SELEÇÃO DE MOISÉS MONTEIRO DE MELO NETO
VÍCIO NA FALA (Oswald de Andrade)
Para dizerem milho dizem mio
Para melhor dizem mió
Para pior pió
Para telha dizem teia
Para telhado dizem teiado
E vão fazendo telhados
Para dizerem milho dizem mio
Para melhor dizem mió
Para pior pió
Para telha dizem teia
Para telhado dizem teiado
E vão fazendo telhados
No Prefácio
Interessantíssimo, Mário de Andrade parece fundar uma nova escola
literária: o Desvairismo, palavra
que nos faz lembrar a radical negação da razão da arte dadaísta. O verso-livre
(sem rima e sem métrica), “as palavras em liberdade”, associadas por analogia
ao invés de pelos recursos sintáticos tradicionais, a preferência pelos
substantivos e verbos em
Oswald idealizou os principais manifestos futuristas. Foi nacionalista
crítico. Rompeu com a estrutura dos romances tradicionais em seus romances Memórias Sentimentais de João Miramar e
Serafim Ponte Grande.
Usa capítulos curtos. Prosa e poesia se fundem, os fatos não seguem
ordem cronológica rígida, mistura níveis de linguagem (infantil, parodístico,
poético). Aproveitou os lugares comuns da linguagem cotidiana como convites,
bilhetes, cartas, anotações, discursos e deu outra roupagem.
Ao revelar os valores culturais do Brasil e seu povo fez uso de uma
linguagem bem espontânea:
Pronominais
Dê-me um cigarro
Diz a gramática
Do professor e do aluno
E do mulato sabido
Mas o bom negro e o bom
branco
Da Nação Brasileira
Dizem todos os dias
Deixa disso camarada
Me dá um cigarro.
Oswald propôs, em seus textos, descrever o país pela perspectiva cultural,
étnica e histórica (eis a proposta do manifesto antropofágico). Veja a
referência às três raças no texto abaixo, observe o destaque dado pelo autor à
formação étnica brasileira:
brasil (Oswald de
Andrade)
O Zé Pereira chegou de caravela
E preguntou pro guarani da mata virgem
— Sois cristão?
— Não. Sou bravo, sou forte, sou filho da Morte
Teterê Tetê Quizá Quizá Quecê!
Lá longe a onça resmungava Uu! ua! uu!
O negro zonzo saído da fornalha
Tomou a palavra e respondeu
— Sim pela graça de Deus
Canhém Babá Canhém Babá Cum Cum!
E fizeram o Carnaval
O Zé Pereira chegou de caravela
E preguntou pro guarani da mata virgem
— Sois cristão?
— Não. Sou bravo, sou forte, sou filho da Morte
Teterê Tetê Quizá Quizá Quecê!
Lá longe a onça resmungava Uu! ua! uu!
O negro zonzo saído da fornalha
Tomou a palavra e respondeu
— Sim pela graça de Deus
Canhém Babá Canhém Babá Cum Cum!
E fizeram o Carnaval
Lembre-se do Manifesto Pau-Brasil:
“O Carnaval no Rio é o acontecimento religioso da raça. Pau-Brasil.
Wagner submerge ante os cordões do Botafogo. Bárbaro e nosso a formação étnica
rica.”
Observe no poema Canto de
Regresso à Pátria uma paródia ao conhecido poema romântico Canção do Exílio:
Canto de Regresso à Pátria
“Minha terra tem palmares
Onde gorjeia o mar
Os passarinhos daqui
Não cantam como os de lá.
(...)
Não permita Deus que eu morra
Sem que eu volte pra São Paulo
Sem que eu veja a Rua 15
E o progresso de São Paulo.”
( Oswald de Andrade)
MÁRIO DE
ANDRADE (O Papa do Modernismo) – “Brasileiros, chegou a
hora de realizar o Brasil”.
Foi poeta, contista, romancista, crítico, folclorista, pesquisador de
música. Escritor fecundo da nossa literatura. Espírito crítico e determinado,
influenciou bastante no desenvolvimento do modernismo. Dosou bem vanguarda e tradição.
Deu lugar de destaque às pesquisas folclóricas.Criticou duramente a burguesia
paulista e a aristocracia. Integrou-se poeticamente à cidade de São Paulo –
terra natal. Demonstrou também interesse pela etnografia, antropologia,
psicologia.
Não foi tão radical como Oswald de Andrade. Sua obra é de grande
variedade temática.
OS CORTEJOS
Monotonias
das minhas retinas...Serpentinas de entes frementes a se desenrolar...
Todos os sempres das minhas visões! "Bon Giorno, caro."
Horríveis as cidades!
