Este artigo de opinião propõe uma reflexão crítica sobre
os estilos de época na literatura, abordando suas principais características,
contextos históricos e valores estéticos. A partir de uma análise que atravessa
desde o Trovadorismo até as manifestações contemporâneas, o texto destaca como
a literatura, em sua pluralidade de formas, serve como espelho da humanidade.
Ao defender a importância de estudar os estilos literários, busca-se promover
um olhar mais atento sobre o papel social, filosófico e cultural da produção
escrita ao longo dos séculos.
1. Introdução
A literatura, ao longo dos
séculos, tem sido um espelho das sociedades, refletindo seus valores, conflitos
e anseios. Os estilos de época ou escolas literárias são divisões que ajudam a
compreender as diferentes formas de escrita que marcaram determinados períodos
históricos. Com características próprias, essas correntes literárias não apenas
representaram mudanças formais, mas também a transformação da mentalidade
coletiva. Neste artigo, defendemos a ideia de que os estilos de época são
essenciais para compreender a trajetória da literatura como ferramenta de
registro e crítica da condição humana.
Falar sobre estilos de época na literatura é embarcar em
uma travessia pela história da humanidade, observando como diferentes períodos
manifestaram seus valores, tensões e desejos por meio da linguagem escrita.
Desde os cânticos medievais até os experimentos pós-modernos, cada fase da
literatura oferece não apenas uma estética, mas uma maneira de ver e sentir o
mundo.
Este artigo parte da
premissa de que os estilos literários são mais do que simples rótulos
acadêmicos: são registros vivos da evolução humana, cultural e filosófica. Mais
do que descrever características formais, este texto propõe uma leitura crítica
e reflexiva sobre como cada movimento contribuiu para construir a identidade
cultural do Ocidente e, particularmente, da literatura brasileira.
O Trovadorismo, surgido na Península
Ibérica no século XII, foi a primeira manifestação literária documentada da
língua portuguesa. Com suas cantigas de amor, de amigo, de escárnio e maldizer,
o Trovadorismo revelava a sociedade feudal, seus códigos de honra e a
idealização da figura feminina. Era uma literatura oral, muitas vezes acompanhada
por música, e refletia uma hierarquia rígida e uma religiosidade dominante.
Apesar de sua simplicidade,
o Trovadorismo já demonstrava a capacidade da literatura de registrar
sentimentos e estruturas sociais. Sua importância histórica reside na origem do
idioma literário e na forma como a tradição oral preparou o terreno para as escolas
seguintes.
O Humanismo foi um movimento cultural e
literário que se desenvolveu na transição da Idade Média para o Renascimento,
entre os séculos XIV e XVI. Teve início na Itália e se espalhou por toda a
Europa, chegando a Portugal por volta do século XV. Este período é marcado pelo
surgimento das universidades, pela ampliação do conhecimento leigo e pelo
crescimento das cidades e da burguesia.
No campo das ideias, o Humanismo valoriza o ser humano, a
razão e os estudos clássicos (greco-latinos), rompendo com a visão teocêntrica
(Deus como centro) típica da Idade Média e passando a uma visão antropocêntrica
(o homem como centro das atenções). Essa mudança se reflete diretamente na
produção literária do período. O Humanismo representou uma grande mudança de
mentalidade e de forma literária. Abriu caminho para o Classicismo e para uma
literatura mais voltada à realidade e à condição humana. A linguagem passou a
se aproximar da linguagem falada, e os textos ganharam mais objetividade e crítica
social.
4. Classicismo
O Classicismo foi um estilo de época da literatura que
surgiu na Europa no século XVI, durante o período do Renascimento, como uma
retomada dos valores da Antiguidade Clássica (Grécia e Roma). Esse movimento
marcou uma grande mudança em relação à Idade Média, valorizando a razão, a
harmonia, a medida, a beleza ideal e o equilíbrio nas obras. O Classicismo
chegou ao Brasil por meio da literatura portuguesa. O maior representante em
língua portuguesa foi Luís de Camões, autor de Os Lusíadas (1572), uma epopeia
que exalta os feitos dos navegadores portugueses.
5. Barroco
O Barroco foi um estilo artístico e cultural que predominou
na Europa e nas colônias europeias entre o final do século XVI e o início do
século XVIII. Ele surgiu como uma reação ao racionalismo renascentista e teve
forte ligação com a Contrarreforma, movimento da Igreja Católica para conter o
avanço do protestantismo. Se o Classicismo valoriza a razão e o equilíbrio, o
Barroco, nascido no contexto da Contrarreforma, mergulha no conflito espiritual
e nas contradições humanas. No Brasil, Gregório de Matos é seu maior expoente,
alternando entre poesias religiosas e satíricas. No Barroco, há um jogo de
contrastes: céu e terra, fé e pecado, luz e sombra.
A linguagem barroca é rebuscada, ornamentada e metafórica.
