A
NOVA CRÍTICA
INTRODUÇÃO
A
crítica literária, ao longo do tempo, passou por diversas fases e
reformulações. Uma dessas mudanças importantes foi a chegada da chamada “Nova
Crítica”, que, mesmo tendo origem no exterior, encontrou no Brasil um campo
fértil para debates e adaptações. Essa abordagem, diferente da crítica
impressionista e subjetiva, propôs um olhar mais técnico e atento à estrutura
do texto, valorizando o que está dentro da obra: seus símbolos, imagens, ritmo,
linguagem e construção, deixando em segundo plano o contexto social ou a
biografia do autor. No cenário brasileiro, nomes como Afrânio Coutinho e José
Guilherme Merquior foram fundamentais para apresentar e discutir essa nova
maneira de ler literatura.
Afrânio
Coutinho, por exemplo, foi um dos grandes defensores da Nova Crítica no Brasil,
especialmente a partir da década de 1950. Em seus textos, ele argumentava que a
crítica literária brasileira precisava se afastar da leitura puramente histórica
ou sociológica para valorizar o texto como obra de arte. Já Merquior, mesmo
sendo mais crítico à metodologia de Coutinho em certos aspectos, também
contribuiu para o debate sobre o papel da forma na literatura. Esses e outros
estudiosos ajudaram a construir um novo caminho para a análise literária, com
mais rigor e atenção aos elementos internos da obra.
No
entanto, a Nova Crítica não foi unanimidade. Outros críticos importantes, como
Antônio Cândido e Alfredo Bosi, levantaram questionamentos sobre a validade de
uma leitura que exclui o contexto histórico e social da obra. Para eles,
entender o mundo ao redor do texto era tão importante quanto analisar seus
aspectos formais. Esse embate entre diferentes formas de fazer crítica foi, e
ainda é, fundamental para o amadurecimento dos estudos literários no Brasil.
Este
artigo tem como objetivo apresentar os principais conceitos da Nova Crítica a
partir da perspectiva de críticos brasileiros, analisando tanto os que a
defenderam quanto os que a questionaram. A proposta é fazer uma leitura
acessível, sem deixar de lado a profundidade necessária, mostrando como essa
corrente teórica influenciou e ainda influencia a forma como se lê e se estuda
literatura no Brasil.
A
NOVA CRÍTICA SEGUNDO AFRÂNIO COUTINHO
A
introdução da Nova Crítica no Brasil teve como um de seus principais
articuladores o crítico e ensaísta Afrânio Coutinho. Responsável por divulgar e
adaptar essa corrente crítica anglo-americana ao contexto brasileiro, Coutinho
desempenhou um papel central na transformação do modo como a literatura passou
a ser analisada academicamente no país. Com sua formação sólida e sua produção
ensaística intensa, ele se posicionou contra o amadorismo e a leitura
impressionista, que predominavam nas décadas anteriores, propondo uma nova
postura crítica mais disciplinada, técnica e sistemática.
Em
obras como Da crítica e da nova crítica (1971), Coutinho propõe uma leitura
centrada na estrutura interna do texto literário, na análise dos elementos
formais como linguagem, ritmo, imagens, metáforas e construção narrativa. Para
ele, o crítico literário deveria deixar de lado o foco excessivo na biografia
do autor, nos contextos sociológicos ou na moral da obra, e passar a tratar o
texto como um organismo autônomo, com unidade e coerência interna. “A crítica
deve nascer do texto, não da vida do autor ou das intenções externas”, afirma o
autor (COUTINHO, 1971, p. 35). Essa postura refletia um desejo de
profissionalizar os estudos literários no Brasil, equiparando-os aos padrões
acadêmicos internacionais.
Afrânio
Coutinho via com desconfiança o modo como a crítica brasileira até então se
organizava. Para ele, predominava o subjetivismo, a valorização de juízos
pessoais e o amadorismo travestido de erudição. Nesse cenário, ele acreditava que
a Nova Crítica poderia ser o caminho para instaurar uma prática crítica mais
científica, comprometida com critérios objetivos e com o rigor da análise
textual. “É necessário que o crítico abandone o palpite e se aproxime do texto
como um técnico da linguagem”, dizia (COUTINHO, 1971, p. 42). Essa perspectiva
causou certo incômodo em parte da crítica tradicional, que via nessa proposta
uma tentativa de esvaziar os sentidos sociais e históricos da literatura. Ainda
assim, seu impacto foi profundo, especialmente nas universidades.
