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terça-feira, 26 de setembro de 2017

Aristóteles e a tragédia

Aristóteles define a tragédia, como uma imitação de caráter elevado, completa e de certa extensão, em linguagem ornamentada e adornos distribuídos pelo drama, com atores atuando e não narrando, despertando o temor e a piedade, tendo por efeito a catarse (purificação) destas emoções.


A tragédia é constituída por 6 elementos: a fábula, que é a imitação da ação; o caráter, que diz respeito à qualidade das personagens; as falas, que são o conjunto dos versos; as ideias, tudo o que dizem os personagens para manifestar seu pensamento; o espetáculo, que é a parte cênica; e o canto, principal adorno do espetáculo.
Os principais meios pelos quais a tragédia fascina as plateias fazem parte da fábula, que são as peripécias e o reconhecimento. As fábulas precisam ter uma extensão que a memória possa apreender por inteiro. Assim, a duração apropriada de uma tragédia é aquela que permite que nas ações, se passe da felicidade ao infortúnio ou do infortúnio à felicidade, o que torna a tragédia mais bela. A fábula precisa ser uma unidade, de maneira que, se acrescentada ou excluída parte dela, altera-se o todo.

TRÊS TRISTES GREGAS

Quanto à qualidade da fábula, esta só é bela se for complexa (peripécias e reconhecimento) e capaz de excitar temor e compaixão. Nelas, o infortúnio das personagens não são frutos de sua perversidade, mas sim das suas ações. Para ser bela, a fábula precisa propor um fim único, oferecendo a mudança da felicidade para o infortúnio em virtude de um erro grave.
Assim, o poeta deve criar fábulas e não versos, porque são as fábulas que imitam ações e fatos capazes de suscitar o temor e a compaixão.



As fábulas são classificadas em simples ou complexas de acordo com ações que imitam. Ações simples são as que produzem mudanças na sorte sem peripécias ou reconhecimento, e complexas, ações com peripécias, reconhecimento ou ambos.
A peripécia é a alteração das ações em sentido contrário ao que parecia natural. O reconhecimento é a passagem do desconhecimento ao conhecimento das personagens.
Sobre a divisão da tragédia, seus termos essenciais são: prólogo, que é a parte completa que antecede o coro; o episódio, parte encontrada entre 2 corais e o êxodo é a parte completa da tragédia da qual após não há coro. A tragédia se compõem de enredo e desfecho, além de apresentar estrutura dramática com início, meio e fim.
A tragédia deve ser construída de maneira que as pessoas, só ao ouvirem ou lerem, sem nada ver, possam aterrorizar-se e sentir piedade. Isso caracteriza o bom poeta.

Aristóteles destaca a competência do poeta ao narrar não o acontecido, mas o que poderia acontecer, o possível, a necessidade. Assim, a diferença entre o poeta e o historiador não está na forma da obra, mas no que relatam. Por isso, a poesia, segundo Aristóteles, é mais filosófica e de caráter mais elevado, pois permanece no universal.


(texto extraído do Seminário de História da Filosofia da Arte, Universidade do Rio de Janeiro, por Larissa de França)

segunda-feira, 25 de setembro de 2017

SONIA, SONIAS: tão plural do singular. POR Jomard Muniz de Britto, ainda JMB



Outubro: não importa se já tivemos desamores. Porque lemos e soubemos  que quase tudo começa e pode terminar em campo de flores.              Pela alvura das angélicas e desatino    certeiro das DORINHAS.  As mesmas Sonias de todos os desejos desejantes. Continuam tão singulares no abismo       de presenças sonoras e performativas. Com essa última palavra tudo ainda pode reinventar-se em rosa vermelha. Nosso corpo inteiro e sempre em busca de espaços reencontrados sem Proust. Qual o tempo de nossos eternos Robertos? ESCREVIVÊNCIAS.           ONDE TODO O TEMPO É BREVE         e nos deixa marcados sem aliterações. MARQUES: deixemos para outros a pergunta. Por QUEM a brevidade         do tempo?                                          SONIA de todos os sons, sonhos, pesadelos. Boleros sonolentos e frevos sempre rasgados e arrebatadores.           Ó DORINHA!                                   Ninguém saberia onde nosso tempo recomeça em outros precipícios.          Das falas e cântico dos cânticos.       Entre Sonias e Dorinhas quantas brevidades acontecendo para nós? Amamos e odiamos na mesma ou            em outras contra-posições?               Corpos seriam universos paralelos       ou plataformas da poeticidade?            Elas – Sonia e Dorinha – carecem        de outra VIA CRUCIS em nosso-vosso cotidiano. Sejamos como sempre         desejando um tempo breve, porém na primavera das pulsações.           Marcos sublimadores de nossos desamparos. Nem Freud nem Lacan poderiam ouvi-las sem reinventá-las. Toda psicanálise em mesas de bar        ou apartamentos acadêmicos.            Entre Paris e Holandas, Olindas,      Bahias e Janeiros ameaçados.


Recife, outubro/2017                         

domingo, 24 de setembro de 2017

O que Nietzsche disse sobre rebater agressões sem fundamento?


