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terça-feira, 10 de junho de 2025

A PROBLEMÁTICA DOS ESTILOS DE ÉPOCA NA LITERATURA

 

Moisés Monteiro de Melo Neto em cena de A Cartomante, dirigido
por Luiz Maranhão Filho. 
Produção TV U, Recife

OS ESTILOS DE ÉPOCA NA LITERATURA

 


 

Este artigo de opinião propõe uma reflexão crítica sobre os estilos de época na literatura, abordando suas principais características, contextos históricos e valores estéticos. A partir de uma análise que atravessa desde o Trovadorismo até as manifestações contemporâneas, o texto destaca como a literatura, em sua pluralidade de formas, serve como espelho da humanidade. Ao defender a importância de estudar os estilos literários, busca-se promover um olhar mais atento sobre o papel social, filosófico e cultural da produção escrita ao longo dos séculos.


1. Introdução

A literatura, ao longo dos séculos, tem sido um espelho das sociedades, refletindo seus valores, conflitos e anseios. Os estilos de época ou escolas literárias são divisões que ajudam a compreender as diferentes formas de escrita que marcaram determinados períodos históricos. Com características próprias, essas correntes literárias não apenas representaram mudanças formais, mas também a transformação da mentalidade coletiva. Neste artigo, defendemos a ideia de que os estilos de época são essenciais para compreender a trajetória da literatura como ferramenta de registro e crítica da condição humana.

Falar sobre estilos de época na literatura é embarcar em uma travessia pela história da humanidade, observando como diferentes períodos manifestaram seus valores, tensões e desejos por meio da linguagem escrita. Desde os cânticos medievais até os experimentos pós-modernos, cada fase da literatura oferece não apenas uma estética, mas uma maneira de ver e sentir o mundo.

Este artigo parte da premissa de que os estilos literários são mais do que simples rótulos acadêmicos: são registros vivos da evolução humana, cultural e filosófica. Mais do que descrever características formais, este texto propõe uma leitura crítica e reflexiva sobre como cada movimento contribuiu para construir a identidade cultural do Ocidente e, particularmente, da literatura brasileira.


2. Trovadorismo

 

O Trovadorismo, surgido na Península Ibérica no século XII, foi a primeira manifestação literária documentada da língua portuguesa. Com suas cantigas de amor, de amigo, de escárnio e maldizer, o Trovadorismo revelava a sociedade feudal, seus códigos de honra e a idealização da figura feminina. Era uma literatura oral, muitas vezes acompanhada por música, e refletia uma hierarquia rígida e uma religiosidade dominante.

Apesar de sua simplicidade, o Trovadorismo já demonstrava a capacidade da literatura de registrar sentimentos e estruturas sociais. Sua importância histórica reside na origem do idioma literário e na forma como a tradição oral preparou o terreno para as escolas seguintes.


3. Humanismo

 

O Humanismo foi um movimento cultural e literário que se desenvolveu na transição da Idade Média para o Renascimento, entre os séculos XIV e XVI. Teve início na Itália e se espalhou por toda a Europa, chegando a Portugal por volta do século XV. Este período é marcado pelo surgimento das universidades, pela ampliação do conhecimento leigo e pelo crescimento das cidades e da burguesia.

No campo das ideias, o Humanismo valoriza o ser humano, a razão e os estudos clássicos (greco-latinos), rompendo com a visão teocêntrica (Deus como centro) típica da Idade Média e passando a uma visão antropocêntrica (o homem como centro das atenções). Essa mudança se reflete diretamente na produção literária do período. O Humanismo representou uma grande mudança de mentalidade e de forma literária. Abriu caminho para o Classicismo e para uma literatura mais voltada à realidade e à condição humana. A linguagem passou a se aproximar da linguagem falada, e os textos ganharam mais objetividade e crítica social.


4. Classicismo

 

O Classicismo foi um estilo de época da literatura que surgiu na Europa no século XVI, durante o período do Renascimento, como uma retomada dos valores da Antiguidade Clássica (Grécia e Roma). Esse movimento marcou uma grande mudança em relação à Idade Média, valorizando a razão, a harmonia, a medida, a beleza ideal e o equilíbrio nas obras. O Classicismo chegou ao Brasil por meio da literatura portuguesa. O maior representante em língua portuguesa foi Luís de Camões, autor de Os Lusíadas (1572), uma epopeia que exalta os feitos dos navegadores portugueses.


5. Barroco

 

O Barroco foi um estilo artístico e cultural que predominou na Europa e nas colônias europeias entre o final do século XVI e o início do século XVIII. Ele surgiu como uma reação ao racionalismo renascentista e teve forte ligação com a Contrarreforma, movimento da Igreja Católica para conter o avanço do protestantismo. Se o Classicismo valoriza a razão e o equilíbrio, o Barroco, nascido no contexto da Contrarreforma, mergulha no conflito espiritual e nas contradições humanas. No Brasil, Gregório de Matos é seu maior expoente, alternando entre poesias religiosas e satíricas. No Barroco, há um jogo de contrastes: céu e terra, fé e pecado, luz e sombra.

