A Selva é um romance escrito por Ferreira de Castro. Publicado pela primeira vez em
1930, A Selva
talvez seja a obra mais importante do autor. O entrecho se resume no
seguinte: Alberto, português e estudante de Direito
de 26 anos, é obrigado, por causa de suas ideias políticas, a eimigrar para Belém
do Pará.
Depois de morar com seu tio algum tempo, embrenha-se na floresta amazônica a fim de viver como seringueiro. E no seringal
"Paraíso", às margens do Rio Madeira,
vive uma série de aventuras propiciadas pela mata virgem e pelo açodamento (precipitação
descuidada) do sexo.
Ferreira de Castro
José Maria Ferreira de Castro (Ossela,
Oliveira de Azeméis, 24 de Maio
de 1898
— Porto, 29 de Junho
de 1974)
foi um escritor português,
que aos doze anos de idade emigrou para o Brasil, onde
viria a publicar o seu primeiro romance Criminoso por ambição, em 1916.
Aos 12 chega em Belém, depois,
durante quatro anos viveu no seringal Paraíso, em plena selva amazónica,
junto à margem do rio Madeira. Depois de partir do seringal Paraíso, viveu em
precárias condições, tendo de recorrer a trabalhos como, colar cartazes,
embarcadiço em navios do Amazonas etc. Volta a Belém, em 1914, e inicia aqui
sua vida literária. Ele mesmo distribuía os fascículos do seu livro.
Frequentava o Cinema Olympia e os
cafés do centro. Volta a Portugal e em 1926, lança, dentre outros livros, Sangue negro (1923), Emigrantes (1928) e A selva (1930), onde transformou sua em experiência vivida em
experiência imaginada e rememorada,
dados concretos surgem modificados pela memória; o fundo verídico dá espaço à
criação lierária e a imagem do Brasil é refletida numa espécie de neorrealismo português que
Alves Redol, depois de uma temporada em Luanda,
afirmaria em 1940, com seu
romance Gaibeus.
Mais tarde, em Portugal,
foi redactor do jornal O Século, director do jornal O Diabo e colaborador
das revistas O domingo ilustrado1
(1925-1927) e Ilustração2
(iniciada em 1926).
Emigrante, homem do
jornalismo, mas sobretudo ficcionista, é hoje em dia, ainda, um dos autores com
maior obra traduzida em todo o mundo, podendo-se incluir a sua obra na
categoria de literatura universal moderna, precursora do neo-realismo, de
escrita caracteristicamente identificada com a intervenção social e ideológica.
A exemplo da sua ainda grande
actualidade pode referir-se a adaptação ao cinema, com muito sucesso, da
obra A Selva.
Pretendemos entrar em contato com aqueles que tiveram acesso à Casa-Museu
Ferreira de Castro.
Ferreira de Castro, um dos
maiores vultos de sempre da cultura portuguesa, era um trabalhador incansável,
na verdadeira acepção do termo.
Obras:
·
Criminoso por Ambição (1916)
·
Alma Lusitana (1916)
·
Rugas Sociais (1917-18)
·
Mas ... (1921)
·
Carne Faminta (1922)
·
O Êxito Fácil (1923)
·
Sangue Negro (1923)
·
A Boca da Esfinge (1924)
·
A Metamorfose (1924)
·
A Morte Redimida (1925)
·
Sendas de Lirismo e de Amor
(1925)
·
A Epopeia do Trabalho (1926)
·
A Peregrina do Mundo Novo
(1926)
·
O Drama da Sombra (1926)
·
A Casa dos Móveis Dourados
(1926)
·
O voo nas Trevas (1927)
·
Emigrantes (1928)
·
Eternidade (1933)
·
Terra Fria (1934)
·
Sim, uma Dúvida Basta (1936)- publicado em 1994
·
O Intervalo (1936)- publicado em 1974
·
Pequenos Mundos, Velhas
Civilizações (1937)
·
A Tempestade (1940)
·
A Lã e a Neve
(1947)
·
A Curva na Estrada (1950)
·
A Missão (1954)
·
As Maravilhas Artísticas do
Mundo (Vol I) (1959
·
As Maravilhas Artísticas do
Mundo (Vol II) e 1963)
·
O Instinto Supremo (1968)
·
Os Fragmentos (1974)
Buscas na
internet:
JOSÉ MARIA FERREIRA DE CASTRO:
UMA VIVÊNCIA DE EMIGRANTE NAS TERRAS DO BRASIL
Maria Eva B.K. LETÍZIA
O movimento migratório lusitano com destino ao Brasil independente
origens históricas e demográficas
Em
Portugal, como em todo o continente europeu, o século XIX caracterizou-se por
uma importante subida da população. As taxas de mortalidade diminuíram sensivelmente
e a esperança de vida aumentou duma maneira considerável, graças ao progresso
nas áreas da saúde pública e da higiene. Assim, desde 1878, o crescimento
demográfico tomou uma proporção que podemos classificar como impressionante, se
compararmos o número de três milhões e cem mil portugueses residentes no país,
por volta de 1820, com o número de cinco milhões quinhentos e quarenta e oito
mil moradores permanentes, no território nacional, em 1911, ano em que o
adolescente José Maria Ferreira de Castro, natural de Ossela, concelho de
Oliveira de Azeméis, Distrito de Aveiro, deixou a sua terra natal para tentar a
sorte no Brasil, antiga colônia lusitana no
Novo
Mundo, que proclamara a sua Independência a 7 de Setembro de1822.