De tal modo que o mais temerário acabará, talvez, a ponto de dizer, com Giacomo Leopardi, a seu coração:

     "Nada vive, que fosse digno
De tuas emoções, e a Terra não merece um só suspiro.
Dor e tédio é nosso ser e o mundo é lodo - nada mais.
Aquieta-te".

quarta-feira, 20 de setembro de 2017

COSMOS E O MENINO MÁGICO: teatro para infância e juventude, musical no Recife Pernambuco Brasil

COLETIVO ESPERANÇA DE ÓCULOS
Apresenta
O poema dramático-musical para juventude e infância:

COSMOS E O MENINO MÁGICO




Este texto é uma devida homenagem ao trabalho que a Ong Moradia e Cidadania vem desenvolvendo em PE, junto aos  cidadãos sem recursos, apoiando-os e incentivando-os realizarem seus sonhos que vai desde a retomada de Dignidade,  com capacitações profissionais, cursos, auxiliando-os na conquista de uma nova vida, devolvendo-lhes assim , a esperança.
Objetivando assim, junto aos parceiros, a celebração de várias conquistas realizadas durante anos de trabalho incansável, por Selda Cabral (Coordenadora )  que conta com primorosa assistência de todos que compõe a Moradia e Cidadania-Pe.
FICHA TÉCNICA:
TEXTO: MOISÉS MONTEIRO DE MELO NETO  e ROSÁLIA CALSAVARA. ATORES: ADRIANO CABRAL E RAUL ELVIS. DIREÇÃO: Rosália Calsavara e Adriano Cabral. Trilha sonora com letras de Moisés Neto e Rosália Calsavara: Música: HENRIQUE MACEDO. Figurino e Cenário COLETIVO ESPERANÇA DE ÓCULOS. Produção Executiva Rosália Calsavara.

SOBRE
COSMOS E O MENINO MÁGICO

   COSMOS E O MENINO MÁGICO é uma peça escrita inicialmente para homenagear a ONG MORADIA E CIDADANIA (PE) pelo trabalho e dedicação a uma causa nobre: sonhar com um futuro melhor para os jovens do nosso país, assim como auxiliar homens e mulheres que trabalham diretamente com um público carente de apoio (também não governamental).
   Trata-se da história de um órfão que vive num Lar mantido pela Assistência Cristã, um garoto que já passou da idade em que geralmente crianças assim são adotadas. Não é um garoto comum; ele não conhece sequer a sua mãe (foi deixado na porta das irmãs, que através de muita burocracia conseguiram na justiça auxiliar o Governo na educação desses jovens). Esse menino tem um sonho, desde que a ONG levou-o a participar de uma oficina com artistas: ele quer ser mágico; enfrenta por causa disso um processo de rejeição por parte dos outros garotos que o chamam até de palhaço e dizem que ele não serve para nada, é apenas um metido, um sonhador.

Cena da peça (Raul Elvis e Adriano Cabral)

   Um sonhador... sim, um sonhador. Ele conheceu os membros da Moradia e Cidadania e através deles conseguiu participar de oficinas, apreendeu alguns números de ilusionismo e pensava que com seguiria driblar o destino, um tanto cruel que é não ter orientação de um pai, ou uma mãe. AGORA ELE IRIA PARTICIPAR DA FESTA DE ANIVERSÁRIO DA ONG (preparou números especiais e tudo), mas aconteceu de perder a memória numa queda do telhado; está muito chateado por causa disso; (conseguirá participar do evento que é uma espécie de agradecimento à ONG e uma prova de conseguirá “ser alguém na vida” e não um simples desmemoriado que se acha inútil?)

Moisés Monteiro de Melo Neto (Moisés Neto), Rosália e Maria Alice com parte da plateia na estreia do dia 25 de setembro de 2017


   Deus colocou no seu caminho Irmã Magali, que o ajuda no que pode. Para piorar a situação o Menino Mágico, que tinha mania de subir no telhado para olhar as estrela e a lua, apesar da irmã Magali ter proibido, levou uma queda, perdeu parte da sua memória, e assim sofre mais intensamente o processo de bullying, por parte dos outros garotos. Ele esqueceu como se faz mágica, vive uma intensa crise existencial, quando chega, enviado por irmã Magali (que foi passar o final de semana com os outros garotos, no sítio das religiosas), o senhor Cosmos, cuja esposa, dona Maria Terra, está gravemente doente no hospital e pediu, depois de perder um filho muito querido, que o marido adotasse com ela o Menino Mágico, Cosmos é contra a idéia, mas resolve conversar com o garoto, aconselhado pelas religiosas.

Na comemoração depois da estreia  Cosmos e o Menino Mágico (Adriano Cabral, Raul Elvis e Moisés Neto, com parte dos espectadores na UNIVERSIDADE CAIXA)


   Um diálogo delicado sobre a condição humana e a arte, eis o que o COLETIVO ESPERANÇA DE ÓCULOS propõe com o seu novo espetáculo. Com música e teatro. A peça traz à luz o trabalho de pessoas como Selda Cabral e Isnaldo, voluntários que levam adiante, junto com Hector, Rafaela, Isabela e outros, aqui no Recife, um projeto que torna possível concretizar sonhos, estruturar possibilidades, incentivar capacidades, de brasileiros e brasileiras, que recebem assim um carinho e uma orientação quE, com certeza, marcará suas vidas para o bem.
  



henrique macedo rosália calsavara e moises monteiro de melo neto set 17


OUTROS  TRABALHOS DO COLETIVO ESPERANÇA DE ÓCULOS

Peças que o grupo já levou à cena


O SOM DA ESPERANÇA, musical de Rosália Calsavara e Moisés Monteiro de Melo Neto



O SOM DA ESPERANÇA, musical de Rosália Calsavara e Moisés Monteiro de Melo Neto





Ensaio da peça O SOM DA ESPERANÇA, musical de Rosália Calsavara e Moisés Monteiro de Melo Neto. Destaque para a atriz Isabela Leão (vestido vermelho)




O cartaz da peça NATAL DA ESPERANÇA, UM AUTO DE FÉ: musical de Rosália Calsavara,  Moisés Monteiro de Melo Neto



NATAL DA ESPERANÇA, UM AUTO DE FÉ: musical de Rosália Calsavara,  Moisés Monteiro de Melo Neto