A linguagem barroca é rebuscada, ornamentada e metafórica. Não é difícil perceber como esse estilo reflete um mundo em crise, onde o homem já não encontra certezas absolutas. A literatura, nesse momento, torna-se palco da dúvida e do exagero.


6. Arcadismo

O Arcadismo, surgido no século XVIII, foi influenciado pelo Iluminismo e buscava recuperar a simplicidade da vida no campo. Era uma literatura que se afastava do exagero barroco e defendia uma volta à harmonia, à medida e ao bom senso.

Em autores como Cláudio Manuel da Costa e Tomás Antônio Gonzaga, vemos a idealização da natureza, o uso de pseudônimos pastorais e o desejo de uma vida bucólica. A literatura arcádica foi também uma forma de resistência intelectual diante da opressão colonial, especialmente em Minas Gerais.


7.  Romantismo

 

O Romantismo foi um dos movimentos mais impactantes da história da literatura. Surgido como reação ao racionalismo iluminista e ao Neoclassicismo, o Romantismo valorizava o sentimento, o subjetivismo, o nacionalismo e a liberdade criativa.

Na literatura brasileira, ele representou a formação de uma identidade nacional, com destaque para autores como Gonçalves Dias, José de Alencar e Álvares de Azevedo. Três gerações se sucedem: a primeira, indianista e nacionalista; a segunda, ultrarromântica e melancólica; e a terceira, socialmente engajada.

O Romantismo é um divisor de águas porque inaugura a literatura moderna no Brasil, centrada na subjetividade e na construção de uma identidade própria.


8. Realismo

 

O Realismo foi um movimento literário que surgiu na segunda metade do século XIX, como uma reação ao Romantismo. Ao contrário do idealismo romântico, o Realismo focava em representar a realidade de forma objetiva, crítica e racional, com foco especialmente no contexto europeu e brasileiro. O Realismo brasileiro surgiu oficialmente com a publicação de "Memórias Póstumas de Brás Cubas" (1881), de Machado de Assis, que ironiza e critica a sociedade da época com um narrador defunto.


 

9. Naturalismo

 

O Naturalismo foi um estilo de época da literatura que surgiu na segunda metade do século XIX, como um desdobramento do Realismo, influenciado principalmente pelas ideias científicas e filosóficas da época, como o determinismo, o positivismo e o darwinismo social.  Aluísio Azevedo, com O Cortiço, representa essa estética, onde o ambiente e a hereditariedade moldam o comportamento humano.


 

10. Parnasianismo

 

O Parnasianismo foi um movimento literário que surgiu na França no final do século XIX, mais especificamente na década de 1860, e se estendeu até o início do século XX. Esse movimento teve como principais características a busca pela perfeição formal, pela objetividade, pelo distanciamento emocional e pela valorização da estética em detrimento da temática ou do conteúdo moral. O Parnasianismo surgiu como uma reação ao Romantismo, movimento literário anterior, que exaltava as emoções, o subjetivismo, o individualismo e a liberdade criativa. Em contraste, o Parnasianismo propôs uma literatura mais racional, objetiva e rigorosa, com ênfase na forma e na beleza da linguagem.

O contexto histórico que favoreceu o surgimento do Parnasianismo foi o da Revolução Industrial, que provocou uma série de transformações nas sociedades europeias, como o crescimento das cidades, a ascensão das classes médias e a crescente valorização da ciência e da técnica. Isso gerou uma busca por novas formas de expressão artística que se afastassem do excesso emocional do Romantismo.

O Parnasianismo chegou ao Brasil no final do século XIX e foi marcado por uma busca pela perfeição formal na poesia, influenciando escritores como Olavo Bilac, Alberto de Oliveira e Raimundo Correia, que foram os principais representantes do movimento no país.

No Brasil, o movimento foi uma reação ao romantismo, que já estava perdendo força na literatura nacional. Os poetas parnasianos brasileiros, influenciados pelas ideias de seus homólogos franceses, buscaram produzir uma poesia mais técnica, distante das emoções exacerbadas e com um estilo mais erudito e impessoal.

 


11. Simbolismo

 

O Simbolismo pertence ao fim do século XIX, muitas vezes associado ao que chamamos de "Belle Époque" na Europa. É também contemporâneo do Decadentismo e do início das vanguardas artísticas. O movimento se relaciona com o Romantismo pelo subjetivismo e com o Parnasianismo pela forma refinada, mas se opõe a ambos ao buscar o mistério, o irracional e o transcendental.

No Brasil, Cruz e Sousa é considerado o maior simbolista, com uma poesia que mistura espiritualidade e sensações. O Simbolismo abre espaço para novas formas de expressão subjetiva, preparando o caminho para as vanguardas do século XX.


12. Modernismo

 

O Modernismo foi um estilo de época literário (e também artístico) que surgiu no final do século XIX e se desenvolveu com mais força no início do século XX, rompendo com os padrões tradicionais da literatura anterior, como o Parnasianismo, o Simbolismo e o Realismo. Ele buscou novas formas de expressão, mais conectadas com o mundo moderno, a cidade, a tecnologia e a subjetividade do indivíduo.

