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sexta-feira, 8 de setembro de 2023

Novos cordéis de Moisés Monteiro de Melo Neto

 


Mychel Arthur Martins França

 (Universidade Estadual de Alagoas)

 

 

 No CORDEL DA COMPADECIDA 2, Moisés “continua” o enredo da peça de Ariano Suassuna, que já tomara emprestado o(s) “mote” (s) a 3 cordéis nordestinos. Desta vez João Grilo quer ajudar o amigo chico a se casar, mas o Diabo anda de olho neles e vai colocar os dois em encrenca.





1 Agora vou lhe contar

Você já ouviu uma vez

Coisas da Compadecida

Mãe nossa, todos vocês

São coisas de chorar muito

De sorrir, também. Não crês?

 

2 Nós aqui temos certeza

De cordel, ouviu falar?

Livro bom, de toda gente

Dele não vou me afastar

Pois me deram a missão

Do livreto propagar

 

3 Inspiração é uma coisa

Que está em todo lugar

Difícil é corrigir

Tanto foieto apurar

Esse me veio de açoite

Num dia de festejar

 

4 Coisas da Compadecida

Disso eu vou escrever

Sobre um tal de Malasartes

Nordeste de num se crer

Começo logo dizendo

Um João Grilo pode ser

 

5 Mas né não assombração

O homi tornou a viver

Está aqui o número dois

Dessa história para ler

Depois que a Compadecida

Que a TV fez reviver

 

6 Eram três cordéis, então

Ariano assim juntou

Num tecido fabuloso

Que o paraibano criou

Vem aí uma homenagem

Três, primeiro, e o que findou

 

7 Digo logo, minha gente

Leia o que vem depois

É a tal Compadecida

Agora volume dois

Pensou que tinha acabado?

Se enganou, e apois?

 

8 Viche, vote, arrebite

Vou contar, o que veio após

De Malasarte à vida voltar

Grilo cê conhece, sem nós

O bicho mentia tanto

Era mais duro que nós

 

Moisés imaginou esse cordel, segundo nos declarou, ao fazer compras no mercado. Chegando em casa gravou tudo em áudio e no dia seguinte transcreveu e formatou o cordel. Levou a 2 repentistas que o escutaram com atenção e musicaram parte dele; tal encontro se deu na Praça do Marco Zero do Recife.



  No cordel SHERLOCK E O CÃO DOS BASKERVILLES, o nosso cordelista enfatiza, mais uma vez o principal viés da sua vasta obra cordelística: temas um tanto quanto inusitados na área. Desta vez a literatura de língua inglesa, como fez com O Gato Preto, de Edgar Allan Poe. Neste caso faz tributo a Doyle, analisando em cordel o romance mais famoso do cultuado autor. Como sempre Moisés trabalha com sextilhas em redondilha maior e rima nos versos pares. Notem como nas estrofes finais o olhar do autor se acentua:

 

21 O detetive se escondeu

No pântano, que rebuliço

Era astúcia do biólogo

Ou mesmo um tal feitiço?

Proteger Henry do pior

Era esse o compromisso

 

22 Numa noite de lua e neblina

Tudo então se esclareceu

Biólogo mata homem errado

Aí se comprometeu

Amarrou sua mulher

E nela muito bateu

 

23 Atraiu Henry, pra matá-lo

O truque com o cão era tal

Pintou o bicho em fosforescente

Para aspecto fatal

assim tinha matado o tio

com o sobrinho seria igual

 

24 Sherlock frustrou-lhe os planos

Matando o cão danado

E o biólogo maluco

Ao fugir morre afogado

Mais um caso resolvido

e documento arquivado.

 

CORDEL DAS FAMÍLIAS BELLI E MONTEIRO DE MELO, aqui o Prof. Dr. Moisés faz a biografia, retrata parte da sua árvore genealógica, a raiz ítalo-indígena. Seu bisavô materno veio de Nápoles, mascateou na Paraíba e enriqueceu a ponto de comprar uma ilha fluvial em Cabedelo, tornar-se vice-cônsul, são histórias surpreendentes como a da tia Carmela, que recebia espíritos, tocava piano na tal ilha, e também a do tio-avô Osíris de Belli. Já o seu avô paterno, barbeiro, poeta e músico, era indígena; iniciou Moisés na arte dos versos.




39 Vô Moisés me contava

Nas tardes em Sanharó

Aonde eu ia de trem

Nunca me sentia só

Chorava sozinho em criança

Não dar mais dor à mãe, no pó

 

40 Cresceu assim, vô Moisés

Músico, barbeiro e poeta

Colocava dedo pra cima

Parecia até profeta

Serás escritor, meu neto

Tens meu nome, tua meta

 

41 A mãe dele era uma índia

Maltratada na cidade

As esposas não gostavam dela

 Impunham autoridade

Moisés pagava o pato

Agregado e outridade

 

42 Quando pai Neco morreu

Duas casinhas, vô herdou

Bisavó e meu avô

Ela morreu, ele casou

Nasce meu pai, vó Elisa

Partiu, “sozinho” ficou

 

Atenção para o folheto MITO NO CORDEL, foi feito a partir de um aluno da UNEAL, que desafiou Moisés para expor o que é Mito. Em uma semana surgiu então mais um livrinho, desta vez expondo a visão do nosso professor.



