Por Moisés Neto
Todo Carnaval é a mesma coisa:
milhares e milhares de pessoas saem às ruas para expurgar suas mazelas,
contagiadas por uma explosão de alegria, sensualidade e energia que parece não
ter explicação. Mas, na verdade, tem. É remonta ao Brasil Colônia, quando os
portugueses trouxeram para cá uma tradição europeia chamada entrudo, uma
espécie de despedida dos prazeres da vida antes do período da quaresma.
Durante um outro período de três dias,
a regra em aproveitar ao máximo tudo o que ficaria proibido durante a quaresma,
especialmente a carne (no sentido literal e também no figurado, obviamente).
Daí a origem da palavra carnaval do italiano carne vale, ou carne que
vai. Um dos costumes da festa era jogar água e, mas tarde lima-de-cheiro, na
famosa brincadeira de mela-mela, que perdurou por décadas.
Mas, até o enredo virar o Carnaval,
muita coisa aconteceu. Devido à forte presença dos negros na colônia a festa
foi sendo alterada como o tempo herdou da senzala ritmo e ironia. Tendo como
álibi a ausência total de regras que caracterizava o período, os escravos
começaram a trazer para as ruas manifestações religiosas e profanas típicas de
seus países de origem, que eram proibidas em condições normais na vida
colonial. E aproveitavam a festa também para ironizar de todas as formas os
costumes de seus senhores, pintando os rostos de branco e vestindo-se como
eles.
Dessas trelas é que teriam surgido,
segundo vários historiadores, manifestações como o maracatu. ‘E da necessidade
das senhoras e dos senhores curtirem o entrudo o Carnaval protegidos, surgiram
os primeiros blocos’, garante a música
Gabriela Ataíde, que pesquisa o folclore carnavalesco.
Mais uma vez influenciada pelos
costumes europeus, a festa incorporou no século 19, época do Brasil Império, o
costume francês e italiano dos bailes carnavalescos, com representantes das
classes mais altas usando máscaras e roupas elegantes. Outras heranças europeias
foram as fantasias e os bonecos gigantes.
Barrado no baile, o povo continuava
seus desfiles pelas ruas. Com o tempo, o prestígio dos bailes acabou decaindo e
o Carnaval de rua ganhou um importante aliado: o automóvel. Institui-se a época
dos corsos na folia momesca recifense, em que moças de família desfilavam suas
fantasias e jogavam água por onde passavam, no trajeto que incluía a Rua Nova e
a Rua da Imperatriz, entre outras.
Uma tradição originária da Europa,
mais especificamente da Itália, é a la ursa chegou ao Brasil trazida por
ciganos que vinham apresentar performances circenses no País. Nas horas vagas,
para atrair a atenção de populares e conseguir algum dinheiro, esses grupos
colocavam os animais para dançar. Atualmente, as apresentações contam com a
presença de um caçador e um italiano, além do urso, todos com o mesmo objetivo:
lucrar. É como diz a música de domínio público cantada pelos grupos: “A laursa
quer dinheiro/ quem não der é pirangueiro”.
Já a tradição dos caboclinhos surgiu,
conta-se, em 1897, quando o estivador Antônio da Costa fundou o primeiro grupo.
Mas historiadores garantem que o costume foi disseminado entre os índios bem
antes, pelo catolicismo, como uma forma de catequese. “A intenção era fazer com
que os índios acreditassem em conceitos como ressurreição e vida após a morte”,
diz Gabriela Apolônio, pesquisadora. Para isso, diz, eram criadas e encenadas
histórias que invariavelmente tratavam de guerras entre tribos, morte e
ressurreição dos guerreiros. Nas apresentações atuais, o costume é mantido pelo
casal de caciques, que conduz a narrativa, acompanhados pelo porta-estandarte,
à sua frente e seguidos por dois cordões de ‘índios’, vestidos com fantasias
feitas de pêra de ema. Bastante coloridas, as roupas são compostas de tanga (e
bustiê, para as meninas), atacas nos braços e pernas, além de grandes cocares
adornando a cabeça. Nas mãos, os bailarinos carregam machadinhos e preacas de
madeira, que marcam o rumo. Há também os caboclos de baque, que formam a banda,
tocando flauta, tarol, surdos, chocalhos, caracaxá e zabumba.
