Pesquisar este blog

sexta-feira, 31 de maio de 2019

UM MINUTO PARA DIZER QUE TE AMO


Um minuto para repetir... TE AMO

                                    por Moisés Monteiro de  Melo Neto*


parte da equipe da peça UM MINUTO PARA DIZER QUE TE AMO


        A peça UM MINUTO PARA DIZER QUE TE AMO vem acumulando prêmios desde a sua estreia com boa aceitação de público e crítica, são quase dois anos de sucesso. Fiz o dramaturgismo, a partir do texto de Navarro, a convite do grupo Matraca. Fico feliz pelo êxito de tantas temporadas, viagens etc. Há que se destacar aqui o trabalho do diretor Rudimar Constâncio e de Carlos Lira.  
Sempre amorodiei o Recife, sua toda repressão, liberdade e libertinagem contida neste lugar e sempre quis expressar a minha opinião sobre o que é viver aqui, como escritor, professor universitário, brincante, amante, intelectual etc. Quem, hoje em dia, quiser combater a mentira e a ignorância e escrever a verdade tem de vencer, pelo menos, cinco obstáculos. Tem de ter coragem  de escrever a verdade, muito embora, por toda parte, esta seja reprimida; tem de ter a argúcia de  reconhecê-la, muito embora, por toda a parte, ela seja encoberta; tem de ter a arte de a tornar manejável como uma arma; tem de ter capacidade de ajuizar, para selecionar aqueles em cuja, mãos ela será eficaz; tem de ter o engenho  de a difundir entre estes. Não podemos ficar sentados esperando a crise passar. O texto de Navarro e a direção de Rudimar, o elenco e técnica de UM MINUTO PARA DIZER QUE TE AMO trazem à luz algo que as brumas da memória tentam ocultar, desconstruir: a Doença de Alzheimer, incurável e progressiva, prima da demência, inimiga da memória, discutida desde 1906. Teatro como tribuna da linguagem amorosa que apresenta esse entrelugar onde eu, supereu e ID se confundem de volta ao pó cósmico, na intenção de um cântico poético que reflete 36 milhões de pessoas vítimas deste mal silencioso e fantasmagórico, o Alzheimer. No Brasil, são quase 2 milhões de casos registrados.
O texto de teatro não é puro, ele se mistura com a vulgaridade do mundo. Ela é instrumento polifônico de poder que permite aos excluídos a indignação pela exclusão; sem ciência da dramaturgia, o resto é desespero, a ordem em meio à lama e ao caos. A peça a peça de teatro é mais plausível que a vida e um palco é um bom lugar para reflexão. Somos seres de linguagem. A delicada direção de Rudimar, o cenário de Sephora, a música de Samuel, tudo isso nos remete a algo pré-verbal que podemos comparar com algo dentro e fora dos nossos corações e mentes: grunhidos, suspiros, gritos, sussurros, palavras, gestos etc.  Muitas coisas podem ser feitas, além da tristeza e do desespero. Devemos tentar entender a vida não apenas pelo conhecimento dividido das épocas passadas, o que foi, mas sim pelo que já não somos ou pelo que poderemos ser. UM MINUTO PRA DIZER QUE TE AMO interroga o espaço que nos cerca e suas cruéis intermitências. Textos teatrais são como embarcações: espaços flutuantes lançados na imensidão das águas são reflexos, como este agora o é, dos outros textos que lemos, ouvimos e sentimos no mundo. José Manoel Sobrinho uma vez me disse: “considero a literatura hoje uma das linguagens mais instigantes”. Sim, e a dramaturgia é o espaço do possível de ruptura com a noção primitiva do tempo. A linguagem da dramaturgia supera o tempo (embora uma peça aconteça dentro dele): realizando, e desrealizando, busca nas palavras a presença dos seres; é literatura como sendo um “outro” lugar, um acesso a um mundo onde se pode enxergar o que não se deveria ver: uma experiência extrema do pensamento. O buraco da fechadura nelsonrodriguiano. O dramaturgo reinventa as palavras, desliza entre os sentidos, penetra espaços, habita neles, sem se fixar num lugar, sem estar em terra firme, o texto no palco segue rumo ao horizonte da compreensão, do espectador ser enquanto ser múltiplo, plural, mutante, em comunhão com a cena.
*Moisés Monteiro de Melo Neto (professor universitário, pesquisador, escritor, Doutor em Letras pela UFPE)

Nenhum comentário:

Postar um comentário