CARTAZ DA PEÇA e matéria no Jornal do Commercio(Recife-PE)  NATAL DA ESPERANÇA, UM AUTO DE FÉ: musical com direção do Professor Dr.  Moisés Monteiro de Melo Neto








 ENSAIO  DE O NATAL DA ESPERANÇA, UM AUTO DE FÉ: musical de Rosália Calsavara e Moisés Monteiro de Melo Neto




CARTAZ da peça Lembranças de Carnaval,  musical de Rosália Calsavara e  Moisés MONTEIRO DE MELO NETO






Sinopse da peça Lembranças de Carnaval,  musical de Rosália Calsavara e  Moisés Monteiro de Melo Neto. participação especial do bloco das flores (recife) Morro da Conceião compareceu feliz



Lembranças de Carnaval,  musical de Rosália Calsavara e  Moisés Monteiro de Melo Neto; na foto Rosália recebe do bloco um ramalhete de flores e  ambos agradecem a PARTICIPAÇÃO DO BLOCO DAS FLORES




Lembranças de Carnaval,  musical de Rosália Calsavara e  Moisés Monteiro de Melo Neto (matéria no Jornal do Commercio, Recife)






Cartaz da peça AVENTURAS DE UM PINGUIM NO BRASIL,  musical de Rosália Calsavara e  Moisés Monteiro de Melo Neto
ADRIANO CABRAL EM CENA da peça AVENTURAS
 DE UM PINGUIM NO BRASIL,  Musical de Rosália Calsavara e  Moisés Monteiro de Melo Neto


RAUL ELVIS EM CENA na peça AVENTURAAS DE UM PINGUIM NO BRASIL,  Musical de Rosália Calsavara e  Moisés Monteiro de Melo Neto





Olha pro céu, meu amor. Dirigindo o Musical estava o professor  Moisés Monteiro de Melo Neto



Ensaio  da peça Olha pro céu, meu amor. Musical de Moisés Neto Rosália Calsavara Na foto (camisa azul) está o professor  Moisés Monteiro de Melo Neto em ensaio com Músicos 



  Para marcar os 17 anos de sua consolidação como Organização Não – Governamental (ONG), a Moradia e Cidadania / Coordenação Pernambuco, criada e mantida pelos empregados da Caixa Econômica Federal, realizará a peça teatral Cosmos e o Menino Mágico, às 17h do dia do seu aniversário (25/09), na Universidade Caixa – Rua do Brum, nº 123. A trama será encenada pelo Coletivo Esperança de Óculos, que conta com a direção de Rosália Calsavara e Adriano Cabral, e com a atuação de Adriano Cabral e Raul Elvis. O texto da peça foi escrito por Moisés Neto e Rosália Calsavara. E eles prometem: “emocionar”.
     “Este texto é uma devida homenagem ao trabalho que a ONG Moradia e Cidadania vem desenvolvendo em PE, junto aos cidadãos sem recursos, apoiando-os e incentivando-os a realizarem seus sonhos”, explicou o escritor Moisés Neto.
     Ao longo dos anos, o elenco do “Esperança de Óculos” já protagonizou outros espetáculos junto à ONG Moradia e Cidadania: O Som da Esperança (2014), no teatro da Caixa Cultural; Natal da Esperança (2014), também na Caixa Cultural; Lembranças de Carnaval (2015), na comunidade da Macaxeira e Morro da Conceição; As aventuras de um Pinguim no Brasil (2015), na comunidade da Macaxeira; O Bem que Multiplica (2016), na Caixa Cultural e na Escolinha do Pilar; e Olha pra o Céu Meu Amor (2016), na Comunidade da Macaxeira.
      Todas as apresentações tiveram como tema a cidadania, e o objetivo de incentivar ou resgatar a auto-estima do público alvo da ONG: pessoas em vulnerabilidade social. O projeto de utilização do teatro para fins sociais beneficiou cerca de 2.200 pessoas, diretamente (aos projetos musicais que participaram das peças) e indiretamente (aos espectadores). Desta vez, a encenação se passará no ambiente Caixa. E terá um propósito: agradecer aos empregados – associados com uma boa história que sintetiza a corrente solidária que é a ONG Moradia e Cidadania, criada e mantida por eles.
     “Penso que a comemoração cultural lúdica do aniversário da ONG Moradia e Cidadania realizada pela coordenação Pernambuco, causará reflexão da situação de vulnerabilidade social e a percepção da importante missão da entidade no sentido de balizar a sua contribuição para continuar o combate à fome e à miséria”, explicou a coordenadora estadual da ONG Moradia e Cidadania – PE, Selda Cabral.


Moisés Neto, Selda Cabral, Rosália e Raul Elvis, na estreia de COSMOS E O MENINO MÁGICO



SERVIÇO: Espetáculo Teatral Cosmos e o Menino Mágico – Aniversário de 17 anos da ONG Moradia e Cidadania
QUANDO: Segunda feira – 25/09                                                                                
ONDE: Sala Nísia Floresta, Universidade Caixa – Rua do Brum, nº 123, Recife – PE.


OFICINA promovida pela ONG Moradia e Cidadania, com o PROF. DR. MOISÉS MONTEIRO DE MELO NETO sobre letra de música e história da poesia; com os meninos do grupo BATENDO NA LATA, no Alto José do Pinho, Recife Pernambuco

Cena da peça Cosmos e o Menino Mágico (Raul Elvis e Adriano Cabral)





"Determinação, coragem e autoconfiança são fatores decisivos para o sucesso. Não importa quais sejam os obstáculos e as dificuldades. Se estamos possuídos de uma inabalável determinação, conseguiremos superá-los. "
Dalai Lama.


