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quinta-feira, 27 de fevereiro de 2020

O que pode um professor de Literatura, hoje?



Prof. Dr. Moisés Monteiro de Melo Neto
 (Universidade de Pernambuco. UPE, Universidade Estadual de Alagoas, UNEAL)

Prof. Dr. Moisés Monteiro de Melo Neto


   Penso na literatura como um generoso pacto entre o autor e o leitor, mas acredito que escrever é transformar o real, e ensinar também é isto, num mundo que pode passar bem sem a literatura e melhor ainda (risos e sisos) sem o homem. Que civilização é esta que nós alimentamos direta ou indiretamente? Os livros correspondem a coisas para as quais ainda não temos nomes. O professor de Literatura não pode imobilizar o futuro na tradição das velhas estruturas. O meu amor pela literatura é penetrante e perturbador. A literatura como mito vivo estava em vias de morrer, ainda nos anos 1970, mas hoje ela está é mais viva do que nunca. Os sinais de desuso ou de falta de fôlego não são tão fortes quanto podemos pensar, agora. Lembrando que o “novo” pode ser repetitivo, principalmente dentro da arte mais comum, hoje, a arte industrializada, consumida vorazmente. Não que eu seja tão ortodoxo quanto Horkheimer e Adorno, mas tenho ojeriza ao modo como se dá a mistificação das massas para glória da unificação de gosto para os consumidores do atual sistema capitalista numa indústria de entretenimentos que apela para o consumo fácil, vai ser muito difícil aparecerem escritores que através da Literatura tentem uma transformação inovadora da técnica narrativa ou da língua, como fez Guimarães Rosa.


Prof. Dr. Moisés Monteiro de Melo Neto


O que pode um professor de Literatura, hoje?



 Paradoxalmente os autores de hoje aproveitam conquistas do passado, mesmo sem obedecer a regras. Longe vão os dias em que Kant anunciava que o juízo estético é um juízo particular que almeja à universalidade. Se querem, por exemplo, transformar a poesia, na forma de livros, num “inutensílio”, resta-nos, amantes desta arte, o exercício da liberdade e a resistência suave dentro de uma superada pós-modernidade. Livro serve para rir, chorar, assombrar, viajar, pensar. Quanto a nós, professores de Literatura, que o futuro nos absorva e absolva, pois nossa herança literária ainda nos intima à fidelidade, responsabilidade com esta arte. E que a crítica universitária, a jornalística ou mesmo a dos meios eletrônicos, mais individual e com fundamentos menos sólidos tentem dar conta do seu estudo, pois uma obra literária sempre será uma pergunta ao mundo. Então fico aqui pensando que entretenimento é este que a literatura nos traz (dentre outras funções, como a educativa etc.) nesta sociedade do espetáculo? Como destacar os atuais textos superiores através do ensino nas escolas e universidades? O melhor critério talvez seja mesmo o tempo. O que melhor podemos fazer é prolongar o trabalho dos bons autores e fazer com que eles entrem nos nossos discursos ou que estejamos a acrescentar-lhes páginas (a esta boa literatura, que nunca é totalmente clara e é sentido suspenso), pois se a grande obra não é dogmática, também o texto crítico não o deve ser.

Prof. Dr. Moisés Monteiro de Melo Neto


   A melhor literatura tem em si uma harmonia que só o silêncio iguala. É um infinito de infinitos e os escritores maiores parecem místicos que não buscam mais alimento neste mundo.  há livros que nos libertam de toda expectativa todo desejo, outros nos incitam a um vórtice que pode ser fatal, outros a cálculos de probabilidades, há ainda os que nos tragam, quando os seguramos com a mão enluvada da nossa consciência. Aí me questiono: por que o escritor se sente compelido a escrever? Por que o lemos? Para encher o vazio com palavras? Precisamos ler enfrentando lutas, como quem domestica animais voluntariosos, se for necessário. Não há literatura sem umas boas doses de sacrifício. Quanto a mim, ensino e escrevo literatura porque quero dar voz ao futuro. 
   O professor de literatura deve alimentar o interesse pela leitura literária, e conscientizar a todos que tal estudo passa, sim, pelo contemporâneo. Literatura tem lugar na cultura digital. Literatura é lugar de saber, busca representar o irrepresentável “real”, ela põe os signos em constante rotação, desautomatiza e valoriza as palavras. Seu estudo/ ensino não deve se reduzir à linguística, retórica, estilística, semiótica: ela não deve ser reduzida a isto. Ensinar literatura é ensinar a ler. O mais simples aluno tem que sentir a potência da significação que ela embute. Ela não é significado, ela opera interações com infinitas possibilidades, nos faz conhecer o outro e a nós mesmos, em silêncio. Desenvolve a capacidade de imaginar, criar imagens não icônicas.  Capta níveis de percepção e fruição bem diferente dos outros meios. Acreditar que a realidade dos jovens brasileiros de hoje não permite literatura é uma injustiça social. Um livro tem muitas portas, amplia horizontes, dá mais qualidades à vida do leitor. ipso facto (por isso mesmo): longa vida a esta arte! E vamos celebrar com festa, trabalho e pão, porque ninguém é de ferro!

Na Espanha professores  Moisés,Davi, Nanci e Dina: intervalo acadêmico, janeiro de 2020





quarta-feira, 19 de fevereiro de 2020

HÁ GOSTO PARA QUASE TUDO Texto de Jomard Muniz de Britto

Moisés Monteiro de Melo Neto e JMB
 (Jomard Muniz de Britto, no Carnaval do Recife)



Amanhã, NÃO!  

Buscar sempre                                                       

Cartilhas difíceis.                                       

Demonstrar sem desfazer!                          

Enquanto ELES e nós não mentimos...        

Facilitar sem fugir.     

Gozar sem medo.                

Hoje impulsionar         

Ir e Vir quase (re)citando                

Jogando sem mentir (descaradamente)      

Kaos de Kafka!?                                              

Literatices para                                         

Musicar no corpo a corpo     

Nas tramas triviais                                         

Ouvindo paz e paixões                           

Pelos caminhos de surpresa     

Querendo sempre mais      

Rindo das próprias tolices?     

