Mychel
Arthur Martins França
(Universidade Estadual de Alagoas)
No
CORDEL DA COMPADECIDA 2, Moisés “continua” o enredo da peça de Ariano
Suassuna, que já tomara emprestado o(s) “mote” (s) a 3 cordéis nordestinos.
Desta vez João Grilo quer ajudar o amigo chico a se casar, mas o Diabo anda de
olho neles e vai colocar os dois em encrenca.
1 Agora vou lhe contar
Você já ouviu uma vez
Coisas da Compadecida
Mãe nossa, todos vocês
São coisas de chorar muito
De sorrir, também. Não crês?
2 Nós aqui temos certeza
De cordel, ouviu falar?
Livro bom, de toda gente
Dele não vou me afastar
Pois me deram a missão
Do livreto propagar
3 Inspiração é uma coisa
Que está em todo lugar
Difícil é corrigir
Tanto foieto apurar
Esse me veio de açoite
Num dia de festejar
4 Coisas da Compadecida
Disso eu vou escrever
Sobre um tal de Malasartes
Nordeste de num se crer
Começo logo dizendo
Um João Grilo pode ser
5 Mas né não assombração
O homi tornou a viver
Está aqui o número dois
Dessa história para ler
Depois que a Compadecida
Que a TV fez reviver
6 Eram três cordéis, então
Ariano assim juntou
Num tecido fabuloso
Que o paraibano criou
Vem aí uma homenagem
Três, primeiro, e o que findou
7 Digo logo, minha gente
Leia o que vem depois
É a tal Compadecida
Agora volume dois
Pensou que tinha acabado?
Se enganou, e apois?
8 Viche, vote, arrebite
Vou contar, o que veio após
De Malasarte à vida voltar
Grilo cê conhece, sem nós
O bicho mentia tanto
Era mais duro que nós
Moisés imaginou esse
cordel, segundo nos declarou, ao fazer compras no mercado. Chegando em casa
gravou tudo em áudio e no dia seguinte transcreveu e formatou o cordel. Levou a
2 repentistas que o escutaram com atenção e musicaram parte dele; tal encontro
se deu na Praça do Marco Zero do Recife.
No cordel SHERLOCK E O CÃO DOS
BASKERVILLES, o nosso cordelista enfatiza, mais uma vez o principal viés da
sua vasta obra cordelística: temas um tanto quanto inusitados na área. Desta
vez a literatura de língua inglesa, como fez com O Gato Preto, de Edgar
Allan Poe. Neste caso faz tributo a Doyle, analisando em cordel o romance mais
famoso do cultuado autor. Como sempre Moisés trabalha com sextilhas em
redondilha maior e rima nos versos pares. Notem como nas estrofes finais o
olhar do autor se acentua:
21 O detetive se escondeu
No pântano, que rebuliço
Era astúcia do biólogo
Ou mesmo um tal feitiço?
Proteger Henry do pior
Era esse o compromisso
22 Numa noite de lua e neblina
Tudo então se esclareceu
Biólogo mata homem errado
Aí se comprometeu
Amarrou sua mulher
E nela muito bateu
23 Atraiu Henry, pra matá-lo
O truque com o cão era tal
Pintou o bicho em fosforescente
Para aspecto fatal
assim tinha matado o tio
com o sobrinho seria igual
24 Sherlock frustrou-lhe os planos
Matando o cão danado
E o biólogo maluco
Ao fugir morre afogado
Mais um caso resolvido
e documento arquivado.
CORDEL DAS
FAMÍLIAS BELLI E MONTEIRO DE MELO, aqui o Prof. Dr. Moisés faz a biografia, retrata parte da sua árvore
genealógica, a raiz ítalo-indígena. Seu bisavô materno veio de Nápoles,
mascateou na Paraíba e enriqueceu a ponto de comprar uma ilha fluvial em
Cabedelo, tornar-se vice-cônsul, são histórias surpreendentes como a da tia
Carmela, que recebia espíritos, tocava piano na tal ilha, e também a do tio-avô
Osíris de Belli. Já o seu avô paterno, barbeiro, poeta e músico, era indígena;
iniciou Moisés na arte dos versos.
39 Vô Moisés me contava
Nas tardes em Sanharó
Aonde eu ia de trem
Nunca me sentia só
Chorava sozinho em criança
Não dar mais dor à mãe, no pó
40 Cresceu assim, vô Moisés
Músico, barbeiro e poeta
Colocava dedo pra cima
Parecia até profeta
Serás escritor, meu neto
Tens meu nome, tua meta
41 A mãe dele era uma índia
Maltratada na cidade
As esposas não gostavam dela
Impunham
autoridade
Moisés pagava o pato
Agregado e outridade
42 Quando pai Neco morreu
Duas casinhas, vô herdou
Bisavó e meu avô
Ela morreu, ele casou
Nasce meu pai, vó Elisa
Partiu, “sozinho” ficou
Atenção para o folheto MITO NO CORDEL, foi
feito a partir de um aluno da UNEAL, que desafiou Moisés para expor o que é
Mito. Em uma semana surgiu então mais um livrinho, desta vez expondo a visão do
nosso professor.
