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domingo, 5 de maio de 2019

RASCUNHO/ ROTEIRO SOBRE PEÇA/ PERFORMANCE MODERNISMO 1ª FASE Exercício TEATRO COMO FERRAMENTA PEDAGÓGICA



Prof. Moisés Monteiro de Melo Neto



Slide de um quadro surrealista; jovens ao redor de uma mesa grande de centro (que eles a usarão para subir e fazer suas “performances”; há jarras com chá gelado, frutas, alguns doces, num carrinho de chá, ao lado; há um grande arranjo de flores , à esquerda; um som baixinho com um excelente jazz, que não interfira na compreensão do que os jovens que estão na sala dizem)

ALUNA 1: acho bom começarmos logo o ensaio; a galera que ainda não chegou que se vire depois... solidariedade tem limite e o meu já esgotou...
ALUNO 2: vou logo dizendo, sei que não sou a única: não decorei tudo, mesmo sabendo que a professora Fátima não vai dar sopa... e que  o negócio da apresentação no teatro é pra já; sugiro que quem quiser fique com o texto na mão; os que decoraram podem ficar sem...

ALUNO 1: concordo. Alguém discorda?

(ninguém levanta a mão)

ALUNO 1: então...observem bem o slide desta pintura! Os surrealistas admitem que a razão nos dá a ciência, mas defendem que só a “não-razão” pode dar-nos a arte. Apropriam-se da técnica de colagem dos dadaístas...

(exibição de slide com composição dadá e exibe novo quadro surrealista)

ALUNO 1:  Olhem bem!  Eles exibem objetos deslocados dos seus lugares, formados à maneira do sonho cujo resultado são misturados interessantes (ou insólitas, desconcertantes), trabalham com a idéia do INCONSCIENTE. Para os surrealistas, o importante é:
– a imaginação contra a lógica.
– o maravilhoso e o sobrenatural.
– a escrita automática (escrever ao fluxo do inconsciente):
“Quando sinto a impulsão lírica, escrevo sem pensar tudo o que meu inconsciente me grita.”, como avisa Mário de Andrade. Enquanto isso, no Brasil da década de 20 do século passado...

(Aluna 1 fica no centro de uma roda como se a sala fosse um acampamento de jovens e declama como se fosse um pajé explicando uma lenda à tribo)

ALUNA 1: “(...)  Macunaíma enxergou numa lapa bem no meio do rio uma cova cheia d’água. E a cova era que nem a marca dum pé gigante. Abicaram. O herói depois de muitos gritos por causa do frio da água entrou na cova e se lavou inteirinho. Mas a água era encantada porque aquele buraco na lapa era marca do pezão do Sumé, do tempo em que andava pregando o evangelho de Jesus pra indiada brasileira. Quando o herói saiu do banho estava branco louro e de olhos azuizinhos, água lavava o pretume dele.”

ALUNO 1: Macunaíma, o herói sem nenhum caráter, romance, ou melhor rapsódia, de Mário de Andrade)

ALUNO 2: Seria bom deixar claro quel o que é RAPSÓDIA... é como o filme sobre o QUEEN? Bohemian RhapsodY, SOBRE O Freddie Mercury e tal...
ALUNO 1: Rapsódia é uma composição livre que obedece características especiais ou clássicas, é uma justaposição, de escassa unidade formal de melodias populares e de temas conhecidos, extraídos com frequência de óperas ou uma peça próxima ao improviso, com fulcro em temas de inspiração folclórica (como podemos ainda ver na literatura, como em MACUNAÍMA, de Mário de Andrade, participante da Semana de 22.
ALUNA 2: eu posso acrescentar que as rapsódias caracterizam-se por terem apenas um movimento,  mas podendo integrar fortes variações de tema, intensidade,  sem necessidade de seguir uma estrutura pré-definida,  não há necessidade de repetir os temas, podem-se criar novos ao sabor da inspiração.

