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segunda-feira, 28 de novembro de 2016

18º FESTIVAL RECIFE DO TEATRO NACIONAL : uma aventura inesquecível

por moisés monteiro de melo neto (moisesneto)


Foi uma maratona de peças teatrais e debates e coisas e mais coisas, a semana passada,o 18º FESTIVAL RECIFE DO TEATRO NACIONAL 2016, que homenageou o MAMULENGO SÓ-RISO. Do sábado, dia 19,  com 'Memórias de um cão', do Coletivo Alfenim (PB), no Teatro de Santa Isabel (já adaptei Quincas Borba para um musical no circo e Ivaldo Cunha o encenou muitas vezes, assim como Brás Cubas , mas ali era o cão Quincas que era o narrador, enfim...); na segunda foi o Seminário de crítica, onde João Denys explicou parte da sua dramaturgia e dos processo de criação (master); na terá MEDEIA, por Albemar Araújo, no Teatro Joaquim Cardozo, na quarta ensaio com José Francisco.


Na quinta 'NÓS', do Grupo Galpão (MG), no Teatro Luiz Mendonça me senti no Oficina de Zé Celso, o metateatro desconstrucionista orgiástico a fisgar a essência do existir num país assim chamado mundo


 Na sexta saímos do FESTIVAL e fomos curtir outro circuito, o do Teatro da Caixa Cultural, onde tenho apresentado meus musicais junto ao Coletivo Esperança de Óculos, protagonizado por Djin Sganzerla, o drama Ilhada em Mim, Sylvia Plath (concebido por Gabriela Mellão é sobre uma poetisa americana que curto muito) Sylvia Plath (1932-1963º lance das suas depressões e sua relação com o poeta inglês Ted Hughes (1930-1998), aqui  André Guerreiro Lopes, também diretor e marido de Djin; a abordagem surreal é finíssima! A simbologia do cenário, o palco alagado, há uma camada d’água, na qual os móveis, roupas e papéis que flutuam, afundam e submergem de acordo com a tensão dos personagens. Há também as ótimas entrevistas radiofônicas de Sylvia e Hughes (só algumas são com as legendas projetadas, mas como falo inglês), estava ao lado de Jomard Muniz de Britto e Arion Santos, poetas que admiro, depois fomos ao Boi Neon, que faz parte do Bar Central, do Recife, encontramos a poeta Sônia Bierbard, ficamos por trás do Ginásio Pernambucano e olhando para a  Assembleia Legislativa de Pernambuco naquela noite estrelada e tão saudável, na mesa próxima sentou-se o Grupo Latão, e lá estavam Ticiana Pacheco, Breno Fittipladi, Júnior Sampaio e tantos outros que fizeram a cena da semana do Festival (parabéns, Romildo Moreira).  



No sábado, fomos assistir, eu e a atriz, produtora e pesquisadora Mísia Coutinho,  ‘O pão e a pedra', da Cia. do Latão (SP), no Teatro Hermilo Borba Filho (voltar a 1979 foi um barato) que durou quase três horas de engajamento, mas Telma Virgínia disse que sentiu que eles eram meio... coxinhas!  

Lula lá? A coroa do rei não é de ouro nem de prata: LATÃO mandou ver



No final gritaram “Fora Temer para sempre!”, mas não mencionaram Fidel Castro, que morreu naquela tarde (ah! Quero destacar uma fala do espetáculo do Latão que me deixou encucado: reproduzo aqui com imperfeição, fazendo o tratamento de canal necessário á memória: “não tenho tudo que gostaria de dar ao meu filho”, diz a operária que vi ser CDF dos patrões e até se travestir de homem para ganhar mais e ter respeito, ela continua: “mas dei a ele um chiclete PLOC, e ensinei-o a fazer bola”. (!) ; lembremos o poetinha:
 “Portanto, tudo o que vês

Será teu se me adorares
E, ainda mais, se abandonares
O que te faz dizer não.
Disse, e fitou o operário
Que olhava e que refletia
Mas o que via o operário
O patrão nunca veria.
O operário via as casas
E dentro das estruturas
Via coisas, objetos
Produtos, manufaturas.
Via tudo o que fazia
O lucro do seu patrão
E em cada coisa que via
Misteriosamente havia
A marca de sua mão.
E o operário disse: Não!”
(Vinicius de Moraes, O operário em construção)



 Detalhando que à tarde, eu estava ali, no Teatro Apolo, ligado na pesquisador teatral Leidson Ferraz lança neste sábado (26), às 15h, no Teatro Hermilo Borba Filho, também dentro da programação do 18º Festival Recife do Teatro Nacional, o acervo digital TEATRO TEM PROGRAMA!, com 780 programas de espetáculos teatrais do Recife e Olinda no Século 20 digitalizados página a página e compartilhados numa espécie de revista eletrônica. 


A produtora Mirian Juvino, no programa da peça  NOITE DOS ASSASSINOS, Recife, anos 80 (desenho Marco Hanois), PRODUÇÃO da  ILUSIONISTAS




Fiquei logo chocado em ver programas com espetáculos dos quais fiz parte e que nem eu tenho programa, como Dona Patinha Vai ser Miss (eu, Augusta Ferraz, Flávio Freire, Geane Bezerra e João, dirigidos por Buarque de Aquino, com música de Cláudio Aguiar), A iniciativa conta com incentivo do Funcultura e apoio da Fundação Joaquim Nabuco. Leidson criou inspiração para o acervo quando viu o livro “O Cartaz no Teatro”, uma publicação rara da Imprensa Oficial do Estado de São Paulo, que compila centenas de cartazes do teatro brasileiro, com atenção especial ao eixo Rio de Janeiro-São Paulo. O acervo Teatro Tem Programa! integra o Projeto Memórias da Cena Pernambucana e é organizado e coordenado pelo jornalista e pesquisador teatral Leidson Ferraz, com a colaboração de dezenas de artistas e/ou instituições que doaram parte de suas documentações ou permitiram os seus escaneamentos. A atriz Inalda Silvestre foi a primeira a permitir o acesso a grande parte das “relíquias”. “O teatro, como arte efêmera, fica um pouco mais palpável quando nos deparamos com estas suas páginas. Portanto, vale deleitar-se com este passado impresso em forma de “revista digital”, numa tentativa de prolongar a existência de tantas raridades da nossa história teatral. Já no domingo, fomos curtir o 'Fishman', do Grupo Bagaceira (CE), no Teatro Apolo. dois homens estão em um pequeno bote sobre as águas de um lago, frente a frente, sem saber o que dizer, sem conseguir fisgar qualquer assunto, qualquer coisa que valha a pena ser dita entre dois seres humanos. Fishman não se deixa pescar por um único tema ou por uma compreensão específica de mundo. O espetáculo abraça a complexidade e reconhece que tudo está em permanente interação, em um fluxo que vai além de qualquer conceito, mas que pode ser experimentado de corpo inteiro, momento a momento. A palavra não é a coisa. Há peixes infisgáveis. Eles vagueiam por águas profundas e densas, onde a linha do pensamento não alcança. O espetáculo adentra o lago escuro, experimenta isso. Não para conceituar, catalogar espécies exóticas, mas, talvez, numa tentativa de reconciliação desses peixes, infinitos peixes, que vivem dentro de nós e dos outros.

FISHMAN da Bagaceira delícias e complexidades do existir postas em xeque cósmico



Fishman não se deixa pescar por um único tema ou por uma compreensão específica de mundo. Abraça a complexidade e reconhece que tudo está em permanente interação, em um fluxo que vai além de qualquer conceito, mas que pode ser experimentado de corpo inteiro, momento a momento. Interessante a dramaturgia: Rafael Martins  e a direção: Yuri Yamamoto, que conheci em São Paulo num encontro de dramaturgos.  Bom que mais? Depois eu conto.

sábado, 26 de novembro de 2016

Crônicas do BAR CENTRAL DO RECIFE por Moisés Monteiro de Melo Neto




Breno Fittipaldi e Moisés Neto, batendo ponto no BAR CENTRAL DO RECIFE







Crônicas do BAR Central DO RECIFE: Ontem à noite, depois de tanto teatro, atores como Diogenes D. Lima, Naná Sodré Do O Poste Sodré, Agri Melo, Breno Fittipaldi, Arion Santos, Sonia Bierbard, o famigerado grupo EntretantoTeatro Portugal Brasil Teatro, o Latão, a insuperável Tici Pacheco, dentre dezenas de outros, como o diretor e dramaturgo Samuel Santos Do O Poste Soluções, resolveram transpor a cena para o asfalto selvagem deste torvelinho lírico etílico cheio de sabores inusitados e supermanjares; Junior Sampaio comparou aquilo ao antigo Atlântico de Olinda, Jomard Muniz de Britto colocou obstáculos e transpossibilidades pop filosóficas que adubaram nossos raciocínios que já vinham agitados e poéticos de gêneros dramático, saíramos de um espetáculo da Cia Lusco-fusco ILHADA EM MIM SYLVIA PLATH, um primor surreal para Magritte nenhum botar defeito, depois dos beijos, danças drinks e sopa do Galpão; Recife estava em festa e o TEATRO parecia não ter fim e valer tanto a pena; à tarde a Rádio Folha FM TRANSMITIU A MINHA PEÇA RADIOFÔNICA O julgamento de PADRE CÍCERO, QUE INCLUIU O ator Douglas Duan, um talento que é luxo na nossa CENA. Sim, sim, foi uma noite bem estrelada, cheia de amores , esse cheiro de verão noturnamente manguebeat; sim, sim: aqueles atrás de mim e Breno Fittipaldi, são os do LATÃO, que vou curtir hoje, mas já ouvi comentários sobre a temporada deles na nossa capital (melhor do que Paris! kkkkkk); não esquecer a exposição de Leidson Ferraz, nosso pesquisador-mor, príncipe dos arquivos mais secretos e exibicionistas, hoje à tarde no Centro Apolo Hermilo; ir também ao espaço Ritinha e... bem; daqui a pouco a gente se vê;O DIA PROMETE! Deus está solto!


