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segunda-feira, 19 de outubro de 2015
FOLHA DE PERNAMBUCO noticia lançamento de livro de Moisés Monteiro de Melo Neto (Moisés Neto) sobre JMB
http://www.folhape.com.br/edicaodigital/2015/setembro/27/files-2015-09-27/assets/basic-html/page24.html
Jornal do Commercio noticia lançamento de livro de Moisés Monteiro de Melo Neto sobre Jomard Muniz de Britto, pelo SESC
Jornal do Commercio (Recife, 26/ 09/15)
Pesquisador lança livro sobre poesia de Jomard Muniz de Britto
Moisés Monteiro de Melo Neto fez doutorado sobre a obra do pernambucano
e transformou pesquisa em livro
Publicado em 26/09/2015, às 05h47
Por Diogo Guedes
O autor Moisés Monteiro de Melo Neto ao lado do poeta Jomard Muniz de
Britto
Ao sair de
uma aula de Ciências Sociais no Centro de Filosofia e Ciências Humanas da UFPE
no início da década de 1980, o então estudante Moisés Monteiro de Melo Neto
(Moisés Neto) encontrou no Centro de
Artes e Comunicação um professor lançando um livro chamado terceira aquarela do brasil. Desde aquele momento, Moisés se surpreendeu com a atitude do autor –
uma pessoa antes de tudo crítica, mas que não abria mão do lúdico e do afetivo
nos diálogos, nos textos e na arte. Era o seu primeiro contato com o escritor,
cineasta, pensador, crítico cultural, performer
poético, enfim, com o infinito Jomard Muniz de Britto.
Muito tempo
depois, o fascínio que os textos e a figura de Jomard exerceram sobre o
estudante Moisés viraram o ponto de partida para uma pesquisa de doutorado sobre
a obra em versos do autor. O trabalho, orientado pela poeta e professora Lucila
Nogueira, é publicado agora em livro, no volume intitulado Os Abismos da Poeticidade em Jomard Muniz de Britto: Do Escrevivendo
aos Atentados Poéticos (Sesc). DOmingo (27), a partir das 17h30, Moisés
apresenta a obra ao público no Projeto Aldeia Yapoatan, na Jeimes Recepções, em
Candeias.
A obra faz
uma justiça com a fundamental e ainda pouco estudada obra poética de Jomard,
analisando-a com profundidade e tentando dar conta da multiplicidade de facetas
e referências que a compõem. Moisés divide a produção do autor, distribuída em
sete livros e incontáveis atentados poéticos, versos que Jomard imprime e
distribui pela rua e pelos e-mail: os anos 1970-80, a década de 1990 e o século
21.
“Jomard tem
esse método da pedagogia, da discussão política, da poesia. A arte, para ele, é
de uma só vez combativa e divertida. Ele é uma figura icônica anti-icônica”,
descreve o pesquisador. Nas palavras de Anco Márcio Tenório, citado pelo próprio
autor, ele é uma “espécie de pêndulo”, um “oxigênio necessário” para a cidade,
que se desequilibra e reequilibra a partir de outras leituras e possibilidades.
“Ele também sabe ser uma pessoa rígida, que questiona. Mas até na discussão ele
gera afetos, amolece o terreno e é flexível”, ressalta Moisés.
“A arte dele
é feita para mudar a cabeça das pessoas, mas sem destruir o que ela já tem ali
dentro. É algo que ele traz da pedagogia de Paulo Freire, de dialogar através
dos afetos que as pessoas já têm. Assim, ele consegue catalisar muita coisa”,
explica o autor. Segundo Moisés, foi preciso deixar esse fascínio pela figura e
pela obra de Jomard de lado para poder analisá-lo ao longo de quase 400
páginas. Ali, ele mostra a continuidade e descontinuidade das obras do diretor
e poeta, além de estabelecer pontos de contato de discordância dele com vários
filósofos e pensadores, especialmente Roland Barthes.
Além disso,
ao longo das mais de quatro décadas acompanhadas no trabalho, Moisés vê a
presença da Tropicália, do desbunde e
do pensando de Paulo Freire na poesia de Jomard, sempre com um caráter
experimental, inquieto. “Os atentados são um trabalho em progresso, uma forma
de falar com as massas e fugir do meio acadêmico. Como o nome deles indica,
tentam solapar o que é rígido na nossa cultura”, afirma.
http://jconline.ne10.uol.com.br/canal/cultura/literatura/noticia/2015/09/26/pesquisador-lanca-livro-sobre-poesia-de-jomard-muniz-de-britto-200890.php
domingo, 18 de outubro de 2015
MANIFESTO NEOCONCRETO: mais de meio século, ainda polêmico?
A expressão neoconcreto indica uma tomada de posição em face da arte não-figurativa "geométrica" (neoplasticismo, construtivismo, suprematismo, escola de Ulm) e particularmente em face da arte concreta levada a uma perigosa exacerbação racionalista. Trabalhando no campo da pintura, escultura, gravura e literatura, os artistas que participam dessa I Exposição Neoconcreta encontraram-se, por força de suas experiências, na contingência de rever as posições teóricas adotadas até aqui em face da arte concreta, uma vez que nenhuma delas "compreende" satisfatoriamente as possibilidades expressivas abertas por estas experiências.
Moisés Monteiro de Melo Neto, entrevistando Ferreira Gullar
(...)
O neoconcreto, nascido de uma necessidade de exprimir a complexa realidade do homem moderno dentro da linguagem estrutural da nova plástica, nega a validez das atitudes cientificistas e positivistas em arte e repõe o problema da expressão, incorporando as novas dimensões "verbais" criadas pela arte não-figurativa construtiva. O racionalismo rouba à arte toda a autonomia e substitui as qualidades intransferíveis da obra de arte por noções da objetividade científica: assim os conceitos de forma, espaço, tempo, estrutura - que na linguagem das artes estão ligados a uma significação existencial, emotiva, afetiva - são confundidos com a aplicação teórica que deles faz a ciência. Na verdade, em nome de preconceitos que hoje a filosofia denuncia (M. Merleau-Ponty, E. Cassirer, S. Langer) - e que ruem em todos os campos a começar pela biologia moderna, que supero o mecanicismo pavloviano - os concretos-racionalistas ainda vêem o homem como uma máquina entre máquinas e procuram limitar a arte à expressão dessa realidade teórica.
