Palestra proferida pelo Professor Moisés Monteiro de Melo Neto no Centro de Filosofia e Ciências Humanas da UFPE
“HERÓIS SEM ADOLESCÊNCIA NEM INFÂNCIA OU AS MANGAS COLHIDAS ANTES DO
AMADURECIMENTO”
“O abismo bate palmas, / a noite aponta o revólver.
/ ouço a multidão, o coro do universo, / o trote das estrelas / já nos
subúrbios da caneta: / as rosas perderam a fala. / entrega-se a morte a
domicílio. / dos braços... / pende a ópera do mundo” (Murilo Mendes).
Sim, viver é difícil. O fluir da vida é um curso dadivoso cuja perenidade, mesmo dentre obras de arte é estranho e periclitante.
Quem gostaria de viver para sempre? Quem como a personagem Norma Desmond do filme Sunset Boulevard, poderá dizer, enlouquecida, na última cena “agora estou pronta para o meu close up”?
Quando uma vida se completa? Quando nos livramos dos exageros e das indecisões? Há um momento exato em que se atinge a maturidade?
Nossas estantes estão cheias de livros como “Capitães da Areia” de Jorge Amado ou “Oliver Twist” de Charles Dickens, onde crianças de rua são utilizadas por pessoas mais velhas e forma pequenas gangues. Crianças com pais ausentes, destinos entrelaçados formando um espaço alheio ao entendimento das metrópoles, Londres / Salvador.
O Recife acostumou-se a olhar as centenas de cheira-colas. 5, 10 anos de idade quantos anos? As drogas fortalecem cartéis e exigem reis, dirigentes fortes.
Entre a maconha e a melancolia de entender-se humano, adulto, maduro, velho ou verde, interpõe-se o conceito de 3º espaço, de entrelugar, proporcionado também pelo álcool, pela migração, pela sexualidade proibida.
Manga verde dá cólica. Mas as crianças, os miseráveis, os menos favorecidos, as colhem na forme, na pressa para não cair.
“Serei o herói da minha existência?”, perguntava-se o David Coperfield de Dickens. Serei um anti-herói? A tragicidade que envolve certas adolescências sufocadas nos faz pensar numa platéia de clowns a assistir o desespero de uma juventude sufocada, não por vivermos num sistema capitalista que devora os mais fracos sem remorsos, mas por não haver muitas saídas para o ser humano a não ser procriar, ou aceitar calmamente a cria dos outros, ocupando assim este espaço chamado adulto.
Talvez, num admirável mundo novo, possamos, todos nós, conviver, aí sim, como produtos de uma mesma máquina. Talvez, como no romance de Huxley, reste-nos a soma, poderosa panacéia para tantos males que insistimos em rotular de angústia, culpa, insatisfação, etc.
“Como está cheio/ de folhas secas o horto/ e de palavras santas / meu coração! / tempo é que não sobrou / que fossem ditas / nem variadas...”, diz João Jandelino Câmara. Sim, o não-dito está condenado a transformar-se em esquecimento, arrependimento. O não-amor torna-se objeto de consumo. Os pais envelhecidos vão olhar antigas fotos e achar ali, estranhas meninas do ano 2003, pintadas e erotizadas, afetadas pela média. Garotas que se educaram em X-Men e Matrix, Digimons e tantos outros produtos que impuseram um peculiar acento a uma juventude imediatista e não adepta da meditação/reflexão.
A McDonald’s, a MTV, os Shopping Centers, as ruas imundas como leitos, o leite dos peitos sujos e sem perspectivas, a ruína das escolas públicas e o jogo imperfeito das instituições pagas de ensinos médio e fundamental. Tudo caleidoscópio neste mundo pós-moderno onde o preservativo é aconselhável antes até da primeira explosão de hormônios.
Bagdá, Afeganistão, Nova York, Bush de canhão apontado para “infratores”, heróis de um sistema tristonho, composto por fraudes na eleição, na religião, no preconceito. Encruzilhadas sustentam placas que indicam os entrelugares, mas nestes, como no caos, sempre vão instalar-se novos ranços, como num jogo sem perspectivas para detectarmos quem vence, quem perde. Como na máxima alquímica. O que está embaixo é igual ao que está em cima.
Seqüestros, tiros, facadas, câncer. Roubos, prêmios inesperados. Nasce o cidadão do ano novo.
