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terça-feira, 23 de setembro de 2014

Nova guerra, velha história

E começou a guerra contra o Estado Islâmico.
Americanos capitaneando as forças ofensivas lançaram mísseis sobre cidades sírias.
Depois do Iraque, agora foram cinco cidades sírias.
É uma situação complexa e que exige muita reflexão.
Fico pensando que as autoridades do Islã deveriam pelo menos tentar tornar pública uma opinião mais universal sobre crimes cometidos por um lado e pelo outro.

segunda-feira, 22 de setembro de 2014

A tumba misteriosa da Grécia

Gosto muito quando anunciam que encontraram uma tumba famosa, perdida entre os milênios de areia e pó. 
É o caso da mais recente descoberta: trata-se de  uma enorme tumba ao Norte da Grécia, da época de de Alexandre da Macedônia. 
Isso foi o bastante para atiçar a cobiça e acalmar a necesidade de lucro  dos moradores locais e mesmo do país. Os arqueólogos do planeta investigam quem estava / está enterrado no tal túmulo. 




Grécia de olho no túmulo recém-descoberto por lá


sábado, 20 de setembro de 2014

Caio Fernando de Abreu? - Sobre todos aqueles que ainda...



- Sobre todos aqueles que ainda continuam tentando, Deus, derrama teu sol mais luminoso.
- E ama, sabendo que vai chorar muitas vezes ainda.
- Sem rancor, sem saudade, sem tristeza. Sem nenhum sentimento especial a não ser a certeza de que, afinal, o tempo passou.
- (…) Escutei uma espécie de silêncio. Que talvez estivesse dentro de mim.
- Continue andando. Enfrente seus problemas de cara. Reaja. Vai. Tá pensando que é só você que sofre?
- Às vezes a gente vai-se fechando dentro da própria cabeça, e tudo começa a parecer muito mais difícil do que realmente é.
- Preciso de um colo que ninguém dá. Mas tudo bem.
- Eu queria que não fosse assim, que não tivesse sido assim. Mas não consegui evitar.
- É dificil aprisionar os que têm asas.
- E lembro tão bem que ainda que não tivesse sido ontem, continuaria sendo ontem na memória.
- Rezo a Deus, pedindo não cargas mais leves, e sim ombros mais fortes.
- É que sempre que penso em ser feliz, você me vem a cabeça.
- Que o teu afeto me afetou é fato.
- E se eu te olhar cem vezes, acredite, em cada uma delas estarei me apaixonando um pouco mais.
- Não sei fazer “jogo social”. Até saberia, mas não me interessa, tenho preguiça.
- Uma coisa que eu aprendi na vida: Deus não te tira as coisas, ele te livra delas.
- 'Eu te amo' virou uma frase tão romântica quanto 'me passa o açúcar'.
- Eu sinto ciúme quando alguém te abraça, porque por um segundo essa pessoa está segurando meu mundo inteiro.
- Amanhã é outro dia, aprendi isso ontem.
- Nunca, jamais diga o que sente. Por mais que te doa, por mais que te faça feliz. Quando sentir algo muito forte, peça um drink.
- Eu vou deixar pra lá, fingir que esqueci, agir como se não importasse. O que é verdadeiro, volta e quem tem que ficar, fica.
- E nessa de cuidar, vou cuidar de mim. De mim, do meu coração e dessa minha mania de amar demais, de querer demais, de esperar demais.
- Eu comecei minha faxina. Tudo o que não serve mais (sentimentos, momentos, pessoas) eu coloquei dentro de uma caixa. E joguei fora.
- Uma coisa que eu aprendi na vida: Deus não te tira as coisas, Ele te livra delas.
- Você é um(a) idiota. É um(a) babaca cretino(a) e sabe disso. Você frusta todas as expectativas que eu já tive em relação à alguém pra mim.
- Se a vida é um circo, serei eu o palhaço?
- Engole teu coração e se ama por dentro.
- Uma dose de amnésia, e duas de desapego, por favor.
- Sabe quando você lembra do sorriso dele, e involuntariamente você sorri também? Então..
- Foram tantas brincadeiras, tantas conversas, tantas risadas e olhe agora. Nem conversamos mais.
- Não sinto raiva, não sinto nada. Sinto saudades, de vez em quando. Quando penso que poderia ter sido diferente.
- Sabe o tal do amor-próprio? Então, tô ficando com ele e nossa relação anda ótima!
- Sem rancor, sem saudade, sem tristeza. Sem nenhum sentimento especial a não ser a certeza de que, afinal, o tempo passou.
- Eu dizia que “gostava” de você, que sentia saudade de você, que eu precisava de você, que eu não conseguia viver sem você. Mas não era amor.
- Preciso sim, preciso tanto. Alguém que aceite tanto meus sonhos demorados, quanto minhas insônias insuportáveis.
- Meio sem esperança, as ilusões despedaçadas, o coração taquicárdico, língua seca, e continuando. Continuando.
- O que é seu encontrará um caminho para chegar até você.
- Eu queria que em um dia qualquer, você chegasse de fininho, me abraçasse apertado e dissesse: Senti sua falta.
- Supere isso e, se não puder superar, supere o vício de falar a respeito.
- Uma pessoa não precisa estar a vida inteira ao seu lado para se tornar única e inesquecível.
- Nunca se esqueça: quando um capítulo termina, outro começa.
- Ama-se pelo cheiro, pelo mistério, pela paz que o outro lhe dá, ou pelo tormento que provoca.
- Hoje, quero passar dos limites da aparência e achar o que há de mais lindo no coração.
- Bonito mesmo é essa coisa da vida: Um dia, quando menos se espera, a gente simplesmente supera.
- E quem pode comigo, quando eu digo tudo que sinto?
- Tem coisas que a gente vai deixando de ser e nem percebe.
- Ô menina, veja bem… Ouça uma boa música, leia um bom livro e bola pra frente. Pode parecer clichê, mas funciona. Vá por mim.
- Fé, cabeça erguida e esquece as maldades do mundo.
- O tempo tem uma forma maravilhosa de nos mostrar o que realmente importa.
- Choro sozinho no escuro, e você não enxuga as minhas lágrimas.
- Não é fácil, muitas vezes eu me sinto sufocar de saudade, de vontade de estar perto.
- Se não brilha mais, não insista. Lâmpada queimada não se arruma. Se troca por outra.
- Pegue tudo a que você tem direito, e nós temos direito a absolutamente tudo de bom.
- Eu ando fingindo muito. Finjo que não importo, finjo que não quero, finjo que não sinto, finjo que não vejo, finjo que esqueço.
- Sofrer dói. Dói e não é pouco. Mas faz um bem danado depois que passa.
- Sempre chega um momento em que até o bom se torna insuportável.
- Tomara que a gente não desista de ser quem é por nada nem ninguém deste mundo.
- Relaxa, respira, se irritar é bom pra quem? Supera, suporta, entenda.
- Vamos fazer assim: você não existe, que eu não te desejo.
- Força e fé. Dai-me força, dai-me fé e dai-me luz.
- Nada é eterno. O café esfria, o cigarro apaga, o tempo passa, as pessoas mudam…
- O tempo corre e a gente vai descobrindo jeitos de se proteger.
- Quero outra vez um quarto todo branco e um par de asas. Mesmo de papelão!
- Gosto de pessoas doces, gosto de situações claras – e por tudo isso, ando cada vez mais só.
- E eu serei forte, mesmo se tudo der errado mais uma vez.
- E se me perguntarem como estou, eis a resposta: Estou indo. Sem muita bagagem. Pesos desnecessários causam sempre dores desnecessárias.
- Fiz fantasias. No meu demente exercício para pisar no real, finjo que não fantasio. E fantasio, fantasio.
- Talvez, ele volte. Ou não.
- Talvez, ele perceba que você faz falta e diferença, de alguma forma, numa noite fria.
- Já chorei muito, já doeu muito esse coração…
- Resolvi ser feliz porque é melhor para a saúde.
- Preciso sim, preciso tanto. Alguém que aceite tanto meus sonhos demorados, quanto minhas insônias insuportáveis.
- Ama-se pelo cheiro, pelo mistério, pela paz que o outro lhe dá, ou pelo tormento que provoca.
- Sabe de uma coisa? Eu desisto das pessoas.
- Existe sempre alguma coisa ausente.
- É em você que eu penso, é de você que eu gosto, é pra você que eu volto… Sempre.
- Eu não quero viver longe de você. Digo, viver sem falar contigo, sem saber como foi o seu dia, o que você fez, como esta se sentindo.
- Meu medo não é te perder pra alguém melhor… É te perder pra alguém que não te ame tanto quanto eu.
- E se me perguntarem como estou, eis a resposta: Estou indo. Sem muita bagagem. Pesos desnecessários causam sempre dores desnecessárias.
- Não vou atrás de ninguém. Não mais. Eu não quero me apegar em ninguém, não quero precisar de ninguém.
- Foram tantas brincadeiras, tantas conversas, tantas risadas e olhe agora. Nem conversamos mais.
- Acalma esse coração, pequena, que desespero nunca resolveu problema.
- Às vezes, sinto falta, às vezes, acho que é um alívio estar longe...
- Daqui a 50 anos eu ainda vou saber seu nome e vou me lembrar de todas as vezes que você me fez sorrir.
- Hoje eu só queria ouvir: “eu te procurei pra saber se você está bem”.
- Não é fácil, muitas vezes eu me sinto sufocar de saudade, de vontade de estar perto.
- Ultimamente não estou esperando coisas boas, e nem ruins, de nada e nem de ninguém. Por mim, tanto faz, cansei de criar falsas expectativas.
- Sabe o tal do amor-próprio? Então, tô ficando com ele e nossa relação anda ótima!
- Se não fosse amor, não haveria planos, nem vontades, nem ciúmes, nem coração magoado.
- Se não brilha mais, não insista. Lâmpada queimada não se arruma. Se troca por outra.
- Parei de trabalhar. Parei de ser e de fazer qualquer outra coisa além de esperar que ele voltasse.
- E Deus continua sussurrando: “Não desista, o MELHOR ainda está por vir."
- Eu queria que em um dia qualquer, você chegasse de fininho, me abraçasse apertado e dissesse: Senti sua falta…
- Eu te amo. Mesmo negando. Mesmo deixando você ir. Mesmo não te pedindo pra ficar. Mesmo estando longe, eu te amo. E amo mesmo.
- Eita, que menina doida! Fala sozinha e ama também.

