TANGER,
um conto de viagem
com
Moisés Monteiro de Melo Neto
Comecei 2020, em
Tanger, Marrocos, em locais que amo, me sentindo no chá do Chapeleiro de Alice,
imaginando que uma gota d’água contém o mundo e comendo tacos, parecendo
deslizar ao longo da borda de um sonho,
desvendando o amor e iluminando um caminho, como se um
outro eu começasse a sonhar e caísse num
lugar onde as fronteiras da realidade tivessem sido reconfiguradas e a grande notícia era que não havia notícia alguma.A palavra
tangerina viria de Tanger, local onde o fruto se adaptou melhor, quando foi
transplantado da China. Os árabes, na maior parte completamente homofóbicos, se
beijam na face se tocam de maneira carinhosa, no meio da rua, já vi isso também
no Egito, onde passei um mês. Quanto às crianças em Tanger, elas brincam muito
com socos e tapas. Talvez aprendam desde cedo. Mas o curioso é que elas
parecem não se machucar. É muito comum encontrar com grupos de crianças jogando
futebol dentro da Medina. Às vezes deixam a bola de lado pra chutar a perna do
marcador, que chuta de volta. Estão o tempo todo gritando, mas rindo ao mesmo
tempo. É um tipo de briga bem saudável.
MOISÉS MONTEIRO DE MELO NETO, pelas ruas
de Tanger, Marrocos
Tânger
(em árabe: طنجة; em tifinague: ⵜⵉⵏ ⵉⴳⴳⵉ; transl.: Tin Iggi; em
inglês: Tangier; em grego clássico e latim: Tingis) é uma cidade do norte de
Marrocos, capital da prefeitura de Tânger-Arzila e da região de Tânger-Tetuão.
Tem 253,5 km² de área [nt 1] e em 2004 tinha 669 685 habitantes[1] (densidade:
2 641,8 hab./km²). Situa-se no topo noroeste de África, na costa atlântica
e na entrada ocidental do estreito de Gibraltar, que une o Atlântico ao
Mediterrâneo e separa Marrocos de Espanha. Dista 14 km em linha reta da
península Ibérica.
Não
senti choque cultural, de certa forma, me assustou , aprendi logo a lidar com a
vida em Tânger. Li sobre um pai educando seus filhos. Ao sair
do hotel, dei de cara com duas crianças gritando, correndo e
distribuindo o caos na vizinhança. Um pai andando rápido e, com
fortes pisadas, chegou descarregando um tapa na nuca de uma das crianças,
que correu desequilibrada por alguns segundos, mas a criança que apanhou
terminou se rachando de rir, fez alguns gestos para o pai e da Medina com
ele correndo atrás dela.
Passei o réveillon na
boate do Hilton Garden, convidado por um engenheiro marroquino que conheci na
Espanha, dias antes. Dancei até de madrugada. Voltei no frio pelo calçadão à
beira-mar até a Medina, a cidade antiga, com seus becos deslumbrantes, onde
estava hospedado. Entrei no meu quarto e fiquei a imaginar mil e uma coisas. Três
dias antes eu fui assistir a uma performance, num obscuro teatrinho. Não gostei
daqauela mistura caótica.
MOISÉS MONTEIRO DE MELO NETO, num pequeno
teatro da cidade, Tanger, Marrocos
A
cidade tem uma história riquíssima - por ali onde passaram
várias civilizações e culturas desde a Antiguidade - que remonta pelo menos ao
século V a.C., quando os fenícios ou cartagineses ali fundaram uma colônia que
substituiu um assentamento berbere. Foi uma colôniaromana, capital da província
da Mauritânia Tingitana, tendo sido depois conquistada pelos vândalos. Ao longo
da Idade Média foi disputada por vários reinos muçulmanos e cristãos de ambos
os lados do estreito. No século XVII foi oferecida por Portugal à Inglaterra,
que só a ocupou de facto muito brevemente. De 1923 a 1956 teve estatuto de
"cidade internacional", administrada conjuntamente por várias
potências coloniais, entre as quais Portugal, e tornou-se um destino para
muitos diplomatas, espiões, escritores e homens de negócio europeus e norte-americanos.Nas
últimas décadas assistiu a um rápido desenvolvimento e modernização, que
passou, por exemplo, pela construção de hotéis luxuosos ao longo da sua extensa
baía bordejada por uma praia de areia, um bairro de negócios moderno (Tangier
City Center), um novo terminal de aeroporto e um novo estádio de futebol.
No dia
anterior, eu tinha ido à praia, andado a cavalo, feito mil estrepolias,
lembrando dos beatniks, escritores que amo.
MOISÉS MONTEIRO DE MELO NETO, PASSEANDO PELAS PRAIAS
DO MARROCOS
Olhei-me no espelho e
minha cara sorridente exalava vapores de amor químico e foi como se aquele
momento significasse uma segunda vida,
para mim, que passei tanto tempo sem sonhos. Depois da Grécia, México e do Peru, eu queria dar um tempo de tantas viagens na
minha vida, mas o amor pela estrada me impedia. Pensei em ficar em casa, no
Brasil, mas não havia mais “casa” para
mim, só a estrada e no amanhecer do primeiro dia de 2020, eu emergi do meu mar mental, ali, às
margens do Estreito de Gibraltar, como
se fosse um submarino bêbado.
Lembrando do México, onde no primeiro dia de 2019, comi feijão preto e
tacos de peixe, olhando para o mar, a cor secreta daquela água.
Segundo
a tradição mitológica greco-romana, Tinjis (ou Tinge), que deu o nome original
à cidade, era a esposa do gigante Anteu,rei líbio filho de Posídon e Gaia, que
foi vencido e morto por Hércules (Hércules para os romanos).
MOISÉS MONTEIRO DE MELO NETO, em Tanger,
Marrocos, na Gruta de Hércules
Hércules
casou depois com Tinjis e dessa união nasceu Sufax, que fundaria a cidade, à
qual deu o nome da sua mãe.Plutarco relata que Quinto Sertório descobriu o
túmulo de Anteu e Tânger; o esqueleto do gigante media 60 côvados. As grutas de
Hércules - situadas poucos quilômetros a sudoeste da cidade, perto do cabo
Spartel, que marca a entrada do estreito de Gibraltar (Colunas de Hércules na
Antiguidade) - estão entre as principais atrações turísticas de Tânger.
