Um
minuto para repetir... TE AMO
por Moisés Monteiro de Melo Neto*
parte da equipe da peça UM MINUTO PARA DIZER QUE TE AMO
A
peça UM MINUTO PARA DIZER QUE TE AMO vem
acumulando prêmios desde a sua estreia com boa aceitação de público e crítica,
são quase dois anos de sucesso. Fiz o dramaturgismo, a partir do texto de Navarro,
a convite do grupo Matraca. Fico feliz pelo êxito de tantas temporadas, viagens
etc. Há que se destacar aqui o trabalho do diretor Rudimar Constâncio e de
Carlos Lira.
Sempre amorodiei o Recife, sua toda repressão, liberdade e libertinagem
contida neste lugar e sempre quis expressar a minha opinião sobre o que é viver
aqui, como escritor, professor universitário, brincante, amante, intelectual
etc. Quem, hoje em dia, quiser combater a mentira e a ignorância e escrever a
verdade tem de vencer, pelo menos, cinco obstáculos. Tem de ter coragem de escrever a
verdade, muito embora, por toda parte, esta seja reprimida; tem de ter a argúcia de
reconhecê-la, muito embora, por toda a parte, ela seja encoberta; tem de
ter a arte de a tornar
manejável como uma arma; tem
de ter capacidade de ajuizar, para selecionar aqueles em cuja, mãos ela será
eficaz; tem de ter o engenho de a difundir entre estes. Não podemos ficar
sentados esperando a crise passar. O texto de Navarro e a direção de Rudimar, o
elenco e técnica de UM MINUTO PARA DIZER QUE TE AMO trazem à luz algo que as
brumas da memória tentam ocultar, desconstruir: a Doença
de Alzheimer, incurável e progressiva, prima da demência, inimiga da memória,
discutida desde 1906. Teatro como tribuna da linguagem amorosa que apresenta
esse entrelugar
onde eu, supereu e ID se confundem de volta ao pó cósmico, na intenção de um
cântico poético que reflete 36 milhões de pessoas vítimas deste mal silencioso
e fantasmagórico, o Alzheimer. No Brasil, são quase 2 milhões de casos
registrados.
O texto de teatro não é puro,
ele se mistura com a vulgaridade do mundo. Ela é instrumento polifônico de
poder que permite aos excluídos a indignação pela exclusão; sem ciência da dramaturgia, o resto é
desespero, a ordem em meio à lama e ao caos. A peça a peça de teatro é mais
plausível que a vida e um palco é um bom lugar para reflexão. Somos seres de
linguagem. A delicada direção de Rudimar, o cenário de Sephora, a música de
Samuel, tudo isso nos remete a algo pré-verbal que podemos comparar com algo
dentro e fora dos nossos corações e mentes: grunhidos, suspiros, gritos,
sussurros, palavras, gestos etc. Muitas
coisas podem ser feitas, além da tristeza e do desespero. Devemos tentar
entender a vida não apenas pelo conhecimento dividido das épocas passadas, o
que foi, mas sim pelo que
já não somos ou pelo que poderemos ser. UM MINUTO PRA DIZER QUE TE AMO
interroga o espaço que nos cerca e suas cruéis intermitências. Textos teatrais são
como embarcações: espaços
flutuantes lançados na imensidão das águas são reflexos, como este
agora o é, dos outros textos que lemos, ouvimos e sentimos no mundo. José
Manoel Sobrinho uma vez me disse: “considero a
literatura hoje uma das linguagens mais instigantes”. Sim, e a dramaturgia
é o espaço do possível de ruptura com a noção primitiva do tempo. A linguagem da
dramaturgia supera o tempo (embora uma peça aconteça dentro dele): realizando,
e desrealizando, busca nas
palavras a presença dos seres; é literatura como sendo um “outro” lugar, um
acesso a um mundo onde se pode enxergar o que não
se deveria ver: uma experiência
extrema do pensamento. O buraco da fechadura nelsonrodriguiano. O dramaturgo reinventa as palavras, desliza
entre os sentidos, penetra espaços, habita neles, sem se fixar num lugar, sem
estar em terra firme, o texto no palco segue rumo ao horizonte da compreensão,
do espectador ser enquanto ser múltiplo, plural, mutante, em comunhão com a
cena.
*Moisés Monteiro de Melo Neto
(professor universitário, pesquisador, escritor, Doutor em Letras pela UFPE)
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