Não concebemos a obra de arte nem como "máquina" nem como "objeto", mas como um quasi-corpus, isto é, um ser cuja realidade não se esgota nas relações exteriores de seus elementos; um ser que, decomponível em parte pela análise, só se dá plenamente à abordagem direta, fenomenológica. Acreditamos que a obra de arte supera o mecanicismo material sobre o qual repousa, não por alguma virtude extraterrena: supera-o por transcender essas relações mecânicas (que a Gestalt objetiva) e por criar para si uma significação tácita (M. Ponty) que emerge nela pela primeira vez. Se tivéssemos que buscar um símile para a obra de arte não o poderíamos encontrar, portanto, nem na máquina nem no objeto tomados objetivamente, mas, como S. Langer e W.Wleidlé nos organismos vivos. Essa comparação, entretanto, ainda não bastaria pra expressar a realidade específica do organismo estético.
(...)
Por sua vez, a prosa neoconcreta, abrindo um novo campo para as experiências expressivas, recupera a linguagem como fluxo, superando suas contingências, sintáticas e dando um sentido novo, mais amplo, a certas soluções tidas até aqui equivocadamente como poesia. É assim que, na pintura como na poesia, na prosa como na escultura e na gravura, a arte neoconcreta reafirma a independência da criação artística em face do conhecimento prático (moral, política, indústria, etc.)
Os participantes desta I Exposição Neoconcreta não constituem um "grupo". Não os ligam princípios dogmáticos. A afinidade evidente as pesquisas que realizam em vários campos os aproximou e os reuniu aqui. O compromisso que os prende, prende-os primeiramente cada um à sua experiência, e eles estarão juntos enquanto dure a afinidade profunda que os aproximou.
(Ferreira Gullar, Lygia Clark, Lygia Pape, Amílcar de Castro, Franz Weissmann, Reynaldo Jardim, Sergio Camargo e Theon Spanudis)
Assistir ao RODA VIVA:
sábado, 17 de outubro de 2015
Alquimia na prosa de valter hugo mãe: O remorso de baltazar serapião
por Moisés Monteiro de Melo Neto
Ele
sofreu preconceito por ter nascido na África. O chamavam de preto, que tomava o
lugar dos verdadeiramente portugueses. O sobrenome “mãe” é fictício,
pseudônimo. O que sugere tanta coisa.
Primeiro
livro deste autor português de origem angolana Valter Hugo Mãe a ser lançado no
Brasil, foi “o remorso de baltazar serapião” (editora 34); é um romance de um regionalismo
menos mágico do que experimental, com linguagem de ranço arcaico e sintaxe estonteante;
a abolição das maiúsculas faz parte da arquitetura do estilo deste livro, cujos
tema e recursos , memoráveis nos deixam satisfeitos. A brochura faz parte de
uma tetralogia escrita com minúsculas (ele as acha fundamentais, e vê
inutilidade das maiúsculas)
Raduan
Nassar ao catalisar linguagem e
história, num tempo que tanto cheira à Idade Média, já foi lembrado como precursor
de um abordagem equivalente.
É
a história, cheia de estranhamento,
da família (chamada) sarga (alguns
membros teriam nascido de uma vaca) que lembra a comédia, no sentido dantesco, numa
dicção que Saramago chamou de novo “parto da língua portuguesa”, entre o
erudito e o popular.
baltazar
serapião narra a história do seu amor selvagem por ermesinda, pelo irmão artista o aldegundes, que como pintor teve favores do
senhor feudal; tudo permeado de misoginia feroz (Baltasar,marido, submete, como
seu pai o fez, as mulheres à violência extrema e metafórica (o parto seguido de
assassinato do bebê, da mãe adúltera, o irmão recém-nascido e morto de
baltasar). Destaque para a oralidade. O autor lê todos os seu textos em voz
alta, antes de concluí-los.
O remorso de baltazar
serapião, de 2006, foi o segundo livro da referida tetralogia, que inclui
o nosso reino, 2004;o apocalipse dos
trabalhadores, de 2008; a máquina de fazer espanhóis, de 2010
valter
hugo mãe conseguiu, com o remorso,
criar, num vilarejo geograficamente metafórico, regido por um dono das terras,
dom Afonso, (leia-se: corpos, almas/ etc.) e dos moradores (pobres como ermesinda,
jovem bela e pura do vilarejo).
A
mãe do narrador, baltasar, sofre, do mesmo modo que o filho quebra a braço,
entorta o pé e arranca um olho da esposa, agressões constantes do pai por
motivos os mais esdrúxulos; a ordem do senhor feudal, para que a esposa do
protagonista, visite-o e que ele não a proíba disto,o que transforma Dona Catarina, esposa dele, num monstro; já a
bruxa do vilarejo é queimada em praça pública (sobrevive para fazer pior (!)há
algo que lembra Otelo, de Shakespeare.
Quanto à busca da tentaticva de superação do humano
bestial, mostra do trabalho escravo, da reificação do ser, zoomorfização,
instinto de sobrevivência, sedução de Tânatos, faz tudo girar alucinadamente,
como no torvelinho da exploração sexual das personagens brunilda e ermesinda; pululam
os preconceitos nessa espécie de interior de Portugal; parece ligado também à literatura
pós-colonial de países lusófonos no seu, digamos assim, engajamento social .
Aqui
as mulheres só são belas porque têm “parecenças com os homens”, porém desprovidas
de inteligência, porém perigosas, até assassinas e traidoras.
O
final da narrativa é brusca, violenta, choque das possibilidades das palavras e
dos sentimentos.
quinta-feira, 15 de outubro de 2015
Miró e Moisés Monteiro de Melo Neto: poesia, sempre, Pernambuco sob os pés, mente na imensidão...
