por
Moisés Monteiro de Melo Neto*
Tenho
dez anos, acabei de cruzar a ponte de ferro (feita com trilhos de trem?) que
liga a rua da Imperatriz à rua Nova, Recife. É uma tarde chuvosa e eu venho do
dentista, como recompensa me levaram à minha sorveteria favorita: Confiança (que também era uma fábrica de
biscoitos, na rua da Imperatriz); ao dobrar à esquerda em direção à Praça
Joaquim Nabuco, onde tomaríamos o ônibus para Boa Viagem, onde eu morava,
paramos numa banca de revista; enquanto a pessoa que estava comigo escolhia uma
revista eu fixei meu olhar sobre um livro com capa verde limão, havia seis
letras douradas que me chamaram a atenção. Abri-o.
Moisés Monteiro de Melo Neto, como Hamlet
Li a palavra ESPECTRO, perguntei o que significava e
me disseram: fantasma. Pedi o livro e a pessoa que estava comigo comprou para
mim. Começou assim o meu envolvimento com Shakespeare. A peça era HAMLET, que eu interpretaria durante
dois anos, algum tempo depois, dirigido por Paulo Falcão e pelo argentino
Alberto Gieco. Tragédia maior, em vários sentidos. Sonho de uma noite de verão foi outra peça que acompanhei uma
montagem luxuosa bem de perto; dirigida por Antônio Cadengue, tendo Susana
Costa como Titânia, Buarque de Aquino como Oberon e Augusta Ferraz como Puck
(na época fazíamos parte do grupo Ilusionistas). Também interpretei Mercúcio,
personagem de Romeu e Julieta (numa
adaptação de Rubem Rocha Filho, dirigida por José Francisco Filho). Aos quinze
anos ganhei a obra completa de Shakespeare, presente de um primo mais velho, da
nossa família, os Belli. Com prazer devorei peça por peça. Depois desta
maratona eu nunca mais fui o mesmo. Faz 400 anos que William Shakespeare
morreu, mas continua a perseguir com carinho todos os atores, diretores e
muitos autores. Nascido na bucólica
Strattford-upon-Avon, em 1564, antes de expressar-se através da criação
literária, foi ator (um crítico o chamou de “corvo arrogante”, ao tratar de uma interpretação
sua no palco;
lembro aqui do conselho de Hamlet aos
atores: “que a discrição te sirva de
guia; acomoda o gesto à palavra e a palavra ao gesto, tendo sempre em mira não
ultrapassar a modéstia da natureza, porque o exagero é contrário aos propósitos
da representação, cuja finalidade sempre foi, e continuará sendo, como que
apresentar o espelho à natureza, mostrar à virtude suas próprias feições, à
ignomínia sua imagem e ao corpo e idade do tempo a impressão de sua
forma”) e a seguir o mais influente dramaturgo do mundo,
cujas 38 peças são exemplo quase ímpar
da capacidade humana na escrita. Seu pai, John Shakespeare, afirma-se que era um
comerciante chegou a prefeito da sua cidade natal. Sua mãe, Mary Arden, vem de
uma família de proprietários de terras. Teve sete irmãos. Criou-se católico,
mas só em um soneto ou dois ele ousa defender, ou pelo menos citar, os
companheiro sufocados pela rigidez da Igreja Anglicana. Casou-se com Anne
Hathaway e geraram: Susanna e dois filhos gêmeos, um chamava-se Hamnet (quase
Hamlet, teve má sorte, morreu aos 11, longe do pai que estava em Londres). Parece,
especulações novamente, que o jovem artista, fugiu com uma trupe de teatro (muitos
deles visitavam a cidade de Shakespeare); Quando em 1592, fecharam os teatros, por
causa da peste, ele se dedicou aos
poemas líricos Vênus e Adônis e O Rapto de Lucrécia.
Logo depois construiu o Globe Theatre (sucesso por 15 anos,
mas em 1613, na peça Henrique VIII, pegou fogo e virou cinzas; foi reconstruído,
mas depois foi demolido em 1644. Em 1997, o projeto do americano Sam
Wanamaker (morreu em 1993), de reconstrução dessa famosa casa de espetáculos,
perto do lugar onde ficava o primeiro Globe, trouxe de volta um pouco do antigo
fascínio deste Teatro.
Além de ator e escritor, ele foi sócio da Lord
Chamberlain´s Men (ou King´s Men,
o que já dá o tom da sua gratidão aos nobres que o apoiavam, não é?).