Uma das mais recentes contribuições da
cultura afro-brasileira ao Carnaval, o afoxé está ligado ao Candomblé da nação
gueto, que até as décadas de 70 e 80 não tinha muita força em Pernambuco,
segundo a pesquisadora Gabriela Apolônio. Traz bailarinos vestindo roupas que
representam a indumentária de tribos africanas e também de santos e entidades
cultuadas pela religião, além de uma banda composta quase que exclusivamente
por percussão (atabaques).
Segundo o pesquisador Roberto
Benjamim, assim como o afoxé, várias outras manifestações (de cunho religioso
ou não) aproveitaram a folia generalizada dos dias momescos para sair, às ruas.
Foi o caso, por exemplo, do bumba meu boi e dos pastoris, típicos do período
natalino, e da ciranda, da época junina, que acabaram se rendendo à animação da
festa.
“O Carnaval de Pernambuco tem sido o
desaguadouro de folguedos de outros ciclos, que se desintegram de seus rituais
de origem e vivem hoje reintepretados na festa aglutinante e plural”, diz
Roberto Benjamim.
Uma das mais bonitas manifestações do
Carnaval, reunindo música, dança e encenação, o maracatu é originário dos
rituais de coroação dos reis negros, tradição mantida pelos escravos durante o
período colonial. Alguns historiadores acreditam que esse ritual, ao contrário
de vários outros da cultura africana, era estimulado pela Igreja Católica e
pelos senhores de então, para evitar que os negros se rebelassem. “Cada
paróquia regia uma determinada área da colônia e o costume era eleger um negro
como líder de cada uma dessas freguesas para ‘comandar’ os demais”, conta a
pesquisadora Gabriela Apolônio.
Depois da abolição, a coroação dos
reis negros, realizada no ciclo de festejos de Nossa Senhora do Rosário, perdeu
força. Mas não os desfiles, que acabaram ganhando o nome de maracatu, termo
pejorativo criado pelos senhores e pela polícia da época que significava
“reunião de pretos”.
A tradição não se perdeu com o tempo,
mas se dividiu em duas correntes: a de baque solto ou rural e a de baque virado
ou nação. A principal diferença entre as duas é a batida. “O rural, mais antigo
e originário da Zona da Mata de Pernambuco, tem claras influências de outros
ritmos e manifestações, como a Cambinda, também um cortejo real originário da
festa dos reis negros”, diz Gabriela. Tem também forte ligação com a cultura
canavieira.
A figura mais importante do maracatu
de baque solto é o caboclo de lança, cuja missão é abrir caminho no meio da
multidão. Eles vestem pesadas roupas bordadas manualmente com lantejoulas de
todas as cores, chapéus com tiras de tecido ou plástico coloridas e carregam
pesadas lanças também decoradas, além de chocalhos e badalos presos às costas.
Muitos levam também uma flor presa na
boca e, para aguentar o ‘rojão’ das apresentações, alguns bebem uma mistura
explosiva feita à base de cana e pólvora. Outras figuras que aparecem nesse
maracatu são os caboclos de pena, as baianas, a dama da boneca e o mestre, a
quem cabe puxar versos de improviso durante o desfile.
Já no maracatu nação há uma
representação da corte africana, com rei, rainha, vassalos, delegado, capitão
baianas e lanceiros. A percussão é mais pesada, com tambores e agogô. Entre os
grupos mais antigos em atividade no Estado estão o rural Cruzeiro do Forte, de
1929, e os de baque virado Leão Coroado, com 150 anos, e Estrela Brilhante, de
Igarassu, criado em 1824.
Rumo que virou sinônimo do Carnaval
pernambucano, o frevo nasceu no meio da folia. Originário das marchinhas de
Carnaval do século 19, surgiu nas ruas quando a disputa entre as agremiações e
a animação dos foliões fizeram com que o compasso das marchas executadas nos
desfiles fosse acelerado. A origem do nome teria vindo justamente daí, da
efervescência da multidão. Mas isso foi só o começo. Com a contribuição de
compositores como Capiba, o ritmo acabou ganhando, melodias mais elaboradas e
letras inesquecíveis. Ganhou também as ruas e os bailes de Carnaval, além de
muitas variações de rua, canção, de bloco.
As disputas entre as agremiações
originou também os passos de frevo. “Era comum os blocos contratarem capoeiras
para irem à frente, abrindo caminho”, conta Roberto Benjamim, pesquisador com
vários estudos sobre o folclore brasileiro. Contagiados pela batida, eles
acabaram transformando os golpes da luta em passos de dança. E o frevo nunca
mais parou de animar o até hoje ‘fervido’ Carnaval do Estado.