Relendo o livro Arte e Ilusão, do historiador e teórico da arte Ernst Hans Gombrich

O livro tem o subtítulo Um estudo da psicologia da representação pictórica. É uma das grandes obras que se debruça sobre o estatuto da representação. Por que um desenho de uma pessoa é reconhecido como uma pessoa? Onde está esse semelhança? É “natural” que tanto quatro traços + um círculo quanto uma retrato de Dürer represente uma pessoa? o que é o estilo? Todas essas perguntas, outras questões e pontos de encontro em todas são respondidas por Gombrich.
O miolo do livro começou a tomar forma em 1956 no final dos anos 50 numa série de conferências sobre “The Visible World and the Language of Art”, e foi lançado alguns anos depois. A charge que abre a introdução é  ótima para ajudar a compreender o tipo de problema que Gombrich investiga. A surreal cena da aula com uma modelo posando com os membros e cabeça de lado é o pontapé inicial da discussão sobre os estilos de representação. Discute porque a arte egípcia representava os seres humanos daquele modo, o porquê da busca pelo “naturalismo” da representação das convenções da arte ocidental e o estabelecimento do impressionismo.
A estrutura do livro, além de prefácios, notas etc:
Introdução
A psicologia e o enigma do estilo
Primeira parte: Os limites da semelhança
I – Da luz à tinta
II – Verdade e estereótipo
Segunda parte: Função e forma
III – O poder de Pigmalião
IV – Reflexões sobre a revolução grega
V – Fórmula e experiência
Terceira parte: A participação do observador
VI – A imagem nas nuvens
VII – Condições de ilusão
VIII – Ambiguidades da terceira dimensão
Quarta parte: Invenção e descoberta
IX – A análise da visão na arte
X – O experimento da caricatura
XI – Da representação à expressão
O texto foi revisado várias vezes, pelas reedições por qual passou. O prefácio à sexta edição inglesa, de 2000, tem o subtítulo “Imagens e Sinais”. Nele, Gombrich reconhece a semiótica como ferramenta de análise aplicável ao escopo de problemas que observa, e chega a dizer que “todas as imagens são sinais, e a disciplina que deve estudá-las não é a psicologia da percepção – como eu acreditava -, mas a semiótica, a ciência dos sinais”.
Mas esse reconhecimento na verdade só engrandece o livro e o trabalho de Gombrich. Afinal, a primeira edição de Arte e Ilusão é da década de 50. Por um lado influenciou parte do trabalho de semioticistas que se dedicaram à imagem, por outro incorporou algumas de suas descobertas.
Apresento aqui um trecho do capítulo X. O experimento da caricatura:
O borrão de tinta é um evento aleatório; o modo como reagimos à ele é determinado pelo nosso passado. Ninguém poderia predizer onde se rasgaria o papel que produziu a máscara fantasmagórica de Picasso – o que importa é que ele a conservou. Deve ter sido igualmente difícil saber antecipadamente como a exata posição das sobrancelhas poderia afetar a expressão do hipopótamo de Thurber – o que importa é que ele soube ver isso e explorá-lo.”
Entre os outros livros de Gombrich dois também merecem destaque, apesar de não os ter lido inteiros. O primeiro é Meditações Sobre um Cavalinho de Pau. Este título, o mais legal de todos os títulos de livros do mundo, se refere ao ato pelo qual uma criança (ou adulto, sabe-se lá) transforma uma vassoura em um cavalo, numa brincadeira ou encenação. Esse processo guarda semelhanças com o processo pelo qual traços em um papel se transformam em “arte”.
O outro livro, um dos maiores sucessos mundiais da área, é o História da Arte. Utilizado em boa parte dos cursos da área de artes pelo mundo, a obra foi editada várias vezes em diversos formatos. Na introdução de Arte e Ilusão, o autor adverte que o livro pode ser consumido por qualquer pessoa, desde que com um conhecimento básico das principais fases dos estilos de representação, contidos em História da Arte.
Recomendo a leitura de artigos de um pesquisador do Poscóm/Ufba chamado Benjamim Picado. Conheci Gombrich ao frequentar seu grupo de pesquisa, o Grupo de Análise da Fotografia. Da revista Contemporanea, pode ser lido o artigo Das Funções Narrativas ao Aspectual nos Ícones Visuais: notas sobre modos de interpretar imagens (pdf), no vol. 4, n°2 da publicação, no qual discute as idéias de Roland Barthes, Umberto Eco, E. H. Gombrich etc.

segunda-feira, 11 de setembro de 2017

Com Ferreira Gullar ou sem... a vida bate!


Não se trata do poema e sim do homem
e sua vida mentida, ferida, a consentida
vida já ganha e já perdida e ganha

outra vez em sôfrego pulsar entre constelações
e embrulhos, entre engulhos.
Ó verdade, ó fome de vida!
O amor é difícil, mas pode luzir em qualquer ponto da cidade.
E estamos na cidade...
...sob as nuvens e entre as águas azuis.
A cidade. 
Recife...vista do alto,
com seus bairros e ruas e avenidas, a cidade
é o refúgio do homem, pertence a todos e a ninguém.
Mas vista de perto, revela o seu duro presente, sua
carnadura de pânico: as pessoas que vão e vêm
que entram e saem, que passam
sem rir, sem falar, entre apitos e gases. 
São pessoas que passam sem falar
e estão cheias de vozes
e ruínas . 
E passamos
carregados de flores sufocadas.
Mas, dentro, no coração,eu sei,
a vida bate. Subterraneamente,
a vida bate... clandestina esperança
misturada ao sal do mar
que me sustenta
esta tarde, debruçado à janela...


Ferreira Gullar e Moisés Monteiro de Melo Neto:
intertextualidades poéticas libertinas no Recife


Histórias de Teatro... Miguel Rovisco, dramaturgo português

As duas mortes de Miguel Rovisco

por Rui Gustavo

Foi premiado em 1987 como o melhor dramaturgo português. Recusou o dinheiro, protestou de corda ao pescoço e suicidou-se aos 27 anos. Morreu o homem e desapareceu a obra. E a memória?