a produtora e atriz misia coutinho e o escritor e professor moisesneto, assíduos do bar central, foto do dia  27 de agosto de 2016



sexta-feira, 25 de novembro de 2016

FESTIVAL RECIFE DE TEATRO: O Grupo Galpão, grupo de teatro de Minas Gerais e do mundo, exibiu ontem, no Teatro Luiz Mendonça, Parque Dona Lindu, Recife, a peça NÓS

FUI AO FESTIVAL RECIFE DO TEATRO NACIONAL: O Grupo Galpão, grupo de teatro de Minas Gerais e do mundo, exibiu ontem, no Teatro Luiz Mendonça, Parque Dona Lindu, Recife, a peça NÓS, com direção de Marcio Abreu, que conta a história de sete pessoas que partilham angústias e esperanças enquanto preparam a última sopa, que eu tomei e estava ÓTIMA (preparam no palco, a gente sente o cheiro e vê os ingredientes sendo colocados na panela, lembrou-me uma peça do TAP, grupo do Recife, que serviam ragu, preparado ali, durante o espetáculo com Vanda Phaelante). São mais de três décadas do Galpão, e esta é a 23ª montagem da companhia, onde os componentes debatem questões atuais como a violência, a intolerância e a convivência com a diferença, a partir de uma dimensão política.
No elenco estão Antonio Edson, Chico Pelúcio, Júlio Maciel, Lydia Del Picchia, Paulo André e Teuda Bara (que beijei na boca, meio Zé Celso Martinez, com querm esta diva de 75 anos trabalhou). 

Teuda Bara, do Grupo Teatro Galpão e Moisés Monteiro de Melo Neto, na festinha depois da peça NÓS (Um assustado que durou pouco tempo e causou furor em Boa Viagem)




A peça começou a ser ensaiada no ano passado e teve estreia em março e é um capítulo importante do Galpão.Marcio Abreu (dramaturgo, diretor e ator) que está com o pessoal desde 2005, e afirma que eles se desdobram de experiências singulares e cumprem uma função pública no país, são contemporâneos e tratam de situações públicas e privadas. A peça aborda questões como violência e discriminação, num  desafio de autorrevitalização (para dar conta dos trabalhos propostos pelo diretor, Márcio, que não aceita "qualquer coisa" dada pelos atores e exige exercício de ator para cada um deles e que o rigor). Em “Nós”, eles não foram tão pressionados pelo tempo, pelas expectativas, pelo o que equivocadamente chamamos de mercado, aí conseguiram eliminar o que puderam (nesta nova montagem). 

ATORES DO CIT SESC PIEDADE: AMANDA SPACCA E LUCAS FERR, ao lado de Moisés Neto, pós-apresentção do grupo mineiro GALPÃO


ENCONTREI OS ATORES DO CIT SESC PIEDADE, que estão montando A GAIVOTA, pra dezembro. Grandes promessas da nova geração, esses alunos tão queridos e que já mostram serviço tão importante.
Muita gente de teatro na plateia, como Taveira Júnior, Albemar Araújo, Ronaldo Correia Britto, Cláudio Lira.



ronaldo correia britto, moisés monteiro de melo neto e bille ares no teatro Luiz Mendonça, apresentção do grupo mineiro galpão 





quarta-feira, 23 de novembro de 2016

Sobre peça radiofônica sobre O JULGAMENTO DE PADRE CÍCERO (O Coração do Enigma)

Sobre peça radiofônica sobre O JULGAMENTO DE PADRE CÍCERO (O Coração do Enigma)





Qual a diferença entre teatro e a rádio? Bem, o primeiro é um meio de comunicação, o outro é uma expressão artística das mais antigas. Se o rádio é mais informativo e comercial, o teatro conta com o visual ; no palco, os atores aparecem como personagens, tem cenários, figurinos, luz e muito mais. Agora um grupo de atores do Recife volta a junta teatro e rádio. Trata-se da peça radiofônica O JULGAMENTO DE PADRE CÍCERO, de Moisés Monteiro de Melo Neto, doutor em Letras pela UFPE, professor, escritor premiado e pesquisador recifense, que trabalha com teatro e educação há 30 anos, retrata vários aspectos da vida de Padre Cícero Romão Batista, importante líder religioso brasileiro, que nasceu em 1844 no estado do Ceará. No elenco estão Moisés Monteiro de Melo Neto(como Padre Cícero) e Douglas Duan (como o Inquisidor) (FOTO), dentre outros.

Sobre Padre Cícero, o autor da peça radiofônica, Moisés Monteiro de Melo Neto, leu muitos livros e foi algumas vezes a Juazeiro, Ceará, até escrever a versão definitiva que irá ao ar na próxima sexta-feira: O JULGAMENTO DE PADRE CÍCERO (O Coração do enigma)


Cícero nunca obedeceu, como devia, aos repetidos Decretos do Santo Ofício a seu respeito e os de 4 de abril de 1894, declaravam falsos os pretensos milagres de Juazeiro e os apontava como “indigna comédia” e em 19 de fevereiro de 1897, impôs ao padre afastar-se de Juazeiro, sob pena de excomunhão, o que aconteceu pela Carta do Núncio Apostólico de 14 de abril de 1917, há 100 anos atrás. Em 1889, conta-se que, durante uma missa na igreja de Juazeiro (CE), a hóstia consagrada por ele transformou-se em sangue na boca de uma mulher. A partir daí foi considerado um “milagreiro”. Desde o início a Igreja Católica, não concordou com os acontecimentos, considerando-o como místico e o proibindo-o de exercer o sacerdócio. Ele foi prefeito da cidade de Juazeiro por 15 anos.

Padre Cícero, morto


 

Túmulo do Padre Cícero em Juazeiro, Ceará: peça radiofônica O JULGAMENTO DE PADRE CÍCERO, de Moisés Monteiro de Melo Neto, doutor em Letras pela UFPE, professor, escritor premiado e pesquisador recifense, que trabalha com teatro e educação há 30 anos





Morreu no ano de 1934, tornando-se uma das principais figuras religiosas da história do país e é considerado um santo, mesmo não sendo reconhecido pela Igreja Católica Romana, por muitas pessoas religiosas, principalmente do Nordeste brasileiro e em dezembro de 2015, o papa Francisco, emitiu um documento perdoando Cícero pelas punições impostas pela Igreja entre os anos de 1892 e 1926, e, esta forma, possibilitou sua reabilitação do padre Cícero Romão Batista dentro da Igreja Católica. Muito mais do que um drama folhetinesco sonoro, Moisés pretende estimular a imaginação dos ouvintes, os sonoplastas da RÁDIO FOLHA encarregam-se de elaborar sons e ruídos, como o som dos trovões, sinos, passagem de tempo, passos e efeitos os mais variados. É um novo espaço que se reabre aos atores recifenses nesta época de crise nos palcos.


Estátua do Padre Cícero em Juazeiro, Ceará: Religioso será tema de peça radiofônica O JULGAMENTO DE PADRE CÍCERO, de Moisés Monteiro de Melo Neto



No caso da transmissão da próxima sexta-feira, às 17h, na Rádio Folha (PE), trata-se de uma performance acústicas dramatizada, sem nenhum componente visual, só na base do diálogo, da música e dos efeitos sonoros para ajudar o ouvinte a imaginar os personagens e a história, isto é, auditivo na dimensão física e dimensão psicológica, buscando a imersão dos ouvintes numa simulação que quer integração usando esta forma e tecnologias unindo teatro e rádio. Sim, é um tipo de teatro que funcionou enquanto novela e agora ressurge.

domingo, 20 de novembro de 2016

O Festival Recife do Teatro Nacional vai apresentar espetáculos de seis estados do Brasil


Companhias teatrais de PE, SP, MG, PB, BA e CE participam do evento. Serão 17 espetáculos são encenados entre os dias 19 e 27 de novembro, grupos artísticos locais e de outras regiões do país se apresentam no 18º Festival Recife deTeatro Nacional. Serão encenados nos teatros municipais da cidade 17 espetáculos de companhias teatrais de Pernambuco, da Paraíba, de São Paulo, de Minas Gerais, da Bahia e do Ceará.]



Os artistas Moisés Monteiro de Melo Neto, Mísia Coutinho e Jomeri Pontes prestigiaram a abertura do Festival no Teatro de Santa Isabel, Recife




Durante os nove dias da programação, os teatros Santa Isabel, Barreto Junior, Luiz Mendonça, Apolo e Hermilo recebem as peças do festival, que também acontece no Teatro Joaquim Cardozo, da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), localizado no bairro da Madalena, na Zona Norte do Recife. Os ingressos para as apresentações custam R$ 10 (inteira) e R$ 5 (meia).
O festival, realizado pela Prefeitura do Recife, tem como homenageado desta edição o Teatro Mamulengo Só-Riso, fundado há 42 anos em Olinda. Uma exposição, contando a trajetória do brinquedo, ficará em cartaz no Centro Apolo Hermilo, no Bairro do Recife, área central da capital pernambucana.

Festival Recife de Teatro 2016 FERNANDO AUGUSTO RECEBE HOMENAGEM NA ABERTURA NO SANTA ISABEL FOTO : PAULINHO MAFE. Ao microfone: Romildo Moreira, 1º à direita Willams Santana e com paletó cinzento: Humberto Braga



Além das apresentações, o público poderá participar da parte de formação do festival, com oficinas, seminários, leitura dramatizada, mesa redonda, palestras e lançamento de livros. Nessas atividades, a participação é gratuita.