Não
se pode negar que o projeto de Afrânio Coutinho representava também um
movimento de modernização da crítica. Ao importar uma teoria estrangeira ele
visava inserir o Brasil em um circuito mais amplo de debates acadêmicos. No
entanto, Coutinho não se limitou a reproduzir o que vinha de fora: ele
reinterpretou a Nova Crítica à luz da realidade brasileira, buscando adaptá-la
às necessidades do nosso campo literário. Essa postura permitiu que a Nova
Crítica ganhasse espaço em programas universitários e nas práticas de leitura
literária, sobretudo entre os anos 1950 e 1970.
Além
disso, Afrânio Coutinho teve papel decisivo na organização institucional do
campo dos estudos literários. Fundou revistas acadêmicas, escreveu manuais de
crítica, integrou comissões do MEC e influenciou diretamente a estruturação dos
cursos de Letras. Com isso, sua visão de crítica literária mais técnica,
objetiva e voltada ao texto, passou a ser ensinada em sala de aula como modelo
de leitura e análise. Mesmo seus opositores reconhecem que sua atuação foi
essencial para consolidar a crítica literária como uma prática intelectual
séria e sistematizada no Brasil. Como afirma Alfredo Bosi, mesmo divergindo da
proposta formalista, “não se pode negar o papel organizador e provocador que
Coutinho exerceu” (BOSI, 2006, p. 62).
Contudo,
é importante destacar que, apesar de seu entusiasmo com a Nova Crítica, Afrânio
Coutinho também demonstrou, em seus escritos posteriores, certa abertura para
outras abordagens. Reconheceu que a crítica não poderia ignorar completamente o
contexto, nem reduzir a literatura à pura estrutura formal. Essa maturidade
teórica demonstra que mesmo os mais ferrenhos defensores de uma corrente
crítica são capazes de rever posições diante da complexidade da arte literária.
Assim, sua trajetória ilustra bem o movimento de tensão e diálogo que marca o
campo da crítica: entre o texto e o contexto, entre a forma e o conteúdo, entre
a técnica e a sensibilidade.
ANTÔNIO
CÂNDIDO E ALFREDO BOSI: CONTRAPONTOS À NOVA CRÍTICA
Apesar
da força que a Nova Crítica ganhou no Brasil, ela não foi aceita sem
questionamentos. Críticos como Antônio Cândido e Alfredo Bosi, com trajetórias
sólidas e respeitadas na crítica literária nacional, levantaram dúvidas
importantes sobre os limites de uma abordagem que exclui o contexto social e
histórico da obra literária. Para esses estudiosos, uma análise puramente
formal corre o risco de empobrecer a interpretação, deixando de lado elementos
que são essenciais para a compreensão mais profunda da literatura.
Antônio
Cândido, em diversos momentos de sua produção crítica, defendeu que a
literatura deve ser entendida como parte da vida social. Para ele, a obra não
pode ser vista como um organismo isolado, porque é atravessada por valores,
conflitos e experiências históricas. Em seu livro Literatura e sociedade, o
autor afirma: “a obra literária é uma forma de conhecimento, mas também uma
forma de inserção na realidade histórica” (CÂNDIDO, 2000, p. 15). Essa visão
vai diretamente contra os princípios da Nova Crítica, que, como vimos, prioriza
a análise técnica do texto, sem considerar o ambiente em que ele foi produzido.
Já
Alfredo Bosi, em sua clássica História concisa da literatura brasileira, também
critica a limitação das abordagens formalistas. Para ele, compreender um texto
exige olhar para além da linguagem e observar o lugar que ele ocupa dentro de
um processo social e histórico. Em suas palavras: “a análise imanente do texto
pode ser útil, mas é insuficiente quando desconsidera a dinâmica entre forma e
conteúdo, entre expressão estética e valores históricos” (BOSI, 2006, p. 63).