MOISÉS MONTEIRO DE MELO NETO, em Tanger,
Marrocos, em Cap Spartel
De
acordo com a lenda, Hércules teria passado a noite ali antes de realizar o
penúltimo dos seus doze trabalhos, o roubo das maçãs do Jardim das Hespérides.
O geógrafo romano do século I d.C. Pompónio Mela, que possivelmente seria
natural de Tingis, relata que na cidade se conservava o enorme escudo de Anteu,
em pele de elefante, que era objeto de grande veneração por parte dos
habitantes.Segundo os registos históricos e arqueológicos, há indícios de
ocupação pré-histórica e mais tarde, alguns restos de presença fenícia (nomeadamente
duas necrópoles),[ possivelmente devido ao seu excelente porto. A cidade é
mencionada por navegadores jónios no século VI a.C. (segundo Hecateu de Mileto)
com o nome de Thigge (pronúncia aproximada: tingue). Desde o século IV a.C.
aparece como feitoria comercial cartaginesa, onde era cunhada moeda com a
legenda púnica TNG’. Aparece na obra helenística Périplo de Pseudo-Cílax
e no Périplo de Hanão como Timiatéria (Thymiateria) e Timiatério
(Thymiaterion), cuja corrupção pode ter dado origem à Tingentera que aparece
nos escritos de Pompónio Mela como sua cidade natal, aludindo a uma migração
norte-africana na época púnica para a zona ibérica do estreito,possivelmente
muito próxima das atuais Tarifa ou então Algeciras.
No dia
priemiro de janeiro de 2020, acordei no final da manhã.
Deixei-me envolver pelo vento e senti que tudo
era o que era e no alvorecer da
minha mente havia muito mais do que sonhos.
Ah, quantas vezes, eu alimentei
Cérbero, o cão de Hades! Ele não era, para mim, um cachorro qualquer, mas uma
ideia. senti por Tanger uma
espécie de atração cósmica. Veio-me a sensação de que o mundo inteiro estava enlouquecendo,
enquanto eu parecia um personagem de um
romance cujo autor ao morrer,
deixou inacabado em meio aos cacos de amor. Lembrei dos meus autores beatniks que
escreveram sobre Tanger, tiraram fotos aqui: Kerouac, Ginsberg, Paul Bowles,
Genet e tantos outros. Enquanto isso, o primeiro dia do ano avançava, eu tomei uma xícara de café no hotel, olhando para o mar. 2020! Pensei no Brasil,
lá longe, seu brilho estranho e ilógico.
MOISÉS MONTEIRO DE MELO NETO, em Tanger,
Marrocos, em frente ao icônico Hotel
Continental, que hospedou artistas que ele aprecia tanto.
O
topónimo Tingi (ou Tiggin, pronúncia aproximada: tinguim em grego, em
Estrabão estabiliza-se na época romana. Tingis passou para o domínio
romano no século I a.C., inicialmente como uma aliada independente.[carece de
fontes] Cerca da década de 40 a.C., segundo Dião Cássio era um município, a
cujos habitantes Augusto concedeu a cidadania romana por o terem apoiado na sua
guerra civil contra Marco António, rebelando-se contra o seu rei Bogudes,
apoiante de Marco António. Segundo Tácito, durante o reinado de Calígula (r.
37–41 d.C.), a antiga província da Mauritânia foi dividida em duas, a
Mauritânia Cesariense a leste, e a Mauritânia Tingitana a oeste, ambas
imperiais e governadas por um procurador da ordem equestre, passando Tingis a
ser a capital da segunda, à qual deu o nome.[8] Pouco depois o imperador
Cláudio (r. 41–54) eleva Tingis à categoria de colónia romana, provavelmente
com o nome de Colónia Cláudia Cesareia Tingi (em latim: Colonia Claudia
Caesarea Tingi). Várias cidades da Tingitana dependiam administrativamente da
Bética, entre elas Tingi. A cidade fornecia Roma principalmente de peixe em
conserva e púrpura.No século III substitui Volubilis como capital da Mauritânia
Tingitana. No mesmo século, segundo a tradição, o cristianismo implantou-se em
Tingis, tendo lugar ali o martírio de São Marcelo a 28 de julho de 298.
Naquele
primeiro dia do ano 2020, que muitos dizem que, matematicamente ainda não é década
de 20, sorri,
embora estivesse à beira das lágrimas. Entrei numa espécie de transe. Olhei para as gaivotas aves que disputaram
restos de comidas na beira da praia.Ano novo!
Tudo muda afinal. É assim que o
mundo é. Pensei nos meus livros
favoritos que mais que os ler, eu
os assimilei e eles faziam parte de
mim, ali, naquela cidade litorânea,
distante de minha prática diária de professor universitário e escritor.
Devido
ao seu passado cristão, Tânger ainda é uma sé titular da Igreja
Católica.Durante a Tetrarquia, após as reformas de Diocleciano em 296, toda a
Mauritânia Tingitana passou a fazer parte da Diocese da Hispânia e por
conseguinte a depender da Prefeitura das Gálias.No século V, os vândalos
liderados por Genserico conquistaram e ocuparam a Tingitana e de lá partiram
para a conquista do Norte da África. Um século mais tarde, em 534, durante o
reinado de Justiniano, a região passou a fazer parte do Império Bizantino, uma
situação que se manteve até 682, quando foi invadida pelos árabes comandados
pelo general omíada Muça ibne Noçáir e apoiados pelos berberes Gomaras. Em 711
foi de Tânger que partiram as tropas de Tárique que invadiram a península
Ibérica.Durante os cinco séculos seguintes, as dinastias de Marrocos, a
Ifríquia e da península Ibérica disputam a soberania de Tânger. Durante mais de
cem anos, os Idríssidas com capital em Volubilis e depois em Fez enfrentam-se
com os Omíadas de Córdova pelo controlo da cidade. O califa andalusino (do
Alandalus, a Ibéria muçulmana) Abderramão III (r. 912–961) teve entre os
territórios sob o seu domínio Tânger, Ceuta e Melilha. Esse controlo dos
califas omíadas de Córdova sobre o norte do que é hoje Marrocos e do Magrebe
Central (aproximadamente a atual Argélia) manteve-se com o neto de Abderramão,
Hixam II (r. 976–1016), Almançor (m. 1002), o filho deste, Malique (m. 1009) e
Hixam III (r. 1026–1031). Tânger pertenceu à taifa de Málaga a partir de 1026,
pouco antes da junta de vizires declarar em 1031 a dissolução do Califado de
Córdova. Por esta altura, o historiador andalusino Albacri chama à cidade Ţania
Albaida ("Tânger, a Branca", um epíteto que ainda hoje seria adequado).