Numa
primeira fase, uma parte da população rural, composta por famílias
particularmente numerosas, tentava procurar um emprego assalariado nas grandes
cidades, essencialmente em Lisboa ou no Porto, vistas de longe como possíveis
Eldorados. Mas, a partir da década de 1860, o fluxo migratório oriundo das
camadas camponesas lusitanas começou a dirigir-se para a América,
principalmente para o Brasil, país onde os portugueses podiam comunicar,
utilizando a sua língua pátria e onde a instrução primária adquirida por alguns
desses emigrantes, nos bancos das escolas elementares lusas, podia ser imediatamente
aproveitada, nomeadamente no comércio,
proporcionando-lhes
melhores oportunidades de vencerem na vida do outro lado do Oceano Atlântico.
Todos
os historiadores portugueses concordam com o facto de que o grosso dos
emigrantes portugueses no Brasil provinha de Entre-Douro-e-Minho e da Beira
Litoral, de que faz parte o já mencionado Distrito de Aveiro. Naquelas duas
províncias continentais, o crescimento da população rural tornara-se incompatível
com a vontade de preservar as condições de sobrevivência dentro de um mínimo de
bem-estar. E isso explica o surto da emigração portuguesa, que, segundo o
historiador A.H. de Oliveira Marques, de dez mil indivíduos registrados, em
1886, subiu para cerca de cinquenta mil pessoas, em 1911. Um daqueles cinquenta
mil que saíram de Portugal chamava-se Ferreira de
Castro,
futuro romancista, cuja obra seria divulgada no mundo inteiro,
através
de traduções em trinta e seis línguas estrangeiras...
Obviamente,
podemos avaliar que o número acima citado se situe
aquém
da realidade, pois os registros distritais não mencionam aqueles que partiram
de Portugal clandestinamente, já que não dispunham de
dinheiro
para tirar os passaportes nas repartições do Governo Civil de
que
dependiam administrativamente.
Diga-se
logo que, deixando sair do seu território aquelas levas
de
emigrantes que, indubitavelmente, contribuíam para o despovoamento
e a
desorganização das suas províncias do interior, o Governo lusitano
vislumbrava
uma contrapartida que não podia ser desprezada: tratava-se
do
volume de divisas que os emigrados remetiam do Brasil e dos outros
países
de emigração para as suas terras, quantias que estimulavam a
economia
das regiões e compensavam o défice da balança comercial de
Portugal,
que continuava a exportar pouco e a importar muito, do
Estrangeiro.
José
Hermano Saraiva e Oliveira Marques consideram as
remessas
de emigrantes, oriundas do Brasil, que afluíram a Portugal, no
ano de
1910, a quarta parte das receitas totais do Estado português,
orçando
a sua importância em cerca de vinte mil contos de réis.
Frise-se
também que as dificuldades económicas que levavam
milhares
de indivíduos a deixar o território lusitano tinham as suas causas
na
estagnação e na fraqueza do tecido industrial nacional, que não
conseguia
sair das fases da oficina artesanal e da pequena manufactura,
assim
como na incapacidade secular de desenvolver a agricultura, que
mal
dava para o sustento daqueles que residiam no país.
Antes
do advento do Liberalismo, costumava falar-se nos laços
feudais
que, por assim dizer, tolhiam a actividade dos camponeses como
produtores.
Mas, na segunda metade de Oitocentos, os agricultores já
estavam
isentos da dízima à Igreja, extinta desde 1834. A sisa tambémficou reduzida a
metade e apenas aplicada aos bens de raiz.
Desapareceram
igualmente as jeiras, monopólios de fornos e lagares,
relegos,
lutuosas, gabelas e todos os pagamentos em benefício do senhor
feudal
ou do rei. O Liberalismo aboliu as coutadas e as coudelarias, os
bens
da Coroa foram nacionalizados, revertendo para o Estado todas as
terras
e todos os direitos pertencentes a comendatários e donatários.
Os
morgadios seriam também extintos, desaparecendo, ao mesmo tempo,
numerosas
portagens e costumagens que travavam e incidiam sobre o
comércio
e a circulação de bens, encarecendo o transporte, agravando
todos
os custos, que se repercutiam desastrosamente nos preços
retalhistas.
Por
outro lado, os bens fundiários das ordens religiosas extintas
ou
expulsas do país foram confiscados pelo Estado e depois revendidos
a
pessoas singulares, a quem as leis decretadas, em 1832, por Mouzinho
da
Silveira, garantiam, ainda por acima, a liberdade fiscal às terras
arroteadas
de novo, por um período de vinte anos.
Os
baldios e pousios, mal aproveitados, podiam tornar-se
produtivos,
devido ao maior empenho pessoal dos novos proprietários,
enquanto
o desenvolvimento dos transportes e das estradas, a partir de
1840,
trouxe consigo os alicerces aproveitáveis pelo progresso económico
geral,
graças a algumas infra-estruturas modernas. [...]
Análises
histórico-sociais dos torna-viagens a partir da literatura portuguesa
oitocentista (Historical-social analysis of the travelers from the
nineteenth-century from the Portuguese literature)
Ricardo Moreira Figueiredo Filho
Resumo
Esse texto versa sobre a
emigração portuguesa rumo ao Brasil e seus retornados “brasileiros” durante a
segunda metade do século XIX e início do século XX. Partindo de análises
históricas de obras literárias portuguesas referentes ao período mencionado,
objetiva-se perceber os motivos do desterro, do retorno, o perfil dos
torna-viagem e algumas consequências econômicas e culturais desses processos.
Duas obras, com pontos de vista bem distintos em relação aos regressados, são
enfatizadas neste estudo: A brasileira de Prazins, de Camilo Castelo
Branco e O brasileiro Soares, de Luiz de Magalhães.
Abstract
This article is concerned with
the Portuguese emigration to Brazil, focusing on those who returned to Portugal
during the second half of the 19th century and the beginning of the 20th
century. This study aims to analyze the history of some Portuguese Literature
during this time, seeking to understand the emigration causes, the return of
the emigrants, the profile of those who returned to Portugal and the economic
and cultural consequences of this process. Two novels are emphasized in this
research: A Brasileira de Prazins, by Camilo Castelo Branco and O
Brasileiro Soares, by Luiz de Magalhães.