Sempre um prazer estar com Miró, sobre quem pretendo escrever uma peça de teatro (André Telles Do Rosário, cadê você?), este poeta pernambucano que escreve poemas pra gente desde 1985, tem mais de 7 livros lançados por este Brasil afora: Que descobriu azul anil (1985), Ilusão de ética (1993), Entrando pra fora e saindo pra dentro (1995), Quebra a direita segue a esquerda e vai em frente (1997), São Paulo eu te amo mesmo andando de ônibus (2001), Poemas pra sentir tesão ou não (2002), Pra não dizer que não falei de flúor (2004) e recitais por todas as esquinas.
Miró foi tema da tese de mestrado de André Telles Corpoeticidade: Poeta Miró e sua literatura performática, na Universidade Federal de Pernambuco.
A poesia dele tem um certo toque de crônica e ele gosta de dizer que não tem papas na língua, no sentido de usar palavras difíceis para que o engraxate e a mulher que vende tapioca na rua entendam.
Eis um dos seus poemas:
CARLA
Conheci Carla catando lata
seus olhos brilhavam
como alumínio ao sol
São Paulo ardia num calor
de quase quarenta graus
pisou na lata,
como pisam os policiais
nos internos da Febem
jogou no saco
com a precisão
que os internos jogam
monitores dos telhados
e rápido foi embora,
tal qual seqüestro relâmpago
deixando a lembrança de um tempo
que não havia
seqüestros,
Febem,
nem tanta polícia,
muitos menos
catadores de lata
Os olhos de Carla
Nem desse poema precisavam.
seus olhos brilhavam
como alumínio ao sol
São Paulo ardia num calor
de quase quarenta graus
pisou na lata,
como pisam os policiais
nos internos da Febem
jogou no saco
com a precisão
que os internos jogam
monitores dos telhados
e rápido foi embora,
tal qual seqüestro relâmpago
deixando a lembrança de um tempo
que não havia
seqüestros,
Febem,
nem tanta polícia,
muitos menos
catadores de lata
Os olhos de Carla
Nem desse poema precisavam.
Vemos o cotidiano esmagador ao som de uma lira incandescente. Nascer na Encruzilhada e morar no bairro que teve o lixão mais famoso da periferia do Grande Recife. Nem assim se deixou contaminar. Antes reviu tudo de forma também forte. Ele acha que os poetas devem parar de reclamar e fazer. Procurar espaços alternativos para divulgar os seus escritos longe dos mauricinhos brancos querendo resgatar a cultura popular. Prefere a postura "anti-istema". Sua pobreza suburbana deu-lhe um olhar com consciência de classe, revolta.
Sobre o seu trabalho, ele revelou à Agenda Cultural da Prefeitura do Recife: "Quando o André me escolheu para ser tema dessa tese, eu já vinha fazendo isso há muito tempo na rua, e sendo conceituado, sendo querido. Uma questão fundamental na história: fui muito conhecido, tive muita fama na rua, como P.F. (prato feito) de graça, minha poesia é exatamente a cara do ser humano na rua. Quando perguntam a mim: `Miró, o que você diria a um poeta novo?´, eu respondo: `Ande de ônibus, olhe pela janela do ônibus, seja observador, olhe as pessoas na rua conversando´. Eu escrevo só sobre isso, só que tem imagens poéticas e apuradas porque já faço poesia desde muito tempo. Você já levou sua poesia para a rua muitas vezes. Quais são as experiências pelas quais você já passou recitando poesia em espaços públicos? Muita coisa. Já passei pela experiência de estar falando em um poema: `o domingo era o dia mais feliz antes de Norma beijar um outro na boca´, e uma mulher disse: é gaia! Já levei mão na cara em Juazeiro da Bahia quando eu fazia isso, hoje em dia não faço mais, hoje eu sou convidado, mas quando eu comecei eu não podia ver cinco pessoas na rua que subia na mesa. Já fui aplaudido de pé em Niterói. O artista de rua passa coisas que nem Deus acredita. Ele vai ter aplausos, beijos de mulheres, vai ter casa pra dormir como eu já tive. A poesia me fez conhecer o Brasil, conhecer nossa gente, eu conheço quase o Brasil todo, a poesia me salvou, cara. Agora eu preciso ganhar dinheiro pra poder cuidar da minha mãe, dona Joaquina, que tem 82 anos, morar numa periferia onde todo mundo me ama, e chegar lá e ser considerado pelos policiais, pelos amigos, pela vizinha de baixo que nunca quis falar. Eu faço camisas, cartões-postais e não trabalho de segunda a sexta em lugar nenhum, eu nunca disse isso: desde 1985 que eu não saio de segunda a sexta pra canto nenhum tendo que ir, e fazendo poesia em um país que não lê."
Quanto à série Marginal Recife (série de quatro livros, com dez poetas cada, publicada pela Fundação de Cultura Cidade do Recife). Heloísa Arcoverde (Gerente de Literatura da FCCR), que viu Miró falando poesia na rua e quando foi pesquisar na prefeitura não achou nada. "Ela me chamou, chamou Cida e Valmir para que juntassem as pessoas que quisessem." Cida Pedrosa tem uma página na net: a Interpoética, há também recitais como o Quartas Literárias. Mas a união de sentar, "essa coisa política", segundo Miró, em Recife não acontece: "Agora tem sim um movimento que é forte e que quando quer bota pra quebrar. Os urbanos não têm paciência para reuniões. Eu sou um. Malungo tem o fanzine De Cara com a Poesia, eu tenho meu livro, Lara bota na internet, Chico Espinhara nunca quis nada com o poder, Érickson Luna era aquilo que todo mundo sabe. E o pior: o poder querendo ajudar. Quem fez o livro de Luna foram os amigos. Há uma coisa no Recife dos poetas urbanos de não quererem muita coisa com o sistema. E o sistema muitas vezes chamou a gente."
