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segunda-feira, 12 de setembro de 2016

IVONETE MELO, diva guerreira



por moisesmonteirodemeloneto

TEATRO EM RECIFE: Ivonete Melo no papel de Vitalie Rimbaud

 na peça Anjos de Fogo e Gelo




A primeira vez que vi Ivonete Melo em cena foi no Vivencial Diversiones. Eu era menor de idade e fui lá com um colega de turma da UFPE, quando eu era aluno do curso de Ciências Sociais (Antropologia), mal sabia que algum tempo depois estaríamos no mesmo elenco, do musical Muito pelo contrário, escrito e dirigido por João Falcão, em turnê pelo Brasil e também estarmos juntos num projeto com Joacir Castro, onde as apresentações de teatro se davam também nas mais recônditas cidades de Pernambuco, sobre carrocerias de caminhões, em praça pública, instituições as mais diversas, lutando por liberdade, teatro como instrumento de libertação, que é o que Ivonete, Buarque de Aquino, José Francisco Filho e tantos outros fazem também, nosso projeto, ali, tinha raízes no grupo anterior de Joacir, o Teatro popular do Nordeste, isso era a cara de Ivonete, enfim, estávamos vivenciando o Movimento de Cultura Popular; nessa época eu estava lendo muito Reich, Augusto Boal, Brecht já havia conhecido Ionesco pessoalmente, tendo feito uma pequena entrevista com ele, sobre que conselhos ele daria aos dramaturgos no Recife daquele momento.


IVONETE MELO, EM MOMENTO ICÔNICO DO VIVENCIAL
como na primeira vez que a vi
e na CAPA DO LIVRO MEMÓRIAS DA CENA PERNAMBUCANA


Aquela imagem da atriz meio de cabaré, Ivonete no Vivencial, usando pouquíssima roupa, vinha à minha mente como a de uma mulher impenetrável. Fiquei impressionado que voltei várias vezes e fui cumprimentá-la no camarim. Conheci Pernalonga e escrevi, pouco antes dele morrer de maneira trágica, um texto a pedido dele. Vivíamos o processo de Abertura política nos estertores da ditadura civil-militar. Soube que a Melo começara na vida artística desde a época do colégio e até em banda de música tinha tocado e que fazia balé desde a época da tal escola em Afogados. Também teve sonho de ser cantora, participando do canto coral como primeira voz. Fez parte do corpo de baile do Teatro de Santa Isabel, sim já existiu isso e havia severos testes de admissão, ela ficou lá por muito tempo.  Depois estudou com Flávia Barros e Norma Bittencourt, daí se juntou ao Vivencial para fazer “trabalho de corpo”, era como se chamava preparação de ator,  e iniciou-se no “grand monde” (risos e sisos imprecisos) do teatro mundial no Recife; fazendo inclusive curso de formação para ator pela UFPE, no Joaquim Cardoso, talvez o primeiro curso de formação de ator, deste porte, depois fez curso com Marco Siqueira, marco no teatro local. Tudo isso sem esquecer o Magistério, onde atuava sempre de maneira participante. Lembro de vários desfiles de 7 de setembro, que ela coordenou; fez trabalhos para o Ministério da Saúde, (conscientização com relação às doenças, importância do saneamento, economizar a água, enfim: trabalhos de rua ligados ao meio ambiente, em escolas, praças públicas, feiras. 


Ivonete Melo (SATED PE) sempre atenta às questões políticas, afetivas étnicas: frequentadora assídua de palestras e debates (com Germano Haiut, 1º à esquerda, Moisés Neto e Selma Borges): na Sinagoga Kahal Zur Israel



O segundo trabalho que vi dela como atriz foi a Menina Má, em A revolta dos brinquedos, impagável, um dínamo, dirigida por José Francisco Filho, depois de sair das mão de Guilherme Coelho, imaginem, e com os hormônios da juventude. Depois vieram grandes produções como Tal e qual nada igual, e eu acompanhando esta diva, de perto. Leidson Ferraz a cita em quatro livros da coleção Cena pernambucana, Arnaldo Siqueira, pesquisador na área de dança também a menciona, no livro Mulheres que mudaram a história de Pernambuco, que também tem a história dela, as peças que ela fiz, os diretores que a dirigiram, também é comentada no livro de Lucia Machado.

Atriz pernambucana Ivonete Melo e o elenco da peça

  ANDY WARHOL ESTÁ MORTO


Atuei ao lado dela também em Andy Warhol está morto, peça multimídia de Marco Hanois, em 1988, ela interpretava uma negra, tive oportunidade de dirigi-la num texto meu La Cumparsita, em temporada mal recebida pela crítica, em 1992; na peça Arlequim, de Ronaldo Brito, ela encarnou uma Catirina cheia de vitalidade; em Salto Alto, de Mário Prata, ela deu uma reviravolta na sua carreira, sendo elogiada pelo autor, que ficou estupefato com a sua performance no Teatro Barreto Júnior, Recife (desse teatro uma vez, saí com Ivonete e fomos à Soparia de Roger, que noites memoráveis, lá encontramos Chico Science, mas quem estava fazendo show era Gê Domingues). Ivonete foi um manguelady, admiradora do Movimento Manguebeat desde o primeiro instante, cedeu-me seu farto material quando elaborei minha dissertação de Mestrado sobre o assunto.



