por Moisés Monteiro de Melo Neto*
Não faz tanto tempo assim que o
teatro transgrediu e muito: o desbunde
politizado de José Celso Martinez (ainda barbarizando)
nas montagens do O Rei da Vela, Para
acabar de vez com o juízo de Deus e outras, na literatura, no cinema, na
música. O Brasil ousou e depois deu um passo para trás (ou pra frente?);
irreverência num modo de vida no qual muitos artistas, escritores e figuras de
destaque na mídia embarcaram nas quebradas dos anos 60/70, do século passado,
mas que trazia vestígios da comédia de Martins Pena e até do Teatro de Revista,
da Chanchada e da irreverência da Semana de Arte Moderna, Antropofagia. O
Vivencial Diversiones é supracitado, hoje, mas no Recife houve muito mais,
grupos como o do pessoal da Ilusionistas Corporação Artística misturaram alta
cultura e pura curtição; a Trupe do Barulho, uma década depois, também mandou
ver; lembro também aqui alguns espetáculos com Valdi Coutinho. O negócio também
explodiu no que diz respeito à indústria cultural, (homogeneização
estético-comportamental) e o udigrude rolou solto. No cinema
Bressane, Ivan Cardoso, Jomard Muniz de Britto com seu famigerado Super8 e sua
crítica implacável traçam paralelos
entre o eruditismo interesseiro, cultura de massa, cultura popular, o negócio
deu-se assim a ampliação dessa postura “marginal”, que quase vira tendência, de
tão bem divulgada. Mas e agora em nosso
tempo “real”? Como se dá a transgressão em nossos palcos? Puro lixo e Ossos ousam
transgredir na frouxidão do ecletismo que nos envolve na era digital? Nada mais
choca na variabilidade e incerteza dos significados, hoje? Nossa relação com os
ícones atuais passa por propostas estéticas diversas e com vieses outros que
não cabe aqui comentar. Na moda e no cinema, Eduardo Ferreira e Cláudio Assis
dão mostras de muito fôlego em suas rupturas; na poesia Miró da Muribeca
destaca-se entre os entendidos que exibem poesia performática de alta voltagem.
Mas quem se atreve a expor ideias que sacudiriam essa geração aí? Algo que passasse
longe da redundância com suas caretices e destacasse aquilo que não passa no Funcultura e do plano neon-ufanista brasileiro, pondo em
evidência coerente um comportamento desviante dessa vida mais certinha? Algo que visasse também um
público maior do que esse que hoje vem frequentando teatro na capital pernambucana.
A postura do escracho pop como fez João Falcão (em Muito Pelo Contrário), a transgressão comercial de Tal e qual nada igual, produções dos
anos 80 do século passado, chegam até o cultuado grupo Magiluth em forma de
projetos para as leis de Incentivo à Cultura? Mas se dentre as muitas manifestações de algo
mais engajado o desbunde multicriativo de
Henrique Celibi ainda parece anacrônico para uns desavisados, o que dizer sobre
essa função tão importante das artes cênicas que floresceu nessa apresentações
feitas em casas e apartamentos da anfíbia Recife? Ah!Lembro agora um poema do
Cacaso: “Tirante meus olhos e mãos/ quero
me transformar em seu corpo/ com toda nudez experiente/ do passado e do
presente”, ou que tal Chacal? “Como era bom/ o tempo em que marx explicava o mundo/ tudo era luta de classes
como era simples/ o tempo em que freud explicava/ que édipo tudo explicava/ que tudo era clarinho limpinho e explicadinho/ tudo muito mais asséptico/ do que era quando nasci/ hoje rodado sambado pirado/ descobri que é preciso/ aprender a nascer todo dia.”. Talvez nos reste também isto mesmo. Já que talvez não seja mais possível uma transgressão contracultural (tardia?) cheia de risos e sisos, nesse momento nevrálgico do Brasil, além de qualquer utopia revolucionária e mais perto do coração selvagem do desejo, que poderia até dispensar um intelectual formador de opinião que compreenda a verdade que atravessa todas as classes sociais e questões de gênero, etnia etc.Agora nosso teatro vaga num mar de projetos ecoando a fantasmática voz rouca de Myrian Muniz (que funciona também como uma alegoria fragmentária e múltipla de uma linha macropolítica interessada em colonizar o futuro e integrar atitudes micropolíticas interessadas em (re)pensar o corpo, a sexualidade e transgredir os tabus comportamentais da cultura ocidental, como algo mais adequado?). Oh, meu Deus! Será que estou transpirando ceticismo em relação aos projetos das vanguardas políticas e das transestéticas de um entrelugar rizomático e buscando um teatro que rasurando fronteiras busque a diferença sustentada por apego ao corpo e à subjetividade? Logo eu, que gosto tanto da desconstrução, arte e vida em dramaturgi vivencial, lúdica, no