O Modernismo brasileiro, inaugurado em 1922 com a Semana de Arte Moderna, rompe com as tradições e propõe uma arte mais livre, nacionalista e inovadora. Mário de Andrade, Oswald de Andrade e Manuel Bandeira são figuras centrais desse movimento, que teve várias fases, cada uma com sua proposta estética.

O Modernismo libertou a literatura brasileira de modelos europeus e afirmou uma identidade própria. Trouxe temas do cotidiano, valorizou a linguagem coloquial e fez da literatura um campo de experimentação.


13. Pós-modernismo

 

O Pós-modernismo marca a diversidade, a fragmentação e a pluralidade de vozes. Não há mais estilos dominantes, mas sim uma convivência de formas, gêneros e discursos. A literatura contemporânea explora temas urbanos, existenciais e identitários. Autores como Clarice Lispector, Lygia Fagundes Telles e Milton Hatoum exemplificam essa fase rica e complexa.

O papel do leitor também muda: ele passa a ser coautor, interpretando múltiplos sentidos. A literatura atual é marcada por hibridismos, intertextualidade e experimentações formais que desafiam fronteiras entre prosa, poesia e performance.


 

O valor histórico e cultural dos estilos literários

 

Ao analisarmos o Classicismo, por exemplo, percebemos a forte influência da cultura greco-romana e dos ideais de equilíbrio, racionalidade e universalismo. Em um momento de redescobrimento das artes e da ciência, o Classicismo valoriza a harmonia formal e a busca por um ideal estético. Já o Barroco, que sucede esse período, expressa o conflito entre razão e fé, característico da instabilidade provocada pelas Reformas religiosas e pela Contra-Reforma. O uso de contrastes, antíteses e metáforas elaboradas revela um mundo marcado por angústias existenciais.

O Arcadismo surge como uma tentativa de retorno à simplicidade e à natureza, em meio ao Iluminismo. Seus autores exaltam a razão e os valores do campo como contraponto ao artificialismo da vida urbana. Em seguida, o Romantismo marca uma verdadeira revolução: o sujeito se torna o centro da produção literária, e a emoção, o nacionalismo e o idealismo ganham protagonismo. A literatura passa a expressar a interioridade, o amor idealizado e o sofrimento da alma.

O Realismo, por sua vez, rompe com essa idealização e propõe uma literatura mais crítica, objetiva e voltada para a análise da sociedade. O Naturalismo e o Parnasianismo seguem por caminhos semelhantes, com enfoque na ciência, no determinismo e na arte pela arte. Já o Simbolismo retoma elementos subjetivos e espirituais, numa reação ao materialismo do século XIX.

Por fim, o Modernismo, especialmente no Brasil, representa uma ruptura radical com as formas anteriores. Com espírito de vanguarda, os modernistas buscaram uma linguagem própria, mais próxima da realidade nacional, questionando tradições e propondo novas estéticas. Essa diversidade mostra que os estilos de época são respostas às transformações históricas, sociais e culturais vividas por cada geração.

Conclusão

 

Compreender os estilos de época é fundamental não apenas para quem estuda literatura, mas para qualquer pessoa interessada em compreender o ser humano. Através das obras literárias de diferentes períodos, é possível acessar visões de mundo, valores e inquietações que marcaram a humanidade. Mais do que categorias estéticas, os estilos literários são testemunhos vivos das sociedades que os produziram.

Além disso, esses estilos ajudam a entender como a linguagem se transforma e como os escritores dialogam entre si e com o seu tempo. O estudo da literatura de época permite perceber que a arte não é apenas uma representação da realidade, mas também uma forma de intervir nela.

Os estilos de época na literatura não são apenas marcos cronológicos, mas expressões de mundos interiores e exteriores. Cada movimento, com suas particularidades, responde a uma demanda do tempo em que surgiu. Conhecer esses estilos é conhecer a si mesmo, é reconhecer que a literatura continua sendo um espaço de liberdade, crítica e criação.

Mais do que nunca, compreender a trajetória da literatura é um ato de resistência cultural diante da homogeneização e do esquecimento. Estudar os estilos de época é valorizar a diversidade do pensamento humano e sua capacidade infinita de expressão. A literatura é uma manifestação cultural viva, que se transforma à medida que o mundo muda. Os estilos de época não são compartimentos estanques, mas sim manifestações dinâmicas da criatividade humana diante dos desafios de cada tempo. Valorizar esses estilos é valorizar a história, a arte e a capacidade humana de refletir sobre si mesma. Por isso, o estudo dos movimentos literários deve ser constante e aprofundado, pois eles nos ajudam a entender quem fomos, quem somos e quem podemos ser.

 


Referências

 

ASSIS, Machado de. Obras completas. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 1994.

BOSI, Alfredo. História concisa da literatura brasileira. São Paulo: Cultrix, 2010.
CANDIDO, Antonio. Formação da literatura brasileira. Rio de Janeiro: Ouro sobre Azul, 2006.
LUZ, Pedro da. Panorama dos estilos literários. Porto Alegre: EDIPUCRS, 2012.

MOISÉS, Massaud. A literatura portuguesa. São Paulo: Cultrix, 2005.

 

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