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quinta-feira, 12 de março de 2015

O LEITOR, CÚMPLICE SECRETO


   Logo na primeira página de um livro de ficção, o leitor faz, com freqüência, um pacto secreto com as palavras: por alguns dias ou horas, ele finge que está lendo uma história que realmente aconteceu. É como se os personagens e o trançado de eventos que aparecem no tempo e no espaço da narrativa existissem, ao menos no momento da nossa adesão ao mundo imaginado. (...) Cada texto cria vários tipos de leitor: do mais ingênuo ao mais arguto, do que crê em tudo ao que desconfia de tudo. 


   Há os que se interessam apenas pela história ou trama, e nela esgotam outras possibilidades de interpretação. E há leitores que esquadrinham com olhos de lince todos os recantos e ângulos da arquitetura ficcional. O leitor que se configura no ato da leitura pode ter a liberdade de imaginar situações, traçar relações, preencher lacunas e desvelar sentidos ocultos. Pode, enfim, mediar, compreender, interpretar. Ao dialogar com o texto, o leitor pode aceitar ou recusar as regras do jogo lúdico de que
participa a ficção. De certo modo, o leitor torna-se cúmplice desse espelho deformador da realidade, que reflete e abre espaço à singularidade da literatura. O leitor é um cúmplice secreto que compartilha os segredos, os desregramentos, as fantasias, os delírios e as idéias do narrador, o outro que lhe sussurra nos ouvidos. O leitor participa desse ato de busca: sondagem de si mesmo e do outro, numa tentativa de elucidação do mundo.



(Milton Hatoum. Revista EntreLivros, Ano I, nº 8, p.26. Adaptado).

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