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sábado, 3 de setembro de 2016

KLEBER MENDONÇA FILHO E SÔNIA BRAGA ATINGEM NOVO CLÍMAX: todos devem assistir ao filme AQUARIUS



(por moisesmonteirodemeloneto)

Hoje
Trago no olhar imagens distorcidas
Cores, viagens, mãos desconhecidas
Trazem a lua, a rua às minhas mãos,

Mas hoje,
As minhas mãos enfraquecidas e vazias
Procuram nuas pelas luas, pelas ruas...
Na solidão das noites frias por você.

Hoje
Homens sem medo aportam no futuro
Eu tenho medo acordo e te procuro
Meu quarto escuro é inerte como a morte

Hoje
Homens de aço esperam da ciência
Eu desespero e abraço a tua ausência
Que é o que me resta, vivo em minha sorte

Trecho da letra da canção Hoje,  (Taiguara), utilizada na trilha sonora do filme AQUARIUS 


Muito além de Marx, Freud, arte é luta! Viva a liberdade de expressão! A ordem é sair da zona de conforto e entrar na cena do confronto? O filme “Aquarius”, de Kleber Mendonça Filho, com a diva Sonia Braga causou furor, antes mesmo de ser exibido, no maior festival de cinema do planeta, e deu um show no tapete vermelho desse badalado evento em Cannes (no Grand Théàtre Lumière):“Um golpe aconteceu no Brasil”, “54.501.18 votos foram queimados”, era o que as folhas em
 A3  gritavam ao mundo, seguradas por parte da equipe do filme, e houve uma espécie de silêncio que precede tempestades. Sonia já tinha subido as escadas, mas voltou e, quase sorridente, segurou o braço de uma companheira que segurava um dos textos. Solidária. O Recife, terra de revoluções, dizia a que veio? Um bom cineasta, não é? Dilma agradeceu à equipe. O filme não ganhou nenhum prêmio no Festival. O que seria corrigido em outros concursos. AQUARIUS venceu o Festival de Sidney, na Austrália, por exemplo. E agora é ponto central na escolha do filme brasileiro que vai concorrer nos Estados Unidos ao (ultra)desejado prêmio OSCAR.



Sonia Braga: entre o Pina e Boa Viagem, Recife quente. Uma atriz de fibra: Sônia Braga (a atriz Paula de Renor me disse que ela foi um amor nas gravações, isso se comprova nas cenas de AQUARIUS). Sobre a mulher que inspirou a personagem Clara? Flávia Gusmão esclarece: "KMF respondeu a essa pergunta em uma de suas entrevistas, afirmando ser uma "colagem" de várias mulheres que ele conheceu ao longo da vida, e que de alguma forma lhe inspiraram."


 Na luta pela democracia, Kleber, funcionário da Fundaj, que ganha R$ 3.800 por mês, mas que com desconto deve dar menos, segundo o “portal da transparência”, responde pela programação (ótima) do Cinema do Museu, lugar de gente com “atitude” num bairro chique do Recife. Direita/ esquerda volver da rasura de fronteiras entre vários conceitos nos dias de hoje (“Hoje/trago em meu corpo as marcas do meu tempo/ meu desespero, a vida num momento/ a fossa, a fome, a flor, o fim do mundo...”): estabelece-se um distanciamento que quase apaga a linha que separa palco e plateia. Uns diziam que Kleber seria exonerado (por outro Mendonça Filho, Ministro da Educação, que na ocasião acumulava a pasta da Cultura) do cargo público, outros que ele deveria pedir afastamento, por não concordar com o atual Governo (o que poderia não fazer o menor sentido), outros ainda que ele deveria decidir-se: o Brasil vive ou não uma democracia? (como ele afirmou aos jornais do país, quando questionado se temia, com o perdão do trocadilho, perder  o emprego) Ou ... um golpe infame? (como a elegante equipe dele denunciou na França). Então todas as pessoas que tem cargos decisivos no Governo Federal devem entregar seus cargos. Os concursados ou só os que têm cargo de confiança? Lembro aqui de Heidegger, que foi reitor de uma universidade no governo de Hitler e pagou um preço caríssimo, mesmo sendo o gênio que foi. Ariano dizia que conhecia um general que tinha uns escritos que ele elogiava, na época da ditadura, e assim, quando algum escritor querido seu caía nas garras ou nos porões do Governo civil-militar de 1964-1984), ele dizia ao tal general que “não”, não era comunista, era só poeta, o tal preso, era só escritor sonhador. Ariano é genial, Freyre é genial. Cervantes escreve sobre um burguês que está deslocado na burguesia.
Mas AQUARIUS, querendo ou não, é um filme sobre a pequena burguesia querendo competir com os donos do poder, no Recife?
O filme é SENSACIONAL PARA OS RECIFENSES, mas a pegada é universalizante, no sentido de driblar uma sátira menipeia, nos moldes (bakhtinianos?). No entanto, se só pode perceber quem der ouvido a Marx (quando ele diz que só há uma ideologia: a do vencedor, e ela significa o discurso dos multimilionários para convencer o pobre que injustiça social é uma coisa cósmica, afinal o próprio Rei dos Judeus disse a Pilatos que nenhum poder teria sido dado a ele se não fosse a vontade do Senhor do Universo).
Porém chega de circunlóquios e tiroteio verbal. Estou encantado com essa obra de arte pernambucana. O texto é trabalhado com aparência de quem teve parceria forte para sua composição final. Kleber é um mestre. Isto se torna latente a cada tacada na qual o filme marca ponto (muitos pontos, mesmo que alguns sejam quase manipulações por parte de uma diegese engajada com uma técnica retórica invejável).
Assisti ao filme na FUNDAJ, templo do poder cultural e político, quando sobreveio a queda econômica dos coronéis (ou dos nobres?). Sobre a censura ser 16 anos? Tudo bem. O Governo federal queria 18. As cenas de sexo são mais alegóricas do que erotizadas. Dos pintinhos (um deles, bem branquinho e sujo de cocô amarelo) das criancinhas aos pênis eretos dos adultos em perversa orgia e ao sexo oral recebido por uma senhora muito digna, que no futuro será reverenciada por toda a família em adorável encomium,  bem fotografado, tudo é luz neste filme (até mesmo o orgasmo pago pela personagem Clara, que chega a sentir o repúdio de um possível amante  num encontro sensual, por ter apenas um seio).


Resultado de imagem para filme aquarius fotos

Ver Recife retratado nesta produção é manter estranha simbiose com o que nós somos e não vemos. Ali está a empregada “quase da família”, a intelectual morena que sofre preconceito, pois pela cor (o burguezinho, herdeiro da imobiliária, diz que ela deve ter lutado muito para chegar a ser proprietária de um bom apartamento à beira-mar de Boa Viagem, bairro que já foi mais “nobre”, mas ostenta ainda hoje certo glamour maldito),o filho gay “mas mamãe entende”, o empresário corrupto acostumado a golpes baixos “mas que no final recebe um pouco do próprio veneno” (antes de Taiguara entrar na maior altura cantando “Hoje”, em apoteose diegética de alta voltagem, quase numa apóstrofe. A confusão entre uma mulher que tem vários apartamentos e não quer vender um deles por 2 milhões de reais, é comovente também porque esse drama é universalizado como nosso. É nossa paisagem, NOSSO CAMPO AFETIVO, NOSSOS LAÇOS COM A CIDADE; COISA QUE OS BRANCOS TIRARAM DOS ÍNDIOS E DOS NEGROS.  