1 Mito vem do grego mythós

 narrativas fantásticas

 explica a origem de tudo

palavrinhas elásticas

no princípio era o verbo

mas vem de artes plásticas

 

2 Na cavernas se criou

mas ao ar  livre  também

o que importa para o povo

explica o mundo e o além

que esse mundo é assim

 

3 Grécia antiga, muitos deuses

e também lá no Egito

Já na Índia tinha tantos

 Que depois se chamou mito

Várias interpretações

Aí inventaram o rito

 

4 Sobre a origem do mundo

Quis o homem adivinhar

 a natureza e os deuses

coisa assim de arrepiar

Mitos nos ensinam tanto

O problema é decifrar!

 

 Em A PELEJA DE CHICO SCIENCE E ARIANO SUASSUNA, Moisés, que foi aluno de Ariano e escreveu 3 livros sobre Science e o Movimento Mangue, trata de um encontro, que se deu na FUNDARPE, órgão de cultura do Governo de Pernambuco. O encontro foi articulado por um jornal local e Moisés transformou em peleja o embate entre o antagonista Ariano, sempre conservador e genial, e o malungo beleza, que obteve estrondoso sucesso e marcou os anos Recife na sua Manguetown. Ariano fundou o Movimento Armorial, que zelava por nossas raízes, Science misturou cultura pernambucana com o hip hop, para dizer o mínimo.


1      Diário de Pernambuco

 sexta-feira, num 13,pense

janeiro de noventa e cinco

Moisés Monteiro de Melo Neto lê a entrevista com Science e Suassuna:
Armorial versus Movimento Mangue


deixo aqui o suspense

encontrou-se Ariano

com nosso Chico Science

 

 

No CORDEL DO GATO PRETO, o autor faz experiência com o ensino da literatura através do cordel, coisa que pratica como professor universitário e já utilizava, ao lado do teatro como instrumento de ensino, com desenvoltura, levando seus professorando a incorporarem novas práticas didáticas. Notando o fascínio dos alunos por histórias de terror, Moisés já adaptara à cena teatral o conto de Poe, desta vez, transpondo-o ao cordel, suavizando o horror do feminicídio e do alcoolismo, acentuando o fantástico e o sobrenatural.


1 Não espero e nem peço

que acreditem nessa história

é história muito estanha

sem honra tão pouco glória

Nem eu mesmo acredito

Então não conto vitória

 

2 Não é loucura nem sonho...

 Não vou morrer sem contar

Esta minha louca minha história!

A esposa dizia: pra me acalmar

meu espírito inquieto

cuidar da casa e esperar

 

3 O fantasma da obsessão...

 pelo  gato... o estranho animal

pela preta criatura

que  consequência fatal

... os  acontecimentos... tortura

 tortura.. me  destruiu no final!

 

 

Em CORDEL DO TERROR ACADÊMICO, temos novo desafio que Moisés enfrenta: falar do mundo teórico na carreira universitária. Ele cita Morin (antropólogo, filósofo, pesquisador e professor universitário francês conhecido por seus trabalhos sobre imaginário e mitologia), Maffesoli (sociólogo francês conhecido sobretudo pela popularização do conceito de tribo urbana.), Gilbert Durand (antropólogo, filósofo, pesquisador e professor universitário francês conhecido por seus trabalhos sobre imaginário e mitologia), dentre outros. O resultado é um inusitado olhar sobre a Universidade, fascínio centro de Liberdade a enfrentar a opressão nos seus mais variados ambientes.

12 Que coisa danada!

 Detentores do poder

 de um lado ou de outro

 ser culto é ter quere?

Livre arbítrio é assim?

 Cada um sobreviver?

 

Por fim temos o CORDEL DO TERROR EM PERNAMBUCO, um apanhado, em forma de cordel, das mais misteriosas assombrações em Pernambuco: uma “viagem dantesca” que o sujeito poético deste cordel faz guiado, como o florentino por Virgílio em A Divina Comédia. Surgem figuras como o tal guia, o fantasma de um judeu do bairro recifense da Boa Vista, local onde Moisés reside, uma sereia misteriosa no cais do antigo porto da capital pernambucana, Comadre Florzinha, o Papafigo, o espírito de um peculiar cangaceiro, a perna cabeluda, Biu do Alicate e tantos outros malassombros.

13 Podia jurar que eu vi

ponte de Nassau a cruzar

O bicho e estátuas todas

Pareciam num dançar

tive que me benzer

 não podia acreditar

 

14 Ele apontou para mim

 pensei, ia me enfeitiçar.

Mas eu, já enfeitiçado,

Ele teve que parar

Disse: Escreva meu poema

Eu mal pude acreditar

 

15  Escreva meu poema,

poetize meu caminhar

correm musas no Recife

sereias, tritões a sussurrar

místicos do mundo inteiro

   concentração a girar.

 

16 É estranho ser poeta

escrever minha ficção

 vá fazer, vou orientar

Sussurrou-me Abraão

Disse eu era assinalado,

ele disse, ria não

 

17 Não ria, vou sugerir

 Queremos cérebro seu

 Pra mensagem transmitir

Eu disse, não sou judeu

 ele riu, risada estranha

 também não sou ateu

 

Como vemos, a seara cordelística de Moisés Monteiro de Melo Neto é permeada por uma peculiar visão do fazer literário. Que essa literatura in progress se alastre iluminando, inspirando, fazendo crescer as letras no nosso país.

 

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