Sabedorias no xadrez mais difícil        

Tramas sem tramoias         

Urdindo estrelas e tubarões       

Visionários do xaxado     

Xadrez mais difícil

Y e Z sem gritarias mas com                   

Zen conscientizadores para todos.




Recife carnavalizado para todos 

e ninguém.   

terça-feira, 18 de fevereiro de 2020

LITERATURA AFRICANA: pesquisa realizada por aluno do Professor Moisés Monteiro de Melo Neto




Agualusa, Pepetela e Mia Couto, três dos maiores nomes da Literatura da África, são brancos, enquanto isso a pergunta preconceituosa ou combativa ecoa:  como falar da literatura africana tendo como ícones três senhores que não são negros? Seria a cor da pele o tema central da literatura africana? Há ainda o caso de Valter Hugo mãe, que nascido em Angola, naturalizou-se português e o de Ondjaki, que merecem menção.
Para contornar essa dimensão continental nosso foco inicial fica sobre a literatura africana de expressão portuguesa, obviamente, tem suas bases  ainda no século XV, quando os portugueses (cronistas, viajantes em geral, poetas, historiadores, geógrafos,homens da ciências etc.) chegaram na África (por exemplo: Camões, Fernão Mendes Pinto, Damião de Góis, Garcia de Orta, Gomes Eanes de Zurara, João de Barros, Diogo de Couto,Duarte Pacheco Pereira), que trataram o continente como cheio de bárbaros reinos. Mas isto ainda é literatura feita “pelos portugueses”, na sua saga além-mar (mar salgado, quanto do teu sal são lágrimas de Portugal?), a chamada “literatura dos descobrimentos”, não é? E contextualiza no passado fatos, cultura, política durante a  colonização em África. Viria, séculos  depois, o que seria rotulada como “nova literatura”, ou “literatura colonial” (!), a do período entre 1900-1939, que teria outro perfil que a diferiria da literatura dos descobrimentos  baseada nos relatos dos estrangeiros  narrava fatos de então; já a literatura colonial , mas mesmo aí o que se percebe é o eurocentrismo num texto ideologicamente  racista, desenvolvendo ideias de inferioridade em relação ao negro, retratado como descendente e praticante de uma mentalidade pré-lógica. O Orientalismo de Said poderia ser aplicado aí, são seres e locais exóticos, onde a paisagem embriagante é apenas pano de fundo que os protagonistas, brancos, justifiquem a “natural”exploração que Marx retratou tão bem na sua obra. Por este e outros motivos é bom que se esclareça logo que qualquer preconceito, seja religioso, sexual, econômico, cultural ou qualquer que seja, deve ser combatido por uma literatura que se queira engajada com a causa da liberdade e felicidade do home e não apenas sua “sobrevivência”; ma também há, neste período, escritores como João de Lemos, autor de Almas Negras) ou José Osório de Oliveira, que escreveuRoteiro de África”, que se preocuparam refletir mais seriamente sobre o negro, sua cultura e seu lugar no mundo, de modo menos injusto do que o praticado pela famigerada “ literatura colonial”.
Com o crescimento da rede privada de escolas e das escolas públicas, surge, aos poucos, a tão sonhada liberdade de expressão, a imprensa ganha fôlego, que vão proporcionar também uma espécie de “nova literatura”, mas ainda presa ao colonialismo maldito, ainda nos parâmetros da literatura africana de expressão portuguesa. Em Angola, temos a publicação do livro Espontaneidade da minha alma (1949) , de José da Silva Maia Ferreira, 1º livro impresso na assim chamada  África lusófona, mas não a mais antiga obra do autor africano. Antes teríamos o poema de Antónia Gertrudes Pusish, cabo-verdiana, chamado Elegia à memória das infelizes vítimas assassinadas por Francisco Matos Lobo (impresso em Lisboa, 1949). A africanidade afirmava-se no meio intelectual de maneira forte e combativa em meio  ao domínio  europeu, eis a “Literatura Neoafricana”, escrita em línguas europeias, mas não devemos jamais desprezar  a literatura oral em língua africana. Na poesia, a literatura africana resiste ao simples exotismo e recupera narrativas tradicionais, muitas vezes usa ritmos das culturas populares.
Os personagens centrais, não são mais o homem europeu, incensando ainda mais  a visão eurocêntrica,  e sim o homem africano, a negra e seus problemas e soluções, mesmo que ainda estejamos falando da  literatura africana em língua portuguesa, mas agora de raiz africana, que se fortalece no confronto, rebelião linguística, literária e ideológica, dirigida principalmente aos africanos, mistura do "português" com línguas nativas , querendo tornar tal escrita diferenciada da dos europeus, complicando a descodificação da sua mensagem. Ressaltam-se os  poetas angolanos (António Jacinto, Luandino Vieira, Agostinho Neto, Pinto de Andrade, etc.) com textos que misturam o quimbundo e umbundo, como fizeram outros autores, por exemplo Mutimati Bernabé João (de Moçambique).
Com a independência de muitos países, na década de 70,século XX, surgem texto muito bons como Sagrada esperança, do poeta Agostinho Neto, onde se lê  a revolta política poeticamente retratada.  No 1º Congresso de Escritores da África, 1956, em Paris, trouxe as ideias de Sembene Ousmane, Mongo Beti, Bernard Dadié, Ahmadou Kourouma, Ferdinand Oyono, Léopold Sédar Senghor, Tchicaya U’Tamsi e Sony Labou Tansi, para um público mais amplo, as obras do período pós-emancipação das colônias, mesmo nos governos totalitários, marcados também por agitações tribais, revoluções e golpes, combatiam a repressão, a ditadura, e narravam vivências neste contexto, também algumas rsgatavam tradições. E autores como Wole Soyinka, da Nigéria; o egípcio Naguib Mahfuz e Nadine Gordimer, da África do Sul, que ganharam o Prêmio Nobel de Literatura tornaram-se mais divulgados. É o caso também do queniano Ngugi Wa Thiong’o, e do poeta ugandense Okot p’Bitek, entre os muitos explos disponíveis.
As mulheres africanas tratam inclusive das experiências num continente machista, marcado pela poligamia etc. Maternidade, prostituição, a prostituição e subjetividade feminina, são temas tratados de forma forte, criativa por autoras como Flora Nwapa, Mariama Ba, Amma Darko, Fatou Diome, Bessie Head, Tsitsi Danaremba, Buchi Emecheta e outras cujas obras propõem integração maior do feminino na sociedade africana, sem esquecer as questões econômicas e na vivência cultural.


