Ele
sofreu preconceito por ter nascido na África. O chamavam de preto, que tomava o
lugar dos verdadeiramente portugueses. O sobrenome “mãe” é fictício,
pseudônimo. O que sugere tanta coisa.
Primeiro
livro deste autor português de origem angolana Valter Hugo Mãe a ser lançado no
Brasil, foi “o remorso de baltazar serapião” (editora 34); é um romance de um regionalismo
menos mágico do que experimental, com linguagem de ranço arcaico e sintaxe estonteante;
a abolição das maiúsculas faz parte da arquitetura do estilo deste livro, cujos
tema e recursos , memoráveis nos deixam satisfeitos. A brochura faz parte de
uma tetralogia escrita com minúsculas (ele as acha fundamentais, e vê
inutilidade das maiúsculas)
Raduan
Nassar ao catalisar linguagem e
história, num tempo que tanto cheira à Idade Média, já foi lembrado como precursor
de um abordagem equivalente.
É
a história, cheia de estranhamento,
da família (chamada) sarga (alguns
membros teriam nascido de uma vaca) que lembra a comédia, no sentido dantesco, numa
dicção que Saramago chamou de novo “parto da língua portuguesa”, entre o
erudito e o popular.
baltazar
serapião narra a história do seu amor selvagem por ermesinda, pelo irmão
artista o aldegundes, que como pintor
teve favores do senhor feudal; tudo permeado de misoginia feroz
(Baltasar,marido, submete, como seu pai o fez, as mulheres à violência extrema
e metafórica (o parto seguido de assassinato do bebê, da mãe adúltera, o irmão
recém-nascido e morto de baltasar). Destaque para a oralidade. O autor lê todos
os seu textos em voz alta, antes de concluí-los.
baltazar
serapião, de 2006, foi o segundo livro da referida tetralogia, que inclui
o nosso reino:
valter
hugo mãe conseguiu, com o remorso,
criar, num vilarejo geograficamente metafórico, regido por um dono das terras,
dom Afonso, (leia-se: corpos, almas/ etc.) e dos moradores (pobres como ermesinda,
jovem bela e pura do vilarejo).
A
mãe do narrador, baltasar, sofre, do mesmo modo que o filho quebra a braço,
entorta o pé e arranca um olho da esposa, agressões constantes do pai por
motivos os mais esdrúxulos; a ordem do senhor feudal, para que a esposa do
protagonista, visite-o e que ele não a proíba disto,o que transforma Dona Catarina, esposa dele, num monstro; já a
bruxa do vilarejo é queimada em praça pública (sobrevive para fazer pior (!)há
algo que lembra Otelo, de Shakespeare.
Quanto à busca da tentaticva de superação do humano
bestial, mostra do trabalho escravo, da reificação do ser, zoomorfização,
instinto de sobrevivência, sedução de Tânatos, faz tudo girar alucinadamente,
como no torvelinho da exploração sexual das personagens brunilda e ermesinda; pululam
os preconceitos nessa espécie de interior de Portugal; parece ligado também à literatura
pós-colonial de países lusófonos no seu, digamos assim, engajamento social .
Aqui
as mulheres só são belas porque têm “parecenças com os homens”, porém desprovidas
de inteligência, porém perigosas, até assassinas e traidoras.
O
final da narrativa é brusca, violenta, choque das possibilidades das palavras e
dos sentimentos.
*Moisés Monteiro de Melo Neto é professor universitário, Doutor em Letras, escritor e pesquisador recifense.
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