acaso dos cotidianos, aqui, ali, em qualquer lugar, longe de um convencional naturalismo e das convenções teatrais? Eu que bebi Expressionismo, do Teatro da Crueldade, do Teatro do absurdo e pratico o diálogo ultradramático retratando nosso labiríntico declínio? Eu que admiro tanto Cadengue, Bartolomeu, José Francisco, Samuel Santos? Que ainda curto Joseph Chaikin, Eugênio Barba, Peter Brook, Richard Schechner, Heiner Müller, que sempre flertei com o estranhamento, que já tive oportunidade de entrevistar Ionesco, aqui no Recife? Que já exercitei facetas de sátira grotesca, paródia violenta, titubeando ao em usar linguagem de baixo calão, e até mesmo fragmentação exagerada nos diálogos? Gostaria agora que me trouxessem uma peça que falasse da humanidade perdida num Brasil sem sentido, que fosse para o público: magia, energia, extrapolasse confrontando a subjetividade, os sentimentos nacionais deste momento, desse processo doloroso e tão Cruel, que a muitos parece incompreensível e até sem tanta perspectiva. È nessa hora que a transgressão parece-me válida: fugir da estrutura narrativa familiar e sequencial, tratar dos conflitos nas relações interpessoais, desse nosso isolamento; talvez até encenações interativas e textos coletivos. Dar força ao teatro experimental atual, revisar o “Teatro Pobre” (economia de recursos cênicos, só o essencial à cena na relação entre o ator e o espectador). Ah! Saudade de Nelson Rodrigues...
E viva o filósofo JMB!
como era simples/ o tempo em que freud explicava/ que édipo tudo explicava/ que tudo era clarinho limpinho e explicadinho/ tudo muito mais asséptico/ do que era quando nasci/ hoje rodado sambado pirado/ descobri que é preciso/ aprender a nascer todo dia.”. Talvez nos reste também isto mesmo. Já que talvez não seja mais possível uma transgressão contracultural (tardia?) cheia de risos e sisos, nesse momento nevrálgico do Brasil, além de qualquer utopia revolucionária e mais perto do coração selvagem do desejo, que poderia até dispensar um intelectual formador de opinião que compreenda a verdade que atravessa todas as classes sociais e questões de gênero, etnia etc.Agora nosso teatro vaga num mar de projetos ecoando a fantasmática voz rouca de Myrian Muniz (que funciona também como uma alegoria fragmentária e múltipla de uma linha macropolítica interessada em colonizar o futuro e integrar atitudes micropolíticas interessadas em (re)pensar o corpo, a sexualidade e transgredir os tabus comportamentais da cultura ocidental, como algo mais adequado?). Oh, meu Deus! Será que estou transpirando ceticismo em relação aos projetos das vanguardas políticas e das transestéticas de um entrelugar rizomático e buscando um teatro que rasurando fronteiras busque a diferença sustentada por apego ao corpo e à subjetividade? Logo eu, que gosto tanto da desconstrução, arte e vida em dramaturgi vivencial, lúdica, no acaso dos cotidianos, aqui, ali, em qualquer lugar, longe de um convencional naturalismo e das convenções teatrais? Eu que bebi Expressionismo, do Teatro da Crueldade, do Teatro do absurdo e pratico o diálogo ultradramático retratando nosso labiríntico declínio? Eu que admiro tanto Cadengue, Bartolomeu, José Francisco, Samuel Santos? Que ainda curto Joseph Chaikin, Eugênio Barba, Peter Brook, Richard Schechner, Heiner Müller, que sempre flertei com o estranhamento, que já tive oportunidade de entrevistar Ionesco, aqui no Recife? Que já exercitei facetas de sátira grotesca, paródia violenta, titubeando ao em usar linguagem de baixo calão, e até mesmo fragmentação exagerada nos diálogos? Gostaria agora que me trouxessem uma peça que falasse da humanidade perdida num Brasil sem sentido, que fosse para o público: magia, energia, extrapolasse confrontando a subjetividade, os sentimentos nacionais deste momento, desse processo doloroso e tão Cruel, que a muitos parece incompreensível e até sem tanta perspectiva. È nessa hora que a transgressão parece-me válida: fugir da estrutura narrativa familiar e sequencial, tratar dos conflitos nas relações interpessoais, desse nosso isolamento; talvez até encenações interativas e textos coletivos. Dar força ao teatro experimental atual, revisar o “Teatro Pobre” (economia de recursos cênicos, só o essencial à cena na relação entre o ator e o espectador). Ah! Saudade de Nelson Rodrigues...
E viva o filósofo JMB!
Tese de Doutorado sobre Jomard Muniz de Britto, JMB, é editada em Livro (pelo SESC PE)
*Moisés é Doutor em Letras,
Professor, escritor e trabalha no Teatro há mais de 30 anos
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