Todos os livros de Miró foram feitos de modo independente. O que não significa que recuse apoio de sindicatos. Foi publicado também em Marginal Recife (coletânea da FCCR) e pela "Livros e Letras", do Ceará (a segunda edição de seu único livro que fica em pé, o "Ilusão de ética"). Diz-se dono de uma poesia visceral. Começou a recitar nos anos 80 viajando pelo seu país e encontrando outros como ele. Recitador de Pernambuco, nas lidas do cotidiano, no pega mata e come da vida, de cada minuto. Oprimido, oprime. Ao falar do movimento cultural mais importante dos anos 90 no Brasil, o Manguebeat, Miró sustenta que Chico Science, Fred 04 e outros de sua geração sacudiram Pernambuco, o Brasil e o mundo. Mas que essa história de mistureba, Raul e Alceu já faziam.
por Moisés Monteiro de Melo Neto
terça-feira, 13 de outubro de 2015
HAMLET: Cena dos atores
Ato III, Cena 2
Entram Hamlet e três
dos atores.
* Hamlet. Diz a fala, rogo-te, como a pronunciei a ti, festivamente na língua; mas se a alardeares, como muitos de vós atores o fazem, preferiria eu que o anunciador da cidade dissesse minhas linhas.
Nem tampuco serres o ar demais com tua mão, assim, mas usa tudo suavemente: pois na própria torrente, tempestade, e, como posso dizer, redemoinho de tua paixão, deves adquirir e gerar uma temperança que lhe possa dar suavidade. Oh, ofende-me até a alma ouvir um robustoso sujeito de cabeça emperucada rasgar uma paixão em trapos, em farrapos mesmo, fender os ouvidos daqueles ao chão, os quais, em sua maior parte, não são capazes de nada além de inexplicáveis apresentações mudas e barulho. Eu faria açoitar a tal sujeito por exagerar em Termagant, é mais Heródico do que Herodes: rogo-te que o evites.
* Primeiro Ator. Eu garanto a vossa honra.
* Hamlet. Não sejas contido demais também, mas que tua discrição seja teu tutor: adequa a ação à palavra, a palavra à ação, com esta observação especial, que não vá além da modéstia da natureza: pois qualquer coisa em demasia se afasta da proposta de atuar, cujo fim, tanto no início quanto agora, era e é segurar, como fora, o espelho para a natureza, mostrar à virtude seu próprio aspecto, desdenhar sua própria imagem, e mesmo à idade e ao corpo do tempo sua forma e impressão. Agora, isso em demasia, ou ficando aquém, ainda que faça rir ao incapaz, não pode senão fazer o judicioso lamentar, o julgamento do qual deve, em teu reconhecimento, pesar mais que todo um teatro dos outros. Oh, há atores que vi atuar, e ouvi otros elogiarem, e isso efusivamente, para não dizer profanamente, que, nem tendo sotaque de Cristãos, nem trejeito de Cristão, pagão, nem homem, de tal forma pavonearam-se e rugiram que pensei que alguns viajantes da natureza fizeram homens, e não os fizeram bem, tão abominavelmente imitavam eles a humanidade.
* Primeiro Ator. Espero que tenhamos reformado isso consideravelmente em nós.
* Hamlet. Oh, reformai totalmente. E que aqueles que representam vossos palhaços mais não falem do que está escrito para eles: pois os há que farão a si mesmos rir, para incitar uma quantidade de estultos expectadores a rir também, embora entrementes alguma necessária questão da peça deva então ser considerada: isso é uma vilania e mostra uma mui lamentável ambição no tolo que o usa. Ide preparar-vos. [Saem os atores. Entram Polônio, Rosencrantz, e Guildenstern.] Pois bem, milorde! Irá o rei ouvir a esta obra?
* Polônio. E a rainha também, e isso imediatamente.
* Hamlet. Pede aos atores que se apressem. [Sai Polônio.] Vós dois ajudareis a apressá-los?
* Rosencrantz. [com Guildenstern] Nós o faremos, miolrde.
[Saem os dois.]
* Hamlet. Ora, olá, Horácio!
Entra Horácio.
* Horácio. Aqui, doce lorde, a teu serviço.
* Hamlet. Horácio, és mesmo o mais justo homem com que jamais minha conversação deparou.
* Horácio. Oh, meu caro lorde...
* Hamlet. Não, não penses que lisonjeio,
pois que benefício posso esperar de ti, que nenhuma renda tens, que não teus bons espíritos para alimentá-lo e vesti-lo? Por que se deveriam lisonjear os pobres? Não, que a língua adocicada lamba a pompa absurda, e dobre as juntas prenhes do joelho onde a vantagem pode-se seguir à adulação. Ouves-me? Desde que minha cara alma é mestra de sua escolha, e pode dentre homens distinguir, sua escolha selou a ti para ela mesma: pois tens sido como alguém, que ao tudo sofrer, nada sofre, um homem que os golpes e recompensas da Fortuna tomaste com igual gratidão: e abençoados são aqueles cujo sangue e julgamento são tão bem conjuminados que não são uma flauta para o dedo da Fortuna tocar o tema que preferir. Dá-me o homem que não é 'scravo da paixão, e eu o usarei no cerne de meu coração, sim, no coração do coração, como faço a ti. Isto 'stá algo excessivo. Há uma peça esta noite perante o rei, uma cena dela se aproxima da circunstância, da qual te falei, da morte de meu pai; rogo-te, quando vires este ato em cena, e com toda agudeza de tua alma observa meu tio. Se sua culpa oculta não se revelar por si mesma em uma fala, é um fantasma maldito aquilo que vimos, e minhas imaginações são tão malévolas quanto a forja de Vulcano. Nota-o atentamente, quanto a mim meus olhos se fixarão em sua face, e, depois, iremos ambos nossos julgamentos juntar na apreciação de sua aparência.
* Horácio. Bem, milorde: se ele algo roubar enquanto esta peça é representada, e escapar de detecção, pagarei eu o roubo.
[Soa um clarim. Entram Trumpetes and Tímpanos. Entram Rei, Rainha, Polônio, Ofélia, Rosencrantz, Guildenstern, e outros lordes acompanhantes, com a Guarda carregando tochas.]
* Hamlet. Eles estão vindo para a peça. Eu
devo me mostrar louco; toma um lugar.