Keywords: Homecoming people; Cultural
identification; Economic necessities.
Palavras-chave
Retornados; Identificação cultural; Necessidades
econômicas.
Durante
a segunda metade do século XIX, a emigração portuguesa rumo ao
Brasil
promoveu importantes reflexos sociais, políticos e econômicos tanto para o país
de
acolhimento quanto para Portugal. O império tropical, após a extinção do
tráfico
negreiro
em 1850, sob pressão dos cafeicultores do oeste paulista e das ideologias
civilizatórias
do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro – IHGB –, passou a recrutar
trabalhadores
europeus. Os portugueses constituem o segundo maior grupo de
imigrantes
registrados no país entre 1881 e 1930, chegando a trezentos mil lusitanos,
cifra
inferior apenas à dos italianos. (FAUSTO, 1998, p.275)
Deixar
a família, os amigos, as paisagens da infância, os perfumes constituídos
em
memórias e se lançar à viagem atlântica, no caso português, foi impulsionado,
principalmente,
por interesses e ou necessidades econômicas2. A industrialização
falhada
e os privilégios singulares concedidos pelos governos lusitanos oitocentistas a
algumas
famílias e grupos sociais, juntamente com a lentidão das inovações agrícolas,
os
baixos salários, o peso dos tributos e encargos hipotecários, limitaram o
aburguesamento
dos campos. (MARTINS, 1956, p.108) O que, somado ao ataque da
filoxera3,
intensificou a dependência econômica e a emigração para o Brasil, a qual
funcionou
como válvula de escape para as pressões sociais internas. (FIGUEIREDO,
2005,
p.87) Segundo Castro:
Em
todas as aldeias próximas, em todas as freguesia das redondezas, havia o
mesmo
anseio de emigrar, de ir em busca de riqueza e continentes
longínquos.
Era um sonho denso, uma ambição profunda que cavava nas
almas,
desde a infância à velhice. O ouro do Brasil fazia parte da tradição e
tinha
prestígio duma lenda entre aqueles povos rudes e simples. [...] Palavra
mágica,
o Brasil exercia ali um perene sortilégio e só a sua evocação era
motivo
de visões esplendorosas, opulência deslumbrante e vidas libertas.
Sujeitos
ao ganha-pão diário, sofrendo existência mesquinha, os lugares
sonhavam
redimir-se, desde as veigas em flor ao dorso das serranias, pelo
ouro
conquistado no país distante. (CASTRO, 1945, p.30-31)
Apesar
de se encontrarem um pouco por várias partes do país, os portugueses se
concentraram
no Pará, em São Paulo e, especialmente, na cidade do Rio de Janeiro,
onde
minhotos já exerciam forte influência sobre os mercados da capital, tendo
influenciado
inclusive a fala carioca. Segundo Chalhoub, a análise do censo de 1890
mostra
que os imigrantes lusitanos chegaram a representar 20% da população local.
(CHALHOUB,
1986)
Esses
imigrantes preferiam os centros urbanos às áreas rurais, acreditando que
naqueles
seria possível realizar seus desejos de autonomia e enriquecimento. Entretanto,
essas
expectativas, na maioria das vezes, foram frustradas. Embora muitos emigrados
tivessem
como patrões seus próprios parentes ou conterrâneos, donos de comércios e
gerentes,
a exploração foi excessiva, como relata Ribeiro,
2 Os
fluxos emigratórios foram constituídos prioritariamente por jovens do sexo
masculino, advindos do
Minho,
da Beira-Alta e da Estremadura, que após anos de trabalho, sonhavam em
regressar enriquecidos
e
influentes para sua Lusitânia ou, pelo menos, em melhores condições de vida.
(MARTINS, 1956, p.48)
3 Filoxera
(Daktulosphaira vitifoliae) é o nome comum de um inseto –
hemíptero da família
Phylloxeridae – que, a partir do último quartel dos Oitocentos,
se constituiu como a praga mais
devastadora
dos vinhedos portugueses.
acordar
às 5 horas no verão, e às 6 horas no inverno, ou às 4 horas, no caso
dos
caixeiros dos secos e molhados, bem como o cerrar as portas às 10 horas
da
noite, que incentivou alguns caixeiros a reunirem-se e formarem as
primeiras
associações. Desde então começaram a brigar pelo fechamento das
portas
aos domingos, só efetivamente conquistado em 1911, ao menos de
acordo
com a letra da lei. (RIBEIRO, 1990, p.42)
Embora
a cidade do Rio de Janeiro tenha se tornado atrativa aos imigrantes
portugueses,
esses aceitavam salários “exíguos que em seu Portugal jamais pensaram
em
aceitar. Por isso, começaram a ser chamados de galegos por seus próprios
patrícios4.”
(RIBEIRO, 1990, p.17)
O
trânsito de pessoas, hábitos, bens materiais, saberes e culturas ajudaram a
formar
características identitárias específicas de um lado e do outro do Atlântico.
Dentro
desses contextos, alguns portugueses nunca voltaram, outros apenas a passeio e
um
terceiro grupo, após muito esforço e saudades, regressou para sua terrinha, não
havendo
uma correspondência linear referente à proporção de riquezas acumuladas.
Segundo
as condições materiais e a linguagem popular do final do século XIX e início
do
século XX, “uns voltaram ‘brasileiros’, os que ‘vinham’5 com uma riqueza
assinável,
outros
(menos afortunados) apenas ‘abrasileirados.’” (ALVES, 1994, p.258 – Grifos do
autor)
Os
brasileiros, com sotaque na fala, indumentados com calças brancas, casaco de
canga,
chapéu de Chili e anel de brilhantes, entre 1860 e 1920, época em que mais se
percebeu
sua influência, promoveram consideráveis mudanças arquitetônicas na terra
natal
de Camões. (ALVES, 1998). A eles, deve-se também, além de parte do
florescimento
bancário português do século XIX, o investimento de fluxos monetários
na
escolarização, principalmente no âmbito da alfabetização.