O romancista e poeta nigeriano Chinua Achebe, amplamente visto como um avô de literatura africana moderna, é comprometido romancista, poeta, ensaísta e erudito nigeriano que pouco a pouco foi considerado o pai do romance africano. A sua obra 'Things Fall Apart' ('Tudo se desmorona') é uma das obras africanas mais lidas no mundo. Albert Chinualumogu Achebe nasceu em 1930 em Ogidi, Nigéria, trinta anos antes de o país declarar a sua independência do domínio colonial britânico. Estudou num colégio missionário e, embora educado na cultura ocidental, também foi criado na cultura tradicional Igbo. Foi já na Universidade quando Achebe renegou o seu nome Britânico, Albert, para retomar o seu nome indígena: Chinualumogu, Chinua para abreviar. O papel de Achebe no nascimento da literatura africana moderna fica claro ao analisar o impacto do seu primeiro livro, Things Fall Apart ('Tudo se desmorona', 1958), um dos romances mais lidos do século XX. A repercussão desta obra foi tal que é leitura obrigatória nas escolas de África e estudada em muitos dos países de língua inglesa. Foi elogiada a sua prosa colorida e amarga descrição da passagem europeia pelo mundo africano, com o consequente choque de culturas.(Outros títulos do autor, mas não todos, são: Arrow of God (Flecha de Deus', 1964), A Man of the People (Um homem do povo, 1966) e Anthills of the Savannah (Formigueiros da Savana, 1987), todas originariamente em inglês, idioma que defendeu na literatura.Até 2009 e desde o acidente  que imobilizou o seu corpo, que o colocou numa cadeira de rodas, o autor viveu em Nova Iorque com a sua esposa, com quem teve quatro filhos, onde trabalha como professor de Língua e Literatura.)


Quanto a José Eduardo Agualusa, José Luandino Vieira e Mia Couto: este último  é de família de imigrantes portugueses que se fixaram em Moçambique, onde ele nasceu, 1955; ele representa uma espécie de nova narrativa continental. Destaque para Terra Sonâmbula, uma das mais notáveis produções do final do século XX. Muitos dizem que ele sofre influência de Guimarães Rosa. Já o angolano José Eduardo Agualusa, também possui uma editora brasileira Língua Geral, com edição de livros só no idioma português: O Filho do Vento, Na rota das especiarias, A girafa que comia estrelas, e muito mais. O angolano( nascido em Portugal e naturalizado, José Luandino Vieira é autor dos contos Luanda e Velhas Histórias; e dos romances Nosso Musseque e Nós, os do Makulusu; e também outras novelas e outros livros infanto-juvenis: ajudou na construção da República Popular de Angola, após a conclusão da Guerra Colonial e em 2006 recebeu o Prêmio Camões, de grande valor para as criações literárias, mas rejeitou-o, por motivos pessoais.
Outro autor que merece destaque é Valter Hugo Mãe: Ele nasceu numa cidade angolana outrora chamada Henrique de Carvalho, hoje Saurimo. Em 1999 , ele publicou obras de Adriana Calcanhoto, Caetano Veloso, Manoel de Barros, ferreira Gullar  e outros. Codirigiu a revista Apeadeiro, de 2001 a 2004 e em 2006 funda a editora Objecto Cardíaco. Em 2007 ganhou o Prêmio José Saramago (este adorou o romance O remorso de Baltazar serapião e declarou na ocasião: "Por vezes, tive a sensação de assistir a um novo parto da Língua portuguesa". Desde o fim de 2012 apresentou um programa de entrevistas no Porto Canal. Os quatro primeiros romances de Valter Hugo Mãe são conhecidos como a tetralogia das minúsculas. Escritos integralmente sem letras capitais, incluindo o nome do autor, pretendiam chamar a atenção para a natureza oral dos textos e recondução da literatura à liberdade primeira do pensamento. As minúsculas aludem também a uma utopia de igualdade. Uma certa democracia que equiparava as palavras na sua grafia para deixar ao leitor definir o que devia ou não ser acentuado. Conheci Mia, Agualusa e Mãe no Recife. Mãe queria por fim das forças conhecer Ariano Suassuna e o fez, passando uma tarde com o autor do Romance da Pedra do reino. Esperamos desde então que ele reproduza isso num texto maior. Ariano morreu pouco tempo depois.
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valter hugo mãe



Ondjaki (Luanda, 5 de julho de 1977)  é um escritor angolano.

Ele estudou em Luanda e concluiu licenciatura em sociologia (em Lisboa). Fez o doutoramento em "estudos africanos" (Itália, 2010). Obteve o segundo lugar no prémio António Jacinto realizado em Angola, e publica o primeiro livro, Actu Sanguíneu.Depois de estudar por seis meses em Nova York (Columbia) filma com Kiluanje Liberdade o documentário Oxalá cresçam pitangas - histórias da Luanda.
As suas obras foram traduzidas para diversas línguas e em 2007, lançou seu livro Os da Minha Rua. Em Outubro de 2010 ganhou, no Brasil, o prêmio Jabuti, na categoria Juvenil, com o romance AvóDezanove e o Segredo do Soviético. O Jabuti é um dos mais importantes prémios literários brasileiros atribuído em 21 categorias. Em 2013, recebeu o prêmio José Saramago, por seu romance Os trasparentes. Morou no Brasil, no Rio de Janeiro.