E os artistas? Como representam tudo isso?
Freud diz o artista é, basicamente, um introvertido, em virtude da dificuldade que sente de adaptar-se à realidade em decorrência dos seus fortes impulsos: não podendo satisfazer diretamente as suas exigências, se realiza no mundo da fantasia, o que o aproxima dos que têm perturbações mentais. Sua salvação é tornar suas fantasias agradáveis.
Como estão se posicionando nossos artistas autores diante do caos recifense? Como se reflete aqui tamanha desordem? De crianças e gente de toda idade comendo lixo? De salários pequenos e impostos enormes? De que é que temos fome zero? Será que temos mesmo algo a ver com o que aconteceu com Adão e Eva no paraíso? Será que somos nós que martelamos os novos crucificados no Oriente Médio? Somos escravos do feijão e do sonho. Da velhice e da infância.
“Música... que sei eu de mim? / Que sei eu de ser ou estar? / Música... sei só que sem ficar / Quero saber só de sonhar...” (Fernando Pessoa).
“Não há muitos jantares no mundo, já sabias, / E os mais belos frangos / são protegidos em pratos chineses, por vidros espessos / Há sempre o vidro e não se quebra, / Há o aço, o amianto, a lei, / há milícias inteiras protegendo o frango, / e há uma fome que vem do Canadá, um vento, / uma voz glacial, um sopro de inverno, uma folha baila indecisa e pousa em teu ombro: mensagem pálida / que mal decifras. Entre o frango e a fome, / o cristal infrangível. Entre a mão e a fome, / os valos da lei, as léguas” (Drummond).
Há o véu do esquecimento sobre os olhos no Recife, como buscar. O apedrejamento, a fúria incendiária, os cadáveres insepultos, as colunas sociais, a mídia que precisa de novas sensações e as prateleiras das lojas que precisam ser renovadas, consumidas. Há crianças colhendo frutos não maduros, imperfeitos.
Há tantos livros que a academia e os autodidatas se impõe. Há Paulo Coelho, Harry Potter da novata Rowling, ou os velhos anéis de Tolkien. Há enchentes que derrubam casebres nos morros, que poderiam servir de metáforas para identidades, alteridades nas fases da vida, para infância e adolescência, para um espaço chamado adulto, ou este caminho chamado velhice ou Idos-idade.
Perde-se sempre a adolescência, a infância. Restam-nos fotos, saudades das primeiras impressões, de algum sexo, ou mágoa por tê-los inadequadamente. Sobrevive em todos nós apenas a constatação de que precisamos mortalmente da próxima refeição e de cumprir as tarefas que nos aguardam com primor, com resignação.
Hamlets que somos com indeciso punhal na mão diante do ser ou não ser, estar ou não estar. Catedráticos do entrelugar: o novo mal-do-século se anuncia! Requer uma nova retórica.
“São ventos feridos,/ são ventos antigos,/ saudades de amigos,/ lembranças, rumores;/ são ventos irados/ batendo em meu rosto,/ marchando em rajada / rufando tambores” (Joaquim Cardozo): “Figuras do Vento”).
Nossos espíritos precisam de novas metáforas, de mais liberdade, justiça. Algo que nos faça estar mais com os jovens, pobres, médios, ricos. Fazer com que se unam.
Nós escritores, professores. Nós que lidamos com teorias, nós que devemos ter a nova escrita e transformar estas mangas colhidas, antes do amadurecimento, em ícones de salvação, de respeito às diferenças que nos cercam.
A condição humana nos impõe estarmos sempre atentos e fortes, principalmente quando as coisas não saem como planejamos.
Somos nós mesmos os piores miseráveis das ruas do Recife. É por nossas narinas que a cola penetra no corpo da cidade. As mãos enrugadas e famintas dos velhos nas calçadas, desgraça nos barracos e prédios luxuosos, no esconde e mostra dos homossexuais amantes. A prostituição em todas as idades e escolas. Políticos incompetentes diante do tão conhecido desafio.
Resta-nos, amantes dos livros, ler algo que nos acalma e nos dê um sono revigorante para tamanho cansaço. Cubramo-nos com esta colcha pós-moderna retrô, e rezemos assim, como Bandeira ensinou: “Quando a Indesejada das gentes chegar / (não sei se dura ou coroável), / Talvez eu tenha medo. / Talvez sairia ou diga: / - alô, iniludível! / o meu dia foi bem, pode a noite descer. / (A noite com seus sortilégios). / Encontrará lavrado o campo, a casa limpa, / a mesa posta, / com cada coisa em seu lugar”.