* Cláudio. Como passa nosso primo Hamlet?
* Hamlet. Excelente, garanto, do prato do camaleão: eu como o ar, abarrotado de promessas. Não podes alimentar galos assim.
* Cláudio. Não tenho nada com esta resposta, Hamlet, estas palavras não são minhas.
* Hamlet. Não, nem minhas agora. [A Polônio] Milorde, representaste uma vez na universidade, dizes?
* Polônio. Isso fiz eu, milorde, e fui tido em conta de bom ator.
* Hamlet. O que encenaste?
* Polônio. Eu encenei Júlio César, fui morto no Capitólio, Brutus me matou.
* Hamlet. Foi um bruto papel dele matar
lá um bezerro tão capital. Estão os atores prontos?
* Rosencrantz. Sim, milorde, aguardam teu consentimento.
* Gertrudes. Vem aqui, meu bom Hamlet,
senta ao meu lado.
* Hamlet. Não, boa mãe, aqui 'stá
metal mais atrativo.
* Polônio. [ao Rei] Oh, ho! Escutas isso?
* Hamlet. Senhorita, posso deitar em seu colo?
[Senta-se aos pés de Ofélia.]
* Hamlet. Diz a fala, rogo-te, como a pronunciei a ti, festivamente na língua; mas se a alardeares, como muitos de vós atores o fazem, preferiria eu que o anunciador da cidade dissesse minhas linhas.
Nem tampuco serres o ar demais com tua mão, assim, mas usa tudo suavemente: pois na própria torrente, tempestade, e, como posso dizer, redemoinho de tua paixão, deves adquirir e gerar uma temperança que lhe possa dar suavidade. Oh, ofende-me até a alma ouvir um robustoso sujeito de cabeça emperucada rasgar uma paixão em trapos, em farrapos mesmo, fender os ouvidos daqueles ao chão, os quais, em sua maior parte, não são capazes de nada além de inexplicáveis apresentações mudas e barulho. Eu faria açoitar a tal sujeito por exagerar em Termagant, é mais Heródico do que Herodes: rogo-te que o evites.
* Primeiro Ator. Eu garanto a vossa honra.
* Hamlet. Não sejas contido demais também, mas que tua discrição seja teu tutor: adequa a ação à palavra, a palavra à ação, com esta observação especial, que não vá além da modéstia da natureza: pois qualquer coisa em demasia se afasta da proposta de atuar, cujo fim, tanto no início quanto agora, era e é segurar, como fora, o espelho para a natureza, mostrar à virtude seu próprio aspecto, desdenhar sua própria imagem, e mesmo à idade e ao corpo do tempo sua forma e impressão. Agora, isso em demasia, ou ficando aquém, ainda que faça rir ao incapaz, não pode senão fazer o judicioso lamentar, o julgamento do qual deve, em teu reconhecimento, pesar mais que todo um teatro dos outros. Oh, há atores que vi atuar, e ouvi otros elogiarem, e isso efusivamente, para não dizer profanamente, que, nem tendo sotaque de Cristãos, nem trejeito de Cristão, pagão, nem homem, de tal forma pavonearam-se e rugiram que pensei que alguns viajantes da natureza fizeram homens, e não os fizeram bem, tão abominavelmente imitavam eles a humanidade.
* Primeiro Ator. Espero que tenhamos reformado isso consideravelmente em nós.
* Hamlet. Oh, reformai totalmente. E que aqueles que representam vossos palhaços mais não falem do que está escrito para eles: pois os há que farão a si mesmos rir, para incitar uma quantidade de estultos expectadores a rir também, embora entrementes alguma necessária questão da peça deva então ser considerada: isso é uma vilania e mostra uma mui lamentável ambição no tolo que o usa. Ide preparar-vos. [Saem os atores. Entram Polônio, Rosencrantz, e Guildenstern.] Pois bem, milorde! Irá o rei ouvir a esta obra?
* Polônio. E a rainha também, e isso imediatamente.
* Hamlet. Pede aos atores que se apressem. [Sai Polônio.] Vós dois ajudareis a apressá-los?
* Rosencrantz. [com Guildenstern] Nós o faremos, miolrde.
[Saem os dois.]
* Hamlet. Ora, olá, Horácio!
Entra Horácio.
* Horácio. Aqui, doce lorde, a teu serviço.
* Hamlet. Horácio, és mesmo o mais justo homem com que jamais minha conversação deparou.
* Horácio. Oh, meu caro lorde...
* Hamlet. Não, não penses que lisonjeio,
pois que benefício posso esperar de ti, que nenhuma renda tens, que não teus bons espíritos para alimentá-lo e vesti-lo? Por que se deveriam lisonjear os pobres? Não, que a língua adocicada lamba a pompa absurda, e dobre as juntas prenhes do joelho onde a vantagem pode-se seguir à adulação. Ouves-me? Desde que minha cara alma é mestra de sua escolha, e pode dentre homens distinguir, sua escolha selou a ti para ela mesma: pois tens sido como alguém, que ao tudo sofrer, nada sofre, um homem que os golpes e recompensas da Fortuna tomaste com igual gratidão: e abençoados são aqueles cujo sangue e julgamento são tão bem conjuminados que não são uma flauta para o dedo da Fortuna tocar o tema que preferir. Dá-me o homem que não é 'scravo da paixão, e eu o usarei no cerne de meu coração, sim, no coração do coração, como faço a ti. Isto 'stá algo excessivo. Há uma peça esta noite perante o rei, uma cena dela se aproxima da circunstância, da qual te falei, da morte de meu pai; rogo-te, quando vires este ato em cena, e com toda agudeza de tua alma observa meu tio. Se sua culpa oculta não se revelar por si mesma em uma fala, é um fantasma maldito aquilo que vimos, e minhas imaginações são tão malévolas quanto a forja de Vulcano. Nota-o atentamente, quanto a mim meus olhos se fixarão em sua face, e, depois, iremos ambos nossos julgamentos juntar na apreciação de sua aparência.
* Horácio. Bem, milorde: se ele algo roubar enquanto esta peça é representada, e escapar de detecção, pagarei eu o roubo.