Confira a programação completa do 18º Festival Recife do Teatro Nacional:

Sábado (19)
'Memórias de um cão', do Coletivo Alfenim (PB)
Teatro de Santa Isabel, às 20h
Duração: 1h20 - Indicado para maiores de 14 anos

Domingo (20)
'Severinos, Virgulinos e Vitalinos', da Dispersos Cia. de Teatro (PE)
Teatro Apolo, às 16h30
Duração: 1h10 - Livre para todos os públicos

'HARU - A primavera do aprendiz', da Rapha Santacruz Produções (PE)
Teatro Barreto Júnior, às 16h30
Duração: 60 minutos - Livre para todos os públicos

'Nossos ossos', do Coletivo Angu de Teatro (PE)
Teatro Hermilo Borba Filho, às 19h
Duração: 1h20 - Indicado para maiores de 14 anos
Coletivo Angu de Teatro é uma das companhias participantes do festival
Segunda (21)
'Severinos, Virgulinos e Vitalinos', da Dispersos Cia. de Teatro (PE)
Teatro Apolo, às 16h30
Duração: 1h10 - Livre para todos os públicos

'MEDEIAPonto', do Grupo Pharcas Sertanejas (PE)
Teatro Hermilo Borba Filho, às 19h
Duração: 1h10 - Indicado para maiores de 14 anos

'O mascate, a pé rapada e os forasteiros’, da Cia. de Artes Cínicas com Objetos (PE)
Teatro Apolo, às 19h
Duração: 60 minutos - Indicado para maiores de 14 anos

Terça (22)
'O mascate, a pé rapada e os forasteiros’, da Cia. de Artes Cínicas com Objetos (PE)
Teatro Apolo, às 19h
Duração: 60 min - Indicado para maiores de 14 anos
'H(EU)stória - O tempo em transe', de Júnior Aguiar (PE)
Teatro Barreto Júnior, às 20h
Duração: 1h30 - Indicado para maiores de 14 anos

Quarta (23)
'O pão e a pedra', da Cia. do Latão (SP)
Teatro Hermilo Borba Filho, às 19h
Duração: 2h50, com intervalo - Indicado para maiores de 16 anos

'NÓS', do Grupo Galpão (MG)
Teatro Luiz Mendonça, às 20h30
Duração:1h30 - Indicado para maiores de 14 anos

Quinta (24)
'O pão e a pedra', da Cia. do Latão (SP)
Teatro Hermilo Borba Filho, às 19h
Duração: 2h50, com intervalo - Indicado para maiores de 16 anos
Espetáculo de Walmir Chagas é apresentado no Teatro Apolo no dia 24 de novembro, às 19h
'Saudosear - A noite insone de um palhaço', de Walmir Chagas (PE)
Teatro Apolo, às 19h
Duração: 1h10 - Indicado para maiores de 14 anos

'NÓS', do Grupo Galpão (MG)
Teatro Luiz Mendonça, às 20h30
Duração:1h30 - Indicado para maiores de 14 anos

Sexta (25)
'O pão e a pedra', da Cia. do Latão (SP)
Teatro Hermilo Borba Filho, às 19h
Duração: 2h50, com intervalo - Indicado para maiores de 16 anos

'Dois idiotas sentados cada qual em seu barril', da Borbolina Produções (SP)
Teatro Barreto Júnior, às 20h
Duração: 50 minutos - Indicado para todos os públicos

Sábado (26)
'O menino e a cerejeira', da Borbolina Produções (SP)
Teatro Barreto Júnior, às 16h30
Duração: 60 minutos -  Livre para todos os públicos

'O pão e a pedra', da Cia. do Latão (SP)
Teatro Hermilo Borba Filho, às 19h
Duração: 2h50, com intervalo - Indicado para maiores de 16 anos

'Medida por medida', do Teatro Popular de Ilhéus (BA)
Teatro Luiz Mendonça, às 20h30
Duração: 1h30 - Indicado para maiores de 12 anos

Domingo (27)
'Vento forte para água e sabão', da Cia Fiandeiros de Teatro (PE)
Teatro de Santa Isabel, às 16h
Duração: 1h20 - Livre para todos os públicos

'Sebastiana e Severina', do Teatro Kamikaze (PE)
Teatro Barreto Junior, às 16h30
Duração 1h10 - Livre para todos os públicos

'Fishman', do Grupo Bagaceira (CE)
Teatro Apolo, às 19h
Duração: 1h10 - Indicado para maiores de 14 anos

'O pão e a pedra', da Cia. do Latão (SP)
Teatro Hermilo Borba Filho, às 19h
Duração: 2h50, com intervalo - Indicado para maiores de 16 anos

'Teodorico Majestade', do Teatro Popular de Ilhéus (BA)
Teatro Luiz Mendonça, às 20h30
Duração:1h30 - Indicado para todos os públicos
Teatro de Santa Isabel é um dos locais no Recife que recebem os espetáculos do festival 


Programação extra:

Domingo (20)
Exposição Mamulengo Só-Riso
Local: Teatro Hermilo Borba Filho
Abertura: às 10h
Entrada franca
Terça (22)
Leitura Dramatizada de 'Medeia - O Evangelho', por Albemar Araújo
Adaptação da obra de Eurípides
Local: Teatro Joaquim Cardozo, às 20h
Livre para todos os públicos
Entrada franca

Quarta (23)
'Conta Causos', dos Doutores da Alegria (PE)
Teatro Joaquim Cardozo, às 20h
Livre para todos os públicos
Entrada franca

Sábado (26)
Lançamentos de livros, revista e do projeto 'Teatro tem programa'
Com Paulo Vieira, Pedro Vilela e Leidson Ferraz
Centro Apolo/Hermilo, às 15h
Entrada franca

Programação formativa:

Quarta (16) a sábado (19)
Oficina/residência: O teatro épico-dialético, por Sérgio de Carvalho (SP)
Centro Apolo/Hermilo, das 9h às 13h
Participação gratuita

Domingo (20)
Palestra: Como se forma e se quebra tradição teatral: mestres e discípulos do teatro russo
Centro Apolo/Hermilo, às 9h
Palestrante: Helena Vassina
Mediador: Diego Albuck

Segunda (21)
Palestra: A arte solitária do autor - a criação dramatúrgica
Centro Apolo/Hermilo, às 9h
Palestrantes: Paulo Vieira e João Denys
Mediador: Vinícius Vieira

Terça (22)
Palestra: A arte secreta da crítica - o exemplo de Sábato Magaldi
Centro Apolo/Hermilo, às 9h
Palestrantes: Bruno Siqueira, Astier Basílico e Ivana Moura
Mediadora: Isabelle Barros

Sábado (26)
Mesa de debates: Pesquisa de grupo - investimentos e resultados
Centro Apolo/Hermilo, às 9h30
Palestrantes: Sérgio Carvalho; Luiz Reis e Rudimar Constâncio
Mediador: Romildo Moreira


sábado, 19 de novembro de 2016

Identidade e Alteridade Nas Fases Da Vida Infância e Adolescência, Um Espaço Chamado Adulto, Velhice ou Idos-Idade



Palestra proferida pelo Professor Moisés Monteiro de Melo Neto no Centro de Filosofia e Ciências Humanas da UFPE



“HERÓIS SEM ADOLESCÊNCIA NEM INFÂNCIA OU AS MANGAS COLHIDAS ANTES DO AMADURECIMENTO”


“O abismo bate palmas, / a noite aponta o revólver. / ouço a multidão, o coro do universo, / o trote das estrelas / já nos subúrbios da caneta: / as rosas perderam a fala. / entrega-se a morte a domicílio. / dos braços... / pende a ópera do mundo” (Murilo Mendes).

Sim, viver é difícil. O fluir da vida é um curso dadivoso cuja perenidade, mesmo dentre obras de arte é estranho e periclitante.

Quem gostaria de viver para sempre? Quem como a personagem Norma Desmond do filme Sunset Boulevard, poderá dizer, enlouquecida, na última cena “agora estou pronta para o meu close up”?

Quando uma vida se completa? Quando nos livramos dos exageros e das indecisões? Há um momento exato em que se atinge a maturidade?

Nossas estantes estão cheias de livros como “Capitães da Areia” de Jorge Amado ou “Oliver Twist” de Charles Dickens, onde crianças de rua são utilizadas por pessoas mais velhas e forma pequenas gangues. Crianças com pais ausentes, destinos entrelaçados formando um espaço alheio ao entendimento das metrópoles, Londres / Salvador.

O Recife acostumou-se a olhar as centenas de cheira-colas. 5, 10 anos de idade quantos anos? As drogas fortalecem cartéis e exigem reis, dirigentes fortes.

Entre a maconha e a melancolia de entender-se humano, adulto, maduro, velho ou verde, interpõe-se o conceito de 3º espaço, de entrelugar, proporcionado também pelo álcool, pela migração, pela sexualidade proibida.

Manga verde dá cólica. Mas as crianças, os miseráveis, os menos favorecidos, as colhem na forme, na pressa para não cair.

“Serei o herói da minha existência?”, perguntava-se o David Coperfield de Dickens. Serei um anti-herói? A tragicidade que envolve certas adolescências sufocadas nos faz pensar numa platéia de clowns a assistir o desespero de uma juventude sufocada, não por vivermos num sistema capitalista que devora os mais fracos sem remorsos, mas por não haver muitas saídas para o ser humano a não ser procriar, ou aceitar calmamente a cria dos outros, ocupando assim este espaço chamado adulto.

Talvez, num admirável mundo novo, possamos, todos nós, conviver, aí sim, como produtos de uma mesma máquina. Talvez, como no romance de Huxley, reste-nos a soma, poderosa panacéia para tantos males que insistimos em rotular de angústia, culpa, insatisfação, etc.