[nt 1] Em meados do século X, os Fatímidas da Ifríquia estendem a sua
autoridade a Tânger. Entre 1075 e 1148 ou 1149 a cidade esteve nas mãos dos
Almorávidas, a que se seguiram os Almóadas. Tânger foi ocupada primeiro pelas
tropas do califa Abde Almumine e em 1196 por Abu Iúçufe Iacube Almançor.
Pertencerá depois ao Reino Haféssida da Ifríquia.Durante o século XIII, o
início da era dos Merínidas, a praça de Tânger conheceu alguns anos de
independência com o emir al-Hamdani. Quando este morreu, às mãos dos seus
próprios súbditos, foi sucedido pelo seu filhos. Por esses anos, já durante o
reinado de Iacube ibne Abdelhalak, Tânger sofreu um tremendo assédio por terra
e por mar.
MOISÉS MONTEIRO DE MELO NETO, em Tanger,
Marrocos
Em 1274,
Tanger tornou-se uma possessão merínida.
O explorador, escritor e geógrafo Batuta nasceu na cidade em 1304. Sendo
contemporâneo de Marco Polo, a sua imagem e fama nunca foi ensombrada por este.
Viajante incansável, dedicou a sua vida ao estudo da geografia. Em 1359, a
cidade foi conquistada por Abu Salem, irmão de Abu Inam, que vindo da península
Ibérica conquistou o trono.Os portugueses tentaram conquistar a cidade em 1437,
durante o período henriquino. Apesar da oposição inicial do rei D. Duarte e da
desaprovação do infante D. Pedro, as cortes reunidas em Évora em Abril de 1436 votaram
os créditos para a empresa. Rui de Pina afirma que na armada havia apenas 6 000
homens, número insuficiente para atacar a poderosa praça do Magrebe.Em setembro
de 1437, após partir de Ceuta, chega a Tânger. Uma parte das forças seguiram
caminho por terra, comandadas pelo infante D. Henrique, e a outra por mar,
comandadas pelo infante D. Fernando. A cidade norte africana era defendida por
Çala-ibn-Çala, o antigo capitão de Ceuta aquando da conquista de 1415.Dia de
mercado no exterior das muralhas de Tânger (1873)Os portugueses, sob a chefia
do infante D. Henrique, foram derrotados e deixaram ficar o infante D. Fernando
como prisioneiro, uma vez que o seu resgate passava pela devolução da praça de
Ceuta aos marroquinos, o que não foi aceite pelas Cortes portuguesas. Por este
motivo, D. Fernando viria a falecer cativo em Fez, em 1443, às mãos dos mouros;
o seu cativeiro é tradicionalmente visto como motivo de santidade, que está na
origem do seu cognome de Infante Santo. Estudos como o do padre Domingos Maurício
dos Santos, autor do livro D. Duarte e as responsabilidades de Tânger
(1433-1438), revelam as responsabilidades do infante D. Henrique no desastre
militar,[14] bem como o de Peter Russell, biógrafo do infante D. Henrique,[15]
e o de Luís Miguel Duarte, biógrafo do rei D. Duarte, onde esta questão é
amplamente abordada.Em 1458, antes de atacar Alcácer-Ceguer, a armada de D.
Afonso V esteve dois dias ancorada na baía de Tânger, tendo o rei planeado a
sua conquista, no que foi contrariado pelo Conselho. Três vezes tentou atacar a
cidade, sempre sem êxito. A 24 de Agosto de 1471, com a tomada de Arzila, os
habitantes de Tânger, compreendendo que o objetivo final era a tomada da sua
cidade, abandonaram-na. Foi então ocupada por D. João, filho do duque de
Bragança no mesmo ano por ordem de D. Afonso V.As relíquias de D. Fernando só
então foram recuperadas e solenemente transladadas para o Panteão Régio na
Batalha, onde ainda hoje repousam, sob domínio eclesiástico, Tânger pertenceu
ao bispado unido de Ceuta e Tânger.
MOISÉS MONTEIRO DE MELO NETO, em Tanger,
Marrocos, hora do chá
Ali
estava, parado como um brasileiro em Tanger: desconhecido e aprendiz daquela realidade,
lendo a história da cidade no meu celular. Adorável sensação
estranha tomou conta de mim. Era como se um hiperobjeto
e observasse todo movimento que eu
fazia. A manhã ia se derretendo e a
tarde se anunciava. Lembrei que de
madrugada eu vi um resto de lua num céu púrpura. Um jovem
garçom se aproximou e perguntou
se eu queria algo. Não sei porque, mas
pensei em diabetes, hipertensão, aumento
de câncer infantil no mundo do fast food.
No
início do século XVI, Tânger permaneceria sempre em pé de guerra, com raros e
breves períodos de tréguas. Surgiu então o plano de abandono de algumas praças
portuguesas de Marrocos exposto por João III de Portugal, em 1532, ao papa. No
entanto, em 1534, num pedido de consulta aos principais conselheiros do Reino,
o monarca demonstrou a sua vontade de conservar Tânger como base de ataque ao
Reino de Fez. As Cortes de 1562-63, reunidas depois do cerco de Mazagão,
insistiram na sua defesa e pediram o reforço da guarnição.Em 1578, por alturas
da expedição que viria a partir de Arzila para Alcácer-Quibir, o rei encontrou
em Tânger Mulei Moamede Almotoaquil, o xerife deposto por Mulei Abde
Almélique.Tânger permaneceu em mãos portuguesas até 1661, altura em que, ao
abrigo do tratado de paz e amizade firmado com a Grã-Bretanha, a mão da
princesa Catarina de Bragança, filha de João IV de Portugal, foi dada em
casamento ao rei Carlos II de Inglaterra, levando no seu dote as cidades de
Tânger e de Bombaim (na Índia). Uma esquadra desembarcou ali nesse mesmo ano e
a guarnição e quase toda a população portuguesa regressaram ao Reino. No
entanto o domínio inglês sobre a cidade durou pouco tempo.
Nos
meus passeios, eu sempre gostava de dosar com chegadas à praia:
Agora, escrevendo este
conto de viagem, pareço eir e vir nas recordações, como sempre, atropelando a
ordem cronológica.