ALUNO 2: o surrealismo na poesia BRASILEIRA, AS HERANÇAS CUBOFUTURISTAS... os poemas de Oswald de Andrade mostram o mundo fragmentado do contemporâneo numa luta caótica em busca de sua realização: a síntese representada e expressa pelo poema.
ALUNA 1: vejam só esse poema de Oswald:
Chove chuva choverando
que a cidade de meu bem
está-se toda se lavando
Senhor
que eu não fique nunca
como esse velho inglês
aí ao lado
que dorme numa cadeira
à espera de visitas que não vêm
Chove chuva choverando
que o jardim de meu bem
está-se todo se enfeitando
A chuva cai
cai de bruços
A magnólia abre o pára-chuva
pára-sol da cidade
de Mário de Andrade
A chuva cai
escorre das goteiras do domingo
Chove chuva choverando
que a cidade de meu bem
está-se toda se molhando
Anoitece sobre os jardins
Jardim da Luz
Jardim da Praça da República
Jardim das platibandas
Noite
Noite de hotel
Chove chuva choverando

ALUNO 2: não gosto, deveríamos cortar este poema, Oswald tem melhores...

ALUNO 1: quem é a favor de cortar esse poema?

(ninguém levanta a mão)

ALUNO 1: ninguém?! Prossiga, aluna 1; fale logo sobre a poética de um cara que não foi ao Teatro Municipal de São Paulo, na Semana de arte moderna de 22 , mas mandou o poema OS SAPOS, o recifense Manuel bandeira que torpedeou os parnasianos...
(os 4 alunos, ou mais, de acordo com a direção, podem ser até 10...)
Enfunando os papos,
Saem da penumbra,
Aos pulos, os sapos.
A luz os deslumbra.
Em ronco que aterra,
Berra o sapo-boi:
- "Meu pai foi à guerra!"
- "Não foi!" - "Foi!" - "Não foi!".
O sapo-tanoeiro,
Parnasiano aguado,
Diz: - "Meu cancioneiro
É bem martelado.
Vede como primo
Em comer os hiatos!
Que arte! E nunca rimo
Os termos cognatos.
O meu verso é bom
Frumento sem joio.
Faço rimas com
Consoantes de apoio.
Vai por cinquenta anos
Que lhes dei a norma:
Reduzi sem danos
A fôrmas a forma.
Clame a saparia
Em críticas céticas:
Não há mais poesia,
Mas há artes poéticas..."
Urra o sapo-boi:
- "Meu pai foi rei!"- "Foi!"
- "Não foi!" - "Foi!" - "Não foi!".
Brada em um assomo
O sapo-tanoeiro:
- A grande arte é como
Lavor de joalheiro.
Ou bem de estatuário.
Tudo quanto é belo,
Tudo quanto é vário,
Canta no martelo".
Outros, sapos-pipas
(Um mal em si cabe),
Falam pelas tripas,
- "Sei!" - "Não sabe!" - "Sabe!".
Longe dessa grita,
Lá onde mais densa
A noite infinita
Veste a sombra imensa;
Lá, fugido ao mundo,
Sem glória, sem fé,
No perau profundo
E solitário, é
Que soluças tu,
Transido de frio,
Sapo-cururu
Da beira do rio...

ALUNO 1: todos agora  misturam como a poética, poema onde Bandeira declara a essência da sua poesia...

“Quero antes o lirismo dos loucos
O lirismo dos bêbados
O lirismo difícil e pungente dos bêbados
O lirismo dos clowns de Shakespeare
– Não quero mais saber do lirismo que não é libertação.”

ALUNA 3: quase um século depois e a Semana de Arte Moderna, comenta as relações entre o Modernismo e o contexto político; o movimento da inteligência que representamos, na sua fase verdadeiramente “modernista”, não foi o fator das mudanças político-sociais posteriores a ele no Brasil. Foi essencialmente um preparador, o criador de um estado-de-espírito revolucionário e de um sentimento de arrebentação. [...] Os movimentos espirituais precedem sempre as mudanças de ordem social. “O passado é lição para se meditar, não para reproduzir.”  Mário de Andrade

ALUNO 2: Reação de caráter demolidor ao ademicismo reinante nas nossas artes...
ALUNA 2:  escritores, pintores, escultores e poetas compuseram naquele teatro um espetáculo de inteligência cultural jamais visto na história brasileira.

(chega um aluno molhado de chuva e todos fazem pausa, comem doces, toma chá gelado, coca cola... fruta, alguém pega uma banana e diz..)

ALUNO 1: antes tarde do que nunca, não é JR?

ALUNO 3: CHUVA, TRÂNSITO... whatsapp, Instagram... mamãe... meu irmão pequeno...

ALUNA 2; pare (coloca a mão no peito e dramatiza) se você falar mais eu choro... DEIXA DE PAPO E LÊ AÍ A PÁGIUNA 4, VAI...


