por Moisés Monteiro de Melo Neto
Luciano Pontes, Carlos Bartolomeu, Moisés Neto e Adriano Marcena. Dramaturgos no Recife
“Ser um encenador se dá em amplo leque de liberdades criativas,
técnicas exercitadas, investimento de tempo, recursos etc... Todavia, tais
circunstâncias podem elas mesmas implodir um projeto criativo. Um diretor
autor deve ter em mente a realidade que o cerca e o posicionamento firme de que
ele é o contador de histórias, árbitro em um perímetro que convoca seu espírito
e o tempo, mais aqueles, e tudo o mais que ele reúne e conduz à reinvenção.
Essa arquitetura pede cumplicidade do público; reconhecimento, compassividade, entusiasmo, prazer ou
surpresa, até mesmo a silenciosa. A história já provou que tanto um quanto
outro podem criar valores ou desconhecê-los. Cabe ao encenador ser fiel ao seu
jeito especial de revelar ou encobrir. O encenador-professor diferencia-se na
medida em que não pode excluir do seu diálogo com os alunos a exposição
permanente e transparência. Todos seus atos devem estar ao alcance da crítica,
mesmo da crítica fácil, impertinente. Não pode impor seu ponto de vista, mas
defender a variedade de pontos de vista. Mesmo sua ironia e tons depreciativos
devem estar ao alcance dos discípulos e revelar para eles a humanidade e os
sombrios desvãos do conhecimento. O encenador se mascara; o encenador-professor
se confessa.”, afirma-nos Carlos Bartolomeu, Professor do Dept° de Teoria da
Arte da UFPE. Ele possui graduação em Comunicação Social pela
Universidade Federal de Pernambuco (1977) e mestrado em Biblioteconomia
UFPB(1998). Tem experiência na área de Artes, com ênfase nas Artes Cênicas, atuando
principalmente em Educação Artística nos seguintes temas: teatro, memória,
encenador, sonoplastia e teleteatro e cinema. Desenvolve projeto de pesquisa
sobre o Teatro pernambucano e seus encenadores. Encenador teatral, pesquisou e
escreveu sobre a teledramaturgia pernambucana, editando a historia da televisão
através da publicação - TESTEMUNHO DE ATORES-PANORAMA DO TELETEATRO DA TV
JORNAL DO COMMERCIO. Na dramaturgia destaca-se o seu TEATRO SUSPEITO. Dirigiu
peças premiadas como PARA UM AMOR NO RECIFE
("A ação se passa na noite de Natal, no calçadão da Praia do Pina. O foco
é a cidade do Recife, os personagens são daqui... Acho que isso é uma das
coisas mais importantes para o teatro atualmente, tratar da realidade, de
coisas próximas ao público", destaca o diretor), e musicais como A ILHA DO
TESOURO, que também recebeu vários prêmios da Associação de produtores
teatrais. Em setembro de 2009 lançou o livro sobre documentação de programas de
peças - CARTAS DE PREGO.
Carlos Bartolomeu, Augusta Ferraz, Magdale Alves e Moisés Monteiro de Melo Neto
Em 1980, o grupo de Teatro Vivencial levou ao palco do Teatro de Santa Isabel
(Recife) All Star Tapuias,
colagem de textos escritos por Antonio Cadengue, Carlos Bartolomeu e Guilherme
Coelho, que também assinam a direção do espetáculo. Mutilada pelos cortes da
Censura Federal, a montagem encerra suas apresentações no Teatro de Santa
Isabel e faz temporada no Vivencial Diversiones, onde é lançado o Manifesto
Quá-Quá-Quá, em que se reafirma: "o prazer é gargalhar"
(conforme está registrado no na enciclopédia do Itau Cultural). E sobre isso
Bartô ainda esclarece: “All
star tapuias, se a memória não me falha, nasce de uma espécie de
resumo crítico de Amir Hadad, no qual ele divisava o brasileiro com a cabeça à
esquerda e o coração à direita. Antonio contou-me essa historia acrescida de detalhamentos
sobre um universo plástico teatral. Debate e síntese de tal visão seriam a
escola, o circo e o cabaré. Desenvolvemos conjuntamente o roteiro, dividimos as
direções. Coube-me encenar o Circo, a escola ficou com Antonio e o Cabaré com
Guilherme. Havia entreatos, uma abertura e finale operísticos, onde apresentávamos
os principais manifestos ligados à Semana de 22, como também um manifesto que
eu escrevera: o “MANIFESTO QUÁ QUÁ”. Tal discurso apresentava nossas aspirações
dentro de uma ótica modernista, e mixava comicidade e crítica com a política e
o sentido dramático do período”.
