Ontem, no Teatro Barreto Junior, Recife, o jornalista e ator Jomeri Pontes, a produtora, pesquisadora e atriz Mísia Coutinho, Moisés Monteiro de Melo Neto (Moisés Neto) e o ator do espetáculo A CEIA DOS CARDEAIS, de Júlio Dantas, Simbolismo Português(estreia). 24º JANEIRO DE GRANDES ESPETÁCULOS; produção Paulo de Castro. Bom teatro em Pernambuco.
Sobre o texto, comenta Eunice Azevedo: A estreia de um dos textos de maior êxito da dramaturgia portuguesa, A ceia dos cardeais, ocorreu no Teatro D. Amélia (hoje São Luiz), a 24 de março de 1902, original de Júlio Dantas foi encomendado pelo Visconde S. Luiz Braga e escrito propositadamente para a festa artística de João Rosa, tendo, posteriormente, conhecido grande sucesso com mais de 50 edições em português e várias traduções noutras línguas. Foi, também, representado um pouco por toda a Europa, bem como na América do Sul. A peça em um ato, escrita em verso alexandrino, é composta, essencialmente, por três grandes monólogos proferidos por três cardeais – um português, um francês e um espanhol – que, numa luxuosa sala do Vaticano setecentista, saboreiam uma riquíssima ceia e recordam os seus amores de mocidade. A peça em um ato, A ceia dos cardeais, foi redigida em 1902, por Júlio Dantas, “em versos alexandrinos de rima emparelhada” e compõe-se por pouco mais que três grandes monólogos que nos revelam as aventuras amorosas da juventude de três cardeais: o Cardeal Gonzaga de Castro, com oitenta e um anos, bispo de Albano e Camerlengo, de origem portuguesa; o Cardeal Rufo, com setenta e três anos, de origem espanhola, arcebispo de Ostia e deão do Sacro-colégio; e, por último, de proveniência gaulesa, o Cardeal Montmorency – o mais novo, com sessenta anos – bispo de Palestrina. Os três cardeais, reunidos numa luxuosa sala do Vaticano durante o papado de Bento XIV, no século XVIII, partilham uma ceia digna da riqueza do ambiente que os envolve: um faisão acompanhado de trufas, xerez e champanhe francês, tudo servido em baixelas de prata e ouro, comido em loiça de Sèvres. Os três episódios amorosos evocados no texto propunham-se como representativos do espírito dos países personificados por cada um dos cardeais. Assim, o primeiro monólogo, debitado pelo cardeal espanhol, era “colorido e pícaro”, demonstrando uma imagem estereotipada da “fanfarronice espanhola” ); o segundo, do Cardeal Montmorency, “[…] procura[va] corresponder à imagem convencional do espírito francês” , marcado pela galanteria; e, por último, o episódio amoroso da mocidade do cardeal português, que Dantas apresentava não apenas como representando o “sentimentalismo português” , mas também, e sobretudo, para com ele demonstrar que, de todos os sentimentos à mesa confessados, este seria o mais verdadeiro dos três. A peça, habilmente descrita por Joaquim Madureira como uma sucessão de “[…] três monólogos, sem ação, sem cor, ligados entre si por um faisão com trufas, sedas roçagantes de príncipes de Igreja, acordes ligeiros num cravo antigo, baixelas ricas e versos delambidos”Apesar de muito criticado e de ter sido considerado, décadas mais tarde, uma “[…] banalidade brilhante, lamentavelmente sobrecarregada de referências epocais […]”, por Jorge de Sena , este “[…] sentimentalismo piegas […]”, de Júlio Dantas conheceu na sua noite de estreia um grande êxito, não tanto pela peça em si, mas mais pela impressionante cenografia – ao cuidado do talentoso Augusto Pina – materializada a partir da detalhada didascália inicial do texto. Augusto Rosa – o Cardeal Montmorency – dá-nos uma ideia da magnificência do cenário ao recordar o subir do pano na noite de estreia: “[…] ouviu-se em toda a sala um sussurro admirativo. A scena estava ornamentada profusamente com autenticas e riquíssimas pratas, a mesa guarnecida com os melhores cristais e louças, o chão coberto de soberbos tapetes orientais. Eu trinchava um faisão a valer, […] os criados serviam vinhos e champagne Moët et Chandon, que não bebíamos” . Este verismo e opulência cenográfica do espetáculo tornaram necessária a presença noturna de agentes da polícia no teatro, para que ninguém caísse na tentação de furtar os riquíssimos adereços de cena.Foi precisamente este cenário – aliado ao elenco de topo –, causador de um forte impacto no público e imprensa de então, que contribuiu, em grande parte, para o êxito do espetáculo, uma vez que “[…] se não fosse a comedia, em verso, e não a representassem os três primeiros atores da companhia do D. Amélia, o sucesso seria diminuto, porque A Ceia dos Cardeais é, em boa verdade, um pouco longa para tão pequeno assunto” ). Todavia, este espetáculo foi, sem sombra de dúvida, o grande êxito da festa artística de João Rosa e “[os] aplausos a Júlio Dantas e aos seus intérpretes pareciam intermináveis; o pano subiu inúmeras vezes e tudo dir-se-ia envolto numa atmosfera de apoteose” Apesar das críticas negativas por parte de vários autores, como Joaquim Madureira, Fialho d’Almeida ou Teixeira de Carvalho, nem toda a imprensa recebeu A ceia dos cardeais com hostilidade. Recorde-se, a este propósito, a crítica de Jayme Victor: “A Ceia dos Cardeais é uma pequenina obra prima, é um ato em verso, alexandrinos primorosos, de um ritmo suavíssimo, de uma correção parnasiana, e de um colorido pujante, em que as meias tintas estão dispostas com uma arte superior, e as imagens ressaltam espontâneas, dando um relevo encantador à ideia poética que atravessa toda essa singelíssima ação”. A crítica ao trabalho de Júlio Dantas não se esgotou nos comentários à Ceia dos cardeais, nem sequer se restringiu apenas à sua produção literária. Júlio Dantas, o homem, foi, também, alvo de críticas corrosivas por parte do movimento modernista português, entre as quais se destaca o polêmico Manifesto Anti-Dantas e por extenso, de Almada Negreiros, que surgiu em 1915, no seguimento da estreia de Soror Mariana, a 21 de outubro desse mesmo ano, no Teatro do Ginásio. Esse manifesto atacou principalmente Júlio Dantas – mas não só – como símbolo de toda uma geração retrógrada, bem como do estagnado panorama literário português. Atualmente, a importância deste texto insere-se, quase exclusivamente, no domínio da arqueologia do teatro português, como nos recorda Luiz Francisco Rebello, ao referir que “ muito deste teatro, mesmo nos casos de maior apuro técnico ou literário, possui hoje um interesse apenas documental. Mas espelham-se nele os gostos e as preocupações de uma época”
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