Entre
os anos de 1863 e 1873, a cidade do Porto se tornou o local de maior
concentração
de regressados, tornando-se eles os grandes responsáveis pelo comércio
com o
Brasil e ocupando um espaço privilegiado nos quadros de exportações portuenses
só
ultrapassado pelo vinho negociado com a Inglaterra. (ALVES, 1994, p.248) Dessa
forma,
com as algibeiras a se avolumarem, os retornados formavam uma célula
considerável
entre os membros mais influentes da cidade, como pontua Júlio Dinis em
seu
romance Uma família inglesa (1986) ao descrever o trânsito familiar do
personagem
Carlos
Whitestone entre os mais graduados cidadãos da Cidade Invicta6:
Um dos
muitos grupos, de que Carlos Whitestone se aproximou, compunhase
das
mais graduadas individualidades da Praça. Carlos passou o braço por
cima
do ombro de um barão, enfiou o outro no de um capitalista brasileiro, e
cumprimentou
familiarmente um velho inglês, que estava na companhia
também.
(DINIS, 1986, p.78)
Os
retornados enriquecidos chegaram a tornar-se parâmetro de divisão
socioeconômica
e urbanística do Porto, pelos hábitos e gostos que, dialeticamente,
constituíram
através dos vários anos passados no Brasil. Os torna-viagem eram
percebidos
no uso de cores mais claras, como o azul e o amarelo, nas fachadas de suas
moradas,
pela presença de plantas tropicais em jardins bem trabalhados e nas varandas
douradas,
onde os afortunados podiam se dar ao luxo de exposições embevecidas em
ócio.
(SILVEIRA, 1999)
Esta
nossa cidade – seja dito para aquelas pessoas, que porventura a
conhecem
menos – dividi-se naturalmente em três regiões, distintas por
fisionomias
particulares.
A
região oriental, a central e a ocidental.
O
bairro central é o portuense propriamente dito; o oriental o brasileiro; o
ocidental,
o inglês [...].
O
bairro oriental é propriamente brasileiro, por mais procurado pelos
Capitalistas,
que recolhem da América. Predominam neste umas enormes
moles
graníticas, a que chamam palacetes; o portal largo, as paredes de
azulejo
– azul, verde ou amarelo, liso ou de relevo; o telhado de beiral azul;
as
varandas azuis e douradas; os jardins, cuja planta se descreve com termos
geométricos
e se mede a compasso e escala, adornados de estatuetas de louça,
representando
as quatro estações; portões de ferro, com o nome do
proprietário
e a era da edificação em letras também dourada; abunda a casa
rectangulares
e portas góticas, algumas com ameias, e o mirante chinês. As
ruas
mais sujeitas à poeira. Pelas janelas quase sempre algum capitalista
ocioso.
(DINIS, 1986, p.78)
Desde
a década de 1830, de um modo geral, a volta dos emigrados não
ultrapassou
os 30% a 50%, havendo um crescente fenômeno de reemigração a partir da
década
de 1870, com a banalização das viagens transatlânticas pelo vapor encurtando-as
de 45
para 15 dias. A partir da década de 1890, com a queda do câmbio no Brasil, o
brasileiro,
até então, sinônimo de riqueza e pompa, transformou-se em ex-emigrante.
6 A
cidade do Porto é conhecida e valorizada pelos portuenses como Cidade Invicta
por Napoleão não ter
conseguido
tomar essa urbe.
Contudo,
essas pessoas, que passaram anos a trabalhar no exílio, arraigaram,
junto
a si, além da fama de riqueza, filantropia e poder político, o estereótipo de
ganância,
reles e vulgar. Sendo reconhecidos, sócioidentitariamente, como pessoas
grosseiras,
a portar roupas lautosas, “pellos nas orelhas, e joanetes – os immensos
joanetes
que o Romantismo, de pé pequeno, nunca deixava d´accentuar, com um traço
de
sarcasmo e asco. Este boneco por dentro não tinha nada, nem phrases, nem
palha”.
(MAGALHÃES,
1886, p.10)
Eça de
Queiroz, com sua irônica pena, reforça a estereotipia deselegante e
esnobe
do retornado, considerado por ele o homem que
mais
evidentemente symbolisava a Acção aos olhos turvos do Romantismo –
era
esse labrego (o brasileiro), que, largando a enxada, embarcava para o
Brasil
num porão de galera, com um par de tamancos e uma caixa de pinho, -
e
annos depois volta de lá, na Mala real, com botas novas de verniz, grisalho
e
joncudo, a edificar um palacete, a dar jantares de leitão ao abade, a tramar
eleições
a ser barão. (QUEIROZ, 2000, p.7)
O teste probatório: o torna-viagem em “A brasileira de Prazins”
Camilo
Castelo Branco (1825-1895) funde em sua obra A brasileira de Prazins
(1975),
o paralelismo de sua vida conturbada e do amor por Ana Plácido, a qual
desposou
o brasileiro Manuel Pinheiro Alves. Esse paralelismo influenciou o
intelectual
português
a disseminar o perfil estaparfúdio e endinheirado do regressado, que
carregaria
em sua mala, junto aos tostões suados no Brasil, a sede pelo poder, a
abnegação
dos valores sensíveis e a ânsia material incontida.