ALUNO 3:  (depois de se acomodar e escutar a música que ficou mais alta enquanto ninguéM falava) :   em meio a vaias e berros, ao executar composições como “Impressões da Vida Mundana”, Villa-Lobos reforçou naquele palco sua imagem de gênio da música; carioca, acabou entrando para sempre na memória da cidade, onde, tempos depois, veio a organizar projetos de educação musical nas escolas.

(slides exibem quadros de anitta malfatti)

ALUNA 1: Anita Malfatti, considerada  quase uma mártir do movimento modernista, devido às reações que uma exposição de seus quadros, em  1917, provocou na intelectualidade da época. E por causa do artigo de Monteiro Lobato: “Paranóia ou Mistificação?”, tentando detonar a exposição dela...
ALUNO 2: lembrando que Graça Aranha – da Academia Brasileira de Letras – aderiu às novas idéias eDi Cavalcanti, coloca o cartaz da semana que ele fez, inspirado no O nascimento de Vênus, mostra também o nascimento de Vênus e compara com o cartaz, logo! Tas comendo mosca é JR?
(JR assume os slides)

ALUNO 3: (mostrando foto de Graça Aranha/  slide, claro)  Graça Aranha abre a Semana com a palestra “EMOÇÃO ESTÉTICA NA OBRA DE ARTE.” A arte e a literatura precisam mudar.

ALUNA2 : bem depois  Menotti Del Picchia fala sobre “Arte Moderna”. Reivindica liberdade total de expressão (vaias e mais vaias do público). A Semana de Arte Moderna aconteceu devido ao apoio financeiro dos fazendeiros de café.

(alunos agora formam como se fosse uma marcha de protesto pelas ruas/ corredores do teatro, ao redor da sala etc.)

Queremos escrever com sangue – que é a humanidade;com eletricidade – que é movimento, expressão dinâmica do século; violência –  que é energia bandeirante.” (Menotti Del Picchia)

Aluno 1:          (voltando ao normal) O Modernismo, segundo Mário de Andrade, não tinha um programa comum, uma direção a ser seguida. “A estética do Modernismo ficou indefinível” , disse Mário,
Mas predomina a renovação literária e o experimentalismo, a inspiração nacionalista, o desenvolvimento e o estímulo à pesquisa formal.

TODOS GRITAM: (como se fossem esnobes)  ICONOCLASTAS! Queriam destruir tudo que não fosse moderno!  Interesse pelas coisas do Brasil!  VALORIZAÇÃO DO INCONSCIENTE, DE CENAS COMUNS DO DIA A DIA!
A linguagem da poesia se aproxima da linguagem da prosa! Rupturas sintáticas e lógicas; caricatura da retórica!

IRREVERÊNCIA! PARÓDIA, como poema-piada na “língua brasileira” alicerçada no falar da nossa gente; linguagem coloquial, a linguagem oral das camadas mais humildes) é incorporada à linguagem literária. Liberdade lingüística – criam-se palavras, mudam-se as classes gramaticais (os sempres, os amanhãs), linguagem sintética; liberdade, na poesia, quanto à metrificação (uso de versos livres ou metrificados). Postura agressiva e combativa:

ALUNA 2: Eu insulto o burguês! O burguês-níquel
o burguês – burguês!
A digestão bem feita de São Paulo!
O homem – curva! O homem – nádegas!
O homem que sendo francês, brasileiro, italianos,
é sempre um cauteloso pouco a pouco!
(Mário de Andrade)


Aluno 1:  (os outros fazem mímica desta cena, atrás)
No baile da corte
Foi o Conde d’Eu quem disse:
Pra dona Benvinda
Que farinha de suruí
Pinga de Parati
Fumo de Baependi
É come bebê pita e caí.
(Oswald de Andrade)

TODOS:  textos fragmentados; quebra dos nexos lógicos, uso do fluxo de consciência, da enumeração caótica. intertextualidade – paródia; textos marcados pelo humor e pela atividade irônico-crítica. PROSA que se assemelha à narrativa cinematográfica.
·           
 ( slides exibem REVISTAS DO MODERNISMO)
LUNO 2 (grita como num teatrão) ATENÇÃO! As revistas do Modernismo no Brasil!!
KLAXON – No projeto gráfico as lições do Cubismo. No segundo volume, aparece encarte com desenho do pintor Di Cavalcanti.