Carlos Bartolomeu, Moisés Monteiro de Melo Neto, Ivonete Melo e José Francisco Filho
Enquanto dramaturgo e
diretor teatral recifense, pensa (e põe em prática) um teatro que se possa
vivenciar e o faz com o olho e o desejo voltado para as fontes mais antigas
desta arte que muitos dizem está em extinção (o teatro como o conhecemos hoje e
desde a Grécia 500 AC).
Suas ideias que de longe, dos centros de criação europeus ou
americanos (e sulistas) nos são enviadas (para nós, criadores da
metrópole-Recife que já tivemos o tempo necessário, e mais que o tempo físico,
o tempo interior para nos desvincularmos desse ordenamento, dessa imposição
cultural, externa) nos faz reconhecer que a importância das construções de
outros espaços, de
criadores estranhos a nossa cultura e realidade, não implica necessariamente
numa tomada de posição comprometida com a repetição dos achados teóricos e práticos
dessas matrizes.
Seu livro “Teatro Suspeito” foi lançado em 2007 e também gerou certa
polêmica em torno dos rumos que tomam as
Arte Cênicas em Pernambuco.
Em relação aos trabalhos da nova geração de
dramaturgos formada por Moisés Monteiro de Melo Neto, Luiz Felipe Botelho,
Samuel Santos, Adriano Marcena, Newton Moreno, João Falcão, Bartolomeu opina sobre a relação
que a encenação contemporânea mantém com esses escritores, pensando que nos
anos 80 do século passado : “Não creio que procurássemos dar
força maior aos estrangeiros; havia teatro local cunhado a partir dos ecos
sertanejos e posturas agrestes, uma galeria interessante de tipos e vozes
deslocadas das zonas interioranas. Era como não houvesse uma voz teatral das
grandes cidades nordestinas. Entre o medievo e a desolação tropical filtrava-se
a veia dramatúrgica. Necessitávamos de uma dramaturgia que espelhasse nossa
visão, nosso entrelaçamento com o mundo que buscávamos criar, como também o
estranhamento que o mundo já erguido por outros, antes de nós, assinalava.
Quanto à dramaturgia de Moisés Monteiro de Melo Neto, ele explora e apresenta o mundo íntimo de
seu autor e de sua convivência com o mundo de nosso irrealismo teatral . Sua
escritura vive disso e incorpora os efeitos e as ações desses mundos deplorando
em ambos o lado insustentável e evanescente. A ação tateante de suas
personagens retoma trejeitos e ridicularias do entorno risível e da precariedade
de nossas construções e pretensões . Espelho quebrado, enquadra o ilusório de
nossa materialidade, delimitando o espaço tragicômico do conviver, do re/criar,
gritando dissonante por afeto, compreensão e palco. Porque para maioria de nós
é penosa essa aceitação? Para maioria de nós, sujeitos normais eles podem ser
tudo menos artistas; podem até se tornar artistas. Mas, terem em si, a
verdadeira chama da criação, o desejo inesgotável do fazimento...isso nós duvidamos. No caso das criativas mentes provincianas
a proximidade não é um espaço de reconhecimento e avaliação, antes é o lugar do
desconforto diante da individualidade que se lança corajosa. Penso alto e na
defesa daqueles que hoje se lançam e lutam por espaço. Penso e escrevo
projetando muito daquilo que houve em mim, nos de agora . Penso em mim e na
poesia que necessita e deve ser aceita: a de Moisés Monteiro de Melo Neto.”
