Agualusa, Pepetela e Mia Couto, três dos maiores nomes da Literatura da
África, são brancos, enquanto isso a pergunta preconceituosa ou combativa
ecoa: como falar da literatura africana
tendo como ícones três senhores que não são negros? Seria a cor da pele o tema
central da literatura africana? Há ainda o caso de Valter Hugo mãe, que nascido
em Angola, naturalizou-se português e o de Ondjaki, que merecem menção.
Para contornar essa dimensão continental nosso foco inicial fica sobre a
literatura africana de expressão portuguesa, obviamente, tem suas bases ainda no século XV, quando os portugueses
(cronistas, viajantes em geral, poetas, historiadores, geógrafos,homens da
ciências etc.) chegaram na África (por exemplo: Camões, Fernão Mendes Pinto,
Damião de Góis, Garcia de Orta, Gomes Eanes de Zurara, João de Barros, Diogo de
Couto,Duarte Pacheco Pereira), que trataram o continente como cheio de bárbaros
reinos. Mas isto ainda é literatura feita “pelos portugueses”, na sua saga
além-mar (mar salgado, quanto do teu sal são lágrimas de Portugal?), a chamada
“literatura dos descobrimentos”, não é? E contextualiza no passado fatos,
cultura, política durante a colonização
em África. Viria, séculos depois, o que seria
rotulada como “nova literatura”, ou “literatura colonial” (!), a do período
entre 1900-1939, que teria outro perfil que a diferiria da literatura dos
descobrimentos baseada nos relatos dos
estrangeiros narrava fatos de então; já
a literatura colonial , mas mesmo aí o que se percebe é o eurocentrismo num texto ideologicamente racista, desenvolvendo ideias de inferioridade
em relação ao negro, retratado como descendente e praticante de uma mentalidade
pré-lógica. O Orientalismo de Said poderia ser aplicado aí, são seres e locais exóticos,
onde a paisagem embriagante é apenas pano de fundo que os protagonistas,
brancos, justifiquem a “natural”exploração que Marx retratou tão bem na sua
obra. Por este e outros motivos é bom que se esclareça logo que qualquer
preconceito, seja religioso, sexual, econômico, cultural ou qualquer que seja,
deve ser combatido por uma literatura que se queira engajada com a causa da
liberdade e felicidade do home e não apenas sua “sobrevivência”; ma também há, neste
período, escritores como João de Lemos, autor de Almas Negras) ou José Osório de Oliveira, que escreveu “Roteiro de África”, que se preocuparam refletir mais
seriamente sobre o negro, sua cultura e seu lugar no mundo, de modo menos
injusto do que o praticado pela famigerada “ literatura colonial”.
Com o crescimento da rede privada de escolas e das escolas públicas, surge,
aos poucos, a tão sonhada liberdade de expressão, a imprensa ganha fôlego, que
vão proporcionar também uma espécie de “nova literatura”, mas ainda presa ao
colonialismo maldito, ainda nos parâmetros da literatura africana de expressão
portuguesa. Em Angola, temos a publicação do livro Espontaneidade da minha alma (1949) , de José da Silva Maia
Ferreira, 1º livro impresso na assim chamada África
lusófona, mas não a mais antiga obra do autor africano. Antes teríamos o poema
de Antónia Gertrudes Pusish, cabo-verdiana,
chamado Elegia à memória das infelizes vítimas assassinadas por Francisco Matos
Lobo (impresso em Lisboa, 1949). A africanidade
afirmava-se no meio intelectual de maneira forte e combativa em meio ao domínio
europeu, eis a “Literatura Neoafricana”, escrita em línguas europeias,
mas não devemos jamais desprezar a
literatura oral em língua africana. Na poesia, a literatura africana resiste ao
simples exotismo e recupera narrativas tradicionais, muitas vezes usa ritmos
das culturas populares.
Os personagens centrais, não são mais o homem europeu, incensando ainda
mais a visão eurocêntrica, e sim o homem africano, a negra e seus
problemas e soluções, mesmo que ainda estejamos falando da literatura africana em língua portuguesa, mas
agora de raiz africana, que se
fortalece no confronto, rebelião linguística, literária e ideológica, dirigida
principalmente aos africanos, mistura do "português" com línguas
nativas , querendo tornar tal escrita diferenciada da dos europeus, complicando
a descodificação da sua mensagem. Ressaltam-se os poetas angolanos (António Jacinto, Luandino
Vieira, Agostinho Neto, Pinto de Andrade, etc.) com textos que misturam o
quimbundo e umbundo, como fizeram outros autores, por exemplo Mutimati Bernabé
João (de Moçambique).