Obras:
·            Actu Sanguíneu (poesia, 2000)
·            Bom Dia Camaradas (romance, 2001)
·            Momentos de Aqui (contos, 2001)
·            O Assobiador (novela, 2002)
·            Há Prendisajens com o Xão (poesia, 2002)
·            Ynari: A Menina das Cinco Tranças (infantil, 2004)
·            Quantas Madrugadas Tem A Noite (romance, 2004)
·            E se Amanhã o Medo (contos, 2005)
·            Os da minha rua (contos, 2007)
·            Avó Dezanove e o segredo do soviético (romance, 2008)
·            O leão e o coelho saltitão (infantil, 2008)
·            Materiais para confecção de um espanador de tristezas (poesia, 2009)
·            Os vivos, o morto e o peixe-frito (ed. brasileira / teatro, 2009)
·            O voo do Golfinho (infantil, 2009)
·            dentro de mim faz Sul, seguido de Acto sanguíneo (poesia, 2010)
·            a bicicleta que tinha bigodes (juvenil, 2011)
·            Os Transparentes (romance, 2012)
·            O caso do cadáver esquisito(2011)
·            Uma escuridão bonita (juvenil, Brasil/Portugal, 2013)
·            Sonhos azuis pelas esquinas (contos, Portugal, Caminho, 2014)
·            Os vivos, o morto e o peixe frito (teatro, Angola, PT, BR, 2014)
·            O céu não sabe dançar sozinho (contos, Brasil, Língua Geral, 2014)
·            O Carnaval da Kissonde (ilustrações de Vânia Medeiros, Portugal, 2015)
·            Os modos do mármore (poesia, Galiza, 2015)



domingo, 9 de fevereiro de 2020

PROF. DR. MOISÉS MONTEIRO DE MELO NETO: Negritude e literatura na América Latina


Negritude e literatura na América Latina 


ESTUDO do PROF. DR. MOISÉS MONTEIRO DE MELO NETO
UNIVERSIDADE DE PERNAMBUCO (UPE)
UNIVERSIDADE ESTADUAL DE ALAGOAS (UNEAL



            -  Orelhas: “[...] A literatura negra no Brasil enfrenta problemas de qualidade [...] cabe a literatura negra indicar seu espaço”
            14 – Conceitos ultrapassados.
            153/6 – Grifei autores centrais: teoria / obras
            17 – A questão de Domínio Proença Filho (não só o autor negro...)  em lato (sentido) sensu, isto é: em sentido amplo.
            20 – Negro não está confinado ao folclore (CÂNDIDO, “formação da literatura brasileira”).
            21 – Literatura negra é feita pelas de “estratos-sócio-econômicos mais baixos”. Trabalhar este capítulo de Bernd com prefácio

Cap. II “Negritude: Palavra Imperfeita para um concreto ambíguo (44)
            p. 25  gestação da “negritude”: contexto  histórico. “Trágica história do homem que não pode ser  ele mesmo”.
            26 – “Esteira  negritudinista”. Negritudes (no plural) dif. acepções.
            27 – “Negro civilizado”.
            O “ser-no-mundo-do-negro” (Sartre)
            “Subjetividade negra” (define Aurélio, 1975). 1ª vez/registra.
            3) – Contra a vinculação entre raça e cultura. 
            32 – “Enfrentamento epidérmico”  negritude  racista negritude (ideologia).
            32 – “A negritude fracassou”, prisioneira da mística da raça. (opressão, independente da raça, deve ser combatida, sugere MARX;  ideologia porque oculta a dominação real (de outras realidades).
            33 – Negro que quer  só igualdade com o  branco,  quer igual direito de ser explorado  pelo capitalismo!
            Negritude  como antiprograma da branquidade – conceito de raça =  concreto e particular já conceito de classe =  abstrato e universal.
            34 – Deve haver, podemos buscar uma “identidade pan-humana” (independente de preferências sexuais, raça, região/nação) (assim haver fraternidade universal)? Ou este  universalismo reduz o outro (!)  ao silêncio?
            O mundo negro da diáspora.
            35 – Não aceitar negritude como especificidades inatas, sob o risco de fugir à luta mais ampla? (Há tecido poético  negro que difere do mundo dos brancos ...?!).
            35 – Denominadores comuns não se enraízam  na noção de raça... mas na partilha de determinada situação histórica,  reivindicações de valores  próprios (negritude no sentido lato) exercício de consciência de classe,  discurso  contra qualquer tipo de opressão (conceitos de raças e classe não são excludentes), podem coexistir:  combate político.
            36 – O quilombo representa a luta de classes: é Insurreição,  matriz primeira da negritude contra o “estupro cultural cometido pelos brancos” (p. 37).  O “proletariado negro”.
            37 – Indícios de alterações nas relações de dominação: direito à diferença .
            38 – Furar o bloqueio que existe,  abrir espaço. NEGRÍCIA (para negritude,  variante criada por SENGHOR. Léopold Sédar Senghor. 1906- 2001, político e escritor senegalês; presidente do Senegal de 1960 a 1980, entre as duas guerras mundiais, junto com Aimé Césaire, ideólogo concreto do conceito de negritude)
            39 – Negritude  não é movimento estanque ocorre em diferentes  culturas;  é migratório e não sincrônico.
            38 – Otávio Paz: compreensão do outro ser o outro sem deixar de sermos   nós mesmos  (é ideal  contraditório!). relações  interculturais:  identidade e alteridade.
            39 – Cor da pele não  é suficiente para compor a  identidade (o que seria cientificamente falso).
            Identidade: visão que temos de nós mesmos (acrescida de da visão que os outros têm de nós) = tensão do olhar a nós próprios do outro ou do outro a si mesmo (visão complementar).
            40 – O olhar sobre si mesmo não é reproduzido  por um espelho,  é posição com papéis definidos (?)
            Identidade perseguida  por grupos negros  é espaço  multidimensional (cidadania  negra é uma das dimensões).
Resposta política a uma conjuntura.
Negro: memória coletiva ritual x  memória nacional ideologia.
            42 – Destruir sistemas  que o negaram durante séculos e curar-se da amnésia cultural.
            42 – Brasil na linguagem universal da negritude.
42- epidérmica (peles) ou reflexiva (reconhecer-separa ser)
43- não excluir branco; somar: o aqui e o agora: contra o domínio do futuro
(Não analisei parte 3)
            74 – Literatura marginal ou contraliteratura.
            Corpus:  literatura negra
            76 – Textos literatura dois planos (?)
1: tradição
2: contradição (morais: contraliteraura)