[Soa um clarim. Entram Trumpetes and Tímpanos. Entram Rei, Rainha, Polônio, Ofélia, Rosencrantz, Guildenstern, e outros lordes acompanhantes, com a Guarda carregando tochas.]
* Hamlet. Eles estão vindo para a peça. Eu
devo me mostrar louco; toma um lugar.
* Cláudio. Como passa nosso primo Hamlet?
* Hamlet. Excelente, garanto, do prato do camaleão: eu como o ar, abarrotado de promessas. Não podes alimentar galos assim.
* Cláudio. Não tenho nada com esta resposta, Hamlet, estas palavras não são minhas.
* Hamlet. Não, nem minhas agora. [A Polônio] Milorde, representaste uma vez na universidade, dizes?
* Polônio. Isso fiz eu, milorde, e fui tido em conta de bom ator.
* Hamlet. O que encenaste?
* Polônio. Eu encenei Júlio César, fui morto no Capitólio, Brutus me matou.
* Hamlet. Foi um bruto papel dele matar
lá um bezerro tão capital. Estão os atores prontos?
* Rosencrantz. Sim, milorde, aguardam teu consentimento.
* Gertrudes. Vem aqui, meu bom Hamlet,
senta ao meu lado.
* Hamlet. Não, boa mãe, aqui 'stá
metal mais atrativo.
* Polônio. [ao Rei] Oh, ho! Escutas isso?
* Hamlet. Senhorita, posso deitar em seu colo?
[Senta-se aos pés de Ofélia.]
Cena dos atores
HAMLET, montagem recifense
com Moisés Monteiro de Melo Neto (Hamlet)
e Simone de Figueiredo Lima (Ofélia)
direção: Paulo Falcão (Brasil) e Alberto Gieco (Argentina)
Teatro Valdemar de Oliveira
Adaptação do original de Shakespeare:
Moisés Monteiro de Melo Neto
e Ricardo Valença Monteiro
Figurinos : Walter Holmes
Cenário: Mozart Guerra
* Ofélia. Não, milorde.
* Hamlet. Digo, minha cabeça sobre teu colo?
* Ofélia. Sim, milorde.
* Hamlet. Pensas que me referia a assuntos do campo?
* Ofélia. Eu nada penso, milorde.
* Hamlet. Este é um pensamento justo para estar entre as pernas de uma donzela.
* Ofélia. O que é, milorde?
* Hamlet. Nada.
* Ofélia. Estás divertido, milorde.
* Hamlet. Quem, eu?
* Ofélia. Sim, milorde.
* Hamlet. Ó Deus, apenas teu fazedor de comédias! Que deve um homem fazer que não ser divertido? Pois olha quão contente parece minha mãe, e meu pai morreu nestas duas horas.
* Ofélia. Não, é duas vezes dois meses, milorde.
* Hamlet. Tanto tempo? Então não, que o diabo use preto, pois eu usarei um traje de martas. Oh, Céus! Morrer há dois meses e ainda não esquecido? Então há 'sperança que a memória de um grande homem possa viver mais que sua vida meio ano; mas, por nossa senhora, ele deve construir igrejas então, ou senão sofrerá não ser mais pensado, com o cavalinho, cujo epitáfio é Ole lê, Ole lê, o cavalinho foi 'squecido!
[Soa o Oboé. Entra a apresentação muda.]
[Entram um Rei e uma Rainha muito amorosamente; a Rainha abraçando-o e ele a ela. Ela se ajoelha, e faz mostras de declaração a ele. Ele a ergue e repousa sua cabeça sobre o pescoço dela. Ele se deita sobre um arranjo de flores. Ela, vendo-o adormecido, deixa-o. Logo vem um sujeito, tira sua coroa, beija-a, derrama veneno no ouvido do adormecido, e o deixa. A Rainha retorna, acha o Rei morto, e age apaixonadamente. O envenenador com três ou quatro mudos, entra novamente, parece consolá-la. O corpo é levado embora. O Envenenador atrai a Rainha com presentes; ela parece rude e recalcitrante por um tempo, mas no fim aceita seu amor.]
[Saem.]
* Ofélia. Que significa isso, milorde?
* Hamlet. Ave, isto é crime sorrateiro, quer dizer malfeitoria.
* Ofélia. Talvez esta apresentação importe o argumento da peça.
Entra o Prólogo.
* Hamlet. Saberemos por este camarada: os atores não sabem manter segredo, eles dizem tudo.
* Ofélia. Irá ele dizer o que significou esta apresentação?
* Hamlet. Sim, ou qualquer apresentação que lhe apresentares; mostra, ele não terá vergonha de dizer-te o que significa.
* Ofélia. És impertinente, és impertinente: Terei atenção à peça.
Pro. Para nós, e para nossa tragédia, aqui apelando a vossa clemência, imploramos vossa paciente audição. [sai]
* Hamlet. É isso um prólogo, ou a gravação de um anel?
* Ofélia. É breve, milorde.
* Hamlet. Como amor de mulher.
Entram [dois atotres como] Rei e Rainha.
* Rei Ator. Completas trinta vezes a
carruagem de Febo contornou o sal lavado de Netuno e o chão globular de Tellus, e trinta dúzias de luas com lume emprestado em volta do mundo vezes doze trintas 'stiveram, desde que o amor a nossos corações e Himeneu a nossas mãos, uniu recíproco em mui sagrados laços.
* Rainha Atriz. Tantas viagens possam o sol e a lua fazer-nos novamente contar antes que se acabe o amor! Mas, pobre de mim, 'stás tão doente ultimamente, tão longe d'alegria e de seu prévio estado que temo por ti. Ainda assim, embora eu tema, desconfortar-te milorde, isto em nada deve: pois o medo e o amor das mulheres mantêm quantidade, ou em nulo, ou em extremo. Agora, o que meu amor é, provas te fizeram saber, e como meu amor é dimensionado, assim o é meu medo; onde o amor é grande, as menores dúvidas são medo, onde pequenos medos tornam-se grandes, grande amor aí cresce.