Com a independência de muitos países, na década de 70,século XX, surgem
texto muito bons como Sagrada esperança,
do poeta Agostinho Neto, onde se lê a
revolta política poeticamente retratada. No 1º
Congresso de Escritores da África, 1956, em Paris, trouxe as ideias de Sembene
Ousmane, Mongo Beti, Bernard Dadié, Ahmadou Kourouma, Ferdinand Oyono, Léopold
Sédar Senghor, Tchicaya U’Tamsi e Sony Labou Tansi, para um público mais amplo,
as obras do período pós-emancipação das colônias, mesmo nos governos
totalitários, marcados também por agitações tribais, revoluções e golpes,
combatiam a repressão, a ditadura, e narravam vivências neste contexto, também
algumas rsgatavam tradições. E autores como Wole Soyinka, da Nigéria; o egípcio
Naguib Mahfuz e Nadine Gordimer, da África do Sul, que ganharam o Prêmio Nobel
de Literatura tornaram-se mais divulgados. É o caso também do queniano Ngugi Wa
Thiong’o, e do poeta ugandense Okot p’Bitek, entre os muitos explos disponíveis.
As mulheres africanas tratam
inclusive das experiências num continente machista, marcado pela poligamia etc.
Maternidade, prostituição, a prostituição e subjetividade feminina, são temas
tratados de forma forte, criativa por autoras como Flora Nwapa, Mariama Ba,
Amma Darko, Fatou Diome, Bessie Head, Tsitsi Danaremba, Buchi Emecheta e outras
cujas obras propõem integração maior do feminino na sociedade africana, sem
esquecer as questões econômicas e na vivência cultural.
O
romancista e poeta nigeriano Chinua Achebe, amplamente visto como um avô de
literatura africana moderna, é comprometido romancista, poeta, ensaísta e erudito nigeriano que pouco a pouco foi considerado o pai do romance africano. A sua obra 'Things Fall Apart' ('Tudo se desmorona') é uma das obras africanas mais lidas no mundo. Albert Chinualumogu Achebe nasceu em 1930 em Ogidi, Nigéria, trinta anos antes de o país declarar a sua independência do domínio colonial britânico. Estudou num colégio missionário e, embora educado na cultura ocidental, também foi criado na cultura tradicional Igbo. Foi já na Universidade quando Achebe renegou o seu nome Britânico, Albert, para retomar o seu nome indígena: Chinualumogu, Chinua para abreviar. O papel de Achebe no nascimento da literatura africana moderna fica claro ao analisar o impacto do seu primeiro livro, Things Fall Apart ('Tudo se desmorona', 1958), um dos romances mais lidos do século XX. A repercussão desta obra foi tal que é leitura obrigatória nas escolas de África e estudada em muitos dos países de língua inglesa. Foi elogiada a sua prosa colorida e amarga descrição da passagem europeia pelo mundo africano, com o consequente choque de culturas.(Outros títulos do autor, mas não todos, são: Arrow of God (Flecha de Deus', 1964), A Man of the People (Um homem do povo, 1966) e Anthills of the Savannah (Formigueiros da Savana, 1987), todas originariamente em inglês, idioma que defendeu na literatura.Até 2009 e desde o acidente que imobilizou o seu corpo, que o colocou numa cadeira de rodas, o autor viveu em Nova Iorque com a sua esposa, com quem teve quatro filhos, onde trabalha como professor de Língua e Literatura.)
Quanto a José Eduardo Agualusa,
José Luandino Vieira e Mia Couto: este último é de família de imigrantes portugueses que se
fixaram em Moçambique, onde ele nasceu, 1955; ele representa uma espécie de nova narrativa continental. Destaque
para Terra Sonâmbula, uma das mais
notáveis produções do final do século XX. Muitos dizem que ele sofre influência
de Guimarães Rosa. Já o angolano José Eduardo Agualusa, também possui uma
editora brasileira Língua Geral, com edição de livros só no idioma português: O Filho do Vento, Na rota das especiarias, A
girafa que comia estrelas, e muito mais. O angolano( nascido em Portugal e
naturalizado, José Luandino Vieira é autor dos contos Luanda e Velhas Histórias;
e dos romances Nosso Musseque e Nós, os do Makulusu; e também outras
novelas e outros livros infanto-juvenis: ajudou na construção da República
Popular de Angola, após a conclusão da Guerra Colonial e em 2006 recebeu o Prêmio Camões, de grande valor para as criações
literárias, mas rejeitou-o, por motivos pessoais.