Parado, naquele tão
agradável recinto tangerino, eu observava calmamente o mar e a cidade vleha, com
vistas para a parte moderna, onde eu celebrara com tanto furor a chegada o novo
ano. m suco de limão, eu disse ao graçom e ele
saiu. Eu buscava examinar naquele país as camadas de arqueologia visual.
Sim, me sentia num sonho dentro de um
sonho. Já andei muito pelo mundo, mas nunca como naquele lugar, me senti
como um imperfeito estranho. Olhei no phone os meus olhos cor de chocolate.
Tornei a chamar o garçom e substitui meu
pedido por um chá e perguntei se ele poderia trazer fatias de limão. Ela trouxe
logo. Pedi um sanduíche de peixe e
salada. Reli trechos de livros que amo,
ao celular. A atração gravitacional desses lugares que visito me atrai. Não consigo
resistir. Escutei uma das minhas canções favoritas enquanto a
tarde passava tranquila. Vinha-me um
sentido de tempo perdido para sempre. Era como se eu extraísse minhas memórias
de um compartimento secreto.
Voltei
a ler no celular: em 1679, o sultão alauita Moulay Ismail de Marrocos falha na
primeira tentativa de conquistar a cidade, mas mantém um grande bloqueio que
finalmente leva à retirada inglesa no dia 6 de fevereiro de 1684 — Carlos II
considerou que a posse da cidade era inútil e muito onerosa.[nt 5] Antes de
retirarem, os ingleses destruíram a cidade e o seu porto. O sultão levou a cabo
obras de reconstrução, que no entanto não impedem um lento declínio, a ponto
de, no início do século XIX, a população não ultrapassar os 5 000 habitantes.
Isso apesar de em 1786 se ter tornado a capital diplomática de Marrocos, onde
se instalaram os consulados estrangeiros no sultanato, nomeadamente o espanhol
e a primeira legação diplomática dos Estados Unidos (em 1797).Em 1818, uma
epidemia de peste dizimou 20% da população, um flagelo que se repetiu em 1825.
Em 1821, a embaixada norte-americana em Tânger torna-se a primeira propriedade
do governo dos Estados Unidos no estrangeiro, um presente do sultão
Slimane.Como represália ao apoio do sultão marroquino Abd-el-Rhaman ao seu
genro, o emir argelino Abd el-Kader, que liderou a resistência contra os
franceses, estes levam a cabo um bombardeamento de Tânger em 1844, comandado
pelo príncipe de Joinville, que destruiu as fortificações.Em 1849, tropas
italianas comandadas por Garibaldi instalam-se em Tânger por um breve período.A
localização geográfica de Tânger - porta aberta para Marrocos e ponto chave
para o controlo do estreito de Gibraltar - e a rivalidade das potências
europeias pelo seu controlo converte-a num centro da diplomacia e num
importante centro da atividade comercial marroquina no final do século XIX e
início do século XX. A França, Espanha, Reino Unido e Alemanha multiplicam as
missões diplomáticas e comerciais, tentando ganhar vantagem no xadrez
político-estratégico, colocando Tânger no centro de grandes rivalidades
internacionais. Em 1880, na convenção de Madrid, tenta-se definir as relações
entre as grandes potências sobre a questão marroquina. Nos primeiros anos do
século XX, a Alemanha tentou usar a questão da manutenção da independência de Marrocos
para - ao mesmo tempo que assegurava o acesso ao estreito e ao país - tentar
impedir a partilha do sultanato acordado entre a Espanha e a França com a
aprovação do Reino Unido e aumentar as tensões entre as duas últimas potências.
Impelido pelo chanceler von Bülow - que anuncia de forma sensacionalista que a
Alemanha não permitirá ser posta de parte e que a França não pode alterar o
estatuto político de Marrocos sem a autorização de uma nova conferência
internacional - o imperador Guilherme II vai a Tânger a bordo do iate imperial
Hohenzollern, onde desembarca a 31 de março de 1905; após encontrar-se com um
tio do sultão, ele denuncia as intenções espanholas e francesas e pronuncia-se
a favor da continuidade da independência marroquina. Este episódio desencadeia
a chamada primeira crise de Marrocos, também chamada crise de Tânger, a qual é
apontada como uma das causas da Primeira Guerra Mundial, pois piorou de
sobremaneira as relações franco-alemãs e ajudou a garantir o sucesso da Entente
Cordiale, a aliança entre os rivais coloniais França e Reino Unido.A 24 de
julho de 1925 a Bélgica, Espanha, Estados Unidos, França, Países Baixos,
Portugal, Reino Unido e a União Soviética assinaram um acordo que estabelecia a
administração conjunta da cidade de Tânger, que passava a ser uma zona livre de
impostos dita com "estatuto internacional".
Ah! 2019, fora de tanto
trabalho: lançamento do meu livro sobre o Mágico Alakazam (minha primeira
investida na área de biografias), ministrei tantas palestras, participei de
debates, escrevi artigos, muitos orientandos meus na Universidade defenderam
com sucesso seus trabalhos. 2020: vou viver minha vida do jeito que eu quiser.
MOISÉS MONTEIRO DE MELO NETO, em Tanger,
Marrocos, tradicional chá de menta
De repente comecei a sentir falta dos mortos na danada da
passagem das horas, senti-me meio assim: fora do eixo,
melancólico. Uma nuvem cobriu o
céu e eu equilibrei-me com humor foi rápido, mas senti que mamãe, morta há pouco mais de
dois anos, estava comigo.
Aí eu morri um pouquinho, tá? Uma
pequena morte, meio mitológica, como na caverna de Hércules que eu
visitara numa praia tangerina. Mamãe me apareceu segurando uma espada de
vidro, ruflando asas muito brancas. Tudo
na minha imaginação, é óbvio. Fiquei imaginando como 2020 terminaria com este
grupo tomando as rédeas do Brasil; um chefe compondo mentiras numa velocidade impossível de acompanhar ou interromper. O
Brasil se retorcendo ao gosto deles.
Em 1928, foi também incluída na administração
a Itália. A cidade passou a ser autónoma financeiramente e governada por uma
administração internacional, nomeadamente uma assembleia legislativa composta
por trinta funcionários internacionais nomeados pelos respetivos cônsules e
nove funcionários marroquinos. Essa época do "estatuto internacional"
foi um período de grande projeção internacional para Tânger, tanto no plano
cultural como no dos negócios, favorecidos pelas facilidades proporcionadas ao
contrabando, à espionagem e à contrafação.Durante a Segunda Guerra Mundial,
entre 14 de junho de 1940 (o dia da entrada das tropas do Terceiro Reich em
Paris) e 1945, Tânger esteve ocupada por tropas espanholas enviadas por Franco.