“Como está cheio/ de folhas secas o horto/ e de palavras santas / meu coração! / tempo é que não sobrou / que fossem ditas / nem variadas...”, diz João Jandelino Câmara. Sim, o não-dito está condenado a transformar-se em esquecimento, arrependimento. O não-amor torna-se objeto de consumo. Os pais envelhecidos vão olhar antigas fotos e achar ali, estranhas meninas do ano 2003, pintadas e erotizadas, afetadas pela média. Garotas que se educaram em X-Men e MatrixDigimons e tantos outros produtos que impuseram um peculiar acento a uma juventude imediatista e não adepta da meditação/reflexão.

A McDonald’s, a MTV, os Shopping Centers, as ruas imundas como leitos, o leite dos peitos sujos e sem perspectivas, a ruína das escolas públicas e o jogo imperfeito das instituições pagas de ensinos médio e fundamental. Tudo caleidoscópio neste mundo pós-moderno onde o preservativo é aconselhável antes até da primeira explosão de hormônios.

Bagdá, Afeganistão, Nova York, Bush de canhão apontado para “infratores”, heróis de um sistema tristonho, composto por fraudes na eleição, na religião, no preconceito. Encruzilhadas sustentam placas que indicam os entrelugares, mas nestes, como no caos, sempre vão instalar-se novos ranços, como num jogo sem perspectivas para detectarmos quem vence, quem perde. Como na máxima alquímica. O que está embaixo é igual ao que está em cima.

Seqüestros, tiros, facadas, câncer. Roubos, prêmios inesperados. Nasce o cidadão do ano novo.

E os artistas? Como representam tudo isso?
Freud diz o artista é, basicamente, um introvertido, em virtude da dificuldade que sente de adaptar-se à realidade em decorrência dos seus fortes impulsos: não podendo satisfazer diretamente as suas exigências, se realiza no mundo da fantasia, o que o aproxima dos que têm perturbações mentais. Sua salvação é tornar suas fantasias agradáveis.

Como estão se posicionando nossos artistas autores diante do caos recifense? Como se reflete aqui tamanha desordem? De crianças e gente de toda idade comendo lixo? De salários pequenos e impostos enormes? De que é que temos fome zero? Será que temos mesmo algo a ver com o que aconteceu com Adão e Eva no paraíso? Será que somos nós que martelamos os novos crucificados no Oriente Médio? Somos escravos do feijão e do sonho. Da velhice e da infância.

“Música... que sei eu de mim? / Que sei eu de ser ou estar? / Música... sei só que sem ficar / Quero saber só de sonhar...” (Fernando Pessoa).

“Não há muitos jantares no mundo, já sabias, / E os mais belos frangos / são protegidos em pratos chineses, por vidros espessos / Há sempre o vidro e não se quebra, / Há o aço, o amianto, a lei, / há milícias inteiras protegendo o frango, / e há uma fome que vem do Canadá, um vento, / uma voz glacial, um sopro de inverno, uma folha baila indecisa e pousa em teu ombro: mensagem pálida / que mal decifras. Entre o frango e a fome, / o cristal infrangível. Entre a mão e a fome, / os valos da lei, as léguas” (Drummond).

Há o véu do esquecimento sobre os olhos no Recife, como buscar. O apedrejamento, a fúria incendiária, os cadáveres insepultos, as colunas sociais, a mídia que precisa de novas sensações e as prateleiras das lojas que precisam ser renovadas, consumidas. Há crianças colhendo frutos não maduros, imperfeitos.

Há tantos livros que a academia e os autodidatas se impõe. Há Paulo Coelho, Harry Potter da novata Rowling, ou os velhos anéis de Tolkien. Há enchentes que derrubam casebres nos morros, que poderiam servir de metáforas para identidades, alteridades nas fases da vida, para infância e adolescência, para um espaço chamado adulto, ou este caminho chamado velhice ou Idos-idade.

Perde-se sempre a adolescência, a infância. Restam-nos fotos, saudades das primeiras impressões, de algum sexo, ou mágoa por tê-los inadequadamente. Sobrevive em todos nós apenas a constatação de que precisamos mortalmente da próxima refeição e de cumprir as tarefas que nos aguardam com primor, com resignação.

Hamlets que somos com indeciso punhal na mão diante do ser ou não ser, estar ou não estar. Catedráticos do entrelugar: o novo mal-do-século se anuncia! Requer uma nova retórica.

“São ventos feridos,/ são ventos antigos,/ saudades de amigos,/ lembranças, rumores;/ são ventos irados/ batendo em meu rosto,/ marchando em rajada / rufando tambores” (Joaquim Cardozo): “Figuras do Vento”).

Nossos espíritos precisam de novas metáforas, de mais liberdade, justiça. Algo que nos faça estar mais com os jovens, pobres, médios, ricos. Fazer com que se unam.
Nós escritores, professores. Nós que lidamos com teorias, nós que devemos ter a nova escrita e transformar estas mangas colhidas, antes do amadurecimento, em ícones de salvação, de respeito às diferenças que nos cercam.

A condição humana nos impõe estarmos sempre atentos e fortes, principalmente quando as coisas não saem como planejamos.

Somos nós mesmos os piores miseráveis das ruas do Recife. É por nossas narinas que a cola penetra no corpo da cidade. As mãos enrugadas e famintas dos velhos nas calçadas, desgraça nos barracos e prédios luxuosos, no esconde e mostra dos homossexuais amantes. A prostituição em todas as idades e escolas. Políticos incompetentes diante do tão conhecido desafio.

Resta-nos, amantes dos livros, ler algo que nos acalma e nos dê um sono revigorante para tamanho cansaço. Cubramo-nos com esta colcha pós-moderna retrô, e rezemos assim, como Bandeira ensinou: “Quando a Indesejada das gentes chegar / (não sei se dura ou coroável), / Talvez eu tenha medo. / Talvez sairia ou diga: / - alô, iniludível! / o meu dia foi bem, pode a noite descer. / (A noite com seus sortilégios). / Encontrará lavrado o campo, a casa limpa, / a mesa posta, / com cada coisa em seu lugar”.
Que venham os frutos!

quarta-feira, 16 de novembro de 2016

3 poemas do recifense Moisés Monteiro de Melo Neto

“A MAIS DOCE ALUCINAÇÃO”


... em busca de algo para mim invisível
à margem de estranhos caminhos,
minha sombra percorre o mundo...
Recordo a profecia....

II
Quando numa noite você
corpo úmido de suor
Acender mais um cigarro, sabendo que vai  partir
num momento cravejado com pedras brilhantes
da sua mais doce alucinação
Você ainda vai rolar e gemer mais um pouco
... ainda existem vozes na rua
nem tudo se resume em silêncio
em quase poder se escutar o sussurro das ondas
nem tudo é isso – ainda ...  e se tudo fosse agora?
uma oração no meio da noite talvez,
aliviasse o peso da culpa
E se lhe viesse uma lembrança para aquecer
o peito jovem?
Você poderia recorrer aos nossos mistérios
com duendes, gnomos, comadre Florzinha  
tomarmos uma infusão...
Mas tudo isso é enquanto deitado na cama
você não consegue dormir com o calor
Filme acelerado
Corte em todo o pensamento
sua recordação dos tempos
memórias de solidão
contradizem-se faiscantes
Você procura o interruptor
com sofreguidão
no escuro quer acender o casamento
amor que numa  vida inteira
não conseguiu entender
c-o-m-p-l-e-t-a-m-e-n-t-e.

quadro de Marco Hanois


“PLATINA”

Pensei no seu beijo quente e você chegou
enquanto eu estava deitado na areia
 lua prata / mata-luz branca
platina
perplexos no manto, nas ondulações, nossos corpos
 você meu canto, esperança na tua mão
afagando-me
sono frouxo – cobertor para o frio
sonoro gorgolejar das corujas
rasga meu sono
despertar cítrico no silêncio
no escuro
nossos corpos nus
prateados....




 “NIRVANA”

Paro
mudo, quieto
ferido, petrificado pelo sal
pelo tempo
olho o céu azul
do mesmo lugar
mãos no peito, perdido
esperar o Eterno, que voltará
com o fim
Estou numa curva, numa baía
espero
em transe, o juízo
Cubro-me com o lodo da permanência
Estou suspenso à margem
do mundo simples
sem dor, sem chorar
aqui, qualquer lugar
Nirvana amargo trago
travo sem gosto
salitre, sobre vermes e cetáceos
corpo ferido
O universo me atravessa.



( poemas do recifense Moisés Monteiro de Melo Neto)

Um grupelho de última!