- Para provar novos chás, é preciso esvaziar a xícara.
- Aquilo que não te acrescenta, em nada te fará falta.
- Fiz fantasias. No meu demente exercício para pisar no real, finjo que não fantasio. E fantasio, fantasio.
- Gosto de pessoas doces, gosto de situações claras - e por tudo isso, ando cada vez mais só.
- Sempre acabava gostando das malditas pessoas e todas as suas loucuras.
- Eu ando tomando o rumo certo agora, me deseje sorte.
- Não foi nada. Deu saudade, só isso. De repente, me deu tanta saudade.
- Talvez o mal é que a gente pede amor o tempo todo.
- Tô exausto de construir e demolir fantasias. Não quero me encantar com ninguém.
- Não choro minhas perdas, nem temo a inveja e o olho gordo que me rodeiam. Sou de deus, quem não é que se cuide.
- Nada é eterno. O café esfria, o cigarro apaga, o tempo passa, as pessoas mudam…
- Seus olhos eram de desilusão, de cansaço. Cansada de construir sonhos, planos, fantasias. E depois da desilusão ter de destruir uma a uma.
- Tenho repetido que, no que depender de mim, me recuso a ser infeliz.
- Você se foi e eu afundei numa melancolia de dar gosto.
- Que comece agora e que seja permanente essa vontade de ir além daquilo que me espera.
- Foi por não ser vela que o vento não apagou. Era vagalume, tinha uma vida inteira pra brilhar!
- E te cuida, por favor, te cuida bem. Não é porque estás longe que não te quero bem.
- E se me perguntarem como estou, eis a resposta: Estou indo. Sem muita bagagem. Pesos desnecessários causam dores desnecessárias.
- Talvez eu só precise de férias, um porre e um novo amor.
- E apesar do meu medo há em mim uma paz enorme que eu chamo de felicidade.
- Porque aprendi, que a vida, apesar de bruta, é meio mágica. Dá sempre pra tirar um coelho da cartola.
- Que, mesmo quando estivermos doendo, não percamos de vista nem de sonho a ideia da alegria.
- Então me sinto protagonista de um filme chamado: Criaturas que o mundo esqueceu.
- Sobre todos aqueles que ainda continuam tentando, Deus, derrama teu sol mais luminoso.
- Não consigo mais aceitar relações pela metade. Em outras palavras, raspas e restos não me interessam.
- Força e fé, repete comigo: dai-me força e dai-me fé, dai-me luz.
- Tenho repetido que, no que depender de mim, me recuso a ser infeliz.
- Pode parecer meio ambicioso, mas gostaria de ajudar a transformar este mundo numa coisa melhor.

- Desnecessário é sofrer por alguém que você sabia que nunca iria dar certo.
- Não sinto raiva, não sinto nada. Sinto saudade, de vez em quando. Quando penso que poderia ter sido diferente.
- E eu serei forte, mesmo se tudo der errado mais uma vez.
- Gosto de pessoas doces, gosto de situações claras; e por tudo isso, ando cada vez mais só.
- Então me sinto protagonista de um filme chamado: Criaturas que o mundo esqueceu.
- Aprendi a gostar de viver e ser feliz.
- Sofrer dói. Dói e não é pouco. Mas faz um bem danado depois que passa.
- Essa morte constante das coisas é o que mais dói.
- Não se permita entristecer por nada, nem por ninguém.
- O futuro é um abismo escuro, mas pouco importa onde terminará a minha queda.
- Sonhei que você sonhava comigo. Ou foi o contrário? Seja como for, pouco importa: não me desperte, por favor, não te desperto.
- Aquilo que não te acrescenta, em nada te fará falta.
- Não sei fazer ” jogo social ” . Até saberia ,mas não me interessa , tenho preguiça.
- Fiz fantasias. No meu demente exercício para pisar no real, finjo que não fantasio. E fantasio, fantasio.
- Amor não resiste a tudo, não. Amor é jardim. Amor enche de erva daninha. Amizade também, todas as formas de amor.
- aço apertado, mensagem na madrugada, quero flores, quero doces, quero música, vento, cheiros, quero parar de me doar e começar a receber.
- Eu ando tomando o rumo certo agora, me deseje sorte.
- Sinto uma falta absurda de você. Ficou um vazio que ninguém pre(enche). E penso e repenso e trepenso em você.
- Quero seu beijo. Quero seu cheiro. Quero aquele olhar que não cansa.



sexta-feira, 19 de setembro de 2014

A Escócia ainda ficará no Reino Unido

Achei  razoável a decisão através de plebiscito mantendo a Escócia unida ao país de Gales, Inglaterra e parte da Irlanda.
Vivemos dias complicados e de alta transição em termos de expressão cultural e política (por que não dizer ? Novos modos afetivos, na era do "selfie") e a união é bem melhor do que certo tipo de independência.
Os discursos foram acalorados; uma das frases que mais me impressionou veio de uma autoridade local: "não será uma separação comum, será um divórcio e não haverá retorno".