Esta situação de facto não foi aceite formalmente por nenhum país à exceção da
Alemanha Nazi, que colocou um cônsul na cidade na Mendoubia (palácio do
mendoub, o alto funcionário do makhzen delegado do sultão), onde esteve içada
permanentemente a bandeira nazi. Em março de 1944, a Espanha retira o consulado
alemão da Mendoubia e, com o avanço vitorioso do exército aliado, as tropas
espanholas acabam por retirar a 9 de outubro de 1945. A cidade recupera então o
seu estatuto internacional. Entre 1939 e 1950, a cidade viu a sua população
triplicar, alcançando os 150 000 habitantes.A 10 de abril de 1947, o sultão
Mohammed V, acompanhado do príncipe herdeiro Moulay Hassan (futuro rei Hassan
II) pronuncia o seu primeiro discurso onde fala de um Marrocos unificado e
independente, ligado à nação árabe.
Falei com os
invisíveis. Entre os mortos que me
visitaram estavam amigos íntimos meus:
Marco Hanois, artista plástico e
cineasta, Adeilson Amorim fotógrafo
Gê Domingues, pintor. Com Hanois eu
falei basicamente de literatura. Com Gê sobre a noite recifense e a moda. Com
Adeilson recordamos nosso grupo teatral: a ilusionistas, aí aparecem Henrique
Amaral, dramaturgo – irmão meu. Me senti
meio naquele filme “Fome de viver” grande Deneuve é assombrada por amantes
mortos, dentre eles o personagem David
Bowie.
Com a
independência de Marrocos, a 20 de outubro de 1956, inicia-se um processo
político que culminaria com o reconhecimento internacional da anexação de Tânger
por aquele país, a 18 de abril de 1960, acordada na Conferência de Fedala
realizada entre 8 e 29 de outubro de 1956. Um decreto real mantém a liberdade
de câmbio e de comércio até 1960, ano em que o governo marroquino decreta a
abolição das vantagens fiscais, passando a cidade a ter um estatuto igual à de
outras cidades do reino. No entanto, a fim de evitar uma grande fuga de
capitais, o porto de Tânger é dotado de uma zona franca.[carece de fontes] [nt
5] Curiosamente, a catedral de Tânger, construída pelos espanhóis - um dos
símbolos da presença espanhola e da missão franciscana em Marrocos - foi
inaugurada em 1961.
Todo mundo morre. Mas
por mim tudo bem. Vivo minha vida do jeito que quero. Gosto de ser escritor,
combinar palavras, desejá-las numa bravata da linguagem minha escrita é meio
poesia cinematográfica, humor que está
de olho na tradição e na vanguarda.
Sentindo-me cansado e um tanto confuso, comecei a digitar
este texto ao celular. Sou poeta
detetive cosmicômico. Lembrei-me como chorei no túmulo de Jim Morrison,
na primeira vez que fui a Paris.
Não chorava por ele, era por mim mesmo e os meus mortos. Não era
exatamente um choro triste. Era meio fingimento poético para produzir um poema mais verdadeiro, como ensinou-me Fernando Pessoa, em autopsicografia.
Também a alimentação no Marrocos não é cara. Exemplo: uma sopa de grãos semelhantes a ervilhas, com várias fatias de pães acompanhadas de uma porção de azeitonas, um prato chamado omelette persillée, um dos mais baratos, é enorme com batatas-fritas, tomate e cebola! Muito bom e baratos são os tajines. Vinte Dirhams pelo omelete e vinte Dirhams porf duas latas de refrigerante, que hoje seriam equivalentes a R$11,40.Sim, fui constantemente abordado, mas me desvencilhava de quem não queria. Outros eu perguntava logo: nquanto? E começava a curtir os lugares que eu queria ir, na companhia deles; aos outros, eu agradecia em árabe, shukran, houve vezes que vesti um djellabas, aquela roupa árabe. Sempre que viajo procuro logo um teatro na cidade onde chego. Se possível assisto algo em exibição Tanger foi uma decepção; lá, não encontrei nenhum Levaram-me a um local onde um grupo de dança misturada com texto em árabe fez algo que não sei nem como classificar.
Também a alimentação no Marrocos não é cara. Exemplo: uma sopa de grãos semelhantes a ervilhas, com várias fatias de pães acompanhadas de uma porção de azeitonas, um prato chamado omelette persillée, um dos mais baratos, é enorme com batatas-fritas, tomate e cebola! Muito bom e baratos são os tajines. Vinte Dirhams pelo omelete e vinte Dirhams porf duas latas de refrigerante, que hoje seriam equivalentes a R$11,40.Sim, fui constantemente abordado, mas me desvencilhava de quem não queria. Outros eu perguntava logo: nquanto? E começava a curtir os lugares que eu queria ir, na companhia deles; aos outros, eu agradecia em árabe, shukran, houve vezes que vesti um djellabas, aquela roupa árabe. Sempre que viajo procuro logo um teatro na cidade onde chego. Se possível assisto algo em exibição Tanger foi uma decepção; lá, não encontrei nenhum Levaram-me a um local onde um grupo de dança misturada com texto em árabe fez algo que não sei nem como classificar.
Li então poemas de
Rimbaud e Baudelarie, meu telefone me
oferecia estas janelas íntimas. Eu e
minha biblioteca idiossincrática.
Lembrei-me quando me perdi em Roma, cidade boa para gente se perder, e
fui parar na Fonte de Trevi e li um
trecho que Ovídio, da Arte de amar e
me sentei num café, rabisquei um poema
num guardanapo, sobre este meu existir como se fosse dentro de um
interlúdio ininterrupto, viajando, sempre.
MOISÉS MONTEIRO DE MELO NETO, em Tanger,
Marrocos, no Gran Café de Paris, Tanger, ponto de encontro de Kerouac,
Gisberg, Bourroughs, outros beatniks e tantos autores como Jean Genet
Só me resta a estrada, uma Recife que é, também, meu centro de gravidade, minha nêmesis
clarividente, lugar atribuído a mim
no universo. O ar quente soprou vindo do mar.
Saí do hotel e comecei a andar pela Avenida à
beira-mar, a pensar: há pelo menos dois de mim: um anda pelo mundo,
um anda pelo sonho.