Outro autor que merece destaque é Valter Hugo Mãe: Ele
nasceu numa cidade angolana outrora chamada Henrique
de Carvalho, hoje Saurimo. Em 1999 , ele publicou obras de Adriana
Calcanhoto, Caetano Veloso, Manoel de Barros, ferreira Gullar e outros. Codirigiu a revista Apeadeiro, de 2001 a 2004 e em 2006
funda a editora Objecto Cardíaco. Em
2007 ganhou o Prêmio José Saramago (este adorou o romance O remorso de Baltazar
serapião e declarou na ocasião: "Por vezes, tive a sensação de assistir a
um novo parto da Língua portuguesa". Desde o fim de 2012 apresentou um
programa de entrevistas no Porto Canal. Os quatro primeiros romances de Valter
Hugo Mãe são conhecidos como a tetralogia das minúsculas. Escritos
integralmente sem letras capitais, incluindo o nome do autor, pretendiam chamar
a atenção para a natureza oral dos textos e recondução da literatura à
liberdade primeira do pensamento. As minúsculas aludem também a uma utopia de
igualdade. Uma certa democracia que equiparava as palavras na sua grafia para
deixar ao leitor definir o que devia ou não ser acentuado. Conheci Mia,
Agualusa e Mãe no Recife. Mãe queria por fim das forças conhecer Ariano
Suassuna e o fez, passando uma tarde com o autor do Romance da Pedra do reino.
Esperamos desde então que ele reproduza isso num texto maior. Ariano morreu pouco
tempo depois.
valter hugo mãe
Ondjaki (Luanda, 5 de julho de 1977) é um
escritor angolano.
Ele estudou em Luanda e concluiu licenciatura em sociologia
(em Lisboa). Fez o doutoramento em "estudos africanos" (Itália,
2010). Obteve o segundo lugar no prémio António Jacinto realizado
em Angola, e publica o primeiro livro, Actu Sanguíneu.Depois de
estudar por seis meses em Nova York (Columbia) filma com Kiluanje
Liberdade o documentário Oxalá cresçam pitangas - histórias da Luanda.
As suas obras foram traduzidas para diversas línguas e em 2007, lançou
seu livro Os da Minha Rua. Em Outubro de 2010 ganhou, no Brasil, o prêmio
Jabuti, na categoria Juvenil, com o romance AvóDezanove e o Segredo do
Soviético. O Jabuti é um dos mais importantes prémios literários
brasileiros atribuído em 21 categorias. Em 2013, recebeu o prêmio José
Saramago, por seu romance Os trasparentes. Morou no Brasil, no
Rio de Janeiro.
Obras:
·
Actu Sanguíneu (poesia, 2000)
·
Bom Dia Camaradas (romance, 2001)
·
Momentos de Aqui (contos, 2001)
·
O Assobiador (novela, 2002)
·
Há Prendisajens com o Xão (poesia,
2002)
·
Ynari: A Menina das Cinco Tranças (infantil,
2004)
·
Quantas Madrugadas Tem A Noite (romance,
2004)
·
E se Amanhã o Medo (contos,
2005)
·
Os da minha rua (contos, 2007)
·
Avó Dezanove e o segredo do soviético (romance,
2008)
·
O leão e o coelho saltitão (infantil,
2008)
·
Materiais para confecção de um espanador de
tristezas (poesia, 2009)
·
Os vivos, o morto e o peixe-frito (ed.
brasileira / teatro, 2009)
·
O voo do Golfinho (infantil, 2009)
·
dentro de mim faz Sul, seguido de Acto sanguíneo (poesia,
2010)
·
a bicicleta que tinha bigodes (juvenil,
2011)
·
Os Transparentes (romance, 2012)
·
O caso do cadáver esquisito(2011)
·
Uma escuridão bonita (juvenil, Brasil/Portugal,
2013)
·
Sonhos azuis pelas esquinas (contos,
Portugal, Caminho, 2014)
·
Os vivos, o morto e o peixe frito (teatro,
Angola, PT, BR, 2014)
·
O céu não sabe dançar sozinho (contos,
Brasil, Língua Geral, 2014)
·
O Carnaval da Kissonde (ilustrações
de Vânia Medeiros, Portugal, 2015)
·
Os modos do mármore (poesia,
Galiza, 2015)
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