Que venham os frutos!
Sim, viver é difícil. O fluir da vida é um curso dadivoso cuja perenidade, mesmo dentre obras de arte é estranho e periclitante.
Quem gostaria de viver para sempre? Quem como a personagem Norma Desmond do filme Sunset Boulevard, poderá dizer, enlouquecida, na última cena “agora estou pronta para o meu close up”?
Quando uma vida se completa? Quando nos livramos dos exageros e das indecisões? Há um momento exato em que se atinge a maturidade?
Nossas estantes estão cheias de livros como “Capitães da Areia” de Jorge Amado ou “Oliver Twist” de Charles Dickens, onde crianças de rua são utilizadas por pessoas mais velhas e forma pequenas gangues. Crianças com pais ausentes, destinos entrelaçados formando um espaço alheio ao entendimento das metrópoles, Londres / Salvador.
O Recife acostumou-se a olhar as centenas de cheira-colas. 5, 10 anos de idade quantos anos? As drogas fortalecem cartéis e exigem reis, dirigentes fortes.
Entre a maconha e a melancolia de entender-se humano, adulto, maduro, velho ou verde, interpõe-se o conceito de 3º espaço, de entrelugar, proporcionado também pelo álcool, pela migração, pela sexualidade proibida.
Manga verde dá cólica. Mas as crianças, os miseráveis, os menos favorecidos, as colhem na forme, na pressa para não cair.
“Serei o herói da minha existência?”, perguntava-se o David Coperfield de Dickens. Serei um anti-herói? A tragicidade que envolve certas adolescências sufocadas nos faz pensar numa platéia de clowns a assistir o desespero de uma juventude sufocada, não por vivermos num sistema capitalista que devora os mais fracos sem remorsos, mas por não haver muitas saídas para o ser humano a não ser procriar, ou aceitar calmamente a cria dos outros, ocupando assim este espaço chamado adulto.
Talvez, num admirável mundo novo, possamos, todos nós, conviver, aí sim, como produtos de uma mesma máquina. Talvez, como no romance de Huxley, reste-nos a soma, poderosa panacéia para tantos males que insistimos em rotular de angústia, culpa, insatisfação, etc.
“Como está cheio/ de folhas secas o horto/ e de palavras santas / meu coração! / tempo é que não sobrou / que fossem ditas / nem variadas...”, diz João Jandelino Câmara. Sim, o não-dito está condenado a transformar-se em esquecimento, arrependimento. O não-amor torna-se objeto de consumo. Os pais envelhecidos vão olhar antigas fotos e achar ali, estranhas meninas do ano 2003, pintadas e erotizadas, afetadas pela média. Garotas que se educaram em X-Men e Matrix, Digimons e tantos outros produtos que impuseram um peculiar acento a uma juventude imediatista e não adepta da meditação/reflexão.
A McDonald’s, a MTV, os Shopping Centers, as ruas imundas como leitos, o leite dos peitos sujos e sem perspectivas, a ruína das escolas públicas e o jogo imperfeito das instituições pagas de ensinos médio e fundamental. Tudo caleidoscópio neste mundo pós-moderno onde o preservativo é aconselhável antes até da primeira explosão de hormônios.
Bagdá, Afeganistão, Nova York, Bush de canhão apontado para “infratores”, heróis de um sistema tristonho, composto por fraudes na eleição, na religião, no preconceito. Encruzilhadas sustentam placas que indicam os entrelugares, mas nestes, como no caos, sempre vão instalar-se novos ranços, como num jogo sem perspectivas para detectarmos quem vence, quem perde. Como na máxima alquímica. O que está embaixo é igual ao que está em cima.
Seqüestros, tiros, facadas, câncer. Roubos, prêmios inesperados. Nasce o cidadão do ano novo.
E os artistas? Como representam tudo isso?
Freud diz o artista é, basicamente, um introvertido, em virtude da dificuldade que sente de adaptar-se à realidade em decorrência dos seus fortes impulsos: não podendo satisfazer diretamente as suas exigências, se realiza no mundo da fantasia, o que o aproxima dos que têm perturbações mentais. Sua salvação é tornar suas fantasias agradáveis.