            78 – Domício Proença Filho a “substituidade sentimental” fez da literatura negra (br) até a 2ª  metade dos 80,  algo sem “profundidade”,  parece  “queixa  ou panfleto” (grito legítimo). “Libelo contra preconceito e discriminação” -Cruz e Souza?  solano? Luiz Gamo? (geradora,  também, de estereótipos) (78)
            Crítica ainda não havia definido conceitualmente seu objetivo, até 1987,  nem  o fizeram sem produtores negros.
            Movediço terreno: estes terrenos (termos?) em fase de construção; hesitante terminologia.
            79 – (Não há  no Brasil “Literatura Preta”,  o termo).
            Sobre autores que tratam lit. negra (BR).
            80 – Literatura negra = estilo,  léxico, temática etc. (não só raízes afro-”negra” é termo menos limitador);
            81 – Poesia negra  - sentimentos profundos dos negros; questionamento;  nova história; revisão da palavra “negro”;  resistência;  ruptura e descontrução.
            Autores da Poesia/lit. negra:  podem ser brancos?
            Dever  ter a função de: conscientizar a negritude,  vencer o silêncio imposto,  interferir na realidade;  ser porta-voz de uma raça.  A voz dos que não têm voz.  Ato político – social “militância ativa  da palavra” (82).
            Autores aspiram  a serem lidos (82).
            Alguns autores negros questionam a legitimidade da ABL (p. 82)  mas faltam com o  fluxo literário “oficial (em nado nas escolas).
            83 – Lit. negra não  pode esquecer polifonia (compondo com 2 anos mais vozes ou Bakhtin?).
            Imprensa negra  de SP /
1ª fase 1915-23;
2ª fase 1924-37;
            Regeneramento de raça  pelo aprimoramento cultural
3ª fase 1945-63.
            (Aumento cultural luta de classes).
            83-85 – Frente negra brasileira (1931-1937)  “temp.  tentativa” (Roger Bastide)  recusa do negro de “ficar no seu lugar”; imagem do “novo negro”).
            85 – 1978:  Mov. Negro; unificado (MNU)
            86 – 1944 (SP) teatro experimental  negro (imprensa e teatro: Solano Trindade) (teatro atinge camada de baixa renda, às vezes analfabetas).
            87 – Solano:  sentimento da pertença ao solo americano (marxista) “ser negro é uma forma de ser americano).
            88 – Rejeitam o estigma de “condenados da terra.
 Solano – Nicolas Guillén (Diáspora) “navio negreiro: cheinho de inteligência/resistência “sem  se perder na angústia” ou “pura lamentação”, mas crítico e afirmativo (discurso trindadiano).
            “Só negros [...]  em luta pela liberdade são meus irmãos.
            Todas as raças contra o fascismo.
            91 – Solano Trindade – transtextualidade da poesia negra. Ele é  exponencial (nas 3 Américas).
            91-97 – Poesia antiépica (os vencidos como heróis), outro livro de Solano: “Seis tempos de poesia” (1958) poema “canto aos Palmares”  TMB incluído em “Cantares ao meu povo” (1961).
            Ler trecho (p. 92).
            “Contra todas as tiranias” (p. 93) nega conceito vigente de “civilização” (93)  mundo dos opressores  (no universo  carnavalizado do poema). [...]  onde não se dorme [...]  cantam  marchas de sangue [...]  convocam  forças para a guerra [...]  sadismo e morte” (em oposição  a Palmares). (94).
            94 – Edouard Glissant,  poema Les Indes (1955: Les Indes Galantes é uma ópera de Jean-Philippe Rameau com libreto de Louis Fuzelier. Assume a forma de um opéra-ballet com um prólogo e quatro entradas. Seguindo um prólogo alegórico, as quatro entradas têm tramas distintas e separadas, mas são unificadas pelo tema do amor em lugares exóticos) uma ”epopeia obscura”.
            95 – Solano, Césaire  e Glissant: signos podem ser postos em movimento (o entusiasmo marxista nos anos 60  estava nos eu ápice).
            96 – Analisar “Os tambores de São Luiz”,  de Josué  Montello – personagem Damião).
            97 – Oswaldo de Camargo (autor  mais prolífero do movimento do hibridismo  cultural branco x cultura negra).  Muito publicado (anos 80, ainda) – p. 98 (poema “ESCOLHA”).
            (entre o desejo e o  termos do autoconhecimento)
            101 – “Passei num  tempo em que fui eu [...]”
            102 – Oswaldo, ao contrário  de Solano,  duvida até da força do poema como libertador. Apropriação torturada dos  2 universos: branco x negro: angústia em 2 sistemas culturais diferentes.
            103 – seu  grito era “sem cor” (Dilaceramento, p. 104).
            104 – Eduardo de Oliveira (“Túnica de Ébano”). (também  dilacerado pelos ser branco x negro).
            Poema “Banzo” (dia x noite) (simbolização estereotipada, p. 108). 
            107 – Eduardo de Oliveira,  da sua geração, é o que mais empregou a palavra negritude (no título  da sua  antologia (GESTAS LÍRICAS DA NEGRITUDE). (gesta: canção que lembra grandes feitos).
            110 – Crença / desejo de Eduardo Oliveira (SP.): “que sejamos  todos iguais”; Mosaico com fragmentos diversos. Tom didático / Evangelizador – (Negritude ou “negrícia) usa no prefácio às “gestação didático / Evangelizador – busca dimensões: nacionais:  americanidade...
            Irmãos dos 5 continentes – “Ciranda dos povos”.
            Em anunciados representando totalidade do “nós” o negativo e a revalorização da raça na lit. negro-brasileira (1987, Zilá Bernd).
            111 – E. Oliviera : 7 livros (1958-80) ao lado de Oswaldo de Camargo – vertente tópica dos anos 60 alicerçada no catolicismo
            Importante é negro e sua condição  de migrante cultural (rejeição no ambiente sócio-cultural  de acolhida).
            África – referência mística (para superar a perda da unidade original).
            “Denúncia da a-historicidade do seu povo”.
              refazer através dos muitos:  história do ponto de vista negro, refazer  mitos,  lendas.

