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sábado, 1 de março de 2014

Brincantes do carnaval em Pernambuco




             Por Moisés Neto


Todo Carnaval é a mesma coisa: milhares e milhares de pessoas saem às ruas para expurgar suas mazelas, contagiadas por uma explosão de alegria, sensualidade e energia que parece não ter explicação. Mas, na verdade, tem. É remonta ao Brasil Colônia, quando os portugueses trouxeram para cá uma tradição europeia chamada entrudo, uma espécie de despedida dos prazeres da vida antes do período da quaresma.
Durante um outro período de três dias, a regra em aproveitar ao máximo tudo o que ficaria proibido durante a quaresma, especialmente a carne (no sentido literal e também no figurado, obviamente). Daí a origem da palavra carnaval do italiano carne vale, ou carne que vai. Um dos costumes da festa era jogar água e, mas tarde lima-de-cheiro, na famosa brincadeira de mela-mela, que perdurou por décadas.
Mas, até o enredo virar o Carnaval, muita coisa aconteceu. Devido à forte presença dos negros na colônia a festa foi sendo alterada como o tempo herdou da senzala ritmo e ironia. Tendo como álibi a ausência total de regras que caracterizava o período, os escravos começaram a trazer para as ruas manifestações religiosas e profanas típicas de seus países de origem, que eram proibidas em condições normais na vida colonial. E aproveitavam a festa também para ironizar de todas as formas os costumes de seus senhores, pintando os rostos de branco e vestindo-se como eles.
Dessas trelas é que teriam surgido, segundo vários historiadores, manifestações como o maracatu. ‘E da necessidade das senhoras e dos senhores curtirem o entrudo o Carnaval protegidos, surgiram os primeiros blocos’,  garante a música Gabriela Ataíde, que pesquisa o folclore carnavalesco.
Mais uma vez influenciada pelos costumes europeus, a festa incorporou no século 19, época do Brasil Império, o costume francês e italiano dos bailes carnavalescos, com representantes das classes mais altas usando máscaras e roupas elegantes. Outras heranças europeias foram as fantasias e os bonecos gigantes.
Barrado no baile, o povo continuava seus desfiles pelas ruas. Com o tempo, o prestígio dos bailes acabou decaindo e o Carnaval de rua ganhou um importante aliado: o automóvel. Institui-se a época dos corsos na folia momesca recifense, em que moças de família desfilavam suas fantasias e jogavam água por onde passavam, no trajeto que incluía a Rua Nova e a Rua da Imperatriz, entre outras.
Uma tradição originária da Europa, mais especificamente da Itália, é a la ursa chegou ao Brasil trazida por ciganos que vinham apresentar performances circenses no País. Nas horas vagas, para atrair a atenção de populares e conseguir algum dinheiro, esses grupos colocavam os animais para dançar. Atualmente, as apresentações contam com a presença de um caçador e um italiano, além do urso, todos com o mesmo objetivo: lucrar. É como diz a música de domínio público cantada pelos grupos: “A laursa quer dinheiro/ quem não der é pirangueiro”.
Já a tradição dos caboclinhos surgiu, conta-se, em 1897, quando o estivador Antônio da Costa fundou o primeiro grupo. Mas historiadores garantem que o costume foi disseminado entre os índios bem antes, pelo catolicismo, como uma forma de catequese. “A intenção era fazer com que os índios acreditassem em conceitos como ressurreição e vida após a morte”, diz Gabriela Apolônio, pesquisadora. Para isso, diz, eram criadas e encenadas histórias que invariavelmente tratavam de guerras entre tribos, morte e ressurreição dos guerreiros. Nas apresentações atuais, o costume é mantido pelo casal de caciques, que conduz a narrativa, acompanhados pelo porta-estandarte, à sua frente e seguidos por dois cordões de ‘índios’, vestidos com fantasias feitas de pêra de ema. Bastante coloridas, as roupas são compostas de tanga (e bustiê, para as meninas), atacas nos braços e pernas, além de grandes cocares adornando a cabeça. Nas mãos, os bailarinos carregam machadinhos e preacas de madeira, que marcam o rumo. Há também os caboclos de baque, que formam a banda, tocando flauta, tarol, surdos, chocalhos, caracaxá e zabumba.