Bosi não rejeita totalmente os métodos da Nova Crítica, mas ressalta a
necessidade de uma leitura mais ampla, que una forma e contexto.
Ambos
os críticos, Cândido e Bosi, não ignoram o valor da atenção ao texto, mas
defendem que ela deve estar aliada a uma reflexão mais complexa, que leve em
conta o lugar da literatura na cultura. Eles representam, de certa forma, uma
crítica construtiva à Nova Crítica, apontando caminhos para um equilíbrio entre
a análise técnica e a sensibilidade ao mundo. Isso não anula a contribuição da
Nova Crítica, mas revela que, sozinha, ela não é suficiente para dar conta da
riqueza da literatura.
Esses
contrapontos mostram que o debate sobre como ler uma obra literária está longe
de ser simples. A crítica literária, como campo de estudo, é feita de disputas
teóricas, avanços e revisões. O que se percebe, no entanto, é que o diálogo
entre essas abordagens é o que mais enriquece a formação do leitor e do
crítico. Ao contrastar a Nova Crítica com as visões de Cândido e Bosi, o que se
constrói é justamente uma crítica mais madura, capaz de reconhecer a
importância do texto sem se esquecer da realidade que o cerca.
CRÍTICA
TÉCNICA OU CRÍTICA VIVA?
A
discussão entre crítica técnica e crítica viva tem sido uma das mais
recorrentes e frutíferas no campo dos estudos literários. Essa polarização
ganhou força no Brasil principalmente a partir da entrada da Nova Crítica, que
valorizava a análise objetiva, formalista, e voltada para os elementos internos
do texto. Ao mesmo tempo, críticos brasileiros, atentos às especificidades
culturais, sociais e históricas do país, passaram a questionar se era realmente
possível ou desejável separar completamente o texto do mundo em que ele é
produzido. Assim, formou-se uma tensão teórica que até hoje movimenta os
debates acadêmicos e redefine o papel da crítica.
A
proposta da Nova Crítica é clara: o texto literário deve ser tratado como uma
unidade autônoma, um “organismo verbal” que pode ser analisado por seus
próprios méritos, sem o apoio de informações externas. Afrânio Coutinho, em
suas obras, defende que “a crítica não deve reduzir-se a sociologia nem a
psicologia do autor; deve nascer do próprio texto, de sua estrutura interna, de
sua linguagem” (COUTINHO, 1971, p. 52). Para ele, a literatura é uma arte que
exige rigor técnico na leitura, e não apenas impressões pessoais ou julgamentos
morais. Essa abordagem foi essencial para profissionalizar o campo da crítica
no Brasil, oferecendo instrumentos metodológicos mais consistentes e objetivos.
Contudo,
ao mesmo tempo em que valorizava a técnica, essa forma de crítica acabou sendo
acusada de afastar-se da realidade concreta da literatura brasileira. Em um
país marcado por desigualdades sociais, por um histórico de censura e por
diversas formas de exclusão, muitos estudiosos passaram a considerar que uma
leitura puramente formal não dava conta da complexidade das obras produzidas
aqui. Alfredo Bosi, em sua História concisa da literatura brasileira, argumenta
que “uma crítica desprovida de historicidade corre o risco de ignorar as forças
que movem a criação literária e os sentidos que ela carrega em sua relação com
o mundo” (BOSI, 2006, p. 74). Para ele, o texto é inseparável de sua
circunstância.
Esse
ponto de vista também é reforçado por Antônio Cândido, para quem a literatura é
uma forma de expressão simbólica das tensões sociais, das experiências humanas
e das contradições históricas. Em seu livro Literatura e sociedade, ele afirma
que “a obra literária é, ao mesmo tempo, criação individual e testemunho
social” (CÂNDIDO, 2000, p. 22). Essa concepção amplia o papel da crítica, que
passa a ser não só uma leitura técnica do texto, mas também uma interpretação
de mundo. A crítica, nesse modelo, se torna um instrumento de compreensão da
realidade, e não apenas da estrutura estética da linguagem.
Apesar
das divergências, há também tentativas de conciliação entre as abordagens.