            Domício Proença Filho (84 anos em 2019, professor e pesquisador em língua portuguesa e literatura brasileira. É doutor em letras e livre-docente em literatura brasileira pela Universidade Federal de Santa Catarina) autor do livro (p.112)  “– Dionísio Esfacelado, Quilombo dos Palmares)  (livro que o introduz na poesia negra brasileira).
            Liberação dionisíaca (materializante ou espiritualizante?).
            113 – A condição apolínea (domesticação) é substituída por dionisíaca (libertação, pensamento mágico).
            113 – Invocar Dionísio para voltar aos momentos Primordiais e daí: vida nos quilombos, culto aos orixás: CAM, filho maldito de Noé  que dá origem aos norte-africanos (nomeou diversos povos que  vieram para novo mundo (camuflando  heterogeneidade étnica  dos escravos.
            113 – Comunhão cultural  / orgulho de pertença  (espécie  de vingança de caliban)
            114 – Palmares como a Troia  negra (Domício  no seu livro): epicidade como resposta. Intenção de  preencher vazios da história.
            115 – ILUAIÊ = tema da vida, opressão superada.
            Palmares = por mais de 60 anos -  negros organizaram um Estado de esperança. Liberdade verde – Equidistante do céu azul – vermelho inferno.
            116 – Epopeia de Palmares (oxissi – matas (verde). Domício, no seu livro         Obs.: Lembrar  Revolta dos afaiates na Bahia (1835) – história recusa como negra. 
            117 – “Cortai os fios da nossa vida morta, ó  “meus irmãos mutilados”.
            Dionísio  gerado  na mãe mental, gestação acabada  coxa do pai Divino Zeus, ambivalência. (Domício, no seu livro)
            Obs.: Cruz e Sousa = valores euopeus o fazem sentir-se emparedado  na condição  da africano,como Domício, mas este  tempo pobre  encontrar.
            118 – Uso em Domício da palavra -símbolo voo como em Oswaldo  de Carvalho, substituição irreal  da ação que se quer , mas não se realiza.
            118 – “Sonho” (palavra recorrente nesta poesia), não  como devaneio, mas como desejo, aspiração  dominante.
            Serra da Barriga (onde se construiu  o Quilombo dos Palmares  Cidade do Sonho Negro): “O Grande voo dos reis” (Palmares: selva  como espaço de sonho livre).
            118 – No âmbito lexical, áreas semânticas de dor,  sofrimento dos escravos,  orgulho, enaltecimento da herança cultural africana.
            118 – Emprego do elenco  temático ligado ao resgate  de memória coletiva.
            Uso da modalidade de nominação originada do desejo de re-nomear o mundo a partir da ótica negra.
            Recorrência da cor verde como símbolo  do renascer.
 Luís Silva (conhecido como “Cuti”): 1978-Poemas da Carapinha,  inaugura fase  da poesia negra BR:  descrença em  ideologias salvadoras  (Marxismo que sustentou Solano,  Oswaldo de Camargo e Eduardo de Oliveira.
            119 – Cuti: Luis Silva, sob o signo de Exu; e os poetas da geração 80 desesperança em ideologias. Entrou na cólera (afirma Marilene Chauí em “O que é ideologia?”. São Paulo:  Brasiliense, 1984).
            Poesia ainda arma de combate contra discriminação que  exila o poeta dentro de si mesmo, soprar, quebrar, romper, derrubar, varrer, incendiar, eletrizar, redimir.  
            (ler poema  Batuque na tocaia”) p. 119.
            Desestabilizar “as verdades”  portadoras de estereótipos que se coagulam como valores universais.
            “Há me esperança de tocaia na fuga”.
            (Armas usadas contra os negros se viram contra  repressor) – armas = justiça e, ao mesmo tempo, opressão (simbologia ambígua).
            Poesia de Cuti (Luis Silva):  Subversora e revolucionária.  Confrontação.
            121 – Há múltiplas ocorrências do vocábulo sangue (de tocaia estão o batuque e o poeta, à  espreita).
            Violência de linguagem Cuti é recusa a situação de exclusão, marginalidade e aí vem esta reivindicação de identidade, no poema como grito  de fera ferida.
            122 – Aparentemente ameaçador este discurso poético (de Cuti) encerra um apelo de reversão  desta situação.
            Pixaim, nariz de abas largas,  pele negra  “ferro [...]  marca [...]  alisa a vergonha  nos cabelos (...)  precisa é jogar fora (...) elos desta corrente de desesperos” (do poema Batuque) (ler poema “Ao amigo branco”, p. 122,  de Cuti, Luis Silva, 1978). Imagem do branco aparece negativa; reiteração  ironia da pal. “branco”.
            123 – Discussão sobre etnocentrismo (Bernd apela para Levi-Strauss)
            124 – O “esfalelamento de um povo” “epidermização praticada por Cuti” pode  cair na “imutabilidade  tautológica de uma natureza  idêntica a si mesma” (analisar no livro dela)
            Ler poema de Donaldo Schüller: “d. Martim Fera” (paródia ao revolucionário personagem martim Fierro).   
            124 – Ver esquema que Bernd respete , muito bom, ao fim de análise de cada autor.
            Afro-Gaúcho Oliveira Silveira (1941).
p. 125 – Identidade Negra e indígena gaúcha (regionalismo é menos  expressivo   ou inexistente nos outros autores negros que vimos).
            Tempo:  suicídio, banzo,  aquilombamento,  fuga, “não -contribuição” do negro, mas a “participação na formação da sociedade rio-grandense,  junto ao  negro peão (edição de 1974)
            126 – Guasca bagal (poema da “Décima do negro peão”. Exalta a participação do negro na Guerra do Paraguai (dezembro de 1864 a março de 1870). (eu acho que o afro foi massa de manobra, Moisés). “Ogum  comendo churrasco” (!) (“Sincretismo entre a tradição gauchesca e africana,  diz Bernd):  “índice de desdobramento  que pode ocorrer  no nível do resgate identitário”.
            Oliveira diz (verso): “um jeito gaúcho / do negro /  batuque” (do livro Pêlo negro) 
Negritude e vingança se associam em palavras “ponteagudas”:  eu lírico está presente explicitamente no poema;  “revolta” e “protesto” nucleiam  as áreas semânticas;  procura das origens, desejo de união com negros das Américas;  recusa em  testemunhar uma própria destruição   como sujeito.