Vi um prédio
em estado lamentável fechado há décadas e fundado em 1913 por dois emigrantes
espanhóis de Cádiz: o Gran Teatro Cervantes, símbolo da relação
marroquino-espanhola, que já foi considerado o maior cenário artístico do norte
da África, esse lugar emblemático em perigo sofre com o desacordo de Marrocos e
Espanha sobre um plano de backup que o faria subir das cinzas.
MOISÉS MONTEIRO DE MELO NETO, nas ruínas do Gran
Teatro Miguel de Cervantes, em Tanger, Marrocos
Esta joia do
estilo art nouveau, já acolheu grandes tenores como Caruso e
atores de todo o mundo antes de se converter em cinema ... e até palco de luta
livre.
Aqui estou, na sacada do Gran Teatro Miguel de
Cervantes, com o zelador do prédio, que parece o Titanic, Abulah. Na Rua
Anoual: é o Gran Teatro Cervantes, com sua fachada art déco. Inaugurado em
1913, foi considerado o mais importante teatro do Norte da África.
A origem
deste teatro está em Manuel Peña Rodríguez, um pescador de Cádiz que em 1903
desembarcou em Tanger para fazer uma fortuna lá e se juntar a Antonio Núñez
Reina, o tio de sua esposa, um homem rico. Após sua morte, o casal herdou
todas as suas propriedades. O pescador que entretanto entrou no comércio
de sanguessugas medicinais decide então fundar um teatro para agradar sua
esposa, apaixonada por teatro e nostálgica por sua cultura espanhola.Numa
cidade que acolhe todas as religiões e principalmente investida pelos franceses
e britânicos, Manuel Peña Rodríguez quis fazer a Espanha brilhar em um lugar
emblemático. A construção foi confiada a Diego Jiménez Armstrong, um
arquiteto espanhol nascido em Tanger e que construiu muitos edifícios famosos
em sua cidade natal. Em 11 de dezembro de 1913, o Gran Teatro Cervantes foi
inaugurado com grande alarde e se tornou a Meca dos exilados espanhóis em
Tanger, estabelecendo-se imediatamente como ato importante na mistura de culturas
específicas para Marrocos e Tanger, mas a partir da década de 1950, o teatro
perdeu seu esplendor. Óperas, peças e shows não atraíam mais um grande
número de pessoas. Foi aí que os gerentes do local fizeram uma aposta
arriscada: converter o local em uma sala de luta livre. O público
respondeu inicialmente, mas a maioria dos lutadores eram espanhóis no final de
suas carreiras, e não deu certo. Em 1956, soou a independência e, com a saída
dos espanhóis de Tanger, o local foi novamente convertido, mas desta vez em
cinema. Como as condições técnicas não eram boas para abrigar um projeto
desse tipo, o teatro morria um pouco mais a cada dia, até cair no
esquecimento. Abandonado, fechou-se permanentemente em 1962. Desde seu
fechamento, Marrocos e Espanha continuam o diálogo sobre os termos de um plano
para salvar o local sem concordar. Entre 1972 e 1992, a Espanha alugou à cidade
de Tanger por um dirham simbólico sem que fosse reaberta. Defendido pelo
arquiteto Mariano Vázquez Espí fez campanha com o governo espanhol desde 1994
para sua salvaguarda, em 2004 pela Associação Cervantes de Ação Cultural e
Amizade Hispano-Marroquina, o teatro ainda está parado. Classificado como
patrimônio nacional desde 2007, sua sobrevivência hoje depende de obras
avaliadas pela Espanha em 5 milhões de euros.
O que dizer aos
meus fantasmas desta tarde? Que os vivos devem ter um tipo agradecido de
morte.
Escrevo tudo isso em absoluta solidão. A realidade do presente bate forte. Preencho
o silêncio no quarto do hotel, agora. É noite.
Resgato a solidão que a escrita requer:
arremesso no espaço.
Ainda na Avenida, parei.
O céu adquiria cores fantásticas.
Ali no centro de tantas ideias, veio a necessidade de ter contato mais íntimo
com alguém igual a mim nas suas óbvias
diferenças. E vinha em mim a pergunta inexprimível: e o que fazer com as histórias, inacabadas na minha vida? Pondo um fim à confusão e ignorando quaisquer dúvidas, segui com soluções práticas sobre a minha
vida. Afinal, chega de aflições mundanas!
E indo muito bem. Fui logo até o Kasbah,
que é uma espécie de castelo onde fica a parte antiga de Tânger, no alto de um
morro, onde é possível avistar o Estreito de Gibraltar e as barcas
que transportam as pessoas de Tânger pra Tarifa, na Espanha, coisa que fiz 2
dias depois com um grupo de 3 brasileiros; um é engenheiro e ensina na
Universidade de Sidney, Austrália. Com outro engenheiro passei a virada do
ano no Hotel Hilton, numa boate bem legal e fomos , no dia seguinte, sacar
a casa alugada por Mick Jagger e Keith Richards, um passeio de quase
uma hora até lá; As casas antigas que eram pintadas de azul representam a
religião dos moradores . Kasbah símbolo da bela arquitetura
marroquina.
A orla de Tânger encontrei-a cheia de sol, água
gelada e com cavalos para alugar à beira- mar.
Perto do Cinema RIF, meu
local favorito lá para ber cerveja, difícil de comprar, lá, fica perto de
onde Henri Matisse pintou, em 1912, uma de suas mais belas obras:
“Janela em Tânger”.
MOISÉS MONTEIRO DE MELO NETO, em frente ao
CINEMA RIF, Tanger, Marrocos
Lembrei
da emoção que tive diante do túmulo
de Virgílio, na segunda vez que
estive em Nápoles, terra do meu bisavô, num outro momento das férias, uma viagem feita há tempos. Sou um tecelão de
palavras. Passou por mim um rapaz com
uma camisa com a estampa do símbolo da Swan Song, de Led Zeppelin: uma mistura de ícaro e anjo alucinado. Aquilo me trouxe à mente o despertar de uma crença
sepultada na existência de uma criatura
mítica. Sim, acredito em anjos. Segue então pela avenida, quebrando barreiras
da incredulidade.