Sobre os manifestantes que invadiram há pouco o plenário da Câmara dos Deputados com um "Queremos general"? Que nojo! trata-se de um grupelho de última!

segunda-feira, 14 de novembro de 2016

"A PERFEIÇÃO", Eça de Queirós



Um bom conto para dar a ler aos alunos na sequência de Os Lusíadas (ou antes) por exemplo, se decidirem passar-lhes o filme "Odisseia" (com ficha de leitura e correção):


SENTADO numa rocha, na ilha de Ogígia, com a barba enterrada entre as mãos, de onde desaparecera a aspereza calosa e tisnada das armas e dos remos, Ulisses, o mais subtil dos homens, considerava, numa escura e pesada tristeza, o mar muito azul que, mansa e harmoniosamente, rolava sobre a areia muito branca. Uma túnica bordada de flores escarlates cobria, em pregas moles, o seu corpo poderoso, que engordara. Nas correias das sandálias, que lhe calçavam os pés amaciados e perfumados de essências, reluziam esmeraldas do Egipto. E o seu bastão era um maravilhoso galho de coral, rematado em pinha de pérolas, como os que usam os Deuses marinhos.
A divina Ilha, com os seus rochedos de alabastro, os bosques de cedros e tuias odoríferas, as messes eternas dourando os vales, a frescura das roseiras revestindo os outeiros suaves, resplandecia, adormecida na moleza da sesta, toda envolta em mar resplandecente. Nem um sopro dos Zéfiros curiosos, que brincam e correm por sobre o Arquipélago, desmanchava a serenidade do luminoso ar, mais doce que o vinho mais doce, todo repassado pelo fino aroma dos prados de violetas. No silêncio, embebido de calor afável, eram duma harmonia mais embaladora os murmúrios de arroios e fontes, o arrulhar das pombas voando dos ciprestes aos plátanos e o lento rolar e quebrar da onda mansa sobre a areia macia. E nesta inefável paz e beleza imortal, o subtil Ulisses, com os olhos perdidos nas águas lustrosas, amargamente gemia, revolvendo o queixume do seu coração...
Sete anos, sete imensos anos, iam passados desde que o raio fulgente de Júpiter fendera a sua nave de alta proa vermelha, e ele, agarrado ao mastro partido, trambolhara na braveza mujidora das espumas sombrias, durante nove dias, durante nove noites, até que boiara em águas mais calmas, e tocara as areias daquela ilha onde Calipso, a Deusa radiosa, o recolhera e o amara! E durante esses imensos anos, como se arrastara a sua vida, a sua grande e forte vida, que, depois da partida para os muros fatais de Tróia, abandonando entre lágrimas inumeráveis a sua Penélope de olhos claros, o seu pequenino Telémaco enfaixado no colo da ama, andara sempre tão agitada por perigos, e guerras, e astúcias, e tormentas, e rumos perdidos?... Ah! ditosos os Reis mortos, com formosas feridas no branco peito, diante das portas de Tróia! Felizes os seus companheiros tragados pela onda amarga! Feliz ele se as lanças troianas o trespassassem nessa tarde de grande vento e poeira, quando, junto à Faia, defendia dos ultrajes, com a espada sonora, o corpo morto de Aquiles! Mas não! vivera! – E agora, cada manhã, ao sair sem alegria do trabalhoso leito de Calipso, as Ninfas, servas da Deusa, o banhavam numa água muito pura, o perfumavam de lânguidas essências, o cobriam com uma túnica sempre nova, ora bordada a sedas finas, ora bordada de ouro pálido! No entanto, sobre a mesa lustrosa, erguida à porta da gruta, na sombra das ramadas, junto ao sussurro dormente dum arroio diamantino, os açafates e as travessas lavradas transbordavam de bolos, de frutas, de tenras carnes fumegando, de peixes cintilando como tramas de prata. A intendenta venerável gelava os vinhos doces nas crateras de bronze, coroadas de rosas. E ele, sentado num escabelo, estendia as mãos para as iguarias perfeitas, enquanto ao lado, sobre um trono de marfim, Calipso, espargindo através da túnica nevada a claridade e o aroma do seu corpo imortal, sublimemente serena, com um sorriso taciturno, sem tocar nas comidas humanas, debicava a ambrósia, bebia em goles delgados o néctar transparente e rubro. Depois, tomando aquele bastão de Príncipe de Povos com que Calipso o presenteara, repercorria sem curiosidade os sabidos caminhos da Ilha, tão lisos e tratados que nunca as suas sandálias reluzentes se maculavam de pó, tão penetrados pela imortalidade da Deusa que jamais neles encontrara folha seca, nem flor menos fresca pendendo da haste. Sobre uma rocha se sentava então, contemplando aquele mar que também banhava Ítaca, lá tão bravio, aqui tão sereno, e pensava, e gemia, até que as águas e os caminhos se cobriam de sombra, e ele recolhia à gruta para dormir, sem desejo, com a Deusa que o desejava!... E durante estes imensos anos, que destino envolvera a sua Ítaca, a áspera ilha de sombrias matas? Viviam eles ainda, os seres amados? Sobre a forte colina, dominando a enseada de Reitros e os pinheirais de Neus, ainda se erguia o seu palácio, com os belos pórticos pintados de vermelho e roxo? Ao cabo de tão lentos e vazios anos, sem novas, apagada toda a esperança como uma lâmpada, despira a sua Penélope a túnica passageira da viuvez, e passara para os braços de outro esposo forte que, agora, manejava as suas lanças e vindimava as suas vinhas? E o doce filho Telémaco? Reinaria ele em Ítaca, sentado, com o branco ceptro, sobre o mármore alto da Agorá? Ocioso e rondando pelos pátios, baixaria os olhos sob o império duro dum padrasto? Erraria por cidades alheias, mendigando um salário?... Ah! se a sua existência, assim para sempre arrancada da mulher, do filho, tão doces ao seu coração, andasse ao menos empregada em façanhas ilustres! Dez anos antes, também desconhecia a sorte de Ítaca, e dos seres preciosos que lá deixara em solidão e fragilidade; mas uma empresa heróica o agitava; e cada manhã a sua fama crescia, como uma árvore num promontório, que enche o céu e todos os homens contemplam. Então era a planície de Tróia – e as brancas tendas dos Gregos ao longo do mar sonoro! Sem cessar, meditava astúcias de guerra; com soberba facúndia discursava na Assembléia dos Reis; rijamente jungia os cavalos empinados ao timão dos carros; de lança alta corria, entre a grita e a pressa, contra os Troianos de altos elmos, que surdiam, em roldão ressoante, das portas Skaias!... Oh! e quando ele, Príncipe dos Povos, encolhido sob farrapos de mendigo, com os braços maculados de chagas postiças, coxeando e gemendo, penetrara nos muros da orgulhosa Tróia, pelo lado da Faia, para de noite, com incomparável ardil e bravura, roubar o Paládio tutelar da cidade! E quanto, dentro do ventre do Cavalo de Pau, na escuridão, no aperto de todos aqueles guerreiros hirtos e cobertos de ferro, calmava a impaciência dos que sufocavam, e tapava com a mão a boca de Anticlos bravejando furioso, ao escutar fora na planície os ultrajes e os escárnios troianos, e a todos murmurava: “Cala, cala! que a noite desce e Tróia é nossa...” E depois as prodigiosas viagens! O pavoroso Polifemo, ludibriado com uma astúcia que para sempre maravilhará as gerações! As manobras sublimes entre Sila e Caríbdis! As Sereias, vogando e cantando em torno do mastro, de onde ele, amarrado, as rechaçava com o mudo dardejar dos olhos mais agudos que dardos! A descida aos Infernos, jamais concedida a um mortal!... E agora homem de tão rutilantes feitos jazia numa ilha mole, eternamente preso, sem amor, pelo amor duma Deusa! Como poderia ele fugir, rodeado de mar indomável, sem nave, nem companheiros para mover os remos longos? Os Deuses ditosos certamente esqueciam quem tanto por eles combatera e sempre piedosamente lhes votara as reses devidas, mesmo através do fragor e fumaraça das cidadelas derrubadas, mesmo quando a sua proa encalhava em terra agreste!... E ao herói, que recebera dos Reis da Grécia as armas de Aquiles, cabia por destino amargo engordar na ociosidade duma ilha mais lânguida que uma cesta de rosas, e estender as mãos amolecidas para as iguarias abundantes, e, quando águas e caminhos se cobriam de sombra, dormir sem desejo com uma Deusa que, sem cessar, o desejava.
Assim gemia o magnânimo Ulisses, à beira do mar lustroso... E eis que, de repente, um sulco de desusado brilho, mais rutilantemente branco que o duma estrela caindo, riscou a rutilância do céu, desde as alturas até à cheirosa mata de tuias e cedros, que assombreava um golfo sereno, a oriente da Ilha. Com alvoroço bateu o coração do herói. Rasto tão refulgente, na refulgência do dia, só um Deus o podia traçar através do largo Ouranos. Um Deus, pois, descera à Ilha?
II
UM Deus descera, um grande Deus... Era o Mensageiro dos Deuses, o leve, eloquente Mercúrio. Calçado com aquelas sandálias que têm duas asas brancas, os cabelos cor de vinho cobertos pelo casco onde batem também duas claras asas, erguendo na mão o Caduceu, ele fendera o Éter, roçara a lisura do mar sossegado, pisara a areia da Ilha, onde as suas pegadas ficavam rebrilhando como palmilhas de ouro novo. Apesar de percorrer toda a terra, com os recados inumeráveis dos Deuses, o luminoso Mensageiro não conhecia aquela ilha de Ogígia – e admirou, sorrindo, a beleza dos prados de violetas tão doces para o correr e brincar das Ninfas, e o harmonioso faiscar dos regatos por entre os altos e lânguidos lírios. Uma vinha, sobre esteios de jaspe, carregada de cachos maduros, conduzia, como fresco pórtico salpicado de sol, até à entrada da gruta, toda de rochas polidas, de onde pendiam jasmineiros e madressilvas, envoltas no sussurrar das abelhas. E logo avistou Calipso, a Deusa ditosa, sentada num Trono, fiando em roca de ouro, com o fuso de ouro, a lã formosa de púrpura marinha. Um aro de esmeraldas prendia os seus cabelos muito anelados e ardentemente louros. Sob a túnica diáfana a mocidade imortal do seu corpo rebrilhava, como a neve, quando a aurora a tinge de rosas nas colinas eternas povoadas de Deuses. E, enquanto torcia o fuso, cantava um trinado e fino canto, como trémulo fio de cristal vibrando da Terra ao Céu. Mercúrio pensou: “Linda ilha, e linda Ninfa!”