Não é difícil perceber como esse estilo reflete um mundo em crise, onde o homem
já não encontra certezas absolutas. A literatura, nesse momento, torna-se palco
da dúvida e do exagero.
6. Arcadismo
O Arcadismo, surgido no
século XVIII, foi influenciado pelo Iluminismo e buscava recuperar a
simplicidade da vida no campo. Era uma literatura que se afastava do exagero
barroco e defendia uma volta à harmonia, à medida e ao bom senso.
Em autores como Cláudio
Manuel da Costa e Tomás Antônio Gonzaga, vemos a idealização da natureza, o uso
de pseudônimos pastorais e o desejo de uma vida bucólica. A literatura arcádica
foi também uma forma de resistência intelectual diante da opressão colonial,
especialmente em Minas Gerais.
O Romantismo foi um dos movimentos mais
impactantes da história da literatura. Surgido como reação ao racionalismo
iluminista e ao Neoclassicismo, o Romantismo valorizava o sentimento, o
subjetivismo, o nacionalismo e a liberdade criativa.
Na literatura brasileira, ele representou a formação de
uma identidade nacional, com destaque para autores como Gonçalves Dias, José de
Alencar e Álvares de Azevedo. Três gerações se sucedem: a primeira, indianista
e nacionalista; a segunda, ultrarromântica e melancólica; e a terceira,
socialmente engajada.
O Romantismo é um divisor
de águas porque inaugura a literatura moderna no Brasil, centrada na
subjetividade e na construção de uma identidade própria.
O Realismo foi um movimento literário que surgiu na segunda
metade do século XIX, como uma reação ao Romantismo. Ao contrário do idealismo
romântico, o Realismo focava em representar a realidade de forma objetiva,
crítica e racional, com foco especialmente no contexto europeu e brasileiro. O
Realismo brasileiro surgiu oficialmente com a publicação de "Memórias
Póstumas de Brás Cubas" (1881), de Machado de Assis, que ironiza e critica
a sociedade da época com um narrador defunto.
9. Naturalismo
O Naturalismo foi um estilo de época da literatura que
surgiu na segunda metade do século XIX, como um desdobramento do Realismo,
influenciado principalmente pelas ideias científicas e filosóficas da época,
como o determinismo, o positivismo e o darwinismo social. Aluísio Azevedo, com O Cortiço, representa
essa estética, onde o ambiente e a hereditariedade moldam o comportamento
humano.
10. Parnasianismo
O Parnasianismo foi um movimento literário que surgiu na
França no final do século XIX, mais especificamente na década de 1860, e se
estendeu até o início do século XX. Esse movimento teve como principais
características a busca pela perfeição formal, pela objetividade, pelo
distanciamento emocional e pela valorização da estética em detrimento da
temática ou do conteúdo moral. O Parnasianismo surgiu como uma reação ao
Romantismo, movimento literário anterior, que exaltava as emoções, o
subjetivismo, o individualismo e a liberdade criativa. Em contraste, o
Parnasianismo propôs uma literatura mais racional, objetiva e rigorosa, com
ênfase na forma e na beleza da linguagem.
O contexto histórico que favoreceu o surgimento do
Parnasianismo foi o da Revolução Industrial, que provocou uma série de
transformações nas sociedades europeias, como o crescimento das cidades, a
ascensão das classes médias e a crescente valorização da ciência e da técnica.
Isso gerou uma busca por novas formas de expressão artística que se afastassem
do excesso emocional do Romantismo.
O Parnasianismo chegou ao Brasil no final do século XIX e
foi marcado por uma busca pela perfeição formal na poesia, influenciando
escritores como Olavo Bilac, Alberto de Oliveira e Raimundo Correia, que foram
os principais representantes do movimento no país.
No Brasil, o movimento foi uma reação ao romantismo, que já
estava perdendo força na literatura nacional. Os poetas parnasianos
brasileiros, influenciados pelas ideias de seus homólogos franceses, buscaram
produzir uma poesia mais técnica, distante das emoções exacerbadas e com um
estilo mais erudito e impessoal.
O Simbolismo pertence ao fim do século XIX, muitas vezes
associado ao que chamamos de "Belle Époque" na Europa. É também
contemporâneo do Decadentismo e do início das vanguardas artísticas. O
movimento se relaciona com o Romantismo pelo subjetivismo e com o Parnasianismo
pela forma refinada, mas se opõe a ambos ao buscar o mistério, o irracional e o
transcendental.
No Brasil, Cruz e Sousa é considerado o maior simbolista,
com uma poesia que mistura espiritualidade e sensações. O Simbolismo abre
espaço para novas formas de expressão subjetiva, preparando o caminho para as
vanguardas do século XX.
O Modernismo foi um estilo de época literário (e também
artístico) que surgiu no final do século XIX e se desenvolveu com mais força no
início do século XX, rompendo com os padrões tradicionais da literatura
anterior, como o Parnasianismo, o Simbolismo e o Realismo. Ele buscou novas
formas de expressão, mais conectadas com o mundo moderno, a cidade, a
tecnologia e a subjetividade do indivíduo.