Bartolomeu também assinou a montagem da peça ATORES DO ÓRGÃO IRRESPONSÁVEL, uma
produção da TELAC e COMPANHIA DO CHISTE, apresentando três grandes atores:
Paschoal Filizola, Rodrigo Cunha e Rogério Bravo. A peça tem dois atos: ATORES
DA NOITE (texto de Carlos Bartolomeu) e O CORAÇÃO É UM ÓRGÃO IRRESPONSÁVEL
(texto de Walther Moreira Santos). O pequeno teatro Joaquim Cardoso lotou
durante várias sessões e o que se ouvia era o riso solto, descontraído e
debochado (deboches escrachados da representação).
Para se ter uma ideia, afirma-nos o cronista Dom Antônio, do que é a peça, “transcrevo a chamada nos folhetos: ´Nós sabemos o que você faz nos cinemas, nas ruas escuras, só ou acompanhado. O que você apronta nos bares, saunas e boates, na sua escola, até mesmo, no recesso sagrado do seu próprio lar´. E, conclui, ameaçando: ´E nós vamos contarrrrr´. E contam mesmo. Desnudam os ambientes gays e heteros dos mais recônditos espaços nelsonrodriguianos (sim, vi alguma coisa de Nelson Rodrigues) de qualquer cidade metropolitana, chegando em alguns momentos a causar quase um choque, mas é tudo colocado de uma maneira tão delicada que você não sente. O teatro dirigido por Carlos Bartolomeu prova que pode ser feito um teatro alegre, humorador, engraçado, de massa, sem cair na pornografia gratuita dos espetáculos a la Cinderela cuja fórmula está cansando. Diverte com escracho e alegria. Debocha com muito humor. Pra mim sã duas as peças do ano: Poemas Esparadrápicos e Atores do Órgão Irresponsável!”
Para se ter uma ideia, afirma-nos o cronista Dom Antônio, do que é a peça, “transcrevo a chamada nos folhetos: ´Nós sabemos o que você faz nos cinemas, nas ruas escuras, só ou acompanhado. O que você apronta nos bares, saunas e boates, na sua escola, até mesmo, no recesso sagrado do seu próprio lar´. E, conclui, ameaçando: ´E nós vamos contarrrrr´. E contam mesmo. Desnudam os ambientes gays e heteros dos mais recônditos espaços nelsonrodriguianos (sim, vi alguma coisa de Nelson Rodrigues) de qualquer cidade metropolitana, chegando em alguns momentos a causar quase um choque, mas é tudo colocado de uma maneira tão delicada que você não sente. O teatro dirigido por Carlos Bartolomeu prova que pode ser feito um teatro alegre, humorador, engraçado, de massa, sem cair na pornografia gratuita dos espetáculos a la Cinderela cuja fórmula está cansando. Diverte com escracho e alegria. Debocha com muito humor. Pra mim sã duas as peças do ano: Poemas Esparadrápicos e Atores do Órgão Irresponsável!”
a mais forte, peça de strindberg, na montagem dirigida por carlos bartolomeu, é divisor de águas até hj, no teatro recifense (foto by adeilson amorim)
Em depoimento para nosso blog Carlos afirmou certa vez:
“Uma atitude conscientemente pirata é a origem de nossa
canibalizada modernidade. Somos nossa matriz. O teatro feito por nós precisa menos
dessa muleta cultural para se resolver enquanto arte. Precisamos sim,
revelarmos a nós mesmos, o quanto de subserviente e colonizado existe em nossa artisticidade, quando aquiescemos em
reverenciar a continuidade desse modelo.
É sempre no outro, no ser ausente, de língua estranha, de costas
voltadas pra nós que apontamos nossa busca, imaginamos nosso acerto. Recriamos sempre
a ilusão, que tudo é mais próximo quando instalado na casa vizinha, na sala do
adversário, no quarto das babás importadas. Estripemos as babás e envenenemos
os seus chás. Dificilmente a realidade artística é tomada sob nossa
responsabilidade e assumida como nossa cria. Abrimos mão de sermos fabricantes
de nossa receita.”