A nós, a liberdade é um lema e um dilema.

Tenho dito.

Na terra do kilt:  venceu o conservadorismo?
I know not what tomorrow will bring...

quinta-feira, 18 de setembro de 2014

As metáforas insólitas em João Cabral de Melo Neto: o rio Capibaribe


Relendo João Cabral, destaco alguns trechos de O cão sem plumas, poema dividido em 4 partes: Paisagem do Capibaribe (I e II), Fábula do Capibaribe (III) e Discurso do Capibaribe(IV), são 425 versos organizados em 51 estrofes, bem irregulares do ponto de vista da distribuição dos versos (divisões silábicas muito díspares).Observe nesse trecho, a metáfora central contida no título da obra: “O cão sem plumas”imagem poética da cidade de Recife, seu rio e sua gente:



A cidade é passada pelo rio
como uma rua
é passada por um cachorro;
uma fruta
por uma espada.

O rio ora lembrava
a língua mansa de um cão,
ora o ventre triste de um cão,
ora o outro rio
de aquoso pano sujo
dos olhos de um cão.

Aquele rio
era como um cão sem plumas.
Nada sabia da chuva azul,
da fonte cor-de-rosa,
da água do copo de água,
da água de cântaro,
dos peixes de água,
da brisa na água



Não se trata de poema sobre o povo em geral, mas sobre a população pobre que tenta sobreviver na cidade. Pobreza pensada em termos econômicos, combinada a atributo de cor da pele, na época evocada em discussões sobre raça, que, em país com legado escravocrata, é diferença socialmente recriada como desigualdade em termos da distribuição das chances de trabalho e de vida. Nesse sentido, Cabral diz que o rio...

Abre-se em flores
pobres e negras
como negros.
Abre-se numa flora
suja e mais mendiga
como são os mendigos negros.
Abre-se em mangues
de folhas duras e crespas
como um negro.

A essa altura, dá-se a primeira reelaboração da metáfora-tema. Além de se referir ao rio propriamente dito, ela é usada pelo autor para inserir nos versos as classes trabalhadoras que viviam às margens do rio, nos mocambos, e viviam do rio, pegando caranguejos nos manguezais.


[...]
Liso como o ventre
de uma cadela fecunda,
o rio cresce
sem nunca explodir.
Tem, o rio,
um parto fluente e invertebrado
como o de uma cadela.

E jamais o vi ferver
(como ferve
o pão que fermenta).
Em silêncio,
o rio carrega sua fecundidade pobre,
grávido de terra negra.

[...]
Entre a paisagem
o rio fluía
como uma espada de líquido espesso.
Como um cão
humilde e espesso.

Entre a paisagem
(fluía)
de homens plantados na lama;
de casas de lama
plantadas em ilhas
coaguladas na lama;
paisagem de anfíbios
de lama e lama.
[...]
Aquele rio
é espesso
como o real mais espesso.
Espesso
por sua paisagem espessa,
onde a fome
estende seus batalhões de secretas
e íntimas formigas.

E espesso
por sua fábula espessa;
pelo fluir
de suas geleias de terra;
ao parir
suas ilhas negras de terra.

Porque é muito mais espessa
a vida que se desdobra
em mais vida,
como uma fruta
é mais espessa
que sua flor;
como a árvore
é mais espessa
que sua semente;
como a flor
é mais espessa
que sua árvore,
etc. etc.

Espesso,
porque é mais espessa a vida que se luta
cada dia,
o dia que se adquire
cada dia
(como uma ave
que vai cada segundo

conquistando seu voo).

segunda-feira, 15 de setembro de 2014

Sobre O Rebu

O último capítulo de O Rebu, original de Bráulio Pedroso, com remake pela Rede Globo, no horário das 23h,  colocou o ponto final num projeto que merece destaque pela fotografia e pela proposta artística como um todo.
Confesso que quando assisti ao primeiro capítulo não pensei que a obra fosse decolar; mas a fotografia, figurinos, texto e algumas interpretações foram surpreendentes.
Outro destaque fica para a trilha sonora, com nomes como Amy Winehouse, Maysa, Chico Buarque, Angela Roro e The Cure, para mencionar alguns.
Foram apenas trinta e poucos capítulos, com sabor de quero mais.
Houve alguns "buracos" na trama e na interpretação de alguns atores, mas nada que ofuscasse tanto o seu brilho.

CONFIGURAÇÕES: de setembro para outubro


Jomard Muniz de Britto, jmb
 
01. TUDO ISSO (e muito mais) pode ser
FUNDAMENTALISMO?
02.Questão de verbo: ser ou estar, tornar-se,
comungar, abismar-se, soletrar, surtar,
solidarizar-se? Verbalizar?
03. Continuemos a luta: analfabetismo
funcional, letramento sócio-histórico, ordens
numéricas, desordens ortográficas?
04. Leitores de todos os gêneros, gostos e
numerações podem e devem atravessá-los.
05. Cantemos a musical morenidade de Caymmi
entre mares, lugares e fundamentos.
06. Quintais (DINDI) de Bethania, sem
Academias e Universidades honoríficas.
07. Ou ficar a Pátria Livre ou renascer com
Plínio de Arruda Sampaio.
08. Aos 50 anos do filme DEUS e o DIABO
na TERRA do SOL, por que Rogério Duarte
não transita da Bahia à Paraibarroca?
09. Criticidade pelo rigor da MÍMESIS em
Luiz Costa Lima ou imitações por crueldade
das belezas sórdidas e experimentais?
10. Acabar com a impossibilidade de fazer citações.
Nominalismo fundamentalista?
11. Eterno retorno da AVE SANGRIA ou
LUNETA do TEMPO na constelação
VA LEN CI ANA por Delminha?
12. Livre associação de idéias beirando
ultra-surrealismos ou freudismos de antenas
na Livraria Universidade da Jaqueira?
13. Qual o mais provocaDOR fun-da-men-ta-lis-mo:
religioso, político, ateísta, litero-dissipado, futebolístico,
por cima e dentro das crenças?
14. Desencantamento do mundo, com e sem
desregramento dos sentidos e significÂNSIAS.
Vamos redescobrir os nossos. NOSSOS OSSOS.
15. Vaias de elites formosas e/ou demografias
metarraciais de transpassagem.
16. Quais os nomes de DEUS nas cosmovisões
de H. H., Hilda Hilst?
17. Para quem discorda do mínimo UM e do SER,
há deuses para todos. Adeuses.
18. Do mel ao fel, tudo em investigações.
19. Mistérios e ministérios sempre (a)trairão.
20. Multiplicar o número por 2. Desconfiar dos guias
e delações. Desfazer equívocos das ocultações
e predestinações. Encarar o espelho das máscaras.
Apontar para outras CONFIGURAÇÕES.
 
