte o compromisso moral é acessório. Insisto que o movimento da poesia é para o alto e luminoso; e isso é um ‘compromisso’ que certo viés lúmpen desdenha em confrontar. O compromisso em não esconder que o mundo é transitório, suas ideologias são passageiras e no fim das coisas o que conta é o afeto humano, e que, se existe, como bem reconheço, provisoriedade, há sobretudo durabilidade no querer humano, quando ele não avaliza o negativismo e a reprodução do mesmo. Há ternura e compreensão desses potenciais no meu texto. Ela se exprime através da conversação entre corpos parecidos, todavia diferentes em vivenciar o mundo. Cada persona que se materializa, tanto em ‘Atores da Noite’ como em ‘Ensaio Aberto’, poderia travestir sua identidade e revelar-se no gênero oposto; o casal seria macho e fêmea, ou mulher-mulher, ou simplesmente velho-novo, preto-branco: Clovis e Tonis. Não quero, com isso, parecer que me desvio do fato de que minha clara opção tenha se dado por personagens de sexualidade e desejos homo. Apresentando corpos iguais, matizados por um desejo de iguais traço, uma metáfora sobre as energias da carne e do espírito, e de que tais campos de força devem superar as distâncias entre si. Minha iniciação à escritura dramática sem dúvida deve-se ao meu mestre Isaac Gondim Filho. No meu primeiro exercício de direção realizado em sua disciplina de – Interpretação (!) -, idos de 1972, ele observou enfaticamente minha disposição em reescrever as cenas e as intenções por sobre o original. O texto encenado era de Hermilo Borba Filho, Electra no Circo, que, em 1974, eu viria montar pelo TEOR (Teatro Experimental de Olinda e Recife), grupo teatral da Academia Santa Gertrudes de Olinda. O hábito de roteirizar minhas ideias para encenação auxiliara-me a recortar possibilidades de uma geografia íntima, e favoreceria a desenhos de cena posteriores. Ressoam em meus ouvidos sempre as palavras de Isaac: “Escreva, Carlos, escreva....” Lutei contra este apelo... O temor de me revelar. Eu adivinhava que escrever para teatro seria contar a história de minha trajetória e de vidas que eu acompanhara. A este temor acrescente-se a ideia do sagrado e de superior da literatura, fundamental para muitos, mas no meu conceito completamente negativo. Precisava essa ideologia como conservadora, cunhando de privilégios a literatura em detrimento daquilo que é a ação verdadeiramente definidora do que seja teatral: o espetáculo. A representação sempre compreendida como uma continuação do ato de escrever, secundário, mesmo de acordo com algumas visões, e isso criava dentro de mim uma tensão da qual eu me evadia. Temia esse ‘para sempre’ e as responsabilidades dele, nascidas. Há volúpia em se cultivar a imortalidade de fardão, que hoje eu apenas acho cômica, já não me restringe, e sei que minha arte é vividamente impregnada do intangível e do impermanente, sendo essa natureza a motivação de raiz que estabelece minha conversação com o teatro. Gosto dos meus roteiros, tais como os citados por você, minha visão cubista da cena deixa-me completamente à solta frente aos textos... Esta visão possibilitou-me arriscar a criação literária. Por causa dessa visão, revisitei com encenações diferenciadas textos por mim já realizados.  Ubu rei, de Jarry, foi um exemplo. Atualmente Atores da noite reapresenta-se sob uma ótica diversamente oposta da montagem inaugural que havia em Atores do órgão irresponsável. Minimalista, lírica, atrelada a uma auto-ironia melancolicamente cinematográfica e onde o grande recurso da cena são os corpos de atores a meio caminho entre dança e teatralidade.”



Nenhum comentário:

Postar um comentário