Dum lume claro de cedro e tuia, subia, muito direito, um fumo delgado que perfumava toda a Ilha. Em roda, sentada em esteiras, sobre o chão de ágata, as Ninfas, servas da Deusa, dobavam as lãs, bordavam na seda as flores ligeiras, teciam as puras teias em teares de prata. Todas coraram, com o seio a arfar, sentindo a presença do Deus. E sem deter o fuso faiscante, Calipso reconhecera logo o Mensageiro – pois que todos os Imortais sabem, uns dos outros, os nomes, os feitos e os rostos soberanos, mesmo quando habitam retiros remotos que o Éter e o Mar separam.
Mercúrio parara, risonho, na sua nudez divina, exalando o perfume do Olimpo. Então a Deusa ergueu para ele, com composta serenidade, o esplendor largo dos seus olhos verdes:
– Oh Mercúrio! por que desceste à minha Ilha humilde, tu, venerável e querido, que eu nunca vi pisar a terra? Diz o que de mim esperas. Já o meu aberto coração me ordena que te contente, se o teu desejo couber dentro do meu poder e do Fado... Mas entra, repousa, e que eu te sirva, como doce irmã, à mesa da hospitalidade.
Tirou da cintura a roca, arredou os anéis soltos do cabelo radiante – e com as suas nacaradas mãos colocou sobre a mesa, que as Ninfas acercaram do lume aromático, o prato transbordando de Ambrósia, e as infusas de cristal onde cintilava o Néctar.
Mercúrio murmurou: – “Doce é a tua hospitalidade, ó Deusa!” Pendurou o Caduceu do fresco ramo dum plátano, estendeu os dedos reluzentes para a travessa de ouro, risonhamente louvou a excelência daquele Néctar da Ilha. E contentada a alma, encostando a cabeça ao tronco liso do plátano que se cobriu de claridade, começou, com palavras perfeitas e aladas:
– Perguntaste por que descia um Deus à tua morada, oh Deusa! E certamente nenhum Imortal percorreria sem motivo, desde o Olimpo até Ogígia, esta deserta imensidade do mar salgado em que se não encontram cidades de homens, nem templos cercados de bosques, nem sequer um pequenino santuário de onde suba o aroma do incenso, ou o cheiro das carnes votivas, ou o murmúrio gostoso das preces... Mas foi nosso Pai Júpiter, o tempestuoso, que me mandou neste recado. Tu recolheste, e reténs pela força incomensurável da tua doçura, o mais subtil e desgraçado de todos os Príncipes que combateram durante dez anos a alta Tróia, e depois embarcaram nas naves fundas para voltar à terra da Pátria. Muitos desses conseguiam reentrar nos seus ricos lares, carregados de fama, de despojos e de histórias excelentes para contar. Ventos inimigos, porém, e um fado mais inexorável, arremessaram a esta tua ilha, enrolado nas sujas espumas, o facundo e astuto Ulisses... Ora o destino deste herói não é ficar na ociosidade imortal do teu leito, longe daqueles que o choram, e que carecem da sua força e manhas divinas. Por isso Júpiter, regulador da Ordem, te ordena, oh Deusa, que soltes o magnânimo Ulisses dos teus braços claros, e o restituas, com os presentes docemente devidos, à sua Ítaca amada, e à sua Penélope, que tece e desfaz a teia ardilosa, cercada dos Pretendentes arrogantes, devoradores dos seus gordos bois, sorvedores dos seus frescos vinhos!
A divina Calipso mordeu levemente o beiço; e sobre a sua face luminosa desceu a sombra das densas pestanas cor de jacinto. Depois, com um harmonioso suspiro, em que ondulou todo o seu peito rebrilhante:
– Ah Deuses grandes, Deuses ditosos! como sois àsperamente ciumentos das Deusas, que, sem se esconderem pela espessura dos bosques ou nas pregas escuras dos montes, amam os homens eloquentes e fortes!... Este, que me invejais, rolou às areias da minha Ilha, nu, pisado, faminto, preso a uma quilha partida, perseguido por todas as iras, e todas as rajadas, e todos os raios dardejantes de que dispõe o Olimpo. Eu o recolhi, o lavei, o nutri, o amei, o guardei, para que ficasse eternamente ao abrigo das tormentas, da dor e da velhice. E agora Júpiter trovejador, ao cabo de oito anos em que a minha doce vida se enroscou em torno desta afeição como a vide ao olmo, determina que eu me separe do companheiro que escolhera para a minha imortalidade! Realmente sois cruéis, oh Deuses, que constantemente aumentais a raça turbulenta dos Semideuses dormindo com as mulheres mortais! E como queres que eu mande Ulisses à sua pátria, se não possuo naves, nem remadores, nem piloto sabedor que o guie através das Ilhas? Mas quem pode resistir a Júpiter, que ajunta as nuvens? Seja! e que Olimpo ria, obedecido. Eu ensinarei o intrépido Ulisses a construir uma jangada segura, com que de novo fenda o dorso verde do mar...
Imediatamente o Mensageiro Mercúrio se levantou do escabelo pregado com prego de ouro, retomou o seu Caduceu e, bebendo uma derradeira taça do Néctar excelente da Ilha, louvou a obediência da Deusa:
– Bem farás, oh Calipso! Assim evitas a cólera do Pai trovejante. Quem lhe resistiria? A sua Omnisciência dirige a sua Omnipotência. E ele sustenta como ceptro uma árvore que tem por flor a Ordem... As suas decisões, clementes ou cruéis, resultam sempre em harmonia. Por isso o seu braço se torna terrífico aos peitos rebeldes. Pela tua pronta submissão serás filha estimada, e gozarás uma imortalidade repassada de sossego, sem intrigas e sem surpresas...
Já as asas impacientes das suas sandálias palpitavam, e o seu corpo, com sublime graça, se balançava por sobre as relvas e flores que alcatifavam a entrada da gruta.
– De resto – acrescentou – a tua Ilha, oh Deusa, fica no caminho das naves ousadas que cortam as ondas. Em breve talvez outro herói robusto, tendo ofendido os Imortais, aportará à tua doce praia, abraçado a uma quilha... Acende um facho claro, de noite, nas rochas altas!
E, rindo, o Mensageiro Divino serenamente se elevou, riscando no Éter um sulco de elegante fulgor que as Ninfas, esquecida a tarefa, seguiam, com os frescos lábios entreabertos e o seio levantado no desejo daquele imortal formoso.
Então Calipso, pensativa, lançando sobre os seus cabelos anelados um véu da cor do açafrão, caminhou para a orla do mar, através dos prados, numa pressa que lhe enrodilhava a túnica, à maneira duma espuma leve, em torno das pernas redondas e róseas. Tão levemente pisou a areia, que o magnânimo Ulisses não a sentiu deslizar, perdido na contemplação das águas lustrosas, com a negra barba entre as mãos, aliviando em gemidos o peso do seu coração. A Deusa sorriu, com fugitiva e soberana amargura. Depois, pousando no vasto ombro do Herói os seus dedos tão claros como os de Éos, mãe do dia:
– Não te lamentes mais, desgraçado, nem te consumas, olhando o Mar! Os Deuses, que me são superiores pela inteligência e pela vontade, determinam que tu partas, afrontes a inconstância dos ventos e calques de novo a terra da Pátria.
Bruscamente, como o condor fendendo sobre a presa, o divino Ulisses, com a face assombrada, saltou da rocha musgosa:
– Oh Deusa, tu dizes...
Ela continuou sossegadamente, com os formosos braços pendidos, enrodilhados no véu cor de açafrão, enquanto a vaga rolava, mais doce e cantante, no amoroso respeito da sua presença divina:
– Bem sabes que não tenho naves de alta proa, nem remadores de rijo peito, nem piloto amigo das estrelas, que te conduzam... Mas certamente te confiarei o machado de bronze que foi de meu pai, para tu abateres as árvores que eu te marcar e construíres uma jangada em que embarques... Depois eu a proverei de odres de vinho, de comidas perfeitas, e a impelirei com um sopro amigo para o mar indomado...
O cauteloso Ulisses recuara lentamente, cravando na Deusa um duro olhar que a desconfiança enegrecia. E erguendo a mão, que tremia toda, com a ansiedade do seu coração:
– Oh Deusa, tu abrigas um pensamento terrível, pois que assim me convidas a afrontar numa jangada as ondas difíceis, onde mal se mantêm fundas naves! Não, Deusa perigosa, não! Eu combati na grande guerra onde os Deuses também combateram, e conheço a malícia infinita que contém o coração dos Imortais! Se resisti às sereias irresistíveis, e me safei com sublimes manobras de entre Sila e Caríbdis, e venci Polifemo com um ardil que eternamente me tornará ilustre entre os homens, não foi decerto, oh Deus, para que, agora, na Ilha de Ogígia, como passarinho de pouca penugem no seu primeiro vôo do ninho,caia em armadilha ligeira arranjada com dizeres de mel! Não, Deusa, não! Só embarcarei na tua extraordinária jangada se tu jurares, pelo juramento terrífico dos Deuses, que não preparas, com esses quietos olhos, a minha perda irreparável!
Assim bradava, à beira das ondas, com o peito a arfar, Ulisses, o Herói prudente... Então a Deusa clemente riu, com um cantado e refulgente riso. E caminhando para o Herói, correndo os dedos celestes pelos seus espessos cabelos mais negros que o pez!