* Rei Ator. Por fé, eu devo deixar-te, amor, e em pouco tempo mesmo, meus poderes operantes suas funções cessam de todo; e tu viverás neste belo mundo para além, honrada, amada, e por ventura alguém tão gentil por marido tu...
* Rainha Atriz. Oh, poupa-me do resto! Tal amor deve ser traição em meu peito: em segundo marido que eu seja amaldiçoada! Ninguém se casa com o segundo senão quem matou o primeiro.
* Hamlet. [à parte] Isso é artemísia, artemísia.
Rainha Atriz. As instâncias que segundo casamento movem são chãos respeitos de vantagem, mas não de amor. Uma segunda vez mato meu marido morto quando segundo marido me beija no leito.
* Rei Ator. De fato creio que pensas o que agora dizes, mas aquilo que determinamos com frequência descumprimos. Propósito é apenas escravo da memória, de violento nascimento, mas pobre validade: que agora, como fruta verde, pende da árvore, mas cai sem sacodir quando maduro ficar. Mui necessário é que esqueçamos de pagar a nós mesmos o que para nós mesmos é devido; o que para nós mesmos em paixão propusemos, finda a paixão, o propósito perde. A violência seja de dor ou alegria suas próprias atuações com elas mesmas destróem; onde a alegria mais festeja, mais lamenta a dor, a dor alegra, a alegria dói, em insignificante acidente. Este mundo não é para sempre, nem não é estranho que mesmo nossos amores devam com nossas fortunas mudar, pois é uma questão ainda a provarmos, se o amor conduz a fortuna, ou então a fortuna ao amor. Caído o grande homem, observarás suas moscas favoritas, homens pobres avançados fazem amigos de seus inimigos, e até aqui o amor à fortuna acompanha; pois quem não precisa nunca deixará de ter um amigo, e quem desejoso um amigo oco experimenta, instantaneamente o amadurece em inimigo. Mas, para ordeiramente terminar onde comecei, nossas vontades e destinos tão contrariamente correm que nossas tramas no entanto são desmanteladas, nossos pensamentos são nossos, seus fins não são nada de nosso; então pensa que com segundo marido não casarás, mas morrem teus pensamentos quando o primeiro lorde 'stá morto.
* Rainha Atriz. Nem me dê a terra alimento, nem o céu luz! diversão e repouso retira de mim dia e noite! Em desespero tranforma minha confiança e esp'rança! O júbilo de um anacoreta na prisão seja meu escopo! Cada oponente que descora a face d'alegria encontre o que quero bem e o destrua! Tanto aqui como para além persiga-me tormento duradouro, se, uma vez viúva, eu jamais for esposa!
* Hamlet. Se ela quebrar a promessa agora!
* Rei Ator. 'Stá profundamente jurado. Meu doce, deixa-me aqui um pouco, minha energia fenece, e com prazer eu enganaria o tedioso dia com sono.
* Rainha Atriz. O sono embale teu cérebro, e nunca venha infortúnio entre nós dois!
[Ele dorme. Sai a Rainha.]
* Hamlet. Madame, o que achas da peça?
* Gertrudes. A mulher protesta demais, penso eu.
* Hamlet. Oh, mas ela manterá a palavra.
* Cláudio. Ouviste o argumento? Não há ofensa nele?
* Hamlet. Não, não! Eles apenas gracejam,
veneno em gracejo, não há ofensa alguma.
* Cláudio. Como chamas a peça?
* Hamlet. "A Ratoeira". Ave, como? Tropicalmente. Esta peça é a imagem de um assassinato cometido em Viena. Gonzago é o nome do duque, sua esposa, Batista, verás logo logo, é uma desonesta peça; mas e daí? A vossa majestade, e a nós que temos almas livres, ela não toca; que o pangaré alquebrado se assuste, nossos cangotes não 'stão torcidos. [Entra Lucianus.] Este é um Lucianus, sobrinho do rei.
* Ofélia. És um bom coro, milorde.
* Hamlet. Eu poderia interpretar entre
ti e teu amor, se pudesse ver as marionetes se agitando.
* Ofélia. És agudo, milorde. És agudo.
* Hamlet. Custaria-te um gemido
para tirar meu gume.
* Ofélia. Tanto melhor, e pior.
* Hamlet. Então tendes que tomar vossos maridos. Começa, assassino, varíola, deixa tuas faces danadas, e começa. Vem: "O corvo crocitante vocifera por vingança."
Luc. Pensamentos negros, mãos aptas, drogas apropriadas, e tempo combinando, momento aliado, de mais criatura alguma vendo, tu mistura fétida, de ervas da meia-noite coletadas, com a maldição de Hécate três vezes acometida, três vezes infecta, tua mágica natural e temível propriedade, a vida íntegra usurpa imediatamente.
Despeja o veneno em seu ouvido.
* Hamlet. Ele o envenena no jardim por seu patrimônio. Seu nome é Gonzago: a história ainda existe, e é 'scrita em mui rebuscado italiano, verás em breve como o assassino consegue o amor da esposa de Gonzago!
* Ofélia. O rei se levanta!
* Hamlet. O que, assustado com fogo falso!
* Gertrude. Como passa milorde?
* Polônio. Interrompei a peça!
* Cláudio. Dai-me um pouco de luz. Vamos embora!
* Todos. Luzes, luzes, luzes!
Saem todos menos Hamlet e Horácio.
* Hamlet. Ora, que a gazela atingida vá chorar, o cervo indene brinque, pois uns devem velar, enquanto outros devem dormir: assim prossegue o mundo. Não iria isto, senhor, e uma floresta de plumas se o resto de minhas fortunas bancarem o Turco comigo, com duas rosas Provençais em meus sapatos enfeitados, conseguir para mim uma sociedade em uma trupe de atores?
* Horácio. Meia participação.
* Hamlet. Uma inteira, eu. Pois tu sabes, ó caro Damon, este reino desmantelado foi de Jove em pessoa, e agora reina aqui um mui, mui pavão.
* Horácio. Podias ter rimado.