Recife, setembro/outubro de 2014.

domingo, 14 de setembro de 2014

Vamos reler MORTE E VIDA SEVERINA? Um das mais interessantes obras da literatura mundial

Morte e vida severina(Auto de Natal Pernambucano)
João Cabral de Melo Neto

O RETIRANTE EXPLICA AO LEITOR QUEM É E A QUE VAI

— O meu nome é Severino,
não tenho outro de pia.
Como há muitos Severinos,
que é santo de romaria,
deram então de me chamar
Severino de Maria;
como há muitos Severinos
com mães chamadas Maria,
fiquei sendo o da Maria
do finado Zacarias.
Mas isso ainda diz pouco:
há muitos na freguesia,
por causa de um coronel
que se chamou Zacarias
e que foi o mais antigo
senhor desta sesmaria.
Como então dizer quem fala
ora a Vossas Senhorias?
Vejamos: é o Severino
da Maria do Zacarias,
lá da serra da Costela,
limites da Paraíba.
Mas isso ainda diz pouco:
se ao menos mais cinco havia
com nome de Severino
filhos de tantas Marias
mulheres de outros tantos,
já finados, Zacarias,
vivendo na mesma serra
magra e ossuda em que eu vivia.
Somos muitos Severinos
iguais em tudo na vida:
na mesma cabeça grande
que a custo é que se equilibra,
no mesmo ventre crescido
sobre as mesmas pernas finas,
e iguais também porque o sangue
que usamos tem pouca tinta.
E se somos Severinos
iguais em tudo na vida,
morremos de morte igual,
mesma morte severina:
que é a morte de que se morre
de velhice antes dos trinta,
de emboscada antes dos vinte,
de fome um pouco por dia
(de fraqueza e de doença
é que a morte severina
ataca em qualquer idade,
e até gente não nascida).
Somos muitos Severinos
iguais em tudo e na sina:
a de abrandar estas pedras
suando-se muito em cima,
a de tentar despertar
terra sempre mais extinta,
a de querer arrancar
algum roçado da cinza.
Mas, para que me conheçam
melhor Vossas Senhorias
e melhor possam seguir
a história de minha vida,
passo a ser o Severino
que em vossa presença emigra.

ENCONTRA DOIS HOMENS CARREGANDO UM DEFUNTO NUMA REDE, AOS GRITOS DE "Ó IRMÃOS DAS ALMAS! IRMÃOS DAS ALMAS! NÃO FUI EU QUE MATEI NÃO!"

— A quem estais carregando,
irmãos das almas,
embrulhado nessa rede?
dizei que eu saiba.
— A um defunto de nada,
irmão das almas,
que há muitas horas viaja
à sua morada.
— E sabeis quem era ele,
irmãos das almas,
sabeis como ele se chama
ou se chamava?
— Severino Lavrador,
irmão das almas,
Severino Lavrador,
mas já não lavra.
— E de onde que o estais trazendo,
irmãos das almas,
onde foi que começou
vossa jornada?
— Onde a Caatinga é mais seca,
irmão das almas,
onde uma terra que não dá
nem planta brava.
— E foi morrida essa morte,
irmãos das almas,
essa foi morte morrida
ou foi matada?
— Até que não foi morrida,
irmão das almas,
esta foi morte matada,
numa emboscada.
— E o que guardava a emboscada,
irmão das almas,
e com que foi que o mataram,
com faca ou bala?
— Este foi morto de bala,
irmão das almas,
mais garantido é de bala,
mais longe vara.
— E quem foi que o emboscou,
irmãos das almas,
quem contra ele soltou
essa ave-bala?
— Ali é difícil dizer,
irmão das almas,
sempre há uma bala voando
desocupada.
— E o que havia ele feito,
irmãos das almas,
e o que havia ele feito
contra a tal pássara?
— Ter um hectares de terra,
irmão das almas,
de pedra e areia lavada
que cultivava.
— Mas que roças que ele tinha,
irmãos das almas,
que podia ele plantar
na pedra avara?
— Nos magros lábios de areia,
irmão das almas,
os intervalos das pedras,
plantava palha.
— E era grande sua lavoura,
irmãos das almas,
lavoura de muitas covas,
tão cobiçada?
— Tinha somente dez quadros,
irmão das almas,
todas nos ombros da serra,
nenhuma várzea.
— Mas então por que o mataram,
irmãos das almas,
mas então por que o mataram
com espingarda?
— Queria mais espalhar-se,
irmão das almas,
queria voar mais livre
essa ave-bala.
— E agora o que passará,
irmãos das almas,
o que é que acontecerá
contra a espingarda?
— Mais campo tem para soltar,
irmão das almas,
tem mais onde fazer voar
as filhas-bala.
— E onde o levais a enterrar,
irmãos das almas,
com a semente de chumbo
que tem guardada?
— Ao cemitério de Torres,
irmão das almas,
que hoje se diz Toritama,
de madrugada.
— E poderei ajudar,
irmãos das almas?
vou passar por Toritama,
é minha estrada.
— Bem que poderá ajudar,
irmão das almas,
é irmão das almas quem ouve
nossa chamada.
— E um de nós pode voltar,
irmão das almas,
pode voltar daqui mesmo
para sua casa.
— Vou eu, que a viagem é longa,
irmãos das almas,
é muito longa a viagem
e a serra é alta.
— Mais sorte tem o defunto,
irmãos das almas,
pois já não fará na volta
a caminhada.
— Toritama não cai longe,
irmão das almas,
seremos no campo santo
de madrugada.
— Partamos enquanto é noite,
irmão das almas,
que é o melhor lençol dos mortos
noite fechada.

O RETIRANTE TEM MEDO DE SE EXTRAVIAR PORQUE SEU GUIA, O RIO CAPIBARIBE, CORTOU COM O VERÃO

—  Antes de sair de casa
aprendi a ladainha
das vilas que vou passar
na minha longa descida.
Sei que há muitas vilas grandes,
cidades que elas são ditas;
sei que há simples arruados,
sei que há vilas pequeninas,
todas formando um rosário
cujas contas fossem vilas,
todas formando um rosário
de que a estrada fosse a linha.
Devo rezar tal rosário
até o mar onde termina,
saltando de conta em conta,
passando de vila em vila.
Vejo agora: não é fácil
seguir essa ladainha;
entre uma conta e outra conta,
entre uma a outra ave-maria,
há certas paragens brancas,
de planta e bicho vazias,
vazias até de donos,
e onde o pé se descaminha.
Não desejo emaranhar
o fio de minha linha
nem que se enrede no pêlo
hirsuto desta caatinga.
Pensei que seguindo o rio
eu jamais me perderia:
ele é o caminho mais certo,
de todos o melhor guia.
Mas como segui-lo agora
que interrompeu a descida?
Vejo que o Capibaribe,
como os rios lá de cima,
é tão pobre que nem sempre
pode cumprir sua sina
e no verão também corta,
com pernas que não caminham.
Tenho de saber agora
qual a verdadeira via
entre essas que escancaradas
frente a mim se multiplicam.
Mas não vejo almas aqui,
nem almas mortas nem vivas;
ouço somente à distância
o que parece cantoria.
Será novena de santo,
será algum mês-de-Maria;
quem sabe até se uma festa
ou uma dança não seria?

NA CASA A QUE O RETIRANTE CHEGA ESTÃO CANTANDO EXCELÊNCIAS PARA UM DEFUNTO, ENQUANTO UM HOMEM, DO LADO DE FORA,VAI PARODIANDO AS PALAVRAS DOS CANTADORES

— Finado Severino, quando passares em Jordão e o demônios te atalharem perguntando o que é que levas...
— Dize que levas cera, capuz e cordão mais a Virgem da Conceição.
— Finado Severino, etc. ...
— Dize que levas somente coisas de não: fome, sede, privação.
— Finado Severino, etc. ...

— Dize que coisas de não, ocas, leves: como o caixão, que ainda deves.
— Uma excelência dizendo que a hora é hora.
— Ajunta os carregadores que o corpo quer ir embora.
— Duas excelências...
— ... dizendo é a hora da plantação.
— Ajunta os carregadores...
— ... que a terra vai colher a mão.