O despertador tocou à hora do costume, ainda antes das cinco da manhã, ele fez a cama impecavelmente e saiu sozinho para o passeio habitual das madrugadas. Costumava percorrer as ruas de Lisboa ainda desertas porque gostava de ver “a beleza do fumo a evaporar”. Cinco horas depois, o telefone da casa das Amoreiras tocou e a mãe atendeu. “É da casa de Nuno Miguel Rovisco Garcia Pedroso? É para dizer que esse indivíduo se atirou à linha.”
Caía assim o pano sobre a vida de Miguel Rovisco, o último grande prodígio da dramaturgia portuguesa, considerado um génio por personalidades tão díspares como Mário Viegas ou Filipe La Féria. Matou-se na estação de comboios de Belém, a 3 de outubro de 1987. Tinha 27 anos, a idade mitificada do fim de vida de artistas como Jimi Hendrix e Jim Morrison, antes dele, Amy Winehouse ou Kurt Cobain depois. Quase nada resta dele, a obra é inacessível, a memória pública perdeu-se, resta um saco de plástico cheio de folhas.
Sobre os lençóis bem dobrados da cama feita deixou uma carta para a mãe em que garantia partir “tranquilo”, um envelope 200 contos (mil euros) para o sobrinho e afilhado bebé e um cartão escrito à mão para o ator e encenador Mário Viegas, o amigo “imensíssimo”. No bolso, levava a carteira com a identificação completa, a morada e o telefone de casa, um crucifixo e uma Bíblia que ficaria destruída no embate com o comboio. Este final sangrento não surpreendeu a família nem os poucos amigos do dramaturgo que tinha planeado matar-se antes dos 30 anos “num sábado chuvoso”. “Queria ser ele a decidir quando e como morreria”, explica a irmã, Graça Pedroso, na sala com vista para o Tejo junto ao Jardim da Estrela. “Conseguiu.”
O primeiro ato tinha sido encenado sete meses antes, em março de 1987, no foyer do Teatro Nacional Dona Maria II, em Lisboa. Miguel Rovisco, então um jovem completamente desconhecido, ganhou o Prémio Garrett para a melhor peça original de 1986, com “Trilogia Portuguesa”, que tinha escrito fechado no quarto de casa. O prémio foi atribuído por unanimidade por um júri nomeado pela Secretaria de Estado da Cultura. “Julgo que foi a primeira vez que isso aconteceu”, recorda Maria Manuel Pinto Barbosa, então chefe da divisão de teatro da SEC e a quem “Trilogia Portuguesa” seria dedicada quando foi editada em livro. “As pessoas concorriam anonimamente e quando fomos ver quem era o verdadeiro autor da peça ficámos a olhar uns para os outros. Quem é este Miguel Rovisco?” Duarte Barroso, alto funcionário da Secretaria de Estado, telefonou ao premiado, que foi chamado ao gabinete de Maria Manuel. “Lembro-me do ar de rapaz bem comportado, magro, de fato e gravata e muito educado. Não parecia nada surpreendido por ter ganhado. Tinha uma grande autoestima, quase arrogante. Disse que ia escrever mais umas peças e que depois se matava. Claro que não lhe liguei nenhuma. Falámos mais de uma hora e meia e ele disse que as mulheres é que costumavam confessar-se, mas que naquele caso tinha sido ele.”

O DIA DOS SORRISOS AMARELOS

No dia da entrega dos Prémios Garrett, os mais importantes do mundo teatral português, que consagraram, por exemplo, Eunice Muñoz como a melhor atriz daquele ano e Amélia Rey Colaço com o prémio carreira, Miguel Rovisco apareceu todo vestido de preto, descalço e com uma corda com um nó de enforcado à volta do pescoço. “Foi um choque”, lembra o encenador Norberto Barroca. “Imagine o ambiente solene e institucional, de Teatro Nacional, com governantes e grandes atores, era só sorrisos amarelos.” Recebeu o troféu das mãos da secretária de Estado da Cultura, Teresa Patrício Gouveia, beijou-lhe a mão solenemente e começou a discursar. “Nem só de snobismo e patine vive o teatro português”, proclamou o premiado perante o espanto geral. Aceitava o troféu, que ainda está guardado na casa de Graça Pedroso, mas recusava-se a receber os 300 contos (1500 euros) do prémio.
Na altura, era escriturário da Câmara de Lisboa e ganhava menos de 50 contos por mês. “A minha mãe estava presente e ficou danada. ‘Que horror. Fazer-me isto, quando sabe que sofro do coração’”, recorda a irmã. “Eu achei a maior graça.” Foi o marido, Alberto Mallaguerra, quem preparou o adereço principal. “O Nuno trouxe a corda e pediu-me para lhe fazer um nó de enforcado. Não disse para o que era, mas como já tinha falado em suicídio várias vezes, fiz um nó tosco que jamais funcionaria para se enforcar, mas para o efeito serviu.”
Protesto. Aceitou o troféu Garrett para o melhor dramaturgo, mas recusou os 300 contos do prémio. O protesto encenado no Teatro Nacional Dona Maria II seria o seu único grande êxito
Protesto. Aceitou o troféu Garrett para o melhor dramaturgo, mas recusou os 300 contos do prémio. O protesto encenado no Teatro Nacional Dona Maria II seria o seu único grande êxito
FOTO ARQUIVO GESCO
Na carta de recusa que enviou à Secretaria de Estado, Rovisco declarava: “Se tudo quanto o teatro português tem para me oferecer se resume a dinheiro, nesse caso não só nunca mais escreverei uma linha para os palcos como votarei ao silêncio das cinzas as obras dramáticas que em minha casa aguardam quem as leia.” Não cumpriu a ameaça (ainda escreveu mais peças e só queimou parte do espólio), mas nunca aceitou receber um centavo do Estado: “Onde estaria a virtude de uma ética que não primasse pela teimosia?”, perguntava-se na carta.
A razão da indisponibilidade (e da indisposição) era concreta: além dos 300 contos, o prémio previa que a obra fosse encenada na íntegra numa sala do Teatro Nacional. A trilogia de Rovisco — um conjunto de três peças históricas, “O Bicho”, sobre o Marquês de Pombal, “O Tempo Feminino”, sobre D. Maria I; e “A Infância de Leonor de Távora”, sobre a família chacinada pelo Marquês — tinha perto de seis horas, não poderia ser representada na íntegra como o autor queria e não foi programada para os meses seguintes à entrega do troféu, como também Rovisco pretendia. A peça seria encenada no início de 1988 por Norberto Barroca. Rovisco nunca a veria em palco.