    Estética (1924 – Rio de Janeiro)

A Revista (1925 – Minas Gerais)
Madrugada (1925 – Rio Grande do Sul)
Terra Roxa e Outras Terras (1926 – São Paulo)
Festa (1928 – Rio de Janeiro)

ALUNA 3: Vale destacar ainda em 1926 o Manifesto Regionalista do Recife

(VAI MOSTRANDO FOTOS DE Gilbertto Freyre na década de 20, 1926)que provocaria mais tarde (década de trinta) o surgimento de importantes obras regionalistas.
Costuma-se dividir o modernismo brasileiro em duas fases mais ou menos distintas.
ALUNO 2 : observem os slides! Na1ª fase (1922 a 1930) – Os autores não sabiam o que queriam, mas sabiam o que “não” queriam. Ironizam com a idéia de Escola literária.” Destaca a liberdade de pesquisa estética, o experimentalismo. Prefácio interessantíssimo em Pauliceia Desvairada. Mário destaca ainda a necessidade de renovação da intelectualidade brasileira.

ALUNA 1: vejam os quadros de Tarsila!  Tarsila do Amaral.
(slides dos quadros de Tarsila)
No Movimento Pau-Brasil, de1924,   Oswald de Andrade buscou uma poesia de redescoberta do mundo e do Brasil, combateu a linguagem retórica e vazia.

ALUNO 3: “Contra o gabinetismo, a prática culta da vida. (...) a língua sem arcaísmos, sem erudição. Natural e neológica. A contribuição milionária de todos os erros. Como falamos. Como somos.”

ALUNA 1: DIZIA Oswald de Andrade – Manifesto Pau-Brasil, de1924:  trabalho contra o detalhe naturalista – pela síntese; contra a morbidez romântica – pelo equilíbrio geômetra e pelo acabamento técnico; contra a cópia, pela invenção e pela surpresa (...) Nenhuma fórmula para a contemporânea expressão do mundo. Ver com olhos livres!



ALUNA 2: Como desdobramento do movimento Pau-Brasil surge o MOVIMENTO ANTROPOFÁGICO, de OSWALD, inspirado pelo Abaporu de Tarsila, 1928!

TODOS: “Só a Antropofagia nos une. Socialmente. Economicamente Filosoficamente.
Única lei do mundo. Expressão mascarada de todos os individualismos, de todos os coletivismos. De todas as religiões. De todos os tratados de paz.
Tupi or not tupi, that is the question.
Contra todas as catequeses. E contra a mãe dos Gracos.
Foi porque nunca tivemos gramáticas, nem coleções de velhos vegetais.
(...) Antes de os portugueses descobrirem o Brasil, o Brasil tinha descoberto a felicidade!”

ALUNO 1: E PARA ENCERRAR:

 

Manifesto Regionalista de 1926

ALUNO 2:
(exibindo vários slides de coisas do Recife, da primeira metade do século passado)
Os anos de 1925 a 1930 marcam a divulgação do Modernismo pelos vários estados brasileiros. Assim é que o Centro Regionalista do Nordeste, com sede em Recife, lança o Manifesto Regionalista de 1926, em que procura “desenvolver o sentimento de unidade do Nordeste” dentro dos novos valores modernistas. Apresenta como proposta “trabalhar em prol dos interesses da região nos seus aspectos diversos: sociais, econômicos e culturais”. Além de promover confer6encias, exposições de arte, congressos, o Centro editaria uma revista. Vale lembrar que, a partir da década de 1930, o regionalismo nordestino resultou em brilhantes obras literárias, com nomes que vão de Graciliano Ramos, José Lins do Rego, José Américo de Almeida, Rachel de Queiroz e Jorge Amado, no romance, a João Cabral de Melo Neto, na poesia.

(todos riem e fazem uma festinha, podem até dançar ou tentar musicar estes textos abaixo)

Vício na fala
Para dizerem milho dizem mio
Para melhor dizem mio
Para pior pio
Para telha dizem teia
Para telhado dizem teiado
E vão fazendo telhados. (Oswald)











Pronominais
Dê-me um cigarro
Diz a gramática
Do professor e do aluno
E do mulato sabido
Mas o bom negro e o bom branco
Da Nação Brasileira
Dizem todos os dias
Deixa disso camarada
Me dá um cigarro. (Oswald)


brasil
O Zé Pereira chegou de caravela
E perguntou pro guarani da matavirgem
– Sois cristão?
– Não. Sou bravo, sou forte, sou filho da Morte
Teterê tetê Quizá Quizá Quecê!
Lá longe a onça resmungava Uu! ua! uu!
O negro zonzo saído da fornalha
Tomou a palavra e respondeu
– Sim pela graça de Deus
Canhem Babá Canhem Babá Cum cum!
E fizeram o Carnaval.(Oswald)