Sobre sua vida sabemos pouco, embora haja uma enxurrada de livros sobre sua produção e até a lenda sobre a autoria de parte dos seus textos. Estudou até os 7, retornou até os 11. Conheceu , ainda adolescente o teatro e se apaixonou, foi para Londres e cavou seu caminho quase até o topo. Christopher Marlowe (teria sido ele, que forjara a própria morte e escrevia tudo de Shakespeare?) estava no seu caminho; Thomas Kyd e outros protegidos da rainha. Mas ele chegou até Elizabeth; o resto se mistura com lenda, o que é ótimo, para quem curte a produção deste bardo. Suas comédias, dramas históricos, tragédias (Macbeth, Rei Lear, Otelo) são jóias de valor incalculável. Da sua forte herança latina brotaram as tragicomédias ou romances. Teve a glória em vida, mas acho que nem no sonho mais louco imaginou até aonde iriam as projeções da sua sombra e da sua luz. O Mercador de Veneza, A Comédia dos Erros, Os dois fidalgos de Verona, Muito barulho por nada, Noite de reis, Medida por medida, Conto do Inverno, Cimbelino, Megera Domada, A Tempestade, Tito Andrônico, Romeu e Julieta, Julio César, Antônio e Cleópatra, Coriolano, Timon de Atenas, Henrique IV, Ricardo III, Henrique V e outras peças como Henrique VIII, fascinam com sua genialidade enigmática sublime; 400 anos depois do desaparecimento físico do misterioso bardo inglês, que tratou tão apropriadamente temas tão fortes, com um colorido (forma e conteúdo) tão cheio de som, riso, siso e fúria da alma humana, ainda dá muito o que falar. Uma vez, em Londres, eu parei diante da estátua dele no Museu de cera de Madame Tussaud e me perguntei: qual seria a figura exata de Shakespeare? Há tantas representações diferentes dele. Voltei no tempo, ao dia em que ganhei aquele Hamlet, e o li numa noite cheia de chuva, relâmpagos, trovões, ventos uivantes, próximo ao mar de Boa Viagem.
Moisés Monteiro de Melo Neto como Ricardo III, de Shakespeare
Sobre sua vida sabemos pouco, embora haja uma enxurrada de livros sobre sua produção e até a lenda sobre a autoria de parte dos seus textos. Estudou até os 7, retornou até os 11. Conheceu , ainda adolescente o teatro e se apaixonou, foi para Londres e cavou seu caminho quase até o topo. Christopher Marlowe (teria sido ele, que forjara a própria morte e escrevia tudo de Shakespeare?) estava no seu caminho; Thomas Kyd e outros protegidos da rainha. Mas ele chegou até Elizabeth; o resto se mistura com lenda, o que é ótimo, para quem curte a produção deste bardo. Suas comédias, dramas históricos, tragédias (Macbeth, Rei Lear, Otelo) são jóias de valor incalculável. Da sua forte herança latina brotaram as tragicomédias ou romances. Teve a glória em vida, mas acho que nem no sonho mais louco imaginou até aonde iriam as projeções da sua sombra e da sua luz. O Mercador de Veneza, A Comédia dos Erros, Os dois fidalgos de Verona, Muito barulho por nada, Noite de reis, Medida por medida, Conto do Inverno, Cimbelino, Megera Domada, A Tempestade, Tito Andrônico, Romeu e Julieta, Julio César, Antônio e Cleópatra, Coriolano, Timon de Atenas, Henrique IV, Ricardo III, Henrique V e outras peças como Henrique VIII, fascinam com sua genialidade enigmática sublime; 400 anos depois do desaparecimento físico do misterioso bardo inglês, que tratou tão apropriadamente temas tão fortes, com um colorido (forma e conteúdo) tão cheio de som, riso, siso e fúria da alma humana, ainda dá muito o que falar. Uma vez, em Londres, eu parei diante da estátua dele no Museu de cera de Madame Tussaud e me perguntei: qual seria a figura exata de Shakespeare? Há tantas representações diferentes dele. Voltei no tempo, ao dia em que ganhei aquele Hamlet, e o li numa noite cheia de chuva, relâmpagos, trovões, ventos uivantes, próximo ao mar de Boa Viagem.
*O recifense Moisés Neto é doutor em Letras,
escritor, pesquisador e professor
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