* Hamlet. Ó bom Horácio, eu tomo a palavra do fantasma por mil libras! Percebeste?
* Horácio. Muito bem, milorde.
* Hamlet. Ao se falar em envenenamento?
* Horácio. Eu o observei muito bem.
* Hamlet. Ah, ha! Vamos, um pouco de música! Vamos, as flautas! Pois se o rei não gostar da comédia, pois então, talvez ele não goste, pardieu. Vamos, um pouco de música!
[Entram Rosencrantz e Guildenstern.]
* Guildenstern.Meu bom lorde, cencede-me
uma palavra contigo.
* Hamlet. Senhor, uma história inteira.
* Guildenstern. O rei, senhor...
* Hamlet. Sim, senhor, o que há com ele?
* Guildenstern. Está, em seu descanso, tremendamente destemperado.
* Hamlet. Com bebida, senhor?
* Guildenstern. Não, milorde, antes com cólera.
* Hamlet. Tua sabedoria se mostraria mais
rica ao significar isto ao médico. Pois levá-lo eu a sua purgação pode talvez mergulhá-lo em bem mais cólera.
* Guildenstern. Meu bom lorde, põe teu
discurso em alguma estrutura, e não fuja tão insanamente de meu assunto.
* Hamlet. 'Stou controlado, senhor: pronuncia.
* Guildenstern. A rainha, tua mãe, em mui grande aflição d'espírito, enviou-me a ti.
* Hamlet. És bem vindo.
* Guildenstern. Não, meu bom lorde, esta cortesia não é da lavra certa. Se te agradar dar-me uma resposta razoável, cumprirei o comando de tua mãe; senão... tua licença e meu retorno serão o fim de minha atribuição.
* Hamlet. Senhor, eu não posso.
* Guildenstern. O quê, milorde?
* Hamlet. Dar-te uma resposta razoável,
meu juízo 'stá adoecido; mas, senhor, tal resposta como posso eu dar, tu comandarás, ou antes, como dizes, minha mãe; portanto não mais, mas ao assunto: minha mãe, dizes...
* Rosencrantz. Então assim ela diz: teu procedimento a encheu de surpresa e admiração.
* Hamlet. Ó maravilhoso filho, que
pode assim espantar uma mãe! Mas não há continuação aos calcanhares desta admiração materna? Relata.
* Rosencrantz. Ela deseja falar contigo em seus aposentos antes de ires para a cama.
* Hamlet. Nós obedeceremos, fosse ela dez vezes nossa mãe. Tendes vós qualquer negócio ulterior conosco?
* Rosencrantz. Milorde, já uma vez me amaste.
* Hamlet. E assim ainda faço, por estas punguistas e ladras.
* Rosencrantz. Meu bom lorde, qual é a causa de tua pertubação? Tu, certamente, bloqueias a porta a tua própria liberdade
se negares tuas mágoas a teu amigo.
* Hamlet. Senhor, falta-me preferência.
* Rosencrantz. Como pode isso ser, quando tens a palavra do próprio rei para tua sucessão na Dinamarca?
* Hamlet. Sim, senhor, mas "enquanto cresce a grama" o provérbio é um tanto antiquado.
[Entram os Atores com flautas. ]
Oh, os flautistas: deixa-me ver um. Para encerrar contigo: por que circulas por aí perseguindo-me contra o vento, como se fosses me conduzir a uma armadilha?
* Guildenstern. Oh, milorde, se minha tarefa for por demais enfática, meu amor é por demais descortês.
* Hamlet. Eu não entendo bem isso.
Tocarias esta flauta?
* Guildenstern. Milorde, eu não o posso.
* Hamlet. Eu te rogo.
* Guildenstern. Crê-me, eu não posso.
* Hamlet. Eu te imploro.
* Guildenstern. Eu sei, nunca a toquei, miolorde.
* Hamlet. É fácil como mentir. Governa estes furos com teus dedos, dá-lhe sopro com tua boca, e ela discursará mui eloquente
música. Vê, estas são as chaves.
* Guildenstern. Mas a elas eu não posso comandar nenhuma emissão de harmonia, eu não tenho a habilidade.
* Hamlet. Why, look you now, how unworthy a thing you make of me! Ora, olha agora, quão indigna coisa farias de mim! Tu tocarias a mim, parecias conhecer minhas chaves, pinçarias o coração de meu mistério,
soarias-me de minha mais baixa nota até o topo de meu compasso, e há muita música, excelente voz, neste pequeno órgão, no entanto não podes fazê-lo falar. Sangue de Deus, pensas que sou mais fácil de ser tocado do que uma flauta? Chama-me de qual instrumento quiseres! Muito embora possas me dedilhar, ainda assim, não podes me tocar.
[Entra Polônio.]
Deus te abençoe, senhor!
* Polônio. Milorde, a rainha deseja falar
com o senhior, e imediatamente.
* Hamlet. Vês aquela nuvem que tem
quase o formato de um camelo?
* Polônio. Santa misericórdia, e ela
é como um camelo com efeito.
* Hamlet. Penso eu que parece um doninha.
* Polônio. Tem as costas de uma doninha.
* Hamlet. Ou uma baleia.
* Polônio. Parece bastante uma baleia.
* Hamlet. Então irei a minha mãe num instante. Enganam-me até o fim de minha envergadura. Irei em um instante.
* Polônio. Eu o direi [Sai.]
* Hamlet. Em um instante é facilmente dito, Deixai-me, amigos.
[Saem todos menos Hamlet.]
É agora mesmo a hora bruxuleante da noite, quando os cemitérios bocejam, e o próprio inferno exala contágio ao mundo; agora poderia eu beber sangue quente, e realizar tal amargo mister que o dia tremeria ao contemplar. Basta! Agora até minha mãe. Ó coração, não percas tua natureza, não deixes nunca a alma de Nero entrar neste firme peito: que eu seja cruel, não desnaturado, eu falarei adagas a ela, mas usarei nenhuma, minha língua e alma nisto sejam hipócritas: como quer que com minhas palavras ela seja condenada, dar a elas feitos nunca, minh'alma, consinta!
sábado, