Alguns
nomes são recorrentes na obra de Jomard Muniz de Britto: os irmãos Campos e
Pignatari, por exemplo, admiradores de Caetano e incentivadores da Tropicália,
que retomaram a linha evolutiva do baiano e deram organicidade e fortaleceram seus
julgamentos de criação, nisso está uma intersecção com Jomard que, dentre vários
vieses ataca nacionalismos passadistas, nacionaloides
do tipo macumba para turistas oswaldiana. Quanto ao mencionado movimento
liderado por Caetano e Gil, Luís Carlos Barreto deu nome à canção Tropicália, por causa de uma instalação
do carioca Hélio Oiticica e logo a seguir Nelson Motta escreveu um texto no
qual batizou o movimento que surgia foi aí que Caetano resignou-se ao nome Tropicália, por falta de opções,
Tropicalismo lhe soava gasto por causa de Gilberto Freyre. A Tropicália enquanto
miscelânia de informações que vão de Louis Malle, pelo filme Maria, com Brigitte Bardot, passando por
Garota de Ipanema (em tupi: água
ruim), identificações com Terra em Transe,
com toda a esperteza e fúria da estética de Glauber; Jomard une-se ao grupo em
1968 e instala-se nos limites do Tropicalismo (diferir da tropicologia freyriana). Longe da esquerda festiva, tal vanguarda
livra-se de possíveis angústias da influência em intensa radicalidade, como no
espírito tropicalista. A poesia de Jomarde é de cunho jamesjoyciano, fundo verbivocovisual com versos em
palavras-montagens, em translíngua. De
João Cabral, outra das referências na poética de Jomard, vem o olhar lúcido, o
nível de argumentação, defesa crítica, determinação inabalável. Do noigandres do Concretismo às perguntas
sobre a significação (em louca tenacidade) nos poemas-manifestos jomardianos
contra os mantenedores do subdesenvolvimento na geleia geral (como na letra de Torquato Neto) brasileira que a
mídia anuncia.
Surge
o texto como a quebra dos resguardos, como reflexo de ruidosas performances, escrita
paródica-carnavalesca de aspecto inventivo-construtivista (de combatividade) buscando
a imparcialidade, a expor as entranhas do Brasil em radicalidade antilírica,
como num filme de Godard, ver a abertura de Pierrot le fou, numa poética cheia de lugares
incomuns, poesia enquanto palavra-impacto, composição (des)construtora de
efeitos, linguagem organizada de maneira meticulosa em meio ao caos criativo
vertiginoso numa época em que os ouvidos têm paredes, num mundo que se mostra
mais intolerante do que nos libertários anos nos quais JMB iniciou sua produção
poética. Augusto de Campos já disse que a poesia é uma família de náufragos
nadando no espaço e no tempo. Busco nesta minha explanação a trans-historicidade
contra a banalização do passado no texto de JMB, onde diluição e invenção, qualidade
de percepção do mundo buscam, talvez, expressar o indizível, apontar que a
captação do fenômeno qualitativo e sensível, longe do sentimentalismo, em
protesto contra a vulgarização da vida na era da disparada da tecnologia e
mudança rápida de valores morais. Seu deboche de cunho antropológico e
pós-utópico cubo-futurista aborda também o erótico na política em
expressividade não linear sendo por isso rejeitado tanto pela esquerda quanto
pela direita, mas isto não o impede de continuar com seus atentados (panfletos que
ele distribui atentando inclusive contra o panfletarismo, em pleno século XXI).
No
seu texto para o filme O palhaço degolado
temos algo próximo ao construtivismo indigesto e antropófago. Seus textos
parecem fora de controle numa escrita mais intuitiva do que coerente, incitavam
à demolição, contra o acanhamento e inclui os erros como contribuições. Algo nos textos jomardianos parece clandestino,
andrógino, enfim: pluralidade de estilos, desmantelamento de cercas entre as
classes sociais, os gêneros; mas Jomard Muniz de Britto não é um piadista nem
um vanguardista datado. É poeta que usa o tratamento de choque em ritual
canibalista na movência do Brasil, em selvagem psicanálise a riscar o nome do Pai,
em audacioso gesto literário. Não em poesia límpida, mas em mistura de
referências, estilo novo, inaugural, a rir das desesperanças, dos comandantes e dos alienados. Poesia que tenta desalienar corações e mentes em meio às tentativas vãs de unicidade e cinismo.
Suas discussões sobre o gozo imediato, sua recusa às migalhas lançadas pelo poder, sua atração pelos marginalizados,
tudo isto, como uma performance exerceu sobre mim simultaneamente atração e
repulsa. Venceu a primeira.
Moisés
Monteiro de Melo Neto
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