O Modernismo brasileiro, inaugurado em
1922 com a Semana de Arte Moderna, rompe com as tradições e propõe uma arte
mais livre, nacionalista e inovadora. Mário de Andrade, Oswald de Andrade e
Manuel Bandeira são figuras centrais desse movimento, que teve várias fases,
cada uma com sua proposta estética.
O Modernismo libertou a
literatura brasileira de modelos europeus e afirmou uma identidade própria.
Trouxe temas do cotidiano, valorizou a linguagem coloquial e fez da literatura
um campo de experimentação.
O Pós-modernismo marca a diversidade, a
fragmentação e a pluralidade de vozes. Não há mais estilos dominantes, mas sim
uma convivência de formas, gêneros e discursos. A literatura contemporânea
explora temas urbanos, existenciais e identitários. Autores como Clarice
Lispector, Lygia Fagundes Telles e Milton Hatoum exemplificam essa fase rica e
complexa.
O papel do leitor também
muda: ele passa a ser coautor, interpretando múltiplos sentidos. A literatura
atual é marcada por hibridismos, intertextualidade e experimentações formais
que desafiam fronteiras entre prosa, poesia e performance.
Ao analisarmos o Classicismo, por
exemplo, percebemos a forte influência da cultura greco-romana e dos ideais de
equilíbrio, racionalidade e universalismo. Em um momento de redescobrimento das
artes e da ciência, o Classicismo valoriza a harmonia formal e a busca por um
ideal estético. Já o Barroco, que sucede esse período, expressa o conflito
entre razão e fé, característico da instabilidade provocada pelas Reformas
religiosas e pela Contra-Reforma. O uso de contrastes, antíteses e metáforas
elaboradas revela um mundo marcado por angústias existenciais.
O Arcadismo surge como uma tentativa de retorno à
simplicidade e à natureza, em meio ao Iluminismo. Seus autores exaltam a razão
e os valores do campo como contraponto ao artificialismo da vida urbana. Em seguida,
o Romantismo marca uma verdadeira revolução: o sujeito se torna o centro da
produção literária, e a emoção, o nacionalismo e o idealismo ganham
protagonismo. A literatura passa a expressar a interioridade, o amor idealizado
e o sofrimento da alma.
O Realismo, por sua vez, rompe com essa idealização e
propõe uma literatura mais crítica, objetiva e voltada para a análise da
sociedade. O Naturalismo e o Parnasianismo seguem por caminhos semelhantes, com
enfoque na ciência, no determinismo e na arte pela arte. Já o Simbolismo retoma
elementos subjetivos e espirituais, numa reação ao materialismo do século XIX.
Por fim, o Modernismo, especialmente no Brasil, representa
uma ruptura radical com as formas anteriores. Com espírito de vanguarda, os
modernistas buscaram uma linguagem própria, mais próxima da realidade nacional,
questionando tradições e propondo novas estéticas. Essa diversidade mostra que
os estilos de época são respostas às transformações históricas, sociais e
culturais vividas por cada geração.
Conclusão
Compreender os estilos de época é
fundamental não apenas para quem estuda literatura, mas para qualquer pessoa
interessada em compreender o ser humano. Através das obras literárias de
diferentes períodos, é possível acessar visões de mundo, valores e inquietações
que marcaram a humanidade. Mais do que categorias estéticas, os estilos
literários são testemunhos vivos das sociedades que os produziram.
Além disso, esses estilos ajudam a entender como a
linguagem se transforma e como os escritores dialogam entre si e com o seu
tempo. O estudo da literatura de época permite perceber que a arte não é apenas
uma representação da realidade, mas também uma forma de intervir nela.
Os estilos de época na literatura não são apenas marcos
cronológicos, mas expressões de mundos interiores e exteriores. Cada movimento,
com suas particularidades, responde a uma demanda do tempo em que surgiu.
Conhecer esses estilos é conhecer a si mesmo, é reconhecer que a literatura
continua sendo um espaço de liberdade, crítica e criação.
Mais do que nunca, compreender a trajetória da literatura
é um ato de resistência cultural diante da homogeneização e do esquecimento.
Estudar os estilos de época é valorizar a diversidade do pensamento humano e
sua capacidade infinita de expressão. A literatura é uma manifestação cultural
viva, que se transforma à medida que o mundo muda. Os estilos de época não são
compartimentos estanques, mas sim manifestações dinâmicas da criatividade
humana diante dos desafios de cada tempo. Valorizar esses estilos é valorizar a
história, a arte e a capacidade humana de refletir sobre si mesma. Por isso, o
estudo dos movimentos literários deve ser constante e aprofundado, pois eles
nos ajudam a entender quem fomos, quem somos e quem podemos ser.
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