CANSADO DA VIAGEM O RETIRANTE PENSA INTERROMPÊ-LA POR UNS INSTANTES E PROCURAR TRABALHO ALI ONDE SE ENCONTRA.

— Desde que estou retirando
só a morte vejo ativa,
só a morte deparei
e às vezes até festiva;
só a morte tem encontrado
quem pensava encontrar vida,
e o pouco que não foi morte
foi de vida severina
(aquela vida que é menos
vivida que defendida,
e é ainda mais severina
para o homem que retira).
Penso agora: mas porque
parar aqui eu não podia
e como o Capibaribe
interromper minha linha?
ao menos até que as águas
de uma próxima invernia
me levem direto ao mar
ao refazer sua rotina?
Na verdade, por uns tempos,
parar aqui eu bem podia
e retomar a viagem
quando vencesse a fadiga.
Ou será que aqui cortando
agora minha descida
já não poderei seguir
nunca mais em minha vida?
(será que a água destes poços
é toda aqui consumida
pelas roças, pelos bichos,
pelo sol com suas línguas?
será que quando chegar
o rio da nova invernia
um resto de água no antigo
sobrará nos poços ainda?)
Mas isso depois verei:
tempo há para que decida;
primeiro é preciso achar
um trabalho de que viva.
Vejo uma mulher na janela,
ali, que se não é rica,
parece remediada
ou dona de sua vida:
vou saber se de trabalho
poderá me dar notícia.

DIRIGE-SE À MULHER NA JANELA QUE DEPOIS DESCOBRE TRATAR-SE DE QUEM SE SABERÁ

— Muito bom dia, senhora,
que nessa janela está;
sabe dizer se é possível
algum trabalho encontrar?
— Trabalho aqui nunca falta
a quem sabe trabalhar;
o que fazia o compadre
na sua terra de lá?
— Pois fui sempre lavrador,
lavrador de terra má;
não há espécie de terra
que eu não possa cultivar.
— Isso aqui de nada adianta,
pouco existe o que lavrar;
mas diga-me, retirante,
que mais fazia por lá?
— Também lá na minha terra
de terra mesmo pouco há;
mas até a calva da pedra
sinto-me capaz de arar.
— Também de pouco adianta,
nem pedra há aqui que amassar;
diga-me ainda, compadre,
que mais fazia por lá?
— Conheço todas as roças
que nesta chã podem dar:
o algodão, a mamona,
a pita, o milho, o caroá.
— Esses roçados o banco
já não quer financiar;
mas diga-me, retirante,
o que mais fazia lá?
— Melhor do que eu ninguém
sei combater, quiçá,
tanta planta de rapina
que tenho visto por cá.
— Essas plantas de rapina
são tudo o que a terra dá;
diga-me ainda, compadre;
que mais fazia por lá?
— Tirei mandioca de chãs
que o vento vive a esfolar
e de outras escalavradas
pela seca faca solar.
— Isto aqui não é Vitória
nem é Glória do Goitá;
e além da terra, me diga,
que mais sabe trabalhar?
— Sei também tratar de gado,
entre urtigas pastorear:
gado de comer do chão
ou de comer ramas no ar.
— Aqui não é Surubim
nem Limoeiro, oxalá!
mas diga-me, retirante,
que mais fazia por lá?
— Em qualquer das cinco tachas
de um banguê sei cozinhar;
sei cuidar de uma moenda,
de uma casa de purgar.
— Com a vinda das usinas
há poucos engenhos já;
nada mais o retirante
aprendeu a fazer lá?
— Ali ninguém aprendeu
outro ofício, ou aprenderá:
mas o sol, de sol a sol,
bem se aprende a suportar.
— Mas isso então será tudo
em que sabe trabalhar?
vamos, diga, retirante,
outras coisas saberá.
— Deseja mesmo saber
o que eu fazia por lá?
comer quando havia o quê
e, havendo ou não, trabalhar.
— Essa vida por aqui
é coisa familiar;
mas diga-me retirante,
sabe benditos rezar?
sabe cantar excelências,
defuntos encomendar?
sabe tirar ladainhas,
sabe mortos enterrar?
— Já velei muitos defuntos,
na serra é coisa vulgar;
mas nunca aprendi as rezas,
sei somente acompanhar.
— Pois se o compadre soubesse
rezar ou mesmo cantar,
trabalhávamos a meias,
que a freguesia bem dá.
— Agora se me permite
minha vez de perguntar:
como senhora, comadre,
pode manter o seu lar?
— Vou explicar rapidamente,
logo compreenderá:
como aqui a morte é tanta,
vivo de a morte ajudar.
— E ainda se me permite
que volte a perguntar:
é aqui uma profissão
trabalho tão singular?
— É, sim, uma profissão,
e a melhor de quantas há:
sou de toda a região
rezadora titular.
— E ainda se me permite
mais outra vez indagar:
é boa essa profissão
em que a comadre ora está?
— De um raio de muitas léguas
vem gente aqui me chamar;
a verdade é que não pude
queixar-me ainda de azar.
— E se pela última vez
me permite perguntar:
não existe outro trabalho
para mim nesse lugar?
— Como aqui a morte é tanta,
só é possível trabalhar
nessas profissões que fazem
da morte ofício ou bazar.
Imagine que outra gente
de profissão similar,
farmacêuticos, coveiros,
doutor de anel no anular,
remando contra a corrente
da gente que baixa ao mar,
retirantes às avessas,
sobem do mar para cá.
Só os roçados da morte
compensam aqui cultivar,
e cultivá-los é fácil:
simples questão de plantar;
não se precisa de limpa,
de adubar nem de regar;
as estiagens e as pragas
fazem-nos mais prosperar;
e dão lucro imediato;
nem é preciso esperar
pela colheita: recebe-se
na hora mesma de semear.

O RETIRANTE CHEGA À ZONA DA MATA, QUE O FAZ PENSAR, OUTRA VEZ, EM INTERROMPER A VIAGEM

— Bem me diziam que a terra
se faz mais branda e macia
quando mais do litoral
a viagem se aproxima.
Agora afinal cheguei
nesta terra que diziam.
Como ela é uma terra doce
para os pés e para a vista.
Os rios que correm aqui
têm a água vitalícia.
Cacimbas por todo lado;
cavando o chão, água mina.
Vejo agora que é verdade
o que pensei ser mentira.
Quem sabe se nesta terra
não plantarei minha sina?
Não tenho medo de terra
(cavei pedra toda a vida),
e para quem lutou a braço
contra a piçarra da Caatinga
será fácil amansar
esta aqui, tão feminina.
Mas não avisto ninguém,
só folhas de cana fina;
somente ali à distância
aquele bueiro de usina;
somente naquela várzea
um banguê velho em ruína.
Por onde andará a gente
que tantas canas cultiva?
Feriando: que nesta terra
tão fácil, tão doce e rica,
não é preciso trabalhar
todas as horas do dia,
os dias todos do mês,
os meses todos da vida.
Decerto a gente daqui
jamais envelhece aos trinta
nem sabe da morte em vida,
vida em morte, severina;
e aquele cemitério ali,
branco na verde colina,
decerto pouco funciona
e poucas covas aninha.

ASSISTE AO ENTERRO DE UM TRABALHADOR DE EITO E OUVE O QUE DIZEM DO MORTO OS AMIGOS QUE O LEVARAM AO CEMITÉRIO

—  Essa cova em que estás,
com palmos medida,
é a cota menor
que tiraste em vida.
— É de bom tamanho,
nem largo nem fundo,
é a parte que te cabe
deste latifúndio.
— Não é cova grande,
é cova medida,
é a terra que querias
ver dividida.
— É uma cova grande
para teu pouco defunto,
mas estarás mais ancho
que estavas no mundo.
— É uma cova grande
para teu defunto parco,
porém mais que no mundo
te sentirás largo.
— É uma cova grande
para tua carne pouca,
mas a terra dada
não se abre a boca.