Vaidades e mais vaidades...
Nada de asas! Nada de poesia! Nada de alegria!
Oh! os tumultuários das ausências!
Paulicéia - a grande boca de mil dentes;
e os jorros dentre a língua trissulca
de pus e de mais pus de distinção...
Giram homens fracos, baixos, magros...
Serpentinas de entes frementes a se desenrolar...
Estes homens de São Paulo,
toso iguais e desiguais,
quando vivem dentro dos meus olhos tão ricos,
parecem-me uns macacos, uns macacos.
São Paulo sempre foi das suas mais importantes fontes temáticas. A
poesia de Mário segue duas direções: de um lado a poesia intimista e
introspectiva (serena ou conflitante); do outro, a poesia política de combate
às injustiças sociais (O Carro da
Miséria / Lira Paulistana – aqui aparece a meditação sobre o Tietê). Leia
alguns textos do autor
TEXTO A
PAISAGEM Nº 2 (fragmento)
“São Paulo é um palco de bailados russos.
Sarabandam a tísica, a ambição, as invejas, os
crimes
e também as apoteoses da ilusão...
Mas o Nijinsky sou eu!
E vem a morte, minha Karsavina!
Quá quá quá! Vamos dançar o Fox-trot da desesperança.
a rir, a rir dos nossos desiguais!”
TEXTO B
A MEDITAÇÃO SOBRE O TIETÊ
“Água do meu Tietê,
Onde me queres levar?
- Rio que entras pela terra
E que me afastas do mar...
É noite. E tudo é noite. Debaixo do arco admirável
Da ponte das bandeiras o rio
Murmura num banzeiro de
água pesada e oleosa...”
TEXTO C
Em O Poeta Come Amendoim, o
escritor se identifica com o Brasil (nacionalismo) pela linguagem.
“Brasil
amado não porque seja minha pátria,
Pátria é acaso de migrações e do pão-nosso onde Deus der...
Brasil que eu amo porque é o ritmo no meu braço aventuroso,
O gosto dos meus descansos,
O balanço das minhas cantigas amores e danças.
Brasil que eu sou porque é a minha expressão muito engraçada,
Porque é o meu sentimento pachorrento,
Porque é o meu jeito de ganhar dinheiro, de comer e de dormir.”
Pátria é acaso de migrações e do pão-nosso onde Deus der...
Brasil que eu amo porque é o ritmo no meu braço aventuroso,
O gosto dos meus descansos,
O balanço das minhas cantigas amores e danças.
Brasil que eu sou porque é a minha expressão muito engraçada,
Porque é o meu sentimento pachorrento,
Porque é o meu jeito de ganhar dinheiro, de comer e de dormir.”
POEMAS DE
MANUEL BANDEIRA
Cotovia
- Alô,
cotovia!
Aonde voaste,
Por onde andaste,
Que saudades me deixaste?
- Andei onde deu o vento.
Onde foi meu pensamento
Em sítios, que nunca viste,
De um país que não existe . . .
Voltei, te trouxe a alegria.
- Muito contas, cotovia!
E que outras terras distantes
Visitaste? Dize ao triste.
- Líbia ardente, Cítia fria,
Europa, França, Bahia . . .
- E esqueceste Pernambuco,
Distraída?
- Voei ao Recife, no Cais
Pousei na Rua da Aurora.
- Aurora da minha vida
Que os anos não trazem mais!
- [...]Voei ao Recife, e dos longes
Das distâncias, aonde alcança
Só a asa da cotovia,
- Do mais remoto e perempto
Dos teus dias de criança
Te trouxe a extinta esperança,
Trouxe a perdida alegria.
Aonde voaste,
Por onde andaste,
Que saudades me deixaste?
- Andei onde deu o vento.
Onde foi meu pensamento
Em sítios, que nunca viste,
De um país que não existe . . .
Voltei, te trouxe a alegria.
- Muito contas, cotovia!
E que outras terras distantes
Visitaste? Dize ao triste.
- Líbia ardente, Cítia fria,
Europa, França, Bahia . . .
- E esqueceste Pernambuco,
Distraída?
- Voei ao Recife, no Cais
Pousei na Rua da Aurora.
- Aurora da minha vida
Que os anos não trazem mais!
- [...]Voei ao Recife, e dos longes
Das distâncias, aonde alcança
Só a asa da cotovia,
- Do mais remoto e perempto
Dos teus dias de criança
Te trouxe a extinta esperança,
Trouxe a perdida alegria.