– Oh maravilhoso Ulisses – disse – tu és, bem na verdade, o mais refalsado e manhoso dos homens, pois que nem concebes que exista espírito sem manha e sem falsidade! Meu pai ilustre não me gerou com um coração de ferro! Apesar de imortal, compreendo as desventuras mortais. Só te aconselhei o que eu, Deusa, empreenderia, se o Fado me obrigasse a sair de Ogígia através do mar incerto!...
O divino Ulisses retirou lenta e sombriamente a cabeça da rosada caricia dos dedos divinos:
– Mas jura... Oh Deusa, jura, para que ao meu peito desça, como onda de leite, a saborosa confiança!
Ela ergueu o claro braço ao azul onde os Deuses moram:
– Por Gaia e pelo Céu superior, e pelas águas subterrâneas do Estígio, que é a maior invocação que podem lançar os imortais, juro, oh homem, Príncipe dos homens, que não preparo a tua perda, nem misérias maiores...
O valente Ulisses respirou largamente. E arregaçando logo as mangas da túnica, esfregando as palmas das mãos robustas:
– Onde está o machado de teu pai magnífico? Mostra as árvores, oh Deusa!... O dia baixa e o trabalho é longo!
– Sossega, oh homem sôfrego de males humanos! Os Deuses superiores em sapiência já determinaram o teu destino... Recolhe comigo à doce gruta, a reforçar a tua força... Quando Éos vermelha aparecer, amanhã, eu te conduzirei à floresta.
III
ERA, com efeito, a hora em que homens mortais e Deuses imortais se acercam das mesas cobertas de baixelas, onde os espera a abundância, o repouso, o esquecimento dos cuidados e as amoráveis conversas que contentam a alma. Em breve Ulisses se sentou no escabelo de marfim, que ainda conservava o aroma do corpo de Mercúrio, e diante dele as Ninfas, servas da Deusa, colocaram os bolos, as frutas, as tenras carnes fumegando, os peixes rebrilhantes como tramas de prata. Pousada num Trono de ouro puro, a Deusa recebeu da Intendenta venerável o prato de Ambrósia e a taça de Néctar. Ambos estenderam as mãos para as comidas perfeitas da Terra e do Céu. E logo que deram a oferenda abundante à Fome e à Sede, a ilustre Calipso, encostando a face aos dedos róseos, e considerando pensativamente o Herói, soltou estas palavras aladas:
– Oh Ulisses muito subtil, tu queres voltar à tua morada mortal e à terra da Pátria... Ah! se conhecesses, como eu, quantos duros males tens de sofrer antes de avistar as rochas de Ítaca, ficarias entre os meus braços, amimado, banhado, bem nutrido, revestido de linhos finos, sem nunca perder a querida força, nem a agudeza do entendimento, nem o calor da facúndia, pois que eu te comunicaria a minha imortalidade!... Mas desejas voltar à esposa mortal, que habita na ilha áspera onde as matas são tenebrosas. E todavia eu não lhe sou inferior, nem pela beleza, nem pela inteligência, porque as mortais brilham ante as Imortais como lâmpadas fumarentas diante de estrelas puras.
O facundo Ulisses acariciou a barba rude. Depois, erguendo o braço, como costumava na Assembleia dos Reis, à sombra das altas popas, diante dos muros de Tróia, disse:
– Oh Deusa venerável, não te escandalizes! Perfeitamente sei que Penélope te está muito inferior em formosura, sapiência e majestade. Tu serás eternamente bela e moça, enquanto os Deuses durarem: e ela, em poucos anos, conhecerá a melancolia das rugas, dos cabelos brancos, das dores da decrepitude e dos passos que tremem apoiados a um pau que treme. O seu espírito mortal erra através da escuridão e da dúvida; tu, sob essa fronte luminosa, possuis as luminosas certezas. Mas, oh Deusa, justamente pelo que ela tem de incompleto, de frágil, de grosseiro e de mortal, eu a amo, e apeteço a sua companhia congénere! Considera como é penoso que, nesta mesa, cada dia, eu coma vorazmente o anho das pastagens e a fruta dos vergéis, enquanto tu ao meu lado, pela inefável superioridade da tua natureza, levas aos lábios, com lentidão soberana, a Ambrósia divina! Em oito anos, oh Deusa, nunca a tua face rebrilhou com uma alegria; nem dos teus verdes olhos rolou uma lágrima; nem bateste o pé, com irada impaciência; nem, gemendo com uma dor, te estendeste no leito macio... E assim trazes inutilizadas todas as virtudes do meu coração, pois que a tua divindade não permite que eu te congratule, te console, te sossegue, ou mesmo te esfregue o corpo dorido com o suco das ervas benéficas. Considera ainda que a tua inteligência de Deusa possui todo o saber, atinge sempre a verdade: e, durante o longo tempo que contigo dormi, nunca gozei a felicidade de te emendar, de te contradizer, e de sentir, ante a fraqueza do teu, a força do meu entendimento! Oh Deusa, tu és aquele ser terrífico que tem sempre razão! Considera ainda que, como Deusa, conheces todo o passado e todo o futuro dos homens: e eu não pude saborear a incomparável delícia de te contar à noite, bebendo o vinho fresco, as minhas ilustres façanhas e as minhas viagens sublimes! Oh Deusa, tu és impecável: e quando eu escorregue num tapete estendido, ou me estale uma correia da sandália, não te posso gritar, como os homens mortais gritam às esposas mortais: – “Foi culpa tua, mulher!” – erguendo, em frente à lareira, um alarido cruel! Por isso sofrerei, num espírito paciente, todos os males com que os Deuses me assaltem no sombrio mar, para voltar a uma humana Penélope que eu mande, e console, e repreenda, e acuse, e contrarie, e ensine, e humilhe, e deslumbre, e por isso ame dum amor que constantemente se alimenta destes modos ondeantes, como o lume se nutre dos ventos contrários!
Assim o facundo Ulisses desabafava, ante a taça de ouro vazia: e serenamente a Deusa escutava, com um sorriso taciturno, e as mãos imóveis sobre o regaço, enrodilhadas na ponta do véu.
No entanto, Febo Apolo descia para Ocidente; e já das ancas dos seus quatro cavalos suados subia e se espalhava por sobre o Mar um vapor rúbido e dourado. Em breve os caminhos da Ilha se cobriram de sombras. E sobre os velos preciosos do leito, ao fundo da gruta, Ulisses, sem desejo, e a Deusa, que o desejava, gozaram o doce amor, e depois o doce sono.
Cedo, apenas Éos entreabria as portas do largo Ouranos, a divina Calipso, que revestira uma túnica mais branca que a neve do Pindo, e pregara nos cabelos um véu transparente e azul como o Éter ligeiro, saiu da gruta, trazendo ao magnânimo Ulisses, já sentado à porta, sob a ramada, diante duma taça de vinho claro, o machado poderoso de seu pai ilustre, todo de bronze, com dois fios e um rijo cabo de oliveira cortado nas faldas do Olimpo. Limpando ràpidamente a dura barba com as costas da mão, o Herói arrebatou o machado venerável:
– Oh Deusa, há quantos anos não palpo uma arma ou uma ferramenta, eu, devastador de cidadelas e construtor de naves!
A Deusa sorriu. E, iluminada a lisa face, em palavras aladas:
– Oh Ulisses, vencedor de homens, se tu ficasses nesta ilha, eu encomendaria para ti, a Vulcano e às suas forjas do Etna, armas maravilhosas...
– Que valem armas sem combates, ou homens que as admirem? De resto, oh Deusa, já muito batalhei, e a minha glória entre as gerações está soberbamente segura. Só aspiro ao macio repouso, vigiando os meus gados, concebendo sábias leis para os meus povos... Sê benévola, oh Deusa, e mostra as árvores fortes que me convém cortar!
Em silêncio ela caminhou por um atalho, florido de altas e radiosas açucenas, que conduzia à ponta da Ilha mais cerrada de matas, do lado do Oriente: e atrás seguia o intrépido Ulisses, com o luzidio machado ao ombro. As pombas deixavam os ramos dos cedros, ou as concavidades das rochas onde bebiam, para esvoaçarem em torno da Deusa num tumulto amoroso. Um aroma mais delicado, quando ela passava, subia das flores abertas, como de incensadores. As relvas que a orla da sua túnica roçava reverdejavam num viço mais fresco. E Ulisses, indiferente aos prestígios da Deusa, impaciente com a serenidade divina do seu andar harmonioso, meditava a jangada, almejava pelo bosque.
Denso e escuro o avistou, enfim, povoado de carvalhos, de velhíssimas tecas, de pinheiros que ramalhavam no alto Éter. Da sua orla descia um areal a que nem concha, nem galho quebrado de coral, nem pálida flor de cardo marinho desmanchava a doçura perfeita. E o Mar refulgia com um brilho safírico, na quietação da manhã branca e corada. Caminhando dos carvalhos às tecas, a Deusa marcou ao atento Ulisses os troncos secos, robustecidos por sóis inumeráveis, que flutuariam, com ligeireza mais segura, sobre as águas traidoras. Depois, acariciando o ombro do Herói, como outra árvore robusta também votada às águas cruéis, recolheu à sua gruta, onde tomou a roca de ouro, e todo o dia fiou, e todo o dia cantou...
Com alvoroçada e soberba alegria, Ulisses atirou o machado contra um vasto carvalho que gemeu. E em breve toda a Ilha retumbava, no fragor da obra sobre-humana. As gaivotas, adormecidas no silêncio eterno daquelas ribas, bateram o voo em largos bandos, espantadas e gritando. As fluidas divindades dos ribeiros indolentes, estremecendo num fulgente arrepio, fugiam para entre os canaviais e as raízes dos amieiros. Nesse curto dia o valente Ulisses abateu vinte árvores, robles, pinheiros, tecas e choupos – e todas decotou, esquadrou e alinhou sobre a areia. O seu pescoço e arcado peito fumegavam de suor, quando recolheu pesadamente à gruta, para saciar a rude fome e beber a cerveja gelada. E nunca ele parecera tão belo à Deusa imortal, que, sobre o leito de peles preciosas, apenas os caminhos se cobriram de sombra, encontrou, incansada e pronta, a força daqueles braços que tinham abatido vinte troncos.
Assim, durante três dias, trabalhou o Herói.