VINTE PEÇAS EM TRÊS ANOS

Ainda sem ter qualquer peça encenada, o dramaturgo era notícia por causa do espetacular protesto e pela própria história de vida. Em três anos, entre 1984 e 1987, escreveu 20 peças, oito livros de poesia e romances que seriam reduzidos a cinzas. Era um funcionário burocrático da Câmara, cargo que só abandonou depois de ter recebido o Prémio Garrett para se poder dedicar “por inteiro” à escrita. Era conservador, católico, monárquico, não tinha qualquer curso superior (andou umas semanas em Direito, mas desistiu) e só se interessava por teatro histórico numa altura em que o teatro experimental estava em voga. “Faz falta um verdadeiro teatro nacional”, escreveu. “A História de Portugal está completamente esquecida, quer no nosso teatro quer na nossa televisão. E então passamos pela vergonha, chamo vergonha, de vermos excelentes trabalhos sobre personagens históricas inglesas.”
Apesar de nunca ter feito parte do “meio teatral” e de nem sequer ser espectador assíduo de teatro, o nome de Miguel Rovisco começou a ser falado entre atores e encenadores e foram editados três dos seus livros: “Trilogia Portuguesa”, “Retrato de Uma Família Portuguesa” e “A História de Tobias”, todos pelas Edições Rolim. Mário Viegas, que o considerava “um génio” pegou numa peça de outra trilogia então inédita, “Os Heróis” — “Um Homem para qualquer Pátria”, sobre a restauração da independência de 1640, e encenou-a no Teatro Experimental do Porto. Foi a única peça da sua autoria que Rovisco veria, a 10 de junho de 1986. “Odiou tudo”, conta Graça Pedroso. “A encenação e o Porto. Tudo.”
Numa das muitas cartas que trocou com Mário Viegas e que o ator, também já desaparecido, publicou na “Auto-photo Biografia (Não Autorizada)”, Rovisco avisa que “a carta lhe será de leitura desagradável, como está a ser escrevê-la”. Critica a encenação que transformou “uma farsa numa comédia” e pôs as pessoas “a rirem em vez de pensarem” e conta a história de um pintor que conseguiu que uma importante galeria “expusesse um quadro no lugar mais importante” do espaço mas estragou tudo quando “pendurou o quadro ao contrário”. Viegas resume a zanga num comentário manuscrito que também publicou na autobiografia: “O Rovisco não aguentou ver a sua peça em cena e bebia, bebia todas as noites. Perdão, Nuno.” Ainda assim, considerava “um crime não se publicar a sua obra” e confessava que a morte do amigo foi “um dos maiores choques” que sofreu. “Acho que o Rovisco estava apaixonado por mim, embora não tenha a menor prova que fosse homossexual.”

“NÃO QUEIRAS SER REI”