Para
Aníbal Pinto de Castro, a literatura camiliana pode ser considerada de
grande
relevância para os estudos históricos do presente tema, como se percebe a
seguir:
A
personagem e a personalidade do brasileiro eram, pois, demasiado
evidentes
no tecido da sociedade portuguesa de Oitocentos pra que Camilo,
sempre
atento à realidade que o envolvia, lhe ficasse indiferente, como
criador
de ficção. E não admira, por isso, que no seu carácter ficcional (e
apenas
dele!) a novela camiliana tenha um valor probatório, em termos
históricos,
quase diria tão importante como os documentos que se guardam
nos
arquivos. (CASTRO apud ALVES, 1998, p.200)
Para
Saraiva e Lopes (1989), embora A brasileira de Prazins não transpareça
claramente
o intuito de seguir a corrente naturalista, acaba por indicar traços dessa
corrente
que Camilo Castelo Branco não subtraiu ao romance. O enredo se baseia no
amor
descontente entre Marta de Prazins e o rico herdeiro José Dias, que falece
tísico ao
perceber
sua mãe impedir os planos de seu casamento. Não agradava à progenitora
compactuar
com a união do filho com uma rapariga de condição social subalterna. Já
Simeão,
pai de Marta, homem de ganância incontida, impeliu a filha, em seu leito de
morte,
a prometer união matrimonial ao tio Feliciano Rodrigues Prazins, rico e
recémregressado
de
Pernambuco.
Assim,
a jovem comprometida, em luta com seus sentimentos e valores,
impulsionada
por uma paixão idealizada pelo já falecido José Dias, entregou-se à
loucura
e à epilepsia, enquanto o marido, cada vez mais avarento, continuou a conter
despesas
e a acumular fortuna. Para Branco, ele fazia “operações aritméticas em voz
alta
como os velhos poetas inspirados faziam madrigais numa declaração rítmica ao ar
livre
e ao luar. O certo é que ninguém o apanhava em intervalo escuro para o
defraudar
um
vintém.” (BRANCO, 1975, p.15)
O
Feliciano é o homem mais rico destes arredores, e vivem como os
cabaneiros,
de caldo e pão de milho. Ele, quando vai ao Porto recebe um
alqueire
de soberanos que lhe vem do Brasil todos os anos, vai a pé, e mete
ao
bolso uma côdeas de broa e quatro maçãs para não ir à estalagem.
(BRANCO,
1975, p.15)
Ainda
como caricaturização aviltante do brasileiro, o autor reforça seus
traços de
mesquinhez,
sovinice e quase assexualidade, construindo um personagem que se
preocupa
apenas em economizar e enriquecer.
Muito
míope, usava de monóculo redondo num aro de búfalo barato. Como
era
econômico até à miséria, dizia-se em Pernambuco que o Feliciano usava
um
vidro só para não comprar dois; e que, se pudesse, venderia um olho
como
coisa inútil. Com a economia e o trabalho bem propiciado em trinta
anos
arredondara trezentos contos. Chegara aos quarenta e sete, ao outono da
vida,
sem ter amado. Nunca se conspurcara nos latíbulos da Vênus
vagabunda.
A sua virgindade era admirada e notória [...] para ser rico não
tinha
precisão de mulher, que vira algumas meninas pobres a namorá-lo; mas
que
desconfiara que lhe namorassem o seu dinheiro. Não tinha queda para o
sexo,
que ele dizia seixo. “Não me deleitam os homens, não tão-pouco as
mulheres.”
(BRANCO, 1975, p.147)
E no
contínuo esforço de denegrir o brasileiro Manuel Alves, na voz do vigário
de
Caldelas, Camilo finda sua novela, alfinetando-o.
Aí tem
o brasileiro de Prazins, se nunca o viu – dizia-me há três meses o
padre
Osório mostrando-me no mercado de Famalicão um velho escanifrado,
muito
escanhoado, direito, com o monóculo fixo, vestido de cotim, com um
guarda-pó
sujo, esfarpelado na abotoadura, e uma chibata de marmelo com
que
sacudia a poeira das calças arregaçadas.
Tem
oitenta e quatro anos – continuou o vigário de Caldelas –, veio a pé de
sua
casa, que dista daqui légua e meia, janta um vintém de arroz, bebe outro
vintém
de vinho, tem quinhentos contos, e volta pra casa a pé, através ou
pouco
menos das suas catorze quintas. Com a frugalidade, com o exercício e
com o
seu egoísmo sórdido viverá ainda muito tempo, porque o velho
Alexandre
Dumas disse que os egoístas e os papagaios viviam cento e
cinquenta
anos. (BRANCO, 1975, p.149)
Em A
brasileira de Prazins, sabendo-se que as generalizações são perigosas e
muitas
vezes obtusas, não são consideradas as privações e sacrifícios vividos pelos
brasileiros
na ex-colônia portuguesa, além das benesses materiais proporcionadas pelos
mesmos
em relação ao país de origem.
Mesmo
que a maioria dos emigrantes não tenha voltado enriquecida, não se
pode
negar que o pequeno pé-de-meia, além de possibilitar melhorias em suas
residências,
investimentos discretos em suas propriedades agrárias, ainda lhes permitia
ostentar
um padrão de vida superior à média nacional. Sem mencionar que as remessas
enviadas
para os parentes, as doações, os investimentos em capitais da dívida pública, a
negociação
de ações e a compra de imóveis para o futuro retorno, transformaram-se em
ações
fundamentais para o equilíbrio da balança comercial lusitana, tanto no nível
local
como
nacional. (ALVES, 1998, p.344-345)
Dispersando a nódoa sovina: “O brasileiro Soares” por Luís de Magalhães
Considerando-se
o “truísmo da interdependência estreita existente entre os
estudos
literários e as ciências sociais” (SEVCENKO, 1985, p.20), Luís de Magalhães,
em sua
obra O brasileiro Soares (1886), tenta humanizar a difundida
estereotipia dos
brasileiros,
“que apparecia como uma nodoa escandalosa no suave idyllio portuguez!
[...].”