E, como arrebatada nessa actividade magnífica que abalava a Ilha, a Deusa ajudava Ulisses, conduzindo da gruta para a praia, nas suas mãos delicadas, as cordas e os pregos de bronze. As Ninfas, por seu mandado, abandonando as tarefas suaves, teciam uma tela forte, para a vela que empurrariam com amor os ventos amáveis. E a Intendenta venerável já enchia os odres de vinhos robustos, e preparava com generosidade os víveres numerosos para a travessia incerta. No entanto a ganjaga crescia, com os troncos bem ligados, e um banco erguido ao meio, de onde se empinava o mastro, desbastado num pinheiro, mais redondo e liso que uma vara de marfim. Cada tarde a Deusa, sentada numa rocha à sombra do bosque, contemplava o calafate admirável martelando furiosamente, e cantando, com rija alegria, um canto de remador. E, ligeiras, na ponta dos pés luzidios, por entre o arvoredo, as Ninfas, escapando à tarefa, acudiam a espreitar, com desejosos olhos fulgurantes, aquela força solitária, que soberbamente, no areal solitário, ia erguendo uma nave.
IV
ENFIM no quarto dia, de manhã, Ulisses findou de esquadrar o leme, que reforçou com grades de amieiro para melhor aparar o embate das ondas. Depois ajuntou um lastro copioso, com a terra da Ilha imortal e as suas pedras polidas. Sem descanso, numa ânsia risonha, amarrou à verga alta a vela cortada pelas Ninfas. Sobre pesados rolos, manobrando a alavanca, rolou a jangada imensa até à espuma da vaga, num esforço sublime, com músculos tão retesos e veias tão inchadas, que ele mesmo parecia feito de troncos e cordas. Uma ponta da jangada arfou, levantada com cadência pela onda harmoniosa. E o Herói, erguendo os braços lustrosos de suor, louvou os Deuses Imortais.
Então, como a obra findara e a tarde rebrilhava, propícia à partida, a generosa Calipso trouxe Ulisses, através das violetas e das anémonas, à fresca gruta. Pelas suas divinas mãos o banhou numa concha de nácar, e o perfumou com essências sobrenaturais, e o vestiu com uma túnica formosa de lã bordada, e lançou sobre os seus ombros um manto impenetrável às neblinas do mar, e lhe estendeu sobre a mesa, para ele saciar a fome rude, as comidas mais sãs e mais finas da Terra. O Herói aceitava os amorosos cuidados, com paciente magnanimidade. A Deusa, de gestos serenos, sorria taciturnamente.
Depois ela tomou a mão cabeluda de Ulisses, palpando com gosto os calos que lhe deixara o machado; e pela borda do Mar o conduziu à praia, onde a vaga mansamente lambia os troncos da jangada forte. Ambos descansaram sobre uma rocha musgosa. Nunca a Ilha resplandecera com uma beleza tão serena, entre um mar tão azul, sob um céu tão macio. Nem a água frescas do Pindo bebida em marcha abrasada, nem o vinho dourado que produzem as colinas de Quios, eram mais doces de sorver do que aquele ar repassado de aromas, composto pelos Deuses para o respirar duma Deusa. A frescura imorredoira das árvores entrava no coração, quase pedia a carícia dos dedos. Todos os rumores, o dos regatos na relva, o das ondas no areal, o das aves nas sombras frondosas, subiam, suave e finamente fundidos, como as harmonias sagradas de um Templo distante. O esplendor e a graça das flores retinham os raios pasmados do Sol. Tantos eram os frutos nos vergéis, e as espigas nas messes, que a Ilha parecia ceder, afundada no Mar, sob o peso da sua abundância.
Então a Deusa, ao lado do Herói, levemente suspirou, e murmurou num sorriso alado:
– Oh, magnânimo Ulisses, tu certamente partes! O desejo te leva de rever a mortal Penélope, e o teu doce Telémaco, que deixaste no colo da ama quando a Europa correu contra a Ásia, e agora já sustenta na mão uma lança temida. Sempre dum amor antigo, com raízes fundas, brotará mais tarde uma flor, mesmo triste. Mas diz! Se em Ítaca não te esperasse a esposa tecendo e destecendo a teia, e o filho ansioso que alonga os olhos incansados para o mar, deixarias tu, oh homem prudente, esta doçuara, esta paz, esta abundância e beleza imortal?
O Herói, ao lado da Deusa, estendeu o braço poderoso, como na Assembleia dos Reis, diante dos muros de Tróia, quando plantava nas almas a verdade persuasiva:
– Oh Deusa, não te escandalizes! Mas ainda que não existissem, para me levar, nem filho, nem esposa, nem reino, eu afrontaria alegremente os mares e a ira dos Deuses! Porque, na verdade, oh Deusa muito ilustre, o meu coração saciado já não suporta esta paz, esta doçura e esta beleza imortal. Considera, oh Deusa, que em oito anos nunca vi a folhagem destas árvores amarelecer e cair. Nunca este céu rutilante se carregar de nuvens escuras; nem tive o contentamento de estender, bem abrigado, as mãos ao doce lume, enquanto a borrasca grossa batesse nos montes. Todas essas flores que brilham nas hastes airosas são as mesmas, oh Deusa, que admirei e respirei, na primeira manhã que me mostrastes estes prados perpétuos: – e há lírios que odeio, com um ódio amargo, pela impassilidade da sua alvura eterna! Estas gaivotas repetem tão incessantemente, tão implacàvelmente, o seu voo harmonioso e branco, que eu escondo delas a face, como outros a escondem das negras Harpias! E quantas vezes me refugio no fundo da gruta, para não escutar o murmúrio sempre lânguido destes arroios sempre transparentes! Considera, oh Deusa, que na tua Ilha nunca encontrei um charco; um tronco apodrecido; a carcaça dum bicho morto e coberto de moscas zumbidoras. Oh Deusa, há oito anos, oito anos terríveis, estou privado de ver o trabalho, o esforço, a luta e o sofrimento... Oh Deusa, não te escandalizes! Ando esfaimado por encontrar um corpo arquejando sob um fardo; dois bois fumegantes puxando um arado; homens que se injuriem na passagem duma ponte; os braços suplicantes duma mãe que chora; um coxo, sobre sua muleta, mendigando à porta das vilas... Deusa, há oito anos que não olho para uma sepultura... Não posso mais com esta serenidade sublime! Toda a minha alma arde no desejo do que se deforma, e se suja, e se espedaça, e se corrompe... Oh Deusa imortal, eu morro com saudades da morte!
Imóvel, com as mãos imóveis no regaço, enrodilhadas nas pontas do véu amarelo, a Deusa escutara, com um sorriso serenamente divino, o furioso queixume do Herói cativo... No entanto já pela colina as Ninfas, servas da Deusa, desciam, trazendo à cabeça, e amparando-os com o braço redondo, os jarros de vinho, os sacos de couro, que a Intendenta venerável mandava para abastecer a jangada. Silenciosamente, o Herói lançou uma tábua desde a areia até ao bordo de altos toros. E enquanto sobre ela as Ninfas passavam, ligeiras, com as manilhas de ouro tilintando nos pés luzidios, Ulisses, atento, contando os sacos e os odres, gozava no seu nobre coração a abundância generosa. Mas, amarrados com cordas às cavilhas aqueles fardos excelentes, todas as Ninfas, lentamente, se sentaram sobre o areal em torno da Deusa, para contemplarem a despedida, o embarque, as manobras do Herói sobre o dorso das águas... Então uma cólera lampejou nos largos olhos de Ulisses. E, diante de Calipso, cruzando furiosamente os valentes braços:
– Oh Deusa, pensas tu na verdade que nada falte para que eu largue a vela e navegue? Onde estão os ricos presentes que me deves? Oito anos, oito duros anos, fui o hóspede magnífico da tua Ilha, da tua gruta, do teu leito... Sempre os Deuses imortais determinaram que os hóspedes, no momento amigo da partida, se ofertem consideráveis presentes! Onde estão elas, oh Deusa, essas riquezas abundantes que me deves por costume da Terra e lei do Céu?
A Deusa sorriu, com sublime paciência. E com palavras aladas, que fugiam na aragem:
– Oh Ulisses, tu és claramente o mais interesseiro dos homens. E também o mais desconfiado, pois que supões que uma Deusa negaria os presentes devidos àquele que amou... Sossega, oh subtil Herói... Os ricos presentes não tardam, largos e rebrilhantes.
E, certamente, pela colina suave, outras Ninfas desciam, ligeiras, com os véus a ondular, trazendo nos braços alfaias lustrosas, que ao sol rutilavam! O magnânimo Ulisses estendeu as mãos, os olhos devoradores... E, enquanto elas passavam sobre a tabua rangente, o Herói astuto contava, avaliava no seu nobre espírito os escabelos de marfim, os rolos de telas bordadas, os cântaros de bronze lavrado, os escudos cravejados de pedras...
Tão rico e belo era o vaso de ouro que a derradeira Ninfa sustentava no ombro, que Ulisses deteve a Ninfa, arrebatou o vaso, o sopesou, o mirou, e gritou, com soberbo riso estridente:
– Na verdade, este ouro é bom!
Depois de arrumadas e ligadas sob o largo banco as alfaias preciosas, o impaciente Herói, arrebatando o machado, cortou a corda que prendia a jangada ao tronco dum roble, e saltou para o alto bordo que a espuma envolvia. Mas então recordou que nem beijara a generosa e ilustre Calipso! Rápido, arremessando o manto, pulou através da espuma, correu pela areia e pousou um beijo sereno na fronte aureolada da Deusa. Ela segurou de leve o seu ombro robusto:
– Quantos males te esperam, oh desgraçado! Antes ficasses, para toda a imortalidade, na minha Ilha perfeita, entre os meus braços perfeitos...
Ulisses recuou, com um brado magnífico:
– Oh Deusa, o irreparável e supremo mal está na tua perfeição!

E, através da vaga, fugiu, trepou sôfregamente à jangada, soltou a vela, fendeu o mar, partiu para os trabalhos, para as tormentas, para as misérias – para a delícia das coisas imperfeitas!