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quinta-feira, 19 de abril de 2018

Frida Kahlo (1907-1954).


O que é impossível, no entanto, é negar que a pintora mexicana tinha presença. Há pouco mais de um século de seu nascimento, a força de sua imagem, habilmente criada e manipulada pela própria artista, recusa-se a diminuir, encontrando eco em um mundo contemporâneo ainda às voltas com questões como sexualidade, maternidade, deficiência e identidade, todos assuntos fundamentais em sua vida e obra.
Apenas este ano, Londres, Nova York, Detroit e Fort Lauderdale, na Flórida, receberam exposições sobre a mexicana, e o lançamento de um livro com fotografias de Gisèle Freund revelou ainda mais de sua intimidade. Aqui no Brasil, milhares já passaram pelo Instituto Tomie Ohtake, em São Paulo, para ver a exposição “Frida Kahlo — conexões entre mulheres surrealistas no México”, que chega ao Rio em janeiro do ano que vem, na Caixa Cultural. A Martins Fontes aproveitou para lançar a biografia romanceada “Frida Kahlo”, da cubana Rauda Jamis, e a paisagista Paula Bergamin trouxe a beleza da Casa Azul, onde a pintora viveu por anos com Diego Rivera, para os jardins do Casa Cor do Rio.
— Frida era mais do que uma pintora, era uma mulher autêntica e apaixonada com múltiplos talentos. Seu nome está ligado à arte, política, cultura, música, dança, arquitetura, culinária e botânica — diz Paula a respeito da onipresença de sua homenageada.




Para a curadora da exposição no Instituto Tomie Ohtake, Teresa Arcq, a capacidade de Frida de estabelecer laços com o espectador explica seu fascínio. Vítima de um acidente de ônibus aos 18 anos, que a deixou com sequelas para o resto da vida que, mais tarde, causariam três abortos espontâneos, Frida ainda manteve um relacionamento conturbado com Diego Rivera. Bissexual, ela teve como amantes Leon Trotsky e a dançarina Josephine Baker, enquanto ele, após diversos casos, enfureceu Frida ao ir para a cama com a irmã caçula dela, Cristina.
— Ela pintava sua realidade, sentimentos e sofrimentos, e cruzava a linha entre público e privado. Isso cria uma conexão íntima com o espectador — argumenta Teresa.
Essa estratégia, de abrir a intimidade para conquistar fãs, não é nada estranha nos tempos em que jovens conseguem visibilidade ao retratar suas vidas na internet.
— Se vivesse hoje, teria um blog de moda. Estaria dentro deste contexto, em que meninas fora do padrão ganham espaço, da plus size à modelo com vitiligo — acredita Bia Cardoso, coordenadora do site “Blogueiras Feministas”.
Autora de tese de doutorado sobre o imaginário de Frida Kahlo, a publicitária e professora da ESPM-Sul Cátia Inês Schuh concorda. Segundo a acadêmica, a “Frida mania” se explica pelas mudanças nos valores da sociedade.

— Ela reunia todos os estereótipos de alguém que seria segregada. Mas hoje, há espaço para a apreciação do que não é perfeito — defende Cátia, que vê o culto à pintora crescer nos últimos dez anos.
Dona de uma tatuagem de Frida desde janeiro, a jornalista Beatriz Medeiros, de 24 anos, oferece sua explicação:
— Ela sofreu muito, mas conseguiu transformar todos os seus problemas em arte, com tudo florido ao redor.

Poucas vezes interior e exterior estiveram tão relacionados como na vida de Frida. Enquanto desafiava as convenções sociais com seu comportamento, ela também não deixava de inventar na hora de se vestir. Se na juventude, escandalizava ao usar ternos masculinos, a pintora, depois de seu casamento com Rivera, promoveria o retorno a vestimentas de povos mexicanos.
— (A mudança no guarda-roupa) teve vários motivos: um prático, um ideológico e outro estético — enumera Teresa Arcq. — Como ela tinha uma perna menor e mais fina do que a outra, o comprimento das peças indígenas ajudava a disfarçar isso. Ideologicamente, ela estava contribuindo para a causa de Diego, de recuperar a história e identidade mexicanas. Mas ela era cuidadosa e dava preferência a roupas que podem ser relacionadas com as Tehuanas — explica a curadora ao referir-se às mulheres que viviam em Tehuantepec, no sudeste do país, e mantinham um sistema matriarcal, em que controlavam o comércio local e o nascimento de meninas era motivo de celebração.






Hoje, quem visita a Casa Azul, na Cidade do México, pode conferir os trajes de Frida — recuperados apenas em 2004, após ficarem guardados dentro de um banheiro da casa — ao lado de criações de Jean Paul Gaultier e Riccardo Tisci para a Givenchy. Mais recentemente, Missoni, Valentino e Alberta Ferretti beberam na mesma fonte. O recorrente uso da sua imagem pela alta-costura, além da proliferação de itens de consumo como bolsas, canecas e capas de celular, gera a discussão sobre o que a pintora, que era comunista, pensaria sobre o assunto.
— Ela não se entusiasmaria em saber que criou-se um comércio desmedido de sua imagem. Por outro lado, estaria feliz em saber que suas convicções sobreviveram — aponta Renato Camarillo, responsável pela conservação das roupas na Casa Azul.
Para Bia Cardoso, o fenômeno não banaliza os ideais da pintora, que é homenageada no Facebook em páginas feministas como “Não me Kahlo” e “Frida Diria”.
— Vivendo dentro do capitalismo, é bobagem tentar controlar isso. É melhor usar uma ecobag da Frida do que do Bolsonaro (risos). De certa forma, a menina que usa uma bolsa da Frida também está representando seu pensamento.

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