(MAGALHÃES, 1886, p.13) Reconhecendo que:
elle,
como o seu visinho, é homem, um mero homem, nem ideal nem bestial,
apenas
humano: talvez capaz da maior sordidez, e talvez capaz do mais alto
heroísmo:
podendo bem usar um horrível collete de seda amarella, e podendo
ter
por baixo d´elle o mais nobre, o mais leal coração: podendo bem ser
ignóbil,
e podendo, porque não? Ter a grandeza de Marco Aurélio.
(MAGALHÃES,
1886, p.14-15)
Essa
análise não reducionista sobre o torna-viagem também é defendida por
Ribeiro
(1990) ao elucidar que se, por um lado, os emigrantes lusitanos eram
considerados
exploradores, principalmente em relação aos seus empregados, inclusive
portugueses,
paradoxalmente, eram postos em relevo e valorizados devido a alguns
traços
de suas condutas sociais, como a exaltação do trabalho duro, da disciplina e de
suas
crenças cristãs.
No
final do século XIX7, a predileção pelo trabalho português no Rio de Janeiro
pode
ser retratada a partir de anúncios de empregos que os privilegiavam em
detrimento,
principalmente, dos negros egressos da escravidão: “Precisa-se senhora
portuguesa
para [...]” ou “Precisa-se moço português, recém-chegado da terra, para [...]
eram a
ordem daqueles dias.” (RIBEIRO, 1990, p.46)
O que
não garantia, contudo, um salário digno e uma vida decente aos recémchegados
de
Portugal, tal como o personagem Joaquim Soares, que ainda criança foi
trabalhar
na Bahia como marçano para seu tio Manoel, que o explorou como escravo.
Somente
depois de muitos anos de árduo labor, conseguiu ocupar o cargo de caixeiro, o
que
lhe possibilitou o início de uma condição socioeconômica um pouco melhor.
Contudo,
a ambição não o cegava, não lhe permitia invejar o pão alheio, nem
vender
seu caráter em prol de algum bem material. Seus sentimentos eram pouco
polidos,
mas sinceros e profundos, sua honestidade era inquestionável, ficando a
escrituração
e o cofre da loja em suas grosseiras mãos cabeludas.
Após
doze anos de dedicação, de trabalho intenso e contínuo, de cuidados, de
sacrifícios
pessoais e com um ordenado ainda miserável, seu tio veio a falecer,
“deixando-lhe
somente uns botões de ouro que não chegariam a valer duas moedas
fortes.”
(MAGALHÃES, 1886, p.12) Nem uma atitude de reconhecimento, uma palavra
amiga,
apenas a frieza, a rudeza e o desdém. Todo o patrimônio foi deixado para um
filho
bastardo e desconhecido, enquanto Joaquim, tomado por uma ingênua
compreensão,
pôs-se a cumprir, sem contrapontos, o último desejo do falecido. “Antes
ser
roubado do que roubar... Primeiro que tudo quero o socego cá de dentro. [...]
toda
uma
lisura de negócios e um timbre de cavalheirismo que, dia a dia, lhe confirmavam
mais a
reputação”. (MAGALHÃES, 1886, p.43)
Entretanto,
com a experiência acumulada, resolveu buscar o lucro, imprimindo à
conquista
e posse do dinheiro sua condição de intransigente honestidade. Possuía
ambição
e por ela lutava, mas não justificava posturas corruptas ou injustas para
alcançar
seu sonho financeiro, ajudando seus conterrâneos em dificuldades,
Principalmente
após a abolição da escravidão, em 1888.contribuindo para asilos, caixas de
beneficência, hospitais e escolas, e demonstrando,
assim,
um perfil de homem honesto, caridoso e trabalhador do emigrado lusitano.
Já com
seus quarenta e sete anos de idade e trinta e dois de trabalho, conseguiu
liquidar
um rendimento de mil libras. Achou que era tempo de se reformar capitalista,
de
regressar ao seu Minho, tantas vezes relembrando, para gozar em paz o fruto de
uma
tão
longa jornada de trabalho. Vendeu seus negócios, escreveu para os seus,
despediu-se
dos
amigos e, com os olhos úmidos pela saudade e por seu coração dividido, partiu
para
Portugal.
Essa
descrição literária sobre os brasileiros se aproxima dos perfis gerais
levantados
por Alves (1994), ou seja, de quarentões que não voltavam milionários, mas
que
tinham condições de se estabelecerem de forma independente através de um
pequeno
comércio, oficina ou exploração agrícola. Os que voltaram afortunados
formaram,
efetivamente, grupos muito reduzidos, os quais, em sua maioria, passaram
várias
décadas no Brasil para conseguir acumular suas fortunas.
Ao
retornar à Ibéria, o brasileiro Soares tomou a direção de sua aldeia natal,
Guardeira,
a qual lhe recebeu em peso, trazendo nas lágrimas o anseio que aquele
homem
corpulento e grisalho se tornasse o “Messias da localidade, [...] o thesoureiro
official
de todos os que não tivessem dinheiro, o cofre inexgotavel da população para
todas
as phantasias do fomento de campanário.” (MAGALHÃES, 1886, p.65)
Essa
passagem pode ser considerada uma metáfora da esperança material que
algumas
aldeias minhotas nutriam pela volta de seus emigrados, sendo que alguns dos
ex-desterrados,
entendendo ser seu dever cristão, ajudaram a reformar igrejas, construir
escolas
e ou contribuir com outros projetos sociais.
O
personagem Soares, bom comerciante, comprou a quinta do pai, onde um
depósito
de juntas de bois de ceva passou a seguir para os paquetes ingleses pelo cais
de
Massarelos.
Sua família exercia forte influência na localidade. Seu irmão mais velho, o
padre
Ignácio, era abade da freguesia; seu irmão Ricardo era médico no partido de
Soutello
e seu cunhado Francisco Silva havia se tornado um conhecido homem político
da
localidade.