Henri Matisse- Vue
de Tanger, Huilesur Toile, Moscou, Musee Pouchkine
Quando Matisse chegou a
Tânger, cidade ao norte do Marrocos, ele estava deprimido com a morte de seu
pai e com a rejeição a suas telas por parte de um rico colecionador russo. A
cidade foi uma espécie de oásis para o pintor, que recuperou o vigor e produziu
outras vinte obras durante suas várias passagens pelo lugar. Matisse confessou
ter sido envolvido pelas cores e luzes de Tânger, e as viagens converteram-se
numa grande jornada interior, tornando-o um ser humano mais forte. O azul do
Mediterrâneo e do Atlântico, o branco das construções, a brisa que sopra na
Baía de Tânger, o burburinho dos bares e dos estreitos caminhos da Medina (a
cidade antiga) que encantaram Matisse atraíram outros pintores à cidade. Os
também franceses Delacroix e Degas, além do anglo-irlandês Francis Bacon e do
britânico George Apperley, viram em Tânger fonte de inspiração. E a cidade
continua envolvendo e atraindo turistas de todo o mundo. O descanso para
Hércules e o farol dos navegantesAo lado do Cinema RIF, em Tânger,
vista para o Grand Souk, local mais frequentado dentro da Medina, área
histórica da cidade.
O vento soprou o cheiro de mar e das plantas molhadas. No meu coração transparente alguém poderia ver a ebulição das minhas veias, o
meu sangue? Nos momentos de medo surge
sempre me adaga invisível na minha mão
direita e minha guarda pessoal fica
pronta para o bom combate. Passou outro
bando de jovens, em erupção
espontânea, barulhentos, uma garota
me desejou feliz ano novo, em inglês e
meu deu um bombom. Agradeci e guardei no bolso da camisa.
Voltei a pensar no Brasil. a população chegara ao que existe de pior em nós mesmos
para representar quem não votou nele. Viva o povo brasileiro que tem que
aceitar o outro, democraticamente.
Como o continente europeu está a apenas 14km de Tânger, muita gente que tem curiosidade pela cultura árabe costuma fazer um bate-e-volta. Para atravessar de um continente a outro a bordo dos catamarãs que saem de Tarifa, na Espanha, até o porto Tangier Ville, o preço é € 35, e a viagem dura pouco mais de meia hora. Tânger mata essa curiosidade em um dia, com incontáveis mesquitas e seus minaretes espalhados pela cidade, mulheres envolvidas por burcas e sabores exóticos, como o do chá de menta ou dos temperos como o tagine spice — mix de coentro, páprica doce, canela, pimenta calabresa, cravo e cardamomo, usado para marinar carne de carneiro. No mesmo dia, é possível conhecer pontos turísticos disputados, como as Grutas de Hércules, um complexo de cavernas de formação calcária, carregado de histórias mitológicas, e o Cabo Spartel, ponto de encontro entre o Mar Mediterrâneo e o Oceano Atlântico. E ainda visitar a medina, a cidade antiga.
Meu sofrimento lacônico
me fez colocar os fones de ouvido.
Nunca estive tão velho. Escutei Gal cantando
“Recanto”, de Caetano. Me envolveu um
vazio caleidoscópico, convergência
preocupante de estrelas. Uma sensação de
flutuar na ilusão. O que é real de qualquer forma? O tempo é real? quem sabe o que é real, sabe o quê? Não gostei de me sentir inquieto, de ter
nascido inquieto. 2020 porá o mundo à prova.
Feliz Ano Novo! Se bem que não me
rendo a essas festividades. Meu corpo é apenas um centro reativo exposto a
estímulos externos químicos, climáticos, alimentares tudo vai desaparecer
em algum momento. Devo permanecer
sereno, só isso! Há
provações, devo enfrentá-las. Entrei numa lanchonete. Pedi cerveja. Fiquei
me sentindo como alguém que perdeu o
voo.
Ao longo dos anos, Tânger
não perdeu a aura de mistério nem o charme das construções mediterrâneas, mas a
cidade se modernizou. Há hotéis luxuosos ao longo da baía, shoppings em Tangier
Ville — o novo Centro — e, ainda este ano, a cidade ganhará a primeira linha de
Trem de Alta Velocidade (TGV) da África, rumo a Casablanca, numa viagem de
295km, aumentou a frequência de turistas nas duas pontas. Leva até 6 milhões de
passageiros por ano. Além disso, o Tanger Med, um porto de carga a cerca de 40
km a leste de Tânger, ganhou recentemente um terminal de passageiros, com
capacidade para 7 milhões de pessoas ao ano, aproximando a cidade de vários
pontos da Europa.
Diz a mitologia grega
que, depois de ter separado a Europa da África ao escavar o Estreito de
Gibraltar — para concluir um dos 12 trabalhos que o Rei Euristeu lhe incumbiu —
Hércules, filho de Zeus, descansou em uma gruta. Esse local fica a 15km ao sul
de Tânger e é um dos pontos turísticos mais visitados do Marrocos. Sobre as
Grutas de Hércules, os olhos perdem de vista os mais de 40km de praias na costa
atlântica. No interior do complexo de cavernas, estão formações calcárias
esculpidas não só pelas ondas e pelo vento, mas também pelas mãos de fenícios e
romanos, dois povos que viveram na região. A maneira mais rápida de chegar às
Grutas de Hércules, para quem tem apenas um dia de visita a Tânger, é de carro.
Um táxi de Tangier Ville — o centro novo da cidade — até lá sai por cerca de
100 dirhams marroquinos (MAD) por passageiro, ou cerca de US$ 11 (MAD$ 10 valem
cerca de US$ 1). O valor é cobrado por pessoa, mas dá para barganhar. Na
conversa com o taxista, duas pessoas podem conseguir por MAD$ 150. Atenção: em
Tânger há táxis compartilhados. Se o motorista cobrar uma valor muito baixo por
passageiro (algo como MAD$ 20) com certeza vai colocar mais gente no carro.
Também há ônibus, com bilhete a MAD$ 2, que saem do centro para as grutas, mas
param longe, e é preciso caminhar até a entrada. A viagem é feita pela Rota das
Grutas de Hércules, e uma das curiosidades é que, em determinado ponto da
estrada, veem-se muitos militares guardando um palácio de muros brancos.
Trata-se da casa de verão do rei Salman da Arábia Saudita, que nomeou seu filho
Mohamed como príncipe herdeiro. Dizem os locais que o rei Salman costuma passar
longas temporadas em seu palácio de Tânger, com vista deslumbrante para o
Atlântico, para aproveitar a brisa marítima. E quer se mudar para lá no futuro.
Se o taxista for paciente, vale pedir uma parada para matar a curiosidade, mas
sem se aproximar muito.