Muitos estudiosos contemporâneos reconhecem que não é preciso escolher entre
uma crítica técnica ou uma crítica viva, mas sim encontrar formas de integrar
as duas. O próprio Afrânio Coutinho, em reflexões mais maduras, passou a
admitir que o crítico pode utilizar elementos do contexto histórico desde que
não perca de vista o texto como centro da análise. Essa abertura dialoga com
uma tendência atual nos estudos literários: a crítica integradora, que entende
a literatura como linguagem e história, como forma e conteúdo, como arte e
documento.
Nesse
sentido, o debate sobre crítica técnica versus crítica viva deixa de ser uma
disputa e passa a ser um convite à reflexão mais completa. A literatura
brasileira, rica em temas sociais, políticos, regionais e existenciais, desafia
qualquer abordagem única. A Nova Crítica trouxe ferramentas importantes para a
leitura técnica dos textos, mas os críticos brasileiros mostraram que uma obra
não pode ser totalmente compreendida sem considerar a cultura que a envolve.
Esse equilíbrio é o que torna a crítica literária um campo de estudo vivo,
plural e fundamental para a formação de leitores conscientes e sensíveis à arte
e à vida.
CONSIDERAÇÕES
FINAIS
Ao
longo deste artigo, procuramos compreender o impacto da Nova Crítica no cenário
da crítica literária brasileira, suas contribuições metodológicas e os
tensionamentos que ela provocou frente a outras correntes interpretativas. Com
base principalmente nas ideias de Afrânio Coutinho, vimos que a Nova Crítica
representou um momento de ruptura e renovação, ao propor uma leitura mais
técnica e rigorosa dos textos literários, centrada na análise de seus aspectos
formais. Em um ambiente acadêmico que muitas vezes se guiava por impressões
subjetivas ou análises exclusivamente histórico-sociológicas, essa abordagem
surgiu como uma tentativa de profissionalizar o fazer crítico.
É
inegável que a proposta de Coutinho trouxe avanços significativos. Ao defender
uma crítica centrada no texto e na linguagem, ele colaborou para o
amadurecimento teórico da crítica literária no Brasil, abrindo espaço para que
os estudos literários fossem reconhecidos como um campo de conhecimento com
métodos próprios. Suas ideias foram fundamentais para que os cursos de Letras
passassem a dar mais atenção ao texto como construção estética, e não apenas
como reflexo da realidade. No entanto, como mostramos, essa mesma proposta
encontrou resistências importantes, especialmente por parte de críticos como
Antônio Cândido e Alfredo Bosi, que enfatizaram a dimensão social e histórica
da literatura.
Para
esses críticos, a análise da forma não basta. A literatura, em suas visões, é
expressão de conflitos humanos, espelho da cultura e do tempo em que é
produzida. Assim, uma crítica que se pretende completa precisa articular o
conteúdo simbólico do texto à sua materialidade estética. Nesse sentido, a
contraposição entre crítica técnica e crítica viva revela não apenas diferenças
metodológicas, mas também concepções distintas sobre o que é literatura e qual
o papel da crítica. Mais do que escolher entre uma ou outra abordagem, o
desafio contemporâneo é pensar a crítica como um campo de diálogo, em que
múltiplas leituras possam coexistir e se complementar.
Ao
final desta reflexão, o que se constata é que a Nova Crítica, mesmo com suas
limitações, deixou marcas importantes no modo como pensamos e estudamos
literatura no Brasil. Ela trouxe ferramentas que continuam sendo úteis,
sobretudo na leitura atenta dos elementos internos do texto. Ao mesmo tempo, os
críticos brasileiros que dialogaram ou reagiram contra essa corrente
enriqueceram o campo teórico ao propor uma crítica mais conectada com as
realidades brasileiras. A partir disso, fica evidente que a força da crítica
literária está justamente em sua capacidade de se renovar, de problematizar
suas próprias práticas e de buscar, continuamente, formas mais sensíveis e
conscientes de ler o mundo por meio da arte.
REFERÊNCIAS
BOSI,
Alfredo. História concisa da literatura brasileira. 2. ed. São Paulo: Cultrix,
2006.
CÂNDIDO,
Antônio. Literatura e sociedade. 11. ed. São Paulo: Nacional, 2000.
COUTINHO,
Afrânio. Da crítica e da nova crítica. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1971
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