Embora
fossem reconhecidos socialmente, viam com cobiça a chegada do
parente
enriquecido. Mas ninguém demonstrou maior expectativa que sua sobrinha,
Ermelinda.
“Ainda no paquete, sua sobrinha planejava friamente um meio de o ver
deposto
em seus pés. Achavam-na muito amiga do tio. O tio é um santo: morro por
elle.”
(MAGALHÃES, 1886, p.69)
Como
um aracnídeo, Ermelinda teceu os fios de sua conquista, exalando um ar
de
inocência e integridade. Com a ajuda do tio e a atração irresistível de
Joaquim,
conseguiu
levá-lo aos degraus do altar, tendo, como garantia:
um
dote de quarenta contos em bons papeis de Credito Predial, com a
doação
explicita de todas as suas jóias e objectos de uso, Ermelinda tinha
segura
a grande amarra do seu futuro, a ancora da sua vida. [...] Tinha tudo
prevenido
para uma tempestade, e o mar da existência não a assustava já
como
outrora. (MAGALHÃES, 1886, p.166)
Porém,
não demorou para que a sobrinha-esposa, desejosa por “machos bonitos
e
aceiados” (MAGALHÃES, 1886), passasse a se enamorar pelo administrador Alfredo
Sampaio,
jovem bacharel em Direito que havia saído, recentemente, dos bancos da
Universidade
e fora colocado em casa, ingenuamente, pelas mãos do próprio marido.
Após
se entregar à lassidão adúltera, as noites ao lado de Joaquim se tornaram um
tormento.
Às vezes, quase chorava ao se recordar do corpo efeminado e claro de
Alfredo,
de sua pele fina e macia e de todos os seus requintes de galanteio.
Desconfiado,
o abade passou a mandar cartas anônimas para a menina, sem
muitos
resultados, o que apenas a impulsionou, frente à luxúria, a arquitetar
friamente, e
sem
remorsos, sua fuga com o amante, deixando o traído brasileiro jogado à sua
própria
quimera
e robustez. “Mentira-lhe sempre, enganara-o, enredará-o, tentara-o,
conquistara-o
traiçoeiramente. Entrára-lhe no coração, de manso, como os dentes
venenosos
[...].” (MAGALHÃES, 1886, p.354)
Joaquim
estava em Régua, tratando de negócios, quando recebeu o aviso para
voltar.
Ficou atordoado, sem saber o que realmente havia acontecido, passando por
momentos
de grande angustia e ansiedade. Ao chegar, apercebendo-se da traição:
Um
riso de desdém assomou-lhe aos lábios. Em frente estava uma console
com um
espelho. Alluminou-se com um castiçal e olhou. Achou-se hediondo
e teve
para a sua fealdade uma gargalhada de desprezo, digna de Diógenes.
Que
mostrengo! A pelle dura e negra; o cabello basto e curto, já grisalho,
fazendo-lhe
como um capacete ajustado ao craneo; a suissa áspera, o olhar
idiota,
as narinas grossas e chatas de Bull-dog, a boca larga, de beiços
brutaes,
arqueando-se n´um sorriso alvar de patego! [...] E queria amor –
aquilo?!
Mas para elle bastava a sensação, o erotismo animal das sadias
naturezas
camponias, o corpo musculoso e grosso d´uma Vênus de freguesia!
[...]
– Ah! Ah! Ah! Ria como desvairado [...] E fui casar-me com uma mulher
que
parecia um anjo! [...] Forte besta! Foi bem feito [...]. (MAGALHÃES,
1886,
p.357-358)
Estremecido
pela dor, pela hipocrisia e pela insensibilidade alheia, não suportou
sua
mágoa, e com um tiro, pôs fim à sua vida, tombando de costas no sobrado,
estampando
no rosto uma boca “que sorria com um riso indizível, mixto de despreso,
ironia
e piedade, fixado na rigidez da mascara como a crystallisação physionomica dos
seus
últimos sentimentos – de sceptiscismo, de desengano e de perdão!”
(MAGALHÃES,
1886, p.362-363)
Entre O
brasileiro Soares e A brasileira de Prazins, percebem-se dois
extremos
entre
a bondade e a crueza, a benevolência e a avareza. Dois pontos entre os quais,
levando
em consideração os limites humanos e psicológicos, circularam homens de
várias
posturas, sentimentos e atitudes, que amaram, choraram, cobiçaram e regressaram
para
sua saudosa Lusitânia. Mas, acima de tudo, homens de carne e osso, com desejos,
medos
e anseios, que, perante as aventuras transatlânticas e muita labuta, ajudaram a
construir
brasis e portugais.
Referências
ALVES, Jorge Fernandes. Os
brasileiros: emigração e retorno no Porto Oitocentista. Porto: Gráficos
Reunidos, 1994.
ALVES, Jorge Fernandes (coord.).
Os brasileiros da emigração. Vila Nova de Famalicão: Câmara Municipal de Vila
Nova de Famalicão, 1998.
BRANCO, Camilo Castelo. A
brasileira de Prazins: cenas do Minho. Porto: Lello & Irmão, 1975.
CASTRO, Ferreira de. Emigrantes.
7. ed. Lisboa: Guimarães, 1945.
CHALHOUB, Sidney. Trabalho, lar e
botequim: o cotidiano dos trabalhadores no Rio de Janeiro da belle époque. São
Paulo: Brasiliense, 1986.
DINIS, Júlio. Uma família
inglesa. Porto: Livraria Civilização, 1986.
FAUSTO, Boris. História do
Brasil. São Paulo: Edusp, 1998.
FIGUEIREDO FILHO, Ricardo
Moreira. Literatura lusofônica e a emigração portuguesa rumo ao Brasil
(1850-1914). Cadernos de História. Belo Horizonte, v. 7, n. 8, p.84-102, out.,
2005.