Como estão se posicionando nossos artistas autores diante do caos recifense? Como se reflete aqui tamanha desordem? De crianças e gente de toda idade comendo lixo? De salários pequenos e impostos enormes? De que é que temos fome zero? Será que temos mesmo algo a ver com o que aconteceu com Adão e Eva no paraíso? Será que somos nós que martelamos os novos crucificados no Oriente Médio? Somos escravos do feijão e do sonho. Da velhice e da infância.
“Música... que sei eu de mim? / Que sei eu de ser ou estar? / Música... sei só que sem ficar / Quero saber só de sonhar...” (Fernando Pessoa).
“Não há muitos jantares no mundo, já sabias, / E os mais belos frangos / são protegidos em pratos chineses, por vidros espessos / Há sempre o vidro e não se quebra, / Há o aço, o amianto, a lei, / há milícias inteiras protegendo o frango, / e há uma fome que vem do Canadá, um vento, / uma voz glacial, um sopro de inverno, uma folha baila indecisa e pousa em teu ombro: mensagem pálida / que mal decifras. Entre o frango e a fome, / o cristal infrangível. Entre a mão e a fome, / os valos da lei, as léguas” (Drummond).
Há o véu do esquecimento sobre os olhos no Recife, como buscar. O apedrejamento, a fúria incendiária, os cadáveres insepultos, as colunas sociais, a mídia que precisa de novas sensações e as prateleiras das lojas que precisam ser renovadas, consumidas. Há crianças colhendo frutos não maduros, imperfeitos.
Há tantos livros que a academia e os autodidatas se impõe. Há Paulo Coelho, Harry Potter da novata Rowling, ou os velhos anéis de Tolkien. Há enchentes que derrubam casebres nos morros, que poderiam servir de metáforas para identidades, alteridades nas fases da vida, para infância e adolescência, para um espaço chamado adulto, ou este caminho chamado velhice ou Idos-idade.
Perde-se sempre a adolescência, a infância. Restam-nos fotos, saudades das primeiras impressões, de algum sexo, ou mágoa por tê-los inadequadamente. Sobrevive em todos nós apenas a constatação de que precisamos mortalmente da próxima refeição e de cumprir as tarefas que nos aguardam com primor, com resignação.
Hamlets que somos com indeciso punhal na mão diante do ser ou não ser, estar ou não estar. Catedráticos do entrelugar: o novo mal-do-século se anuncia! Requer uma nova retórica.
“São ventos feridos,/ são ventos antigos,/ saudades de amigos,/ lembranças, rumores;/ são ventos irados/ batendo em meu rosto,/ marchando em rajada / rufando tambores” (Joaquim Cardozo): “Figuras do Vento”).
Nossos espíritos precisam de novas metáforas, de mais liberdade, justiça. Algo que nos faça estar mais com os jovens, pobres, médios, ricos. Fazer com que se unam.
Nós escritores, professores. Nós que lidamos com teorias, nós que devemos ter a nova escrita e transformar estas mangas colhidas, antes do amadurecimento, em ícones de salvação, de respeito às diferenças que nos cercam.
A condição humana nos impõe estarmos sempre atentos e fortes, principalmente quando as coisas não saem como planejamos.
Somos nós mesmos os piores miseráveis das ruas do Recife. É por nossas narinas que a cola penetra no corpo da cidade. As mãos enrugadas e famintas dos velhos nas calçadas, desgraça nos barracos e prédios luxuosos, no esconde e mostra dos homossexuais amantes. A prostituição em todas as idades e escolas. Políticos incompetentes diante do tão conhecido desafio.
Resta-nos, amantes dos livros, ler algo que nos acalma e nos dê um sono revigorante para tamanho cansaço. Cubramo-nos com esta colcha pós-moderna retrô, e rezemos assim, como Bandeira ensinou: “Quando a Indesejada das gentes chegar / (não sei se dura ou coroável), / Talvez eu tenha medo. / Talvez sairia ou diga: / - alô, iniludível! / o meu dia foi bem, pode a noite descer. / (A noite com seus sortilégios). / Encontrará lavrado o campo, a casa limpa, / a mesa posta, / com cada coisa em seu lugar”.
Que venham os frutos!
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