Essa atitude diante do que
nossa própria identidade criativa, mesmo aquela que é pirateada ou
híbrida. Faz do teatro de Bartolomeu algo que nos traz de volta o jogo, o
lúdico, a busca da identidade m como construção individual que se projeta no
coletivo enquanto discussão, evolução. O teatro com sua responsabilidade
social, mas também como uma brincadeira (“está bem, me proponham a adjetivação:
séria!”, desafia-nos o mestre), onde se faz necessário apenas, parceiros,
espaço e... toda uma vida! “O dolo é fingirmos acreditar que isso, só é
possível no quintal do vizinho.”. Assim Carlos nos coloca em xeque dramático.
Matéria sobre a peça PARA UM AMOR NO RECIFE
CARTAZ DO MUSICAL "A ILHA DO TESOURO"
Bruno e o circo
MARCANTES: Pascoal Filizola, Rodrigo Cunha e Rogério Bravo em produção e obra de bartolomeu: ATORES DO ÓRGÃO IRRESPONSÁVEL
Bartolomeu é um diretor teatral
eclético, que transita com facilidade por diferentes formas de produção de
espetáculos. Atualmente é diretor artístico da Companhia do Chiste. Acredita no
teatro como um fato de palco e, assim, exerce seu trabalho tanto a partir de
peças de autores dramáticos - como Fernando Arrabal, August Strindberg, Moisés Monteiro de Melo Neto, Luiz Francisco Rebello, Jean Tardieu, Hermilo Borba Filho, Bernardo
Santareno, Alfred Jarry, Eurípedes, Jorge Andrade, José Carlos Cavalcante
Borges, Plínio Marcos, entre outros - quanto retrabalhando materiais como em A
vida diva, Flash clowns e Ato
negativo. Recentemente publicou seus primeiros textos teatrais no
livro Teatro Suspeito. A qualidade dos trabalhos de Bartolomeu se
deve tanto ao vivo interesse que demonstra pelo trabalho do ator, quanto ao
talento na composição rítmica da cena e na sua profunda compreensão da riqueza
e multivalência do jogo teatral.
Em entrevista concedida a Wellington Jr. e Rodrigo Dourado, Carlos declarou:
“Admitindo não haver aquilo que se
convencionou chamar de estética homossexual, acredito que a poesia é privilégio
dos corações abertos de todos os gêneros ou daqueles que porventura ainda
desabrocharão. Para mim, isto é um fato, independentemente de gostos,
predileções, discussões ou perturbações ideológicas. A obra de arte
verdadeira não tem gênero, discute-o, e não se confunde com a questão. Meu
imaginário cultua Marlowe, compreende a sua fervorosa e bélica sexualidade,
dentro de um limite que intuo ser uma revelação pessoal através de Eduardo II.
Neste memorial de personas ‘superiores’, espreito uma dinâmica na organização
de material ‘em construção’ – memória oral, documentos de época, gossip
- e muito, muito de inspiração arrebanhada de sua agitada vida de outsider.
Poreja suor e sêmen de seus relatos subtraídos às frestas da documentação
‘real’. Neste sentido acompanho a via inspiradora do poeta e penso que devemos
muito a ele e à sua narrativa grandiosa de uma história de cunho homossexual.
Dentre os relatos sobre Cristophe Marlowe, diverte-me imaginá-lo espião a
serviço da corte, e que alguns tenham chegado a afirmar que ele teria sido a
sombra criadora de Shakespeare. Tal afirmativa coteja os aspectos da carreira
literária do bardo inglês às criações de Marlowe e o desaparecimento deste
insuperável criador. Eduardo II é um texto que reverencio, e nele encontramos o
espírito independente e criador de uma época, como também a política
inteligente de uma família que transgride e recria uma nação. É sempre
enriquecedor observarmos como essa família, os ‘Tudor’, dialogava com o drama
na sua real dimensão, legando à poesia do teatro de seu tempo, e a eles mesmos,
uma dramaticidade insuperável, tão iridescente quanto os ‘Médici’ na sua
relação com a pintura e escultura do renascimento italiano. Considero a
definição ‘caráter homoerótico’ como um vocábulo superável dentro do tempo por
vir. Ainda nos desnorteia a certeza de que somos iguais na diversidade: heteros,
bi, trans. As inumeráveis possibilidades da sexualidade humana deslizam a meu
ver pelo transitório. O que está em constante estado de expansão é a
amorosidade. Anseio que meu texto SUSPEITO arranhe de leve tal espírito e
comporte-se diferentemente da tradição culposa e sofredora modelada por uma
herança de pecado, e que se apresenta na atualidade reencenando o embate
vitima/algoz em circunstâncias polarizadas, onde se premia a morte, a vergonha,
a derrota e o medo. Observo que na arte o compromisso moral é acessório.