1 Mito vem do
grego mythós
narrativas fantásticas
explica a origem de tudo
palavrinhas
elásticas
no princípio era o
verbo
mas vem de artes
plásticas
2 Na cavernas se criou
mas ao ar livre
também
o que importa para
o povo
explica o mundo e o
além
que esse mundo é
assim
3 Grécia antiga,
muitos deuses
e também lá no
Egito
Já na Índia tinha
tantos
Que depois se chamou mito
Várias
interpretações
Aí inventaram o
rito
4 Sobre a origem do
mundo
Quis o homem
adivinhar
a natureza e os deuses
coisa assim de
arrepiar
Mitos nos ensinam
tanto
O problema é
decifrar!
Em A PELEJA DE CHICO SCIENCE E ARIANO SUASSUNA, Moisés, que foi aluno de Ariano e escreveu 3
livros sobre Science e o Movimento Mangue, trata de um encontro, que se deu na
FUNDARPE, órgão de cultura do Governo de Pernambuco. O encontro foi articulado
por um jornal local e Moisés transformou em peleja o embate entre o antagonista
Ariano, sempre conservador e genial, e o malungo beleza, que obteve estrondoso
sucesso e marcou os anos Recife na sua Manguetown. Ariano fundou o Movimento
Armorial, que zelava por nossas raízes, Science misturou cultura pernambucana
com o hip hop, para dizer o mínimo.
1 Diário
de Pernambuco
sexta-feira, num 13,pense
janeiro
de noventa e cinco
Moisés Monteiro de Melo Neto lê a entrevista com Science e Suassuna:
Armorial versus Movimento Mangue
deixo
aqui o suspense
encontrou-se
Ariano
com
nosso Chico Science
No CORDEL DO GATO PRETO, o autor faz
experiência com o ensino da literatura através do cordel, coisa que pratica
como professor universitário e já utilizava, ao lado do teatro como instrumento
de ensino, com desenvoltura, levando seus professorando a incorporarem novas
práticas didáticas. Notando o fascínio dos alunos por histórias de terror,
Moisés já adaptara à cena teatral o conto de Poe, desta vez, transpondo-o ao
cordel, suavizando o horror do feminicídio e do alcoolismo, acentuando o
fantástico e o sobrenatural.
1 Não espero e nem peço
que acreditem nessa história
é história muito estanha
sem honra tão pouco glória
Nem eu mesmo acredito
Então não conto vitória
2 Não é loucura nem sonho...
Não vou morrer sem
contar
Esta minha louca minha história!
A esposa dizia: pra me acalmar
meu espírito inquieto
cuidar da casa e esperar
3 O fantasma da obsessão...
pelo gato... o estranho animal
pela preta criatura
que consequência fatal
... os
acontecimentos... tortura
tortura.. me destruiu no final!
Em
CORDEL DO TERROR
ACADÊMICO, temos
novo desafio que Moisés enfrenta: falar do mundo teórico na carreira
universitária. Ele cita Morin (antropólogo, filósofo, pesquisador e professor universitário
francês conhecido por seus trabalhos sobre imaginário e mitologia), Maffesoli (sociólogo francês
conhecido sobretudo pela popularização do conceito de tribo urbana.),
Gilbert Durand (antropólogo, filósofo, pesquisador e professor universitário francês
conhecido por seus trabalhos sobre imaginário e mitologia), dentre outros. O resultado é um inusitado
olhar sobre a Universidade, fascínio centro de Liberdade a enfrentar a opressão
nos seus mais variados ambientes.
12 Que
coisa danada!
Detentores do poder
de um lado ou de outro
ser culto é ter quere?
Livre
arbítrio é assim?
Cada um sobreviver?
Por
fim temos o CORDEL DO TERROR EM PERNAMBUCO, um apanhado, em forma de
cordel, das mais misteriosas assombrações em Pernambuco: uma “viagem dantesca”
que o sujeito poético deste cordel faz guiado, como o florentino por Virgílio
em A Divina Comédia. Surgem figuras como o tal guia, o fantasma de um
judeu do bairro recifense da Boa Vista, local onde Moisés reside, uma sereia
misteriosa no cais do antigo porto da capital pernambucana, Comadre Florzinha,
o Papafigo, o espírito de um peculiar cangaceiro, a perna cabeluda, Biu do
Alicate e tantos outros malassombros.
13 Podia jurar que eu vi
ponte de Nassau a cruzar
O bicho e estátuas todas
Pareciam num dançar
tive que me benzer
não podia
acreditar
14 Ele apontou para mim
pensei, ia me
enfeitiçar.
Mas eu, já enfeitiçado,
Ele teve que parar
Disse: Escreva meu poema
Eu mal pude acreditar
15 Escreva meu poema,
poetize meu caminhar
correm musas no Recife
sereias, tritões a sussurrar
místicos do mundo inteiro
concentração
a girar.
16 É estranho ser poeta
escrever minha ficção
vá fazer, vou
orientar
Sussurrou-me Abraão
Disse eu era assinalado,
ele disse, ria não
17 Não ria, vou sugerir
Queremos
cérebro seu
Pra mensagem
transmitir
Eu disse, não sou judeu
ele riu, risada
estranha
também não sou
ateu
Como
vemos, a seara cordelística de Moisés Monteiro de Melo Neto é permeada por uma
peculiar visão do fazer literário. Que essa literatura in progress se
alastre iluminando, inspirando, fazendo crescer as letras no nosso país.
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