A peça esteve em cena durante uma edição do FITEI — Festival Internacional de Teatro de Expressão Ibérica, no Porto, e foi considerada um êxito. Miguel Rovisco seria então convidado para escrever o guião de uma serie de televisão, “Cobardias”, uma produção para a RTP que seria a última grande obra do autor e foi escrita em cerca de um mês. Contava a história de uma família, e principalmente das suas mulheres, ao longo de várias gerações. As personagens aparecem com 20, 40 e 60 anos. 13 episódios de 50 minutos cada escritos em 30 dias. O livro das Edições Ática está esgotado e é impossível de encontrar, a produtora da série faliu e a RTP não tem qualquer cópia da obra.
“Escreveu tudo nesta máquina”, diz Graça Pedroso a apontar para uma Hermes Baby em bom estado de conservação. “Até estes poemas que escreveu para o sobrinho.” E mostra uns pequenos dossiês de argolas feitos à mão com desenhos de animais e pequenos poemas. “O leão é rei. Nas cidades vive atrás das grades. Não queiras ser rei.”
“Conheci-o no primeiro dia de filmagens”, conta Carmen Dolores, protagonista de “Cobardias”. “Já o tinha visto no foyer do Dona Maria II quando foi aquele episódio extravagante da corda e lembro-me dos olhos grandes, muito impressionantes. Falámos muito, especialmente sobre o meu papel. Era muito bom. Acho que o escreveu a pensar na mãe”, conta a atriz, que ainda guarda dois livros do autor. “Depois de ele morrer, a mãe contactou-me e fui muitas vezes à casa deles. Ela queria que eu conhecesse o ambiente onde ele vivia.”
Rovisco viveu sempre com a mãe na casa do bairro das Amoreiras. A família tinha criadas internas, e casa outra na Ericeira. “Éramos de classe média alta”, descreve Graça. Nuno Miguel era um miúdo como os outros. “Éramos próximos, andávamos sempre com outros dois primos e ele esfolava os joelhos. Era muito rapazola. Só aos 16 anos é que começou a isolar-se. Passava o tempo a ler e a escrever e a ter alguns comportamentos extravagantes, como ir de roupão para a escola.” O fim da harmonia veio com o fim do casamento. “Os meus pais divorciaram-se, a minha mãe teve de começar a trabalhar e o meu irmão nunca aceitou muito bem a separação. Dava-se mal com o pai.” “O meu pai desejava galhardamente que eu fosse um menino e essa foi a única alegria que eu lhe dei. (Fi-lo sem querer)”, escreveu o próprio Rovisco na “Pequena Autobiografia” que acompanhava a edição do Teatro Dona Maria II da “Trilogia Portuguesa”.
Andou no Liceu Charles Lepierre, no Manuel da Maia e no Pedro Nunes. Falava francês e espanhol. E não se sabe muito bem de onde veio o amor pela literatura e pelo teatro. “Não tínhamos propriamente uma grande biblioteca e a única experiência de teatro acontecia no Natal, quando a minha avó nos fazia representar umas peças que ela própria escrevia”, explica Graça. Rovisco foi bom aluno, “sempre no quadro de honra”, mas apesar de ter notas suficientemente altas, não quis seguir um curso universitário. “Experimentou Filosofia e Direito, mas desistiu ao fim de um mês ou de uma semana, achava que eram todos burros.” Foi trabalhar para a Câmara, a atender pessoas e a receber projetos porque “queria o trabalho mais estúpido possível”.
“O ambiente que se criava à volta dele não era bom. Não sei se era culpa dele ou dos outros, mas havia uma energia estranha. Nunca percebi porquê”, conta Carmen Dolores. “Cobardias” é entregue ao realizador veterano Herlânder Peyroteo, que faz as alterações que julga necessárias. Rovisco discorda, discute e desaparece de cena. “Apareceu no ensaio e nunca mais o vimos”, conta Carmen Dolores. “Odiou tudo”, confirma a irmã.
Só vê um ou dois episódios. Na carta de despedida que deixou a Mário Viegas é bastante claro: “Meu imensíssimo Mário, nem tenho palavras para te agradecer tudo: os momentos teatrais mais bonitos — verdadeiramente dramáticos alguns —, os bons conselhos e a tua amizade constante. Bem que tu me dizias para eu não me meter com os tipos da televisão: alteraram tudo, nem respeito ao menos pelo começo e fim de cada episódio, é de fugir de péssimo.” Mário Viegas resume: “O Rovisco precipitou o seu suicídio ao ver a merda que o Herlânder Peyroteo fez da sua série.” Já depois de morto, Rovisco ganharia mais dois Garrett. Um para “História de Tobias” (melhor texto para a juventude) e outro para a “História de Uma Família Portuguesa (melhor texto original).

ESCRITO NA ÁGUA

O que Miguel Rovisco deixou “não ficou escrito na pedra”, mas sim “na água”. A metáfora é de José Mendes, jornalista do Expresso que escreveu em fevereiro de 88 sobre a segunda vida de Miguel Rovisco no palco do Dona Maria II. A encenação da “Trilogia Portuguesa” seria entregue a Norberto Barroca, convidado quando Rovisco ainda era vivo. “Já depois de ter aceitado o convite do diretor do teatro e quando quis reunir com o autor, soube pelo jornal que se suicidou”, escreveu o encenador num diário que faz parte de uma tese de doutoramento sobre Miguel Rovisco da professora da universidade de São Paulo, Virgínia de Jesus.
Rogério Paulo, um dos mais conceituados atores da época, foi escolhido para o papel de Marquês, o protagonista de “O Bicho”. “Foi muito difícil porque o Rovisco nem sempre respeitava o rigor histórico e o Rogério Paulo não percebia porquê. Por exemplo, porque é que se chamava Sebastião Júlio e não Sebastião José, como na realidade? Passava o tempo a dizer: isto não foi assim.” Norberto Barroca quis usar um leão enjaulado para a cena final da peça e chegou a trazer o animal para o teatro, o que provocou um motim “entre as senhoras do elenco”, lembra Barroca. “Ficaram com pena do animal e contra mim. Estragou um bocado o ambiente.” O leão não foi usado porque “na única noite que passou no teatro fartou-se de rugir (as feras rugem à noite) e teve de ser devolvido ao Jardim Zoológico”.
A peça estaria dois meses em cena e seria um êxito moderado de público e de crítica. “O Rovisco era um prodígio na escrita, mas não era um prodígio do teatro. Um dramaturgo tem de ver o que escreve em cena, para perceber o que funciona e o que não funciona e ele não teve tempo para isso”, explica Norberto Barroca, que não voltaria a encenar ou a ler uma peça de Rovisco. “Não tive essa curiosidade.”

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Família. Aos 5 anos com a irmã, Graça, e a mãe, Maria José. Miguel Rovisco viveu sempre com a mãe numa casa nas Amoreiras. Quando se matou, deixou-lhe uma carta a garantir que “partia tranquilo”. Escrevia tudo, cartas, peças e poemas numa máquina Hermes Baby que ainda está na posse da família. Os oito volumes de poesia que continuam por editar estiveram quase trinta anos à guarda da escritora Yvette K. Centeno. Agora estão nas mãos do poeta António Carlos Cortez
Miguel Rovisco viveu sempre com a mãe numa casa nas Amoreiras. Quando se matou, deixou-lhe uma carta a garantir que “partia tranquilo”. Escrevia tudo, cartas, peças e poemas numa máquina Hermes Baby que ainda está na posse da família. Os oito volumes de poesia que continuam por editar estiveram quase trinta anos à guarda da escritora Yvette K. Centeno. Agora estão nas mãos do poeta António Carlos Cortez

