A
grande batalha contra os cânones clássicos travou-se em FRANÇA. Embora a
vitória fosse de duração breve, ela TEVE INFLUENCIA PROFUNDA SOBRE A
DRAMATURGIA MODERNA. Através da mediação de MADAME DE STAEL, as tendências
fundamentais do romantismo alemão foram transmitidas à França, há muito preparada
por desenvolvimentos próprios a receber o germe da rebeldia. Essa disposição
tornou possível o imenso êxito de uma companhia inglesa que, em 1827/28
apresentou SHAKESPEARE em Paris. O entusiasmo de VICTOR HUGO (1802 - 1885) foi
tamanho que chamou SHAKESPEARE "o maior criador depois de Deus". No
seu prefácio a Cromwell iria exclamar: "Em nome da verdade, todas as
regras são abolidas, sendo o artista senhor de escolher as convenções que lhe
aprouverem, a começar pela linguagem que poderá ser prosa ou verso." (A
tragédia clássica era toda em verso). ALFRED DE VIGNY (1797 - 1863) acompanha
esta proclamação; "Nada de unidades, nada de distinções entre os gêneros,
nada de estilo nobre".
Atores recifenses nos camarins da montagem de CLEÓPATRA (texto e direção do pernambucano Moisés Monteiro de Melo Neto, espetáculo cômico dramático, Teatro Valdemar de oliveira, 2012)
PREFÁCIO DE CROMWELL: DO GROTESCO
E DO SUBLIME
Recordando:
Oliver Cromwell foi o grande expoente da primeira revolução burguesa da idade
moderna, a Revolução Puritana na Inglaterra, ainda no século XVII. Lutando
contra o exército do rei, Cromwell e os "round heads" venceram o
movimento e impuseram uma república. Durante essa república - conhecida como o
"laboratório liberal" Inglês - houve grande desenvolvimento econômico
e a promulgação do Ato de Navegação, em que qualquer nação que quisesse
comercializar com a Inglaterra deveria usar os navios ingleses como transporte.
Vejamos em HUGO, Victor. Do grotesco e do Sublime. Tradução do
“Prefácio ao Cromwell”. Trad. Celia Berretini. Perspectiva, São Paulo, 1988:
— ...
se uma obra é boa ou má, pouco lhes importa sobre que ideias astá assentada,
com que espírito germinou. (p.13)
— Eis
o primeiro homem, eis o primeiro poeta. É jovem, é lírico. A prece é toda a sua
religião: a ode é toda a sua poesia. (p.17)
— Homero,
com efeito, domina a sociedade antiga. (p.18)
— ...
a expressão de uma semelhante civilização não pode ser senão a epopeia. (...)
Heródoto é um Homero. (p.18)
— Como
Aquiles que arrasta o corpo de Heitor, a tragédia grega gira em torno de Tróia.
(p.20)
— É
preciso abster-nos de lançar um olhar desdenhoso a esta época em que estava em
germe tudo o que depois frutificou, a este tempo cujos menores escritores, se
nos permitem uma expressão trivial, mas franca, serviram de esterco para a
ceifa que devia seguir-se. A Idade Média está enxertada no baixo império.
(p.24)
— Antigos
havia somente estudado a natureza sob uma única face, repelindo sem piedade da
arte quase tudo o que, no mundo submetido à sua imitação, não se referia a um
certo tipo de belo. ... O cristianismo conduz a poesia à verdade. ... a musa
moderna ... sentirá ... que o feio existe ao lado do belo, o disforme perto do
gracioso, o grotesco no reverso do sublime, o mal com o bem, a sombra com a
luz. ... se ... o meio de ser harmonioso é ser incompleto. ... a poesia dará um
grande passo, ... Ela se porá a fazer como a natureza, a misturar nas suas
criações, sem entretanto confundi-las, a sombra com a luz, o grotesco com o
sublime, ... o ponto de partida da religião é sempre o ponto de partida da
poesia. (p.24/25)
— ...
eis uma nova forma que se desenvolve na arte. Este tipo é o grotesco. Esta
forma é a comédia. (p.26)
— ...
acabamos de indicar o traço característico, ... a literatura romântica da
literatura clássica. (p.26)
— ...
é da fecunda união do tipo grotesco com o tipo sublime que nasce o gênio
moderno, (p.27)
— ...
o grotesco tem um papel imenso ... de um lado, cria o disforme, e o horrível;
do outro, o cômico e o bufo. (p.28/29)
— E
como é livre e franco no seu andar! (p.29)
— O
gênio moderno ... transforma os gigantes em anões; dos cíclopes faz os gnomos.
... Certamente, as eumênides gregas são bem menos horríveis, e, como
consequência, bem menos verdadeiras que as feiticeiras de Macbeth. Plutão
não é o diabo. (p.30)
— ...
como objetivo junto do sublime, como meio de contraste, o grotesco é, ... a
mais rica fonte que a natureza pode abrir à arte. ... o grotesco é um tempo de
parada, um termo de comparação, um ponto de partida de onde nos elevamos para o
belo com uma percepção mais fresca e mais excitada. (p.31
— Quando
a arte é consequente com ela mesma, leva de maneira bem mais segura cada coisa para
seu fim. (p.31)
— ...
o grotesco, ... na poesia nova, enquanto o sublime representará a alma tal qual
ela é, purificada pela moral cristã, ele representará o papel da besta humana.