Evocação do
Recife
Recife
Não a Veneza americana
Não a Mauritsstad dos armadores das Índias Ocidentais
Não o Recife dos Mascates
Nem mesmo o Recife que aprendi a amar depois
- Recife das revoluções libertárias
Mas o Recife sem história nem literatura
Recife sem mais nada
Recife da minha infância
A rua da União onde eu brincava de chicote-queimado [...]De repente/ nos longos da noite/um sino
Uma pessoa grande dizia:
Fogo em Santo Antônio!
Outra contrariava: São José!
[...]Rua da União [...] Rua do Sol
[...]Atrás de casa ficava a Rua da Saudade[...]o cais da Rua da Aurora...
[...] o sertãozinho de Caxangá [...]Um dia eu vi uma moça nuinha no banho
Fiquei parado o coração batendo
Ela se riu/Foi o meu primeiro alumbramento
[...]Novenas/ Cavalhadas/ E eu me deitei no colo da menina e ela começou
a passar a mão nos meus cabelos
[...]A vida não me chegava pelos jornais nem pelos livros
Vinha da boca do povo na língua errada do povo/ Língua certa do povo
Porque ele é que fala gostoso o português do Brasil
Ao passo que nós
O que fazemos
É macaquear
A sintaxe lusíada [...]
Não a Veneza americana
Não a Mauritsstad dos armadores das Índias Ocidentais
Não o Recife dos Mascates
Nem mesmo o Recife que aprendi a amar depois
- Recife das revoluções libertárias
Mas o Recife sem história nem literatura
Recife sem mais nada
Recife da minha infância
A rua da União onde eu brincava de chicote-queimado [...]De repente/ nos longos da noite/um sino
Uma pessoa grande dizia:
Fogo em Santo Antônio!
Outra contrariava: São José!
[...]Rua da União [...] Rua do Sol
[...]Atrás de casa ficava a Rua da Saudade[...]o cais da Rua da Aurora...
[...] o sertãozinho de Caxangá [...]Um dia eu vi uma moça nuinha no banho
Fiquei parado o coração batendo
Ela se riu/Foi o meu primeiro alumbramento
[...]Novenas/ Cavalhadas/ E eu me deitei no colo da menina e ela começou
a passar a mão nos meus cabelos
[...]A vida não me chegava pelos jornais nem pelos livros
Vinha da boca do povo na língua errada do povo/ Língua certa do povo
Porque ele é que fala gostoso o português do Brasil
Ao passo que nós
O que fazemos
É macaquear
A sintaxe lusíada [...]
Vou-me Embora pra Pasárgada
Vou-me embora pra Pasárgada
Lá sou amigo do rei
Lá tenho a mulher que eu quero
Na cama que escolherei
[...]Aqui eu não sou feliz
Lá a existência é uma aventura
[...]E como farei ginástica
Andarei de bicicleta
Montarei em burro brabo
Subirei no pau-de-sebo
Tomarei banhos de mar!
E quando estiver cansado
Deito na beira do rio
Mando chamar a mãe-d'água
Pra me contar as histórias
Que no tempo de eu menino
[...]Em Pasárgada tem tudo
É outra civilização
Tem um processo seguro
De impedir a concepção
Tem telefone automático
Tem alcalóide à vontade
Tem prostitutas bonitas
Para a gente namorar
E quando eu estiver mais triste
Mas triste de não ter jeito
Quando de noite me der
Vontade de me matar
Lá sou amigo do rei
Terei a mulher que eu quero
Na cama que escolherei
Vou-me embora pra Pasárgada.
Vou-me embora pra Pasárgada
Lá sou amigo do rei
Lá tenho a mulher que eu quero
Na cama que escolherei
[...]Aqui eu não sou feliz
Lá a existência é uma aventura
[...]E como farei ginástica
Andarei de bicicleta
Montarei em burro brabo
Subirei no pau-de-sebo
Tomarei banhos de mar!
E quando estiver cansado
Deito na beira do rio
Mando chamar a mãe-d'água
Pra me contar as histórias
Que no tempo de eu menino
[...]Em Pasárgada tem tudo
É outra civilização
Tem um processo seguro
De impedir a concepção
Tem telefone automático
Tem alcalóide à vontade
Tem prostitutas bonitas
Para a gente namorar
E quando eu estiver mais triste
Mas triste de não ter jeito
Quando de noite me der
Vontade de me matar
Lá sou amigo do rei
Terei a mulher que eu quero
Na cama que escolherei
Vou-me embora pra Pasárgada.
ARTE DE AMAR
Se queres sentir a felicidade de amar, esquece a tua alma.
A alma é que estraga o amor.
Só em Deus ela pode encontrar satisfação.
Não noutra alma.
Só em Deus - ou fora do mundo.
As almas são incomunicáveis.
Deixa o teu corpo entender-se com outro corpo.