“Como falamos. Como somos (...).
O trabalho contra (...) a
cópia, pela invenção e
pela surpresa. (...) ver
com olhos livres”.
Manifesto da poesia pau-Brasil


O Rebanho
Oh! Minhas alucinações!
Vi os deputados, chapéus altos,
sob o pálio vesperal, feito de mangas-rosas,
saírem de mãos dadas do Congresso... Como um
possesso num acesso em meus aplausos
aos salvadores do meu estado amado. (Mário de Andrade)


A Meditação sobre o Tietê
“Água do meu Tietê,
Ondas me queres levar?
– Rio que entras pela terra
E que me afastas pela terra
É noite. E tudo é noite. Debaixo do arco admirável
Da ponte das bandeiras o rio
Murmura num banzeiro de água pesada e oliosa...” (Mário de Andrade)

ALUNO Em O Poeta Come Amendoim, Mário se identifica com o Brasil (nacionalismo) pela linguagem.

“Brasil amado não porque seja minha pátria,
Pátria é acaso de migrações e do pão-nosso onde Deus der...
Brasil que eu amo porque é o ritmo do meu braço aventuroso,
O gosto dos meus descansos,
O balanço das minhas cantigas amores e danças.
Brasil que eu sou porque é a minha expressão muito engraçada,
Porque é o meu sentimento pachorrento.
Porque é o meu jeito de ganhar dinheiro, de comer e de dormir.”

(todos silenciam e, talvez, depois de pausa dramática, ou blackout, se possível , falam com tom xamanístico; exibição de trechos do filme MACUNAÍMA, de Joaquim Pedro de Andrade)

No fundo do mato-virgem nasceu Macunaíma, herói da nossa gente. Era preto retinto e filho do medo da noite. Houve um momento em que o silêncio foi tão grande escutando o murmurejo do Uraricoera, que a índia tapanhumas pariu uma criança feia. Essa criança é que chamaram de Macunaíma.
Já na meninice fez coisa de sarapantar. De primeiro passou mais de seis anos não falando. Si o incitavam a falar exclamava:
– Ai! Que preguiça!...
e não dizia mais nada. Ficava no canto da maloca, trepado no jirau de paxiúba, espiando o trabalho dos outros e principalmente os dois manos que tinha, Maanape já velhinho e Jiguê na força de homem. O divertimento dele era decepar cabeça de saúva. Vivia deitado mas si punha os olhos em dinheiro, Macunaíma dandava pra ganhar vintém. E também espertava quando a família ia tomar banho no rio, todos juntos e nus: Passava o tempo do banho dando mergulho, e as mulheres soltavam gritos gozados por causa dos guaimuns diz que habitando a água-doce por lá. No mucambo si alguma cunhatã se aproximava dele pra fazer festinha, Macunaíma punha a mão nas graças dela, cunhatã se afastava. Nos machos cuspia na cara. Porém respeitava os velhos e freqüentava com aplicação a murua a poracê o toré o bocorocô a cucui-cogue, todas essas danças religiosas da tribo.
Quando era pra dormir trepava no macuru pequeninho sempre se esquecendo de mijar. Como a rede da mãe estava por debaixo do berço, o herói mijava quente na velha, espantando os mosquitos bem. Então adormecia sonhando palavras-feias, imoralidades estrambólicas e dava patadas no ar.



O Poeta Come Amendoim

“Brasil ...
Mastigado na gostosura quente do amendoim...
Falado numa língua curumim
De palavras incertas num remeleixo
melado melancólico...
Saem lentas frescas trituradas pelos meus dentes
bons...
Molham meus beiços que dão beijos alastrados
E depois semitoam sem malícia as rezas bem nascidas...
Brasil amado não porque seja minha pátria,
Pátria é acaso de migrações e do pão-nosso onde
Deus der...
Brasil que eu amo porque é ritmos do meu braço aventuroso,
O gosto dos meus descansos,
O balanço das minhas cantigas
amores e dansas.
Brasil que eu sou porque é minha expressão muito engraçada,
Porque é o meu sentimento pachorrento, Porque é o meu jeito de ganhar
dinheiro, de comer e de dormir.
(M. de Andrade – Clã do Jaboti)


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