— Viverás, e para sempre,
na terra que aqui aforas:
e terás enfim tua roça.
— Aí ficarás para sempre,
livre do sol e da chuva,
criando tuas saúvas.
— Agora trabalharás
só para ti, não a meias,
como antes em terra alheia.
— Trabalharás uma terra
da qual, além de senhor,
serás homem de eito e trator.
— Trabalhando nessa terra,
tu sozinho tudo empreitas:
serás semente, adubo, colheita.
— Trabalharás numa terra
que também te abriga e te veste:
embora com o brim do Nordeste.
— Será de terra tua derradeira camisa:
te veste, como nunca em vida.
— Será de terra e tua melhor camisa:
te veste e ninguém cobiça.
— Terás de terra
completo agora o teu fato:
e pela primeira vez, sapato.
— Como és homem,
a terra te dará chapéu:
fosses mulher, xale ou véu.
— Tua roupa melhor
será de terra e não de fazenda:
não se rasga nem se remenda.
— Tua roupa melhor
e te ficará bem cingida:
como roupa feita à medida.

— Esse chão te é bem conhecido
(bebeu teu suor vendido).
— Esse chão te é bem conhecido
(bebeu o moço antigo).
— Esse chão te é bem conhecido
(bebeu tua força de marido).
— Desse chão és bem conhecido
(através de parentes e amigos).
— Desse chão és bem conhecido
(vive com tua mulher, teus filhos).
— Desse chão és bem conhecido
(te espera de recém-nascido).

— Não tens mais força contigo:
deixa-te semear ao comprido.
— Já não levas semente viva:
teu corpo é a própria maniva.
— Não levas rebolo de cana:
és o rebolo, e não de caiana.
— Não levas semente na mão:
és agora o próprio grão.
— Já não tens força na perna:
deixa-te semear na coveta.
— Já não tens força na mão:
deixa-te semear no leirão.

— Dentro da rede não vinha nada,
só tua espiga debulhada.
— Dentro da rede vinha tudo,
só tua espiga no sabugo.
— Dentro da rede coisa vasqueira,
só a maçaroca banguela.
— Dentro da rede coisa pouca,
tua vida que deu sem soca.

— Na mão direita um rosário,
milho negro e ressecado.
— Na mão direita somente
o rosário, seca semente.
— Na mão direita, de cinza,
o rosário, semente maninha.
— Na mão direita o rosário,
semente inerte e sem salto.

— Despido vieste no caixão,
despido também se enterra o grão.
— De tanto te despiu a privação
que escapou de teu peito a viração.
— Tanta coisa despiste em vida
que fugiu de teu peito a brisa.
— E agora, se abre o chão e te abriga,
lençol que não tiveste em vida.
— Se abre o chão e te fecha,
dando-te agora cama e coberta.
— Se abre o chão e te envolve,
como mulher com quem se dorme.

O RETIRANTE RESOLVE APRESSAR OS PASSOS PARA CHEGAR LOGO AO RECIFE

— Nunca esperei muita coisa,
digo a Vossas Senhorias.
O que me fez retirar
não foi a grande cobiça;
o que apenas busquei
foi defender minha vida
de tal velhice que chega
antes de se inteirar trinta;
se na serra vivi vinte,
se alcancei lá tal medida,
o que pensei, retirando,
foi estendê-la um pouco ainda.
Mas não senti diferença
entre o Agreste e a Caatinga,
e entre a Caatinga e aqui a Mata
a diferença é a mais mínima.
Está apenas em que a terra
é por aqui mais macia;
está apenas no pavio,
ou melhor, na lamparina:
pois é igual o querosene
que em toda parte ilumina,
e quer nesta terra gorda
quer na serra, de caliça,
a vida arde sempre, com
a mesma chama mortiça.
Agora é que compreendo
porque em paragens tão ricas
o rio não corta em poços
como ele faz na Caatinga:
vivi a fugir dos remansos
a que a paisagem o convida,
com medo de se deter
grande que seja a fadiga.
Sim, o melhor é apressar
o fim desta ladainha,
o fim do rosário de nomes
que a linha do rio enfia;
é chegar logo ao Recife,
derradeira ave-maria
do rosário, derradeira
invocação da ladainha,
Recife, onde o rio some
e esta minha viagem se fina.

CHEGANDO AO RECIFE, O RETIRANTE SENTA-SE PARA DESCANSAR AO PÉ DE UM MURO ALTO E CAIADO E OUVE, SEM SER NOTADO, A CONVERSA DE DOIS COVEIROS

— O dia de hoje está difícil;
não sei onde vamos parar.
Deviam dar um aumento,
ao menos aos deste setor de cá.
As avenidas do centro são melhores,
mas são para os protegidos:
há sempre menos trabalho
e gorjetas pelo serviço;
e é mais numeroso o pessoal
(toma mais tempo enterrar os ricos).
— Pois eu me daria por contente
se me mandassem para cá.
Se trabalhasses no de Casa Amarela
não estarias a reclamar.
De trabalhar no de Santo Amaro
deve alegrar-se o colega
porque parece que a gente
que se enterra no de Casa Amarela
está decidida a mudar-se
toda para debaixo da terra.
— É que o colega ainda não viu
o movimento: não é o que se vê.
Fique-se por aí um momento
e não tardarão a aparecer
os defuntos que ainda hoje
vão chegar (ou partir, não sei).
As avenidas do centro,
onde se enterram os ricos,
são como o porto do mar:
não é muito ali o serviço:
no máximo um transatlântico
chega ali cada dia,
com muita pompa, protocolo,
e ainda mais cenografia.
Mas este setor de cá
é como a estação dos trens:
diversas vezes por dia
chega o comboio de alguém.
— Mas se teu setor é comparado
à estação central dos trens,
o que dizer de Casa Amarela
onde não pára o vaivém?
Pode ser uma estação
mas não estação de trem:
será parada de ônibus,
com filas de mais de cem.
— Então por que não pedes,
já que és de carreira, e antigo,
que te mandem para Santo Amaro
se achas mais leve o serviço?
Não creio que te mandassem
para as belas avenidas
onde estão os endereços
e o bairro da gente fina:
isto é, para o bairro dos usineiros,
dos políticos, dos banqueiros,
e no tempo antigo, dos banguezeiros
(hoje estes se enterram em carneiros);
bairro também dos industriais,
dos membros das associações patronais
e dos que foram mais horizontais
nas profissões liberais.
Difícil é que consigas
aquele bairro, logo de saída.
— Só pedi que me mandassem
para as urbanizações discretas,
com seus quarteirões apertados,
com suas cômodas de pedra.
— Esse é o bairro dos funcionários,
inclusive extranumerários,
contratados e mensalistas
(menos os tarefeiros e diaristas).
Para lá vão os jornalistas,
os escritores, os artistas;
ali vão também os bancários,
as altas patentes dos comerciários,
os lojistas, os boticários,
os localizados aeroviários
e os de profissões liberais
que não se liberaram jamais.
— Também um bairro dessa gente
temos no de Casa Amarela:
cada um em seu escaninho,
cada um em sua gaveta,
com o nome aberto na lousa
quase sempre em letras pretas.
Raras as letras douradas,
raras também as gorjetas.
— Gorjetas aqui, também,
só dá mesmo a gente rica,
em cujo bairro não se pode
trabalhar em mangas de camisa;
onde se exige quépi
e farda engomada e limpa.
— Mas não foi pelas gorjetas,
não, que vim pedir remoção:
é porque tem menos trabalho
que quero vir para Santo Amaro;
aqui ao menos há mais gente
para atender a freguesia,
para botar a caixa cheia
dentro da caixa vazia.
— E que disse o Administrador,
se é que te deu ouvido?
— Que quando apareça a ocasião
atenderá meu pedido.
— E do senhor Administrador
isso foi tudo que arrancaste?
— No de Casa Amarela me deixou
mas me mudou de arrabalde.
— E onde vais trabalhar agora,
qual o subúrbio que te cabe?
— Passo para o dos industriários,
que é também o dos ferroviários,
de todos os rodoviários
e praças-de-pré dos comerciários.
— Passas para o dos operários,
deixas o dos pobres vários;
melhor: não são tão contagiosos
e são muito menos numerosos.
— É, deixo o subúrbio dos indigentes
onde se enterra toda essa gente
que o rio afoga na preamar
e sufoca na baixa-mar.
— É a gente sem instituto,
gente de braços devolutos;
são os que jamais usam luto
e se enterram sem salvo-conduto.
— É a gente dos enterros gratuitos
e dos defuntos ininterruptos.
— É a gente retirante
que vem do Sertão de longe.
— Desenrolam todo o barbante
e chegam aqui na jante.
— E que então, ao chegar,
não têm mais o que esperar.
— Não podem continuar
pois têm pela frente o mar.
— Não têm onde trabalhar
e muito menos onde morar.
— E da maneira em que está
não vão ter onde se enterrar.
— Eu também, antigamente,
fui do subúrbio dos indigentes,
e uma coisa notei
que jamais entenderei:
essa gente do Sertão
que desce para o litoral, sem razão,
fica vivendo no meio da lama,
comendo os siris que apanha;
pois bem: quando sua morte chega,
temos que enterrá-los em terra seca.
— Na verdade, seria mais rápido
e também muito mais barato
que os sacudissem de qualquer ponte
dentro do rio e da morte.
— O rio daria a mortalha
e até um macio caixão de água;
e também o acompanhamento
que levaria com passo lento
o defunto ao enterro final
a ser feito no mar de sal.
— E não precisava dinheiro,
e não precisava coveiro,
e não precisava oração
e não precisava inscrição.
— Mas o que se vê não é isso:
é sempre nosso serviço
crescendo mais cada dia;
morre gente que nem vivia.
— E esse povo lá de riba
 de Pernambuco, da Paraíba,
que vem buscar no Recife
poder morrer de velhice,
encontra só, aqui chegando
cemitérios esperando.
— Não é viagem o que fazem,
vindo por essas caatingas, vargens;
aí está o seu erro:
vêm é seguindo seu próprio enterro.