... O belo tem somente um tipo; o feio tem mil. ... o belo, ... é ... a forma
considerada na sua mais simples relação, ... o feio, ... é um pormenor de um
grande conjunto que nos escapa, e que se harmoniza, não com o homem, mas com
toda a criação. (p.32/33)
— ...
arquitetura que, na Idade Média, ocupa o lugar de todas as artes. (p.34)
— É
verdade dizer que, na época em que acabamos de deter-nos, a predominância do
grotesco sobre o sublime, nas letras, está vivamente marcada. (p.36)
— Shakespeare,
é o drama; e o drama, que funde sob um mesmo alento o grotesco e o sublime, ...
o drama é o caráter próprio da terceira época de poesia, da literatura atual.
(p.36/37)
— ...
para resumirmos ... a poesia tem três idades, das quais cada uma corresponde a
uma época da sociedade: a ode, a epopeia e o drama. Os tempos primitivos são
líricos, os tempos antigos são épicos, os tempos modernos são dramáticos. A ode
canta a eternidade, a epopeia soleniza a história, o drama pinta a vida. O
caráter da primeira poesia é a ingenuidade, o caráter da Segunda é a
simplicidade, o caráter da terceira, a verdade. Os rapsodos marcam a transição
dos poetas líricos aos poetas épicos, como os romancistas, dos poetas épicos
aos poetas dramáticos. Os historiadores nascem com a segunda época; os
cronistas e os críticos com a terceira. As personagens da ode são colossos: ...
os da epopeia são gigantes: ... os do drama são homens. A ode vive do ideal, a
epopeia do grandioso, o drama do real. Enfim, esta tripla poesia provém de três
grandes fontes: a bíblia, Homero, Shakespeare. (p.37)
— A
sociedade, com efeito, começa por cantar o que sonha, depois canta o que faz, e
enfim se põe a pintar o que pensa. (p.38)
— ...
tudo, na natureza e na vida, passa por estas três fases, do lírico, do épico e
do dramático, (p.38)
— Há
tudo em tudo; só que existe em cada coisa um elemento gerador ao qual se
subordinam todos os outros, e que impõe ao conjunto seu caráter próprio. (p.39)
— É,
pois, no drama que tudo vem dar, na poesia moderna. (p.40)
— Do
dia em que o cristianismo disse ao homem: “Você é duplo, ... desde esse dia foi
criado o drama. (p.41/42)
— Porque
a verdadeira poesia, a poesia completa, está na harmonia dos contrários. ...
tudo o que está na natureza está na arte. (p.42)
— ...
do grotesco aliado ao sublime, ... na poesia dos povos cristãos, o primeiro
destes dois tipos representa a fera humana, o segundo a alma. (...) Os dois
tipos assim isolados (...) ir-se-ão cada um por seu lado, deixando entre eles o
real, (...) depois destas abstrações, restará alguma coisa a representar: o homem.
Depois destas tragédias e comédias, alguma coisa a fazer: o drama. (p.43)
— “Do
sublime ao ridículo há apenas um passo” (...) este grito de angústia é o resumo
do drama e da vida. (p.44/45)
— É,
pois, o grotesco uma das supremas belezas do drama. (p.45)
— ...
a localidade exata é um dos primeiros elementos da realidade. (p.48)
— A
unidade de tempo não é mais sólida que a unidade de lugar. (...) Cruzar a
unidade de tempo com a unidade de lugar como as barras de uma prisão, e aí
fazer entrar pedantescamente, em nome de Aristóteles, todos estes fatos, todos
estes povos, todas estas figuras que a providência desenrola em tão grandes
massas na realidade! É mutilar homens e coisas; é caretear a história. (p.49)
— ...
ação. (...) é ela que marca o ponto de vista do drama. (p.50)
— Repete-se
entretanto, e repetir-se-á algum tempo ainda, sem dúvida: — Sigam as regras!
Imitem os modelos! Foram as regras que formaram os modelos! — Um momento! Há
neste caso duas espécies de modelos, os que fizeram segundo as regras, e, antes
deles, os que segundo os quais, se fizeram as regras. Ora, em qual destas duas
categorias o gênio deve procurar um lugar? Ainda que seja sempre duro estar em
contato com os pedantes, não vale mil vezes mais dar-lhes lições que deles
receber? E depois, imitar? O reflexo vale como a luz? O satélite que se arrasta
sem cessar no mesmo círculo vale como o astro central e gerador? Com toda a sua
poesia, Virgílio é apenas a lua de Homero. (p.55)
— A
arte não conta com a mediocridade. (...) a mediocridade não existe para ela.
(p.56)
— O
poeta, (...) não deve, pois, pedir conselho senão à natureza, à verdade, e à
inspiração, que é também uma verdade e uma natureza. (p.57)
— ...
o limite intransponível (...) separa a realidade segundo a arte da realidade
segundo a natureza. (...) a verdade da arte não poderia jamais ser, (...) a
realidade absoluta. A arte não pode representar a própria coisa. [signo]
(p.59/60)
— ...
o domínio da arte e o da natureza são perfeitamente diferentes. (p.60)
— ...
o drama é um espelho em que se reflete a natureza. (...) É, pois, preciso que o
drama seja um espelho de concentração que, longe de enfraquecê-los, reuna e
condense os raios corantes, que faça de um vislumbre uma luz, de um luz uma
chama. Só então o drama é arte. (p.61)
— ...
a finalidade da arte é quase divina: ressuscitar, se trata da história: criar,
se trata da poesia. (p.61)
— A
cor local não deve estar na superfície do drama, mas no fundo, no próprio
coração da obra, (p.62)
— O
verso é a forma ótica do pensamento. (p.68)
— ...
rima, esta escrava rainha, (p.69)
— A
categoria de uma obra deve ser fixada não segundo sua forma, mas segundo seu
valor intrínseco. (p.71)
— Não
se fixa uma língua. (p.71)Os defeitos, pelo menos o que assim nomeamos, são
frequentemente a condição nativa, necessária, fatal, das qualidades. (p.87)
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