Carlos Avilez conheceu Miguel Rovisco sem o saber. “Estava a fazer o ‘Hamlet’, de Shakespeare, com o Carlos Daniel nos Jardins da Gulbenkian e havia lá umas pedras. Um dia, no final do espetáculo, o contrarregra trouxe um papel que alguém deixara em cima dessas pedras. Era uma carta muito bonita para o elenco e para o Carlos Daniel, um grande elogio ao espetáculo. Ficámos muito impressionados. Vinha assinado Miguel Rovisco, mas claro que ninguém sabia quem era. Quando foi aquele episódio da corda fiz a associação”, diz o encenador e diretor do Teatro Experimental de Cascais, que conheceu “mal” o dramaturgo. “Era uma pessoa muito estranha. Triste e isolado, de poucas palavras.” Avilez encenaria duas peças de Rovisco. “Lua Desconhecida”, em 1991, e “A História de Tobias”, em 2000. “Convidei a mãe e ela veio às duas peças. Achei-a muito marcada. Numa das vezes trouxe alguns inéditos, que tenho guardados no museu do teatro. São grandes textos. O Rovisco era um autor extraordinário, um grande dramaturgo, é difícil imaginar onde poderia ter chegado. Adorava encenar ‘Retrato de Uma Família Portuguesa’. Quem sabe um dia. O Rovisco continua por descobrir.” Avilez foi o último a dar-lhe vida. Ou quase.
Em 2011, o compositor Alexandre Delgado estreou a ópera “A Rainha Louca”, com textos de “O Tempo Feminino”, de Rovisco. “Nunca o conheci e o mais perto que estive dele foi quando fui ver a ‘Trilogia Portuguesa’ ao Teatro Nacional. Fiquei apaixonado. Adorei a peça e comprei logo o livro. Sabia que iria fazer algo com a história. O que arranjei dele, li. A morte, a história do baraço, é tudo tão teatral.” A ópera seria exibida no Centro Cultural de Belém, no Teatro de Almada e no Brasil. “Foi um êxito. Tivemos mais de cinco mil espectadores. E o texto é fantástico, inteligentíssimo. Trágico e cómico. Só tive de cortar. Envelheceu muito bem.” Então porque é que Rovisco desapareceu dos palcos? “Porque já não há companhias e as que existem não têm dinheiro para nada. O panorama teatral atual é catastrófico. Não é só o Rovisco que está esquecido, são todos os dramaturgos portugueses.” Maria Manuel Pinto Barbosa tentou ressuscitá-lo. Quando estava à frente da Lisboa 94 — Capital Europeia da Cultura, convidou Ricardo Pais, Luís Miguel Cintra e Filipe La Féria (que considerava Rovisco um génio por descobrir) para encenarem “Trilogia dos Heróis”, mas todos recusaram, por “falta de tempo”.
O nome de Rovisco ainda vive na sala de ensaio da escola de atores Impetus, em Lisboa, dirigida por Pedro Barão, amigo de adolescência do dramaturgo. “Quando o conheci tinha uns 13 ou 14 anos, ele era mais velho. Ia todos os dias à igreja e se o queríamos encontrar estava sempre na Igreja de Nossa Senhora de Fátima. Era muito amigo do padre Ponces de Carvalho.” Pedro Barão assistiu à leitura de muitas das peças. “Levava-nos a casa dele, um máximo de cinco ou seis pessoas, e fazia a leitura encenada, para ver o que funcionava ou não. Uma das razões que o levou a entrar na igreja era para poder ter palco e espectadores.” O tema do suicídio já era uma constante: “Estava sempre a falar disso e pouco tempo antes de se matar tentei convencê-lo a mudar de ideias, e não consegui. A última vez que o vi foi quando ele me virou as costas depois de mais uma discussão e eu tentei acertar-lhe com uma caneta. Falhei.”

A POESIA DE UM SACO DE PLÁSTICO

Quanto tempo dura um saco de plástico? Uns mil anos. O que António Carlos Cortez segura numa das mãos já tem 30. Lá dentro está um calhamaço de folhas datilografadas amarelecidas. Reconhece-se o estilo de letra da Hermes Baby na resma de folhas que o poeta e crítico não para de ler e remexer. “Foi a Yvette Centeno que me deu o saco. É o mesmo que lhe foi entregue quando o Rovisco morreu. Já o tenho há mais de um ano e não sei o que fazer com ele.”
Depois da morte de Rovisco, Yvette K. Centeno, escritora e professora universitária, recebeu das mãos de Duarte Barroso, o funcionário da Secretaria de Estado da Cultura que entretanto se tornara amigo do dramaturgo, um conjunto de oito volumes de poesia inédita de Miguel Rovisco com o título “Romance de Poesia”. Barroso morreria cedo e Yvette K. Centeno guardou o espólio durante estes 30 anos num saco de plástico de supermercado. Contactada pelo Expresso, prefere não falar e remete a história para o livro que escreveu, “Amores Secretos”, tão esgotado como os livros de Rovisco. “Recebi um mail dela muito simpático quando escrevi ‘O Nome Negro’. Trocámos mails durante um ano e deu-se o caso de eu ser professor de uma das netas dela. Um dia chamou-me lá a casa e disse-me: tenho o espólio do Rovisco. Se não conhece, devia conhecer. Estou a ir para velha e alguém tem de tomar conta disto e apresentá-lo a um editor”, conta António Carlos Cortez. “Tenho de mostrar isto à família e ter o acordo deles, não é? Isto é poesia muito boa e merece ser publicada. Veja esta: ‘Subi para o palco e uma luz de imensa crueldade incidiu-me no rosto. Por momentos estive tentado a fechar as pálpebras ou a fugir’.”