O RETIRANTE APROXIMA-SE DE UM DOS CAIS DO CAPIBARIBE

— Nunca esperei muita coisa,
é preciso que eu repita.
Sabia que no rosário
de cidade e de vilas,
e mesmo aqui no Recife
ao acabar minha descida,
não seria diferente
a vida de cada dia:
que sempre pás e enxadas
foices de corte e capina,
ferros de cova, estrovengas
o meu braço esperariam.
Mas que se este não mudasse
seu uso de toda vida,
esperei, devo dizer,
que ao menos aumentaria
na quartinha, a água pouca,
dentro da cuia, a farinha,
o algodãozinho da camisa,
ao meu aluguel com a vida.
E chegando, aprendo que,
nessa viagem que eu fazia,
sem saber desde o Sertão,
meu próprio enterro eu seguia.
Só que devo ter chegado
adiantado de uns dias;
o enterro espera na porta:
o morto ainda está com vida.
A solução é apressar
a morte a que se decida
e pedir a este rio,
que vem também lá de cima,
que me faça aquele enterro
que o coveiro descrevia:
caixão macio de lama,
mortalha macia e líquida,
coroas de baronesa
junto com flores de aninga,
e aquele acompanhamento
de água que sempre desfila
(que o rio, aqui no Recife,
não seca, vai toda a vida).

APROXIMA-SE DO RETIRANTE O MORADOR DE UM DOS MOCAMBOS QUE EXISTEM ENTRE O CAIS E A ÁGUA DO RIO

— Seu José, mestre carpina,
que habita este lamaçal,
sabes me dizer se o rio
a esta altura dá vau?
sabe me dizer se é funda
esta água grossa e carnal?
— Severino, retirante,
jamais o cruzei a nado;
quando a maré está cheia
vejo passar muitos barcos,
barcaças, alvarengas,
muitas de grande calado.
— Seu José, mestre carpina,
para cobrir corpo de homem
não é preciso muito água:
basta que chega ao abdome,
basta que tenha fundura
igual à de sua fome.
— Severino, retirante,
pois não sei o que lhe conte;
sempre que cruzo este rio
costumo tomar a ponte;
quanto ao vazio do estômago,
se cruza quando se come.
— Seu José, mestre carpina,
e quando ponte não há?
quando os vazios da fome
não se tem com que cruzar?
quando esses rios sem água
são grandes braços de mar?
— Severino, retirante,
o meu amigo é bem moço;
sei que a miséria é mar largo,
não é como qualquer poço:
mas sei que para cruzá-la
vale bem qualquer esforço.
— Seu José, mestre carpina,
e quando é fundo o perau?
quando a força que morreu
nem tem onde se enterrar,
por que ao puxão das águas
não é melhor se entregar?
— Severino, retirante,
o mar de nossa conversa
precisa ser combatido,
sempre, de qualquer maneira,
porque senão ele alaga
e devasta a terra inteira.
— Seu José, mestre carpina,
e em que nos faz diferença
que como frieira se alastre,
ou como rio na cheia,
se acabamos naufragados
num braço do mar miséria?
— Severino, retirante,
muita diferença faz
entre lutar com as mãos
e abandoná-las para trás,
porque ao menos esse mar
não pode adiantar-se mais.
— Seu José, mestre carpina,
e que diferença faz
que esse oceano vazio
cresça ou não seus cabedais,
se nenhuma ponte mesmo
é de vencê-lo capaz?
— Seu José, mestre carpina,
que lhe pergunte permita:
há muito no lamaçal
apodrece a sua vida?
e a vida que tem vivido
foi sempre comprada à vista?
— Severino, retirante,
sou de Nazaré da Mata,
mas tanto lá como aqui
jamais me fiaram nada:
a vida de cada dia
cada dia hei de comprá-la.
— Seu José, mestre carpina,
e que interesse, me diga,
há nessa vida a retalho
que é cada dia adquirida?
espera poder um dia
comprá-la em grandes partidas?
— Severino, retirante,
não sei bem o que lhe diga:
não é que espere comprar
em grosso tais partidas,
mas o que compro a retalho
é, de qualquer forma, vida.
— Seu José, mestre carpina,
que diferença faria
se em vez de continuar
tomasse a melhor saída:
a de saltar, numa noite,
fora da ponte e da vida?

UMA MULHER, DA PORTA DE ONDE SAIU O HOMEM, ANUNCIA-LHE O QUE SE VERÁ

— Compadre José, compadre,
que na relva estais deitado:
conversais e não sabeis
que vosso filho é chegado?
Estais aí conversando
em vossa prosa entretida:
não sabeis que vosso filho
saltou para dentro da vida?
Saltou para dento da vida
ao dar o primeiro grito;
e estais aí conversando;
pois sabei que ele é nascido.

APARECEM E SE APROXIMAM DA CASA DO HOMEM VIZINHOS, AMIGOS, DUAS CIGANAS ETC.