 

Uma das mais recentes contribuições da cultura afro-brasileira ao Carnaval, o afoxé está ligado ao Candomblé da nação gueto, que até as décadas de 70 e 80 não tinha muita força em Pernambuco, segundo a pesquisadora Gabriela Apolônio. Traz bailarinos vestindo roupas que representam a indumentária de tribos africanas e também de santos e entidades cultuadas pela religião, além de uma banda composta quase que exclusivamente por percussão (atabaques).
Segundo o pesquisador Roberto Benjamim, assim como o afoxé, várias outras manifestações (de cunho religioso ou não) aproveitaram a folia generalizada dos dias momescos para sair, às ruas. Foi o caso, por exemplo, do bumba meu boi e dos pastoris, típicos do período natalino, e da ciranda, da época junina, que acabaram se rendendo à animação da festa.
“O Carnaval de Pernambuco tem sido o desaguadouro de folguedos de outros ciclos, que se desintegram de seus rituais de origem e vivem hoje reintepretados na festa aglutinante e plural”, diz Roberto Benjamim.
Uma das mais bonitas manifestações do Carnaval, reunindo música, dança e encenação, o maracatu é originário dos rituais de coroação dos reis negros, tradição mantida pelos escravos durante o período colonial. Alguns historiadores acreditam que esse ritual, ao contrário de vários outros da cultura africana, era estimulado pela Igreja Católica e pelos senhores de então, para evitar que os negros se rebelassem. “Cada paróquia regia uma determinada área da colônia e o costume era eleger um negro como líder de cada uma dessas freguesas para ‘comandar’ os demais”, conta a pesquisadora Gabriela Apolônio.
Depois da abolição, a coroação dos reis negros, realizada no ciclo de festejos de Nossa Senhora do Rosário, perdeu força. Mas não os desfiles, que acabaram ganhando o nome de maracatu, termo pejorativo criado pelos senhores e pela polícia da época que significava “reunião de pretos”.
A tradição não se perdeu com o tempo, mas se dividiu em duas correntes: a de baque solto ou rural e a de baque virado ou nação. A principal diferença entre as duas é a batida. “O rural, mais antigo e originário da Zona da Mata de Pernambuco, tem claras influências de outros ritmos e manifestações, como a Cambinda, também um cortejo real originário da festa dos reis negros”, diz Gabriela. Tem também forte ligação com a cultura canavieira.
A figura mais importante do maracatu de baque solto é o caboclo de lança, cuja missão é abrir caminho no meio da multidão. Eles vestem pesadas roupas bordadas manualmente com lantejoulas de todas as cores, chapéus com tiras de tecido ou plástico coloridas e carregam pesadas lanças também decoradas, além de chocalhos e badalos presos às costas.
Muitos levam também uma flor presa na boca e, para aguentar o ‘rojão’ das apresentações, alguns bebem uma mistura explosiva feita à base de cana e pólvora. Outras figuras que aparecem nesse maracatu são os caboclos de pena, as baianas, a dama da boneca e o mestre, a quem cabe puxar versos de improviso durante o desfile.
Já no maracatu nação há uma representação da corte africana, com rei, rainha, vassalos, delegado, capitão baianas e lanceiros. A percussão é mais pesada, com tambores e agogô. Entre os grupos mais antigos em atividade no Estado estão o rural Cruzeiro do Forte, de 1929, e os de baque virado Leão Coroado, com 150 anos, e Estrela Brilhante, de Igarassu, criado em 1824.
Rumo que virou sinônimo do Carnaval pernambucano, o frevo nasceu no meio da folia. Originário das marchinhas de Carnaval do século 19, surgiu nas ruas quando a disputa entre as agremiações e a animação dos foliões fizeram com que o compasso das marchas executadas nos desfiles fosse acelerado. A origem do nome teria vindo justamente daí, da efervescência da multidão. Mas isso foi só o começo. Com a contribuição de compositores como Capiba, o ritmo acabou ganhando, melodias mais elaboradas e letras inesquecíveis. Ganhou também as ruas e os bailes de Carnaval, além de muitas variações de rua, canção, de bloco.
As disputas entre as agremiações originou também os passos de frevo. “Era comum os blocos contratarem capoeiras para irem à frente, abrindo caminho”, conta Roberto Benjamim, pesquisador com vários estudos sobre o folclore brasileiro. Contagiados pela batida, eles acabaram transformando os golpes da luta em passos de dança. E o frevo nunca mais parou de animar o até hoje ‘fervido’ Carnaval do Estado.


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