            129 – Tantã (espécie de atabaque, instrumento musical de percussão criado por Sereno, sambista carioca, nos anos 1970)  como símbolo (raízes); crítica e afirmação  como modalidades; “sinergismo” contra forças  devoradoras da assimilação.
            129 – Duas publicações importantes para o movimento negro: Cadernos negros (contos e poemas) antologia anual (1978-87 RJ-SC); aqui havia poucas associações com a outra publicação: o Quilombhoje,  poemas (fundado por Cuti em 78) em 1985, o nº 8,  publicação financiada pelos autores. Oliveira Silveira e Paulo Colina contribuíram  só nos 1ºs cadernos negros,  depois optarem pelo individual. 
            Sobre os Cadernos negros:  Zilá Bernd  diz que têm importância mais social e cultural do que propriamente artística” [..]” tom do panfleto. Ou força a linguagem  poética [...]  repetitiva e redundante” (respetem “modelos petrificados”,  em  vez de “vigorosos” a produzir “textos enfraquecidos”  não colocando a posição primeira da poesia que é “colocar  a linguagem como um todo em novas bases (afirma Donaldo Schuller em A Palavra Imperfeita. Petrópolis: Vozes, 1979, p. 130);  reduzindo a poesia  à naração do martírio  do povo negro (discordo). 
            130 – Grilhões teimam em ferir o futuro, rasguemos  estas histórias,  sem esquecê-las,  dizem José Carlos  Limeira e Éle Semog (Luiz Carlos Amaral Gomes, pseudônimo Ele Semog, nasceu em Nova Iguaçu, Rio de Janeiro, em 1952. É formado em Análise de Sistemas, com especialização em Administração de Empresas pela PUC do Rio de Janeiro. No contexto de efervescência cultural e política que propiciou o ressurgimento do movimento negro a partir de fins da década de 1970, participou dos grupos “Garra Suburbana” e “Bate-Boca”, voltados para o estudo e a produção da poesia afrodescendente. Em 1977, integra as antologias Incidente normal e Ebulição da escrivatura, esta última publicada pela Editora Civilização Brasileira. Em 1978, lança o volume de poemas O arco-íris negro, em co-autoria com José Carlos Limeira. A parceria se repete no ano seguinte, com a publicação de Atabaques, livro onde se mantém o discurso de afirmação identitária e de denúncia da desigualdade social. Em 1984, fundou o grupo Negrícia – Poesia e Arte de Criolo. Ativista e agitador cultural, coordenou o segundo e o terceiro Encontro de Poetas e Ficcionistas Negros Brasileiros. Coordenou também o setor de literatura do projeto “90 anos de Abolição da Escravatura”, com sede no museu de Arte Moderna no Rio de Janeiro. Em 1980, recebeu da União de Escritores Brasileiros, moção especial do Prêmio Fernando Chinaglia.),  em Ataques (o “eu” e o “nós”, esquema pronominal privilegiado na literatura negra; (contramodelo de branco). Viga-mestra  do discurso poético  negro:  de “sujeitado” a “sujeito” (autorizado a gerir suas relações com as determinações externas.
            131 – Felix Guattari e Giles Deleuze: “território é conjunto dos projetos e representações de um grupo” (Guattari, F. & Deleuze, Kafka: por uma literatura  menor. Rio de Janeiro: Imago, 1977).
            131 – Literatura como reconquista da África (como os quilombos foram) “Quilombo de hoje [...]  igual aos [...]  do passado”, escreve Carlos  de Assumpção (Cadernos  Negros 7),  SP, Ed. dos Autores, 1984, p. 18).
            Algum poetas dos Cadernos Negros trocavam seus nomes por nomes de origem afro, como protesto (131).
            132 – Cadernos negros “corpo estranho  na literatura brasileira”,  diz Bernd,  “Pequeno número de leitores,  sem editora, mas o grupo rompe barreiras acadêmicas e interesses editoriais, faz da literatura um bem de todos!
            132 – Não há “um”(único) “discurso poético negro”, cada texto é  portador de estratégias específicas,  o que há são “constantes discursivas” que podem  conferir unidade” aos  textos. Por exemplo:
A)   Existência fora da legitimidade contemplada pelo campo literário (cânone) estatuído.
B)   P. 133 Emergência do eu enunciador
C)   P.134 de uma cosmogonia (corpo de doutrinas, princípios que se ocupa em explicar a origem, o princípio do universo).
D)   P.135  Ordenação de uma nova ordem simbólica
E)   P.136 Reversão dos valores e avaliação do outro
F)   P.138 Tendência à teorização no paratexto (prefácios, epígrafes,  notas prévias, apresentações).