— Todo o céu e a terra
lhe cantam louvor.
Foi por ele que a maré
esta noite não baixou.
— Foi por ele que a maré
fez parar o seu motor:
a lama ficou coberta
e o mau-cheiro não voou.
— E a alfazema do sargaço,
ácida, desinfetante,
veio varrer nossas ruas
enviada do mar distante.
— E a língua seca de esponja
que tem o vento terral
veio enxugar a umidade
do encharcado lamaçal.

— Todo o céu e a terra
lhe cantam louvor
e cada casa se torna
num mocambo sedutor.
— Cada casebre se torna
no mocambo modelar
que tanto celebram os
sociólogos do lugar.
— E a banda de maruins
que toda noite se ouvia
por causa dele, esta noite,
creio que não irradia.
— E este rio de água cega,
ou baça, de comer terra,
que jamais espelha o céu,
hoje enfeitou-se de estrelas.

COMEÇAM A CHEGAR PESSOAS TRAZENDO PRESENTES PARA O RECÉM-NASCIDO

— Minha pobreza tal é
que não trago presente grande:
trago para a mãe caranguejos
pescados por esses mangues;
mamando leite de lama
conservará nosso sangue.
— Minha pobreza tal é
que coisa não posso ofertar:
somente o leite que tenho
para meu filho amamentar;
aqui são todos irmãos,
de leite, de lama, de ar.
— Minha pobreza tal é
que não tenho presente melhor:
trago papel de jornal
para lhe servir de cobertor;
cobrindo-se assim de letras
vai um dia ser doutor.
— Minha pobreza tal é
que não tenho presente caro:
como não posso trazer
um olho d'água de Lagoa do Carro,
trago aqui água de Olinda,
água da bica do Rosário.

 — Minha pobreza tal é
que grande coisa não trago:
trago este canário da terra
que canta corrido e de estalo.
— Minha pobreza tal é
que minha oferta não é rica:
trago daquela bolacha d'água
que só em Paudalho se fabrica.
— Minha pobreza tal é
que melhor presente não tem:
dou este boneco de barro
de Severino de Tracunhaém.
— Minha pobreza tal é
que pouco tenho o que dar:
dou da pitu que o pintor Monteiro
fabricava em Gravatá.

— Trago abacaxi de Goiana
e de todo o Estado rolete de cana.
— Eis ostras chegadas agora,
apanhadas no cais da Aurora.
— Eis tamarindos da Jaqueira
e jaca da Tamarineira.
— Mangabas do Cajueiro
e cajus da Mangabeira.
— Peixe pescado no Passarinho,
carne de boi dos Peixinhos.
— Siris apanhados no lamaçal
que há no avesso da rua Imperial.
— Mangas compradas nos quintais ricos
do Espinheiro e dos Aflitos.
— Goiamuns dados pela gente pobre
da Avenida Sul e da Avenida Norte.

FALAM AS DUAS CIGANAS QUE HAVIAM APARECIDO COM OS VIZINHOS

— Atenção peço, senhores,
para esta breve leitura:
somos ciganas do Egito,
lemos a sorte futura.
Vou dizer todas as coisas
que desde já posso ver
na vida desse menino
acabado de nascer:
aprenderá a engatinhar
por aí, com aratus,
aprenderá a caminhar
na lama, como goiamuns,
e a correr o ensinarão
o anfíbios caranguejos,
pelo que será anfíbio
como a gente daqui mesmo.
Cedo aprenderá a caçar:
primeiro, com as galinhas,
que é catando pelo chão
tudo o que cheira a comida;
depois, aprenderá com
outras espécies de bichos:
com os porcos nos monturos,
com os cachorros no lixo.
Vejo-o, uns anos mais tarde,
na ilha do Maruim,
vestido negro de lama,
voltar de pescar siris;
e vejo-o, ainda maior,
pelo imenso lamarão
fazendo dos dedos iscas
para pescar camarão.
— Atenção peço, senhores,
também para minha leitura:
também venho dos Egitos,
vou completar a figura.
Outras coisas que estou vendo
é necessário que eu diga:
não ficará a pescar
de jereré toda a vida.
Minha amiga se esqueceu
de dizer todas as linhas;
não pensem que a vida dele
há de ser sempre daninha.
Enxergo daqui a planura
que é a vida do homem de ofício,
bem mais sadia que os mangues,
tenha embora precipícios.
Não o vejo dentro dos mangues,
vejo-o dentro de uma fábrica:
se está negro não é lama,
é graxa de sua máquina,
coisa mais limpa que a lama
do pescador de maré
que vemos aqui, vestido
de lama da cara ao pé.
E mais: para que não pensem
que em sua vida tudo é triste,
vejo coisa que o trabalho
talvez até lhe conquiste:
que é mudar-se destes mangues
daqui do Capibaribe
para um mocambo melhor
nos mangues do Beberibe.

FALAM OS VIZINHOS, AMIGOS, PESSOAS QUE VIERAM COM PRESENTES ETC.

— De sua formosura
já venho dizer:
é um menino magro,
de muito peso não é,
mas tem o peso de homem,
de obra de ventre de mulher.
— De sua formosura
deixai-me que diga:
é uma criança pálida,
é uma criança franzina,
mas tem a marca de homem,
marca de humana oficina.
— Sua formosura
deixai-me que cante:
é um menino guenzo
como todos os desses mangues,
mas a máquina de homem
já bate nele, incessante.
— Sua formosura
eis aqui descrita:
é uma criança pequena,
enclenque e setemesinha,
mas as mãos que criam coisas
nas suas já se adivinha.

— De sua formosura
deixai-me que diga:
é belo como o coqueiro
que vence a areia marinha.
— De sua formosura
deixai-me que diga:
belo como o avelós
contra o Agreste de cinza.
— De sua formosura
deixai-me que diga:
belo como a palmatória
na caatinga sem saliva.
— De sua formosura
deixai-me que diga:
é tão belo como um sim
numa sala negativa.

— É tão belo como a soca
que o canavial multiplica.
— Belo porque é uma porta
abrindo-se em mais saídas.
— Belo como a última onda
que o fim do mar sempre adia.
— É tão belo como as ondas
em sua adição infinita.

— Belo porque tem do novo
a surpresa e a alegria.
— Belo como a coisa nova
na prateleira até então vazia.
— Como qualquer coisa nova
inaugurando o seu dia.
— Ou como o caderno novo
quando a gente o principia.

— E belo porque com o novo
todo o velho contagia.
— Belo porque corrompe
com sangue novo a anemia.
— Infecciona a miséria
com vida nova e sadia.
— Com oásis, o deserto,
com ventos, a calmaria.

O CARPINA FALA COM O RETIRANTE QUE ESTEVE DE FORA, SEM TOMAR PARTE EM NADA

— Severino retirante,
deixe agora que lhe diga:
eu não sei bem a resposta
da pergunta que fazia,
se não vale mais saltar
fora da ponte e da vida;
nem conheço essa resposta,
se quer mesmo que lhe diga;
é difícil defender,
só com palavras, a vida,
ainda mais quando ela é
esta que vê, severina;
mas se responder não pude
à pergunta que fazia,
ela, a vida, a respondeu
com sua presença viva.
E não há melhor resposta
que o espetáculo da vida:
vê-la desfiar seu fio,
que também se chama vida,
ver a fábrica que ela mesma,
teimosamente, se fabrica,
vê-la brotar como há pouco
em nova vida explodida;
mesmo quando é assim pequena
a explosão, como a ocorrida;
mesmo quando é uma explosão
como a de há pouco, franzina;
mesmo quando é a explosão
de uma vida severina.