Paula de Renor: presença marcante em AQUARIUS


  Entre o mau ganhador e o discurso que só se cumpre na base emocional, casa-grande e senzala se reeditam na era onde até certo tipo de artigo que usou recursos já pode ser vintage. Dá para ver o que está acontecendo no Brasil, alguns estão engajados, outros não. É uma situação que exige atenção e estratégia. No jogo de interesses fervem as opiniões e o país está dividido. Quanto à arte, este Blog indica: assistam ao filme. A arte fala mais alto que esta querela. Respeito aos artistas é fundamental, mesmo em meio às situações mais complicadas. Foi ótimo saber AQUARIUS, ali, no mesmo festival em que estavam Sean Penn e Pedro Almodovar, outros dois artistas que admiro. São politizados e causam polêmicas. Sean, ex-marido de Madonna, foi vaiado desta vez. Ah, o público... É isso aí. A arte imita a vida, a vida imita a arte, ou não é nada disso? Vamos em frente. Aos artistas cabe uma missão muito especial. Queiram ou não queiram os juízes...


CANNES 69: AQUARIUS
 Uma das fotos que desencadearam a polêmica: Sonia foi pega de surpresa?
PAULA DE RENOR ESTÁ ÓTIMA, linda, solta, adorável, ímpar. Normando Roberto contracenando com Sônia Braga recebe a atenção especial da diva, ressaltando-se numa fotografia magistral.



Agora, o recifense, que gosta de bom cinema, nesses dias, não poderá encarar o prédio OCEANIA, na avenida Boa Viagem, onde foram gravadas cenas do filme AQUARIUS Recife, do mesmo modo. Parece que o  projeto foi feito para ser gravado no Caiçara, mas a especulação imobiliária foi mais rápida (lembro que Nelson Caldas disse que rodou um filme ali). Há curiosidades. Parece que Kleber manipula certas imagens, como a panorâmica a partir da ponte estaiada da Via Mangue: ele apaga certos prédios. Veja:

Para que as "Torres Gêmeas" do Recife?



 Ah! Lembrei agora do "Ocupe Estelita!", onde a gente lutou contra a especulação imobiliária corrupta e miserável.

Eu fui criado em Boa Viagem e vi o bairro mudar nos anos 1980. Eu pegava surfe na frente do edifício Espanha, na no Mamma Mia, ia ao Paiva no opcional, com nossas pranchas da Gledson, K & K, feitas artesanalmente, também, de Candeias, ao lado de Paulo Smith, Sérgio, ou na Veraneio de Aldair Jr e Fábio, ou com nossos skates no Monte dos Guararapes, tinha o Augusto, o Gilvan, Laércio e tantos outros do grupo, o Rogério, Myrian, Andreia, Cecinha. Boa Viagem era o umbigo do Recife, no os 70: e a gente, aos 14, tinha encontros marcantes no Tutti Frutti, nas lojas de material e roupas pra surfistas, depois tinha o Drive in da Aeronáutica, o Cine do QG (sem censura!), a boate Status, o dancing do Ferro Velho. as longas caminhadas pelos terrenos sem fim que ligavam BV à Piedade. quando criança frequentava o Castelinho (adorava o lanche de lá), a casa Navio, o Trenzinho... meu pai era amigo do pessoal que trabalhava na escola Americana e a gente podia brincar lá, uau! Por perto tinha vacarias, criação e gansos, carneiros, um areial que era tudo... hippies, ciganos... teve o Festival Vamos Abraçar o sol... e depois os comícios à beira-mar, com a Abertura política... mas isso já é embarcar nos anos 80, quando construíram o Shopping Recife e tudo mudou muito.


Letreiros finais:

Ator/Atriz
Personagem
Clara
Clara (em 1980)
Diego
Roberval
Ana Paula
Cleide
Paulo
Julia
Martin
Tomás
Geraldo
Ronaldo
Ana Paula
Tia Lucia (em 1980)
Tia Lucia (em 1940)
Ladjane
Antonio
Fátima
Juvenita
Augusto
Daniel
Rivanildo


Prêmios e indicações
Ano
Prêmio/Festival
Categoria
Resultado
Indicado
Indicado
Melhor Filme
Venceu
Melhor Filme
Venceu
Melhor Filme
Indicado
Prêmio do Juri
Venceu
Melhor Atriz para Sônia Braga
Venceu
Melhor Filme
Venceu



AQUARIUS

 A irreverência continua: atentem para as citações no cartaz



NOTA: As filmagens (entre 4 de agosto e 23 de setembro de 2015) tiveram seus sets em vários bairros da cidade da cidade entre, tais como  Boa ViagemSanto Antônio (no antigo Cine Moderno, onde Sônia já reinou como Dona Flor e como Tieta), hoje loja de eletrodomésticos, Casa ForteCampo Grande, Cemitério de Santo Amaro, PinaSetúbalBrasília Teimosa,  no Restaurante Leite, no Clube das Pás, na Livraria da Praça de Casa Forte e no já mencionado Edifício Oceania (Pina).