MAGALHÃES, Luiz de. O brasileiro
Soares. Carta prefácio de Eça de Queiroz. Porto: Lugar & Genelioux, 1886.
MARTINS, Oliveira. Fomento rural
e emigração. Lisboa: Guimarães & Cª, 1956.
MATTOSO, José. História de
Portugal. vol 5-6. Lisboa: Estampa, 1993.
QUEIRÓZ, Eça de. Notas
Contemporâneas. Lisboa: Livros do Brasil, 2000.
RIBEIRO, Gladys Sabina. Mata
galegos: os portugueses e os conflitos de trabalho na república velha. São
Paulo: Brasiliense, 1990.
SARAIVA, António José; LOPES,
Oscar. História da literatura portuguesa. 15. ed. Porto: Porto Editora, 1989.
SARAIVA, António José; LOPES,
Oscar. História da literatura portuguesa. 17. ed. Porto: Alberto de Oliveira
LDA, 1996.
SEVCENKO, Nicolau. Literatura
como missão: tensões sociais e criação cultural na Primeira Republica. 2. ed.
São Paulo: Brasiliense, 1985.
SILVEIRA, Jorge Fernandes da
(org.). Escrever a casa portuguesa. Belo Horizonte: EDUFMG, 1999.
Luís de Magalhães – O
Brasileiro Soares, Prefácio
“Bristol, 21 de Maio de 1886
Meu caro Luís Magalhães: quando você, no ano passado, me leu o esboço de
O Brasileiro Soares, o que nele logo me prendeu foi a originalidade,
larga e rigorosa, com que estava modelada a figura do seu Joaquim Soares da Boa
Sorte.
(…)
Ora em Portugal o homem que mais evidentemente simbolizava a acção aos olhos turvos do romantismo era esse labrego, que, largando a enxada, embarcava para o Brasil num porão de galera, com um par de tamancos e uma caixa de pinho – e anos depois voltava de lá, na Mala Real, com botas novas de verniz, grisalho e jucundo, a edificar um palacete, a dar jantares de leitão ao abade, a tramar eleições e a ser barão…
(…)
E o curioso, meu caro Luís, é que, todos os tipos habituais do nosso romance romântico – só o brasileiro tem origem genuinamente portuguesa, de raiz.
(…)
O brasileiro, porém, era só nosso, deste solo que pisamos, castiço e mais originalmente português que a chalaça e a louça das Caldas. Mais que nacional, era local. Era do Minho, como o vinho verde.
(…)
Aquele que você encontra na Guardeira, o Joaquim da Boa Sorte, era excelente, cândido, casto, trabalhador, verdadeiro, magnânimo, de alma forte e amante.
(…)
O seu livro, caro Luís, tem a realidade bem observada e a observação bem exprimida – as duas qualidades supremas, as que devem procurar antes de tudo na obra de arte, onde outrora se admirava principalmente a imaginação e a eloquência. Mas você faz além disso, com o seu Brasileiro Soares, uma verdadeira reabilitação social.
(…)
Você desbrasileirou o brasileiro, humanizando-o; e como todo aquele que, com um tranquilo desprezo das convenções, faz uma obra de verdade, você elevou-se insensivelmente a esse feito mais raro, e melhor, que se chama uma boa acção.
(…)
Ora em Portugal o homem que mais evidentemente simbolizava a acção aos olhos turvos do romantismo era esse labrego, que, largando a enxada, embarcava para o Brasil num porão de galera, com um par de tamancos e uma caixa de pinho – e anos depois voltava de lá, na Mala Real, com botas novas de verniz, grisalho e jucundo, a edificar um palacete, a dar jantares de leitão ao abade, a tramar eleições e a ser barão…
(…)
E o curioso, meu caro Luís, é que, todos os tipos habituais do nosso romance romântico – só o brasileiro tem origem genuinamente portuguesa, de raiz.
(…)
O brasileiro, porém, era só nosso, deste solo que pisamos, castiço e mais originalmente português que a chalaça e a louça das Caldas. Mais que nacional, era local. Era do Minho, como o vinho verde.
(…)
Aquele que você encontra na Guardeira, o Joaquim da Boa Sorte, era excelente, cândido, casto, trabalhador, verdadeiro, magnânimo, de alma forte e amante.
(…)
O seu livro, caro Luís, tem a realidade bem observada e a observação bem exprimida – as duas qualidades supremas, as que devem procurar antes de tudo na obra de arte, onde outrora se admirava principalmente a imaginação e a eloquência. Mas você faz além disso, com o seu Brasileiro Soares, uma verdadeira reabilitação social.
(…)
Você desbrasileirou o brasileiro, humanizando-o; e como todo aquele que, com um tranquilo desprezo das convenções, faz uma obra de verdade, você elevou-se insensivelmente a esse feito mais raro, e melhor, que se chama uma boa acção.
Eça de Queirós”
Luís de Magalhães (Lisboa, 13/9/1859 – Porto,
14/12/1935)
Poeta, prosador, fundador de revistas, entre elas, a Revista Científica e Literária com António Feijó, e tertúlias, licenciado em Direito, amigo dos grandes nomes da Geração de 70, secretario de Eça, Governador Civil de Aveiro, Ministro dos Negócios Estrangeiros, reunia os intelectuais da época na sua Quinta do Mosteiro da Moreira da Maia.
Poeta, prosador, fundador de revistas, entre elas, a Revista Científica e Literária com António Feijó, e tertúlias, licenciado em Direito, amigo dos grandes nomes da Geração de 70, secretario de Eça, Governador Civil de Aveiro, Ministro dos Negócios Estrangeiros, reunia os intelectuais da época na sua Quinta do Mosteiro da Moreira da Maia.
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