Porque os corpos se entendem, mas as almas não.
Se queres sentir a felicidade de amar, esquece a tua alma.
A alma é que estraga o amor.
Só em Deus ela pode encontrar satisfação.
Não noutra alma.
Só em Deus - ou fora do mundo.
As almas são incomunicáveis.
Deixa o teu corpo entender-se com outro corpo.
Porque os corpos se entendem, mas as almas não.
Poema Tirado
de uma Notícia de Jornal
João
Gostoso era carregador de feira livre e morava no morro da Babilônia num barracão
sem número
Uma noite ele chegou no bar Vinte de Novembro
Bebeu/ Cantou/Dançou
Depois se atirou na lagoa Rodrigo de Freitas e morreu afogado.
Uma noite ele chegou no bar Vinte de Novembro
Bebeu/ Cantou/Dançou
Depois se atirou na lagoa Rodrigo de Freitas e morreu afogado.
Pneumotórax
Febre,
hemoptise, dispneia e suores noturnos.
A vida inteira que podia ter sido e que não foi.
Tosse, tosse, tosse.
Mandou chamar o médico:
- Diga trinta e três.
- Trinta e três... trinta e três... trinta e três...
- Respire.
- O senhor tem uma escavação no pulmão esquerdo e o pulmão direito infiltrado.
- Então, doutor, não é possível tentar o pneumotórax?
- Não. A única coisa a fazer é tocar um tango argentino.
A vida inteira que podia ter sido e que não foi.
Tosse, tosse, tosse.
Mandou chamar o médico:
- Diga trinta e três.
- Trinta e três... trinta e três... trinta e três...
- Respire.
- O senhor tem uma escavação no pulmão esquerdo e o pulmão direito infiltrado.
- Então, doutor, não é possível tentar o pneumotórax?
- Não. A única coisa a fazer é tocar um tango argentino.
Teresa
A
primeira vez que vi Teresa
Achei que ela tinha pernas estúpidas
Achei também que a cara parecia uma perna
Quando vi Teresa de novo
Achei que os olhos eram muito mais velhos que o resto do corpo
(Os olhos nasceram e ficaram dez anos esperando que o resto do corpo nascesse)
Da terceira vez não vi mais nada
Os céus se misturaram com a terra
E o espírito de Deus voltou a se mover sobre a face das águas.
Achei que ela tinha pernas estúpidas
Achei também que a cara parecia uma perna
Quando vi Teresa de novo
Achei que os olhos eram muito mais velhos que o resto do corpo
(Os olhos nasceram e ficaram dez anos esperando que o resto do corpo nascesse)
Da terceira vez não vi mais nada
Os céus se misturaram com a terra
E o espírito de Deus voltou a se mover sobre a face das águas.
Poética
Estou farto do lirismo comedido
Do lirismo bem comportado
Do lirismo funcionário público com livro de ponto expediente
protocolo e manifestações de apreço ao sr. diretor.
Estou farto do lirismo que para e vai averiguar no dicionário
o cunho vernáculo de um vocábulo.
Abaixo os puristas [...]
Do lirismo bem comportado
Do lirismo funcionário público com livro de ponto expediente
protocolo e manifestações de apreço ao sr. diretor.
Estou farto do lirismo que para e vai averiguar no dicionário
o cunho vernáculo de um vocábulo.
Abaixo os puristas [...]
O Último Poema
Assim eu quereria meu último poema
Que fosse terno dizendo as coisas mais simples e menos intencionais
Que fosse ardente como um soluço sem lágrimas
Que tivesse a beleza das flores quase sem perfume
A pureza da chama em que se consomem os diamantes mais límpidos
A paixão dos suicidas que se matam sem explicação.
Que fosse terno dizendo as coisas mais simples e menos intencionais
Que fosse ardente como um soluço sem lágrimas
Que tivesse a beleza das flores quase sem perfume
A pureza da chama em que se consomem os diamantes mais límpidos
A paixão dos suicidas que se matam sem explicação.
Consoada
Quando a Indesejada das gentes chegar
(Não sei se dura ou caroável),
talvez eu tenha medo.
Talvez sorria, ou diga:
— Alô, iniludível!
O meu dia foi bom, pode a noite descer.
(A noite com os seus sortilégios.)
Encontrará lavrado o campo, a casa limpa,
A mesa posta,
Com cada coisa em seu lugar.
(Não sei se dura ou caroável),
talvez eu tenha medo.
Talvez sorria, ou diga:
— Alô, iniludível!
O meu dia foi bom, pode a noite descer.
(A noite com os seus sortilégios.)
Encontrará lavrado o campo, a casa limpa,
A mesa posta,
Com cada coisa em seu lugar.
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