A)   Negro à margem  do mercado dos bens simbólicos
B)   Assimilação do outro e anulação da sua alteridade (negros e índios exilados no interior da sociedade que não os convocou ao diálogo,  não os reconhecendo como  sujeitos portadores  de uma cultura.  Através do  (negro)  no texto literário  dá-se  a transmutação  de objetos para sujeitos.  O eu-nós na caracterização da poesia negra.
            134 – Leitor é convidado a aderir ao projeto de escritura  do enunciados.
            134 – Linguagem poética configurando-se  como uma encenação, apelo à capacidade interpretativa do leitor.
            134 – C) Construção de uma cosmogonia: desde os navios negreiros à pós-abolição, passe por Ganga zumba e seu filho zumbi: os escravos  heróis.  Rememora-se o passado coletivo pelo fazer poético, panteão dos orixás. Sonoridade dos rituais nos poemas (ritmo).
            135 – D) Nova ordem simbólica.
            Pelo o mundo às avessas (carnavalização termos como senzala viram  termos “positivos” da “assentamento” ao novo discurso, reencontro com as origens, símbolo de uma ordem social injusta).
            Casa-grande /  quilombo  (em vez de senzala) liberdade / esperança.
            Instrumentos musicais como o tantã = chamamento à conscientização.
            Ébano = a madeira negra de grande resistência.
            Ressemantização do esquema  cromático = negro é belo.
            136 – Carvão  contém em  si  a brasa.
            Branco = vazio, silêncio,  nada vermelho = lava,  vulcão (represado,  explode) verde da “selva de Alagoas” (136).
            E) Reversão dos valores e avaliação do outro “fio principal” com que é “tecida” a poesia negra: tornar positivo o que era negativo.
            137 – De “observado” negro torna-se observador, no jogo de olhares recíprocos (afirmação da diferença). Branco  aparece na terceira pessoa  do discurso.
            137 – O discurso da diferença é um discurso difícil  (Todorov, Tzvetan. A conquista da América.  A questão do outro.  SP:  Martin Fontes, 1983) pode surgir estereótipo reforçado.
            138 – F) Como escreveu Genette, Gerard (livro: “Palimpsestos” (Paris: SEVIL, 1983): a ação sobre o leitor – o PACTO,  engajamento do autor.
            Literatura como lugar de convocação  à re-existência (do negro).
            Axé! (= força vital tem a qual os seres não podem existir nem se transformam,  na cosmogonia nagô.
            139 – Guattari ao falar das “minorias” (homossexuais, por ex.) abandona o tema “identidade cultural”, opta por “processos de singularização”. O conceito de identidade é dinâmico, processual, não pode se paralisar e principalmente:  entrelaça problemáticas. Ex.: a negritude e o devir homossexual.
            Identidade não é específica, não é um  alvo: é travessia, movimento  contínuo  de desconstrução dos espaços que se opacificaram  devido a sucessivos processos de  apropriação e controle do outro;  quando o que se precisa são espaços transparentes com novos modos de relação com o outro,  resgatando  vazios existenciais.
            140 – De Luiz Gama (1886) aos Cadernos negros (1986) o ser coletivo resgatado quer livrar o sujeito dominado da sua impotência, tornando-o ativo na luta.
                        141 – Poeta como Bricoleur (com materiais fragmentários fabricar algo  novo),– O que há ponto de ancoragem é  a superposição de diferentes  buscas de identidade.
            141 – Contra identidade que seja  atribuída,  que seja estereótipo (piedade, horror, lembranças traumáticas até então reprimidas)
            Contra o “cordão de isolamento” que a sociedade impõe  a determinados grupos (como  os homossexuais e os negros).
            142 – A poesia–martírio? O emparedamento (Cruz e Souza) a crise se transformando  em  temática obsessional. Tensão  entre cultura europeia e africana produzindo identidade parcelar ou dividida (dualismo cultural).
            143 – América Latina de cultura Autoctone (natural do país no qual habita) ou Alóctone (que ou aquele que não é originário do país onde habita.).
            Anticânone? Evolução da literatura negra na literatura ‘oficial’ brasileira:  não podemos  esquecer a luta para isso. De uma instância marginal  à valorização (como foi  o jazz, nos EUA),  em  caráter assimilacionista,  o que traz vantagens  e desvantagens.
            146 – A retirada das máscaras brancas heterossexuais esta pulsão é irrepreensível.
147– Memória e futuro não como um universo alheio, mas nosso (os dois corpi).
Transtextualidade (aqui definida como a "transcendência textual do texto". Segundo Gérard Genette, a transtextualidade é "tudo o que define o texto em relação, seja óbvio ou oculto, com outros textos" e "abrange todos os aspectos de um texto em particular) entre os dois corpi: memória e futuro. Do ser reprimido ao ser liberado e autêntico: a literatura negra haure, retira (algo) de dentro de onde estava, pondo-o para fora; extrai, colhe sua força e importância com a reterritorialização.
147-148 – “não há um universal ocupando todo o espaço, e um particular na periferia, mas uma maneira particular a cada um de ser universal” (GUATTARI, Felix & ROLNICK, Sueli. Cartografias do desejo. Petrópolis: Vozes, 1986)
148- Não exatamente pele negra, máscara africana, isso não traria reconhecimento integral
149- ver flora Sussekind: “Representação do negro no Teatro” (como metáfora de Arlequin, fornecido por uma história e ficção brancas [...] na fala do senhor o negro construiu seu autoconceito”, “travestimento”, máscara branca colada ao rosto negro.

            149 – Autor negro: alguns conceitos tomados de empréstimos  aos escritores brancos.  Devorar a imagem de Arlequim,  moldar seu próprio ser. Pois Arlequim não consegue individualizar-se, ele é o inconsciente,  o indeterminado, “jogo de damas”,  confusão de desejos, dos projetos e dos possíveis. (Chevalier e Ghueerbrant. Dicionário dos símbolos. Paris: Seghers, 1973).
            149 – A literatura  absorve  a representação de seus contraditores,  as digere,  transformando tabu (proibição, censura, perigo e impureza de determinadas atividades sociais) em totem (símbolo sagrado adotado como emblema por tribos ou clãs por considerarem como seus ancestrais e protetores).     
            Nem sempre a poesia negra adotou, nos primórdios, a iconoclastia modernista, mas reinterpretou as relações com outras culturas. Próspero e Calibã, revertendo  perspectiva dominante, sob o ponto de vista do nosso continente.
            150 – Processo:  ruptura  permanente dos equilíbrios  estabelecidos. “Ser si  mesmo é condenar-se à mutilação: o  homem  é apetite perpétuo de ser outro”. (Paz, Otávio.  O arco e a lira. RJ:  Nova Fronteira, 1977).
            150 – Em  poesia negra o enunciado é quase sempre coletivo (mesmo no “eu”); é  ação política, resistência cultural.
            Não é preciso ser negro para fazer poesia negra, mas é  preciso, no entanto, situar-se como negro,  ter intenção negra.  Negritude é um discurso polifônico.

BERND, Zilá. Negritude e literatura na América. Porto Alegre: Mercado Aberto, 1987.