Insisto que o movimento da poesia é para o alto e luminoso; e isso é um
‘compromisso’ que certo viés lúmpen
desdenha em confrontar. O compromisso em não esconder que o mundo é
transitório, suas ideologias são passageiras e no fim das coisas o que conta é
o afeto humano, e que, se existe, como bem reconheço, provisoriedade, há sobretudo durabilidade no querer humano, quando
ele não avaliza o negativismo e a reprodução do mesmo. Há ternura e compreensão
desses potenciais no meu texto. Ela se exprime através da conversação entre
corpos parecidos, todavia diferentes em vivenciar o mundo. Cada persona que se
materializa, tanto em ‘Atores da Noite’ como em ‘Ensaio Aberto’, poderia
travestir sua identidade e revelar-se no gênero oposto; o casal seria macho e
fêmea, ou mulher-mulher, ou simplesmente velho-novo, preto-branco: Clovis e
Tonis. Não quero, com isso, parecer que me desvio do fato de que minha clara
opção tenha se dado por personagens de sexualidade e desejos homo. Apresentando
corpos iguais, matizados por um desejo de iguais traço, uma metáfora sobre as
energias da carne e do espírito, e de que tais campos de força devem superar as
distâncias entre si. Minha iniciação à escritura dramática sem dúvida deve-se
ao meu mestre Isaac Gondim Filho. No meu primeiro exercício de direção
realizado em sua disciplina de – Interpretação (!) -, idos de 1972, ele
observou enfaticamente minha disposição em reescrever as cenas e as intenções
por sobre o original. O texto encenado era de Hermilo Borba Filho, Electra
no Circo, que, em 1974, eu viria montar pelo TEOR (Teatro
Experimental de Olinda e Recife), grupo teatral da Academia Santa Gertrudes de
Olinda. O hábito de roteirizar minhas ideias para encenação auxiliara-me a
recortar possibilidades de uma geografia íntima, e favoreceria a desenhos de
cena posteriores. Ressoam em meus ouvidos sempre as palavras de Isaac:
“Escreva, Carlos, escreva...” Lutei contra este apelo... O temor de me revelar.
Eu adivinhava que escrever para teatro seria contar a história de minha
trajetória e de vidas que eu acompanhara. A este temor acrescente-se a ideia do
sagrado e de superior da literatura, fundamental para muitos, mas no meu
conceito completamente negativo. Precisava essa ideologia como conservadora,
cunhando de privilégios a literatura em detrimento daquilo que é a ação
verdadeiramente definidora do que seja teatral: o espetáculo. A representação
sempre compreendida como uma continuação do ato de escrever, secundário, mesmo
de acordo com algumas visões, e isso criava dentro de mim uma tensão da qual eu
me evadia. Temia esse ‘para sempre’ e as responsabilidades dele, nascidas. Há
volúpia em se cultivar a imortalidade de fardão, que hoje eu apenas acho
cômica, já não me restringe, e sei que minha arte é vividamente impregnada do
intangível e do impermanente, sendo
essa natureza a motivação de raiz que estabelece minha conversação com o
teatro. Gosto dos meus roteiros, tais como os citados por você, minha visão
cubista da cena deixa-me completamente à solta frente aos textos... Esta visão
possibilitou-me arriscar a criação literária. Por causa dessa visão, revisitei
com encenações diferenciadas textos por mim já realizados. Ubu
rei, de Jarry, foi um exemplo. Atualmente Atores
da noite reapresenta-se sob uma ótica diversamente oposta da
montagem inaugural que havia em Atores do órgão irresponsável.
Minimalista, lírica, atrelada a uma auto-ironia melancolicamente
cinematográfica e onde o grande recurso da cena são os corpos de atores a meio
caminho entre dança e teatralidade.”
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