Logo na primeira página de um livro de ficção, o
leitor faz, com freqüência, um pacto secreto com as palavras: por alguns dias
ou horas, ele finge que está lendo uma história que realmente aconteceu. É como
se os personagens e o trançado de eventos que aparecem no tempo e no espaço da
narrativa existissem, ao menos no momento da nossa adesão ao mundo imaginado.
(...) Cada texto cria vários tipos de leitor: do mais ingênuo ao mais arguto,
do que crê em tudo ao que desconfia de tudo.
Há os que se interessam apenas
pela história ou trama, e nela esgotam outras possibilidades de interpretação.
E há leitores que esquadrinham com olhos de lince todos os recantos e ângulos
da arquitetura ficcional. O leitor que se configura no ato da leitura pode ter
a liberdade de imaginar situações, traçar relações, preencher lacunas e
desvelar sentidos ocultos. Pode, enfim, mediar, compreender, interpretar. Ao
dialogar com o texto, o leitor pode aceitar ou recusar as regras do jogo lúdico
de que
participa a ficção. De certo modo, o leitor torna-se
cúmplice desse espelho deformador da realidade, que reflete e abre espaço à
singularidade da literatura. O leitor é um cúmplice secreto que compartilha os
segredos, os desregramentos, as fantasias, os delírios e as idéias do narrador,
o outro que lhe sussurra nos ouvidos. O leitor participa desse ato de busca:
sondagem de si mesmo e do outro, numa tentativa de elucidação do mundo.
(Milton Hatoum. Revista EntreLivros, Ano I, nº
8, p.26. Adaptado).
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