Com a equipe da peça ANJOS DE FOGO E GELO (Teatro de Santa Isabel) FOTO: RENATO FILHO


Já em 1987, existia uma associação, a APATEDEP, Associação Profissional dos Artistas e Técnicos em Espetáculos de Diversões no Estado de Pernambuco. Era uma asociação de amadores, então depois dessa associação, em todos os estados estavam surgindo os sindicatos,  e Ivonete estqava de olho na lei do artista, criada em 1978 e sentia a necessidade, junto a Paulo de Castro, presidente da associação de formar o sindicato em Pernambuco, atuando nas áreas de circo, dança, teatro, moda, cinema e vídeo. Hoje, como presidente (diretora), ela mantém a publicação do jornal Ribalta, que tem como editor o icônico jornalista e artista, Valdi Coutinho.


Ivonete Melo na noite recifense com amigos: o empresário, escritor e ator Arion Santos , o professor, cineasta e escritor Jomard Muniz de Britto (que já dirigiu Ivonete em filmes, a atriz e artista plástica Suzana Costa, a produtora Teca Leite, a escritora e atriz Sônia Bierbard



 A Melo também conseguiu para os associados, o Culturaprev, uma aposentadoria complementar para o artista. O SATED dá todas as orientações sobre as leis, os editais, ligando o artista ao empreendedorismo, “o artista só é muito pouco”, sentencia. Ela trabalha questões ainda espinhosas por aqui, como dissídio coletivo, as tabelas de pagamento, o que engaja nosso sindicato e o torna conhecido nacionalmente devido ao processo de interação com os outros estados, com o conselho nacional de sindicatos que discute sobre o código de ética do artista. Lembrando que o pioneiro foi o do Rio de Janeiro, fundado em 1918. Teatro em condomínio, teatro em escolas, teatro de rua, teatro para empresas, teatro no palco, trabalho em cinema, vídeo as mil e uma coisas com o teatro, Ivonete é exemplo de criatividade, de disposição para trabalhar. 


Ivonete Melo (SATED PE) Na peça 

LA CUMPARSITA

  (cena com o ator Geovane Magalhães)




A  atriz e produtora Miriam Juvino declara : "Incrível trajetória, Ivonete Melo linda atriz que todos da minha geração acompanharam e aplaudiram em muitos momentos! Tive a honra de trabalhar ao seu lado e contracena no lendário " Extrato de Formosura" texto e direção de Eduardo Maia, ela fazia " Jupira Ojuara" - a Índia das coxas odara!!!! Impagável!!!! Saudades! Beijo. E grande salve para ela e o Teatro Pernambucano!"


Não é fácil, mas Ivonete garante que existe muita gente vivendo de teatro em Pernambuco, e o salário varia, dependendo do projeto. Numa temporada tem um piso, mas, em um espetáculo alternativo, e fazer uma peça dentro do projeto também é outro piso, se você sai da cidade, viaja, o cachê seria dobrado.

Ivonete Melo, na defesa do SATED PE
Pesquisadora da cultura pernambucana: sempre atenta aos brincantes e seus direitos


Nos palcos um dos seus últimos trabalhos foi, dirigida pelo seu diretor favorito, o supracitado JFF, atuou como Vitalie, mãe do poeta Rimbaud, em ANJOS DE FOGO E GELO, com texto meu (moisesmonteirodemeloneto), uma atuação vibrante e envolvente. Também fui assistente de direção e trabalhei com ela no premiado filme Incenso, sobre a obra de Ascenso Ferreira.

Ao lado do diretor Marco Hanois no set de filmagem de INCENSO


IVONETE MELO: cena do filme INCENSO




La Melo analisa: “Trabalhar com artes cênicas?” (aqui ela dá seu riso de mãe, de madrinha de tantos, uma risada forte, que lhe é peculiar, e diz: “primeiro ele tem que pensar muito, se é isso que ele quer, essa é a primeira dica. Depois estudar, se inteirar no assunto. E terceira, é tomar conhecimento sobre o empreendedorismo e ter coragem, muita coragem mesmo. As pessoas pensam que ser artista no modo geral é fácil, ganha fácil. Não sabe o que existe por trás, a trabalheira para se chegar até ali. Somos discriminados até hoje, uma das coisas que eu trabalho muito é a valorização. Se valorize, porque você se valorizando, valoriza o seu trabalho.”

Amor ao palco: IVONETE MELO é presença marcante em eventos teatrais
Selma Borges, Velho Mangaba (Walmir Chagas) e Moisés Monteiro de Melo Neto


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