"Aquarius é uma imperdível e poética aula de construção de sociedade, montada num grandioso e puro choque afetivo temporal, e que consegue ao mesmo tempo, unir velho, novo, antigo, moderno, colocando em xeque o nosso papel como cidadão e ser humano, a luta por nossos valores, pelo que a gente verdadeiramente quer e acredita para o mundo, para as pessoas, para a cidade, para os nossos filhos, uma visão além da imposição dos outros, indo de encontro com a nossa real natureza, consequentemente, nasce em nós, uma certa sensação de esperança para que novas Claras reinem em gerações futuras, e para isso, uma musiquinha boa, numa vitrola com amigos queridos, pode ser a grande solução.", diz o jovem artista plástico Morgan Leon.

Iris Macedo, produtora teatral, declara: "Fazia tempo que não via uma sala lotada para assistir a um filme brasileiro. A temporada inteira está assim, segundo um jornal carioca. Ao medo lado um casal assistiu ao filme no chão (não havia mais cadeiras disponíveis) - por mais de 2 horas não percebi este casal se mexer nem reclamar da incômoda posição, só puder perceber nos seus olhos o hipnotismo que o filme traz. Um mergulho ao passado e ao presente estando no presente.Entre tantas discussões e provocações, Aquarius nos traz uma reflexão de valores sobre o que é ser vilão e o que é ser mocinho nos tempos de hoje.
Para mim Clara (Sônia Braga) é uma heroína, um símbolo de caráter, resistência e de uma força descomunal que só uma mulher de 60 anos pode ter com toda esta maturidade e coerência. Para outros, Clara é uma egoísta, presa as memórias do passado... Inversão de valores ?
Aquarius entra para aquela lista dos filmes que você precisa ter no seu currículo. Parabéns a toda equipe de @aquarius e para minha querida @pauladerenor . Um orgulho monstro vê-la na telona contando uma história que precisávamos ver, ouvir e sentir. Sonia Braga é foda mas tu também é."




moisesmonteirodemeloneto em frente ao prédio que serviu de set para muitas cenas do filme AQUARIUS, dirigido por Kleber Mendonça Filho, com Sônia Braga no elenco; observe o material da produção instalado à esquerda



Lembrei agora do sonho hippie sobre a Era de Aquarius... será que ainda temos alguma chance? (risos e sisos imprecisos). É bom lembrar que Sônia  estava no elenco na primeira montagem brasileira da peça HAIR, cuja abertura é o número musical Aquarius (que quero relembrar aqui, mesmo que ela pertença a outro contexto)


Quando a lua estiver na sétima casa
E Júpiter se alinhar com Marte
Então a paz guiará os planetas
E o amor irá além das estrelas

Esse é o amanhecer da era de aquarius
Era de aquarius
Aquarius! Aquarius!

Harmonia e compreensão
Simpatia e confiança em abundância
Sem mais falsidades ou zombarias
Visões vivas de sonhos dourados
Cristal místico de revelações
E a verdadeira libertação da mente
Aquarius! Aquarius!




4 comentários:

  1. Maravilha, Moisés. Breve, elucidativa, e epifânica resenha. Foi um prazer ter assistido ao filme junto com você. Imperdível. Tudo. Tanto o filme como a sua apreciação acima. Bravos!

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  2. Belo comentário, espero assisti "Aquarius" em breve.

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    1. você vai se identificar com muitos aspectos do filme; gosto muito da sua produção, Paulo

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