No Cabo Spartel, a 5 km
das Grutas de Hércules, em Tânger, Marrocos, há trilhas que levam à observação
de falésias, a 110 m de altura - Divulgação / Ministério do Turismo do
Marrocos As Grutas de Hércules foram descobertas durante escavações
arqueológicas feitas no século XIX. Trata-se de um complexo de cavernas
naturais moldadas pelas águas do mar. A ação do vento também esculpiu a rocha.
Na região, foram encontrados vestígios da presença humana, como cerâmicas,
ferramentas e estátuas, que datam do século V a.C., período que coincide com a
fundação de Tânger. A história que se conta é que grandes pedras foram
retiradas das grutas pelos romanos e depois cortadas e esculpidas para se
fazerem moinhos. Na vizinhança, há outras grutas com a mesma formação
geológica, mas a de Hércules é especial pela vista do mar. A gruta tem uma
abertura para o Oceano Atlântico que se assemelha à forma do mapa da África.
Conta-se que essa abertura foi feita pelos fenícios. Em dias ensolarados, a
vista para o oceano é espetacular, e o azul do céu e do mar se confundem. Se a
visita for no pôr do sol, trata-se de outro espetáculo à parte. Para descer na
gruta de onde se avista o Atlântico não se paga nada. Mas quem quiser saber um
pouco mais da história da gruta terá que desembolsar alguns dirhams aos guias
locais, que estão por toda parte. Há venda de suvenires dentro da gruta e na
praça por onde se entra na caverna, rodeada de colunas brancas. Ninguém deve
deixar de apreciar o cuscuz marroquino, que em Tânger é servido com um molho
bastante apimentado. O vinho marroquino — seja um cabernet sauvignon ou syrah
—, que não fica nada a dever a vinhos tradicionais franceses ou portugueses. O
rei do Marrocos, Mohammed VI, também tem uma casa que fica abaixo do Le Mirage,
para aproveitar a magnífica vista do Atlântico, como faz o seu colega saudita.
Mas, oficialmente, ninguém confirma essa informação, que acabou virando mais uma
lenda da região.Das Grutas de Hércules ao Cabo Spartel são cerca de 5km de
distância. É nesse ponto que as águas agitadas do Atlântico se encontram com o
mais tranquilo Mar Mediterrâneo. No Cabo Spartel há um farol que os navegantes
conseguem enxergar a até 40km de distância. Para o turista, o cabo é um local
com trilhas de onde se pode observar as falésias, com altura de 110
metros.
O ecletismo de
Tânger: tanto nos costumes que mesclam as culturas árabe e europeia, quanto nos
idiomas que se ouvem pela cidade, especialmente o espanhol. A cidade foi
governada conjuntamente por vários países, entre eles França, Grã-Bretanha,
Espanha, Portugal, Itália, Bélgica, Holanda, Suécia, Estados Unidos e até mesmo
a União Soviética, numa experiência única que durou de 18 de dezembro de 1923
até 20 de outubro de 1956. Nesse período, Tânger tinha estatuto de “cidade
internacional” e, protegida por um acordo político, era refúgio para quem
queria escapar de conflitos como a Guerra Civil Espanhola (1936/1939) e a
Segunda Guerra Mundial (1939/1945). Em 1956, Tânger foi incorporada ao Reino do
Marrocos, que se tornava independente. Lembrando que o Marrocos é um reino, e a
foto do rei Mohammed VI está espalhada por toda a cidade.
MOISÉS MONTEIRO DE MELO NETO, em Tanger,
Marrocos
As medinas (palavra que
em árabe significa cidade antiga) abrigam a parte histórica de diversos
municípios em países da região Noroeste da África, conhecida como Magreb. São
labirintos de ruas estreitas, quase sempre murados, e com uma praça central.
Essa espécie de centro urbano antigo já era erguida pelos árabes desde o século
IX e, atualmente, abriga palácios, minaretes e mesquitas, muitos deles alçados
a patrimônio da humanidade. Em medinas como a de Tânger e de Tetouan, o
comércio é bem variado. Há pequenas lojas de especiarias, tapetes e sapatos,
além de ateliês de alfaiates que tecem panos coloridos. O local mais
frequentado da medina é o Grand Souk (grande mercado ou feira, em árabe), uma
espécie de praça, com bares e comércio, onde se vendem tecidos, alimentos e
especiarias (açafrão, em particular). Ambulantes oferecem frutas, hortaliças e
bugigangas. Negociar é imperativo: os descontos variam de produto a produto,
mas podem chegar a até 50% do preço inicial.
MOISÉS MONTEIRO DE MELO NETO, PASSEANDO PELAS PRAIAS
DO MARROCOS
Tânger, no Marrocos,
seduz com o azul do Mar Mediterrâneo e do Oceano Atlântico aí está a
caverna de Hércules, gostei muito, adoro o mar.
Era tudo um sonho? Saí desta ruminação circular. Sentado na semiescuridão numa mesa de
canto, no fim da tarde. Coração querendo
ficar bêbado. Imaginando o mundo cheio de agrotóxicos. Olhei minha
cara ao celular: havia uma confiança
modesta nos meus olhos, sou muito dramático,
é claro. Em poucos dias eu partiria para Lisboa, para o encontro com um
romancista amigo meu, seriam dias bons.
partiria para a cidade de México. Subi as ruas da cidade velha. Cheguei
ao bar do cinema RIF, um dos meus lugares favoritos em Tanger. O tempo tinha
voado. O futuro vem e vai, eis o filme humano. Andamos entre injustiças
dilacerantes, novos fatos, amor. O que
sabemos nós uns sobre os outros, “de
verdade”?
É ali que está a
cinemateca de Tânger, instalada no Cinema Rif, construído na década de 1930, e
que exibe filmes locais. Tomar chá de menta em um dos bares é parte do
programa. Da Casbá, o ponto mais alto da medina, se tem a melhor vista. Na
Praça da Casbá está o Palácio do Sultão (em árabe, Dar El Makhzen). Era nesse
edifício histórico que os sultões do Marrocos se hospedavam quando estavam na
cidade, e as instalações abrigam hoje dois museus: o de Artes Marroquinas e o
de antiguidades e arqueologia, ao lado, no palácio Dar Chorfa.
O tempo dá um jeito de
continuar passando. Coisas novas não se
podem alterar. Costumo rir deste descompasso. Contenho o que não pode ser
contido. O brilho de vida que está para acontecer. Ah, os amanhãs...
Vamos lá, disse para mim mesmo. Foco! Vamos
ensinar fraternidade às crianças
do futuro!
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