Sonho
Perdoa, Amor, se não quero
Aceitar novo grilhão;
Quando quebraste o primeiro,
Quebraste-me o coração.
Olha, Amor, tem dó de mim!
Repara nos teus estragos,
E desvia por piedade
Teus sedutores afagos!
Tu de dia não me assustas;
Os meus sentidos atentos
Opõem aos teus artifícios
Mil pesares, mil tormentos.
Mas, cruel, porque me assaltas,
De mil sonhos rodeado?
Porque acometes no sono
Meu coração descuidado?...
Eu, quando acaso adormeço,
Adormeço de cansada,
E o crepúsculo do dia
Me acorda sobressaltada.
Arguo então a minha alma,
Repreendo a natureza
De ter cedido ao descanso
Tempo que devo à tristeza.
Que te importa um ser tão triste?...
Cobre de jasmins e rosas
Outras amantes felizes!
Deixa gemer as saudosas!
(Marquesa de Alorna, in 'Antologia Poética')
O caso da MARQUESA DE
ALORNA, pseudônimo dela: ALCIPE
D. LEONOR DE ALMEIDA
LORENA E LENCASTRE, CONDESSA DE OEYNHAUSEN, 6.ª CONDESSA DE ASSUMAR E 4.ª
MARQUESA DE ALORNA (*Lisboa 31-10-1750 - +Benfica
11-10-1839). Leonor de Almeida Lorena e
Lencastre, mais conhecida como marquesa
de Alorna, era filha primogênita do marquês de Alorna e
conde de Assumar, D. João de Almeida Portugal e de sua mulher D. Leonor de
Lorena e Távora. Essa herança de nome e de sangue, foi funesta para a jovem
Leonor, que aos 8 anos de idade foi enclausurada no Convento de Chelas, em
companhia de sua mãe e sua irmã, enquanto seu pai foi atirado aos calabouços.
Era neta dos marqueses de Távora, executados a mando do marquês de Pombal
devido ao seu alegado envolvimento num atentado ao rei D. José I. Os quase 20
anos passados como reclusa não impediram que recebesse uma cuidada formação
linguística, literária e científica, coisa rara para as mulheres da época. Leu
obras dos maiores escritores iluministas, como Racine, Rousseau, Voltaire e Diderot, que cedo lhe despertaram o gosto
pela literatura. Teve como mestre o
padre Francisco Manuel do Nascimento, mais conhecido pelo pseudônimo de FILINTO
ELÍSIO nos ciclos poéticos da Arcádia Lusitana. Contudo, as leituras que
mais a marcaram devem ter sido as cartas que o seu pai lhe enviava, escritas
com o próprio sangue, à falta de outra tinta, no cárcere. Adotando o nome
literário de Alcipe, suas poesias libertaram-se das grades e alcançaram
grande fama, vindo mais tarde a ser publicadas sob o título de Poesias de Chelas (Chelas é uma zona da
freguesia de Marvila em Lisboa situada na parte oriental da cidade, podendo-se
chegar à mesma por comboio ou por metropolitano). Ela
e a sua família saíram da prisão em 1777, depois do afastamento do Marquês do
Pombal, por ordem de D. Maria I que havia sucedido a D. José. Tinha então vinte
anos e pouco depois, casou com o conde de Oeynhausen, que viera da Alemanha,
contratado em 1762 pelo marquês de Pombal para organizar e comandar o exército.
O casamento em 1779, foi apadrinhado pela rainha D. Maria I e pelo rei seu
marido, D. Pedro III. Viajou pela Europa, passando pelas cortes de Espanha de
França e de Áustria, sendo recebida e homenageada pelos respectivos monarcas,
imperadores e até pelo papa Pio VI.Enviuvou aos 43 anos, em 1793, ficando com
seis filhos pequenos a seu cargo. Foi viver primeiro em Almeirim, onde
patrocinou o ensino de moças pobres daquela vila e imediações.
Mudando-se depois
para outra propriedade em Almada, freqüentaram a sua casa célebres figuras da
vida literária, como Bocage (Elmano Sadino) e Alexandre Herculano. As invasões
Napoleônicas do princípio do século XIX a obrigaram a exilar-se em Londres,
entre 1804 e 1814 onde continuou a escrever poemas. Regressando a Portugal, tem
o desgosto de ver a filha tornar-se amante do invasor Junot e, novamente, um
membro da família caído em desgraça. E só depois de dez anos de muita luta,
obteve a reabilitação da memória de seu irmão D. Pedro de Almeida de Portugal,
3.º marquês de Alorna, que por ter integrado a Legião Lusitana que acompanhou
Napoleão à Rússia (morrendo no regresso), foi condenado como traidor à pátria.
Como herdeira de seu
irmão passou a usar o título de 4.ª marquesa de Alorna vindo a falecer aos 89
anos de idade. Deixou seis volumes de "Obras Poéticas" e foi uma
mulher ímpar em sua época, uma das mais notáveis figuras do pré-romantismo em
Portugal. Alexandre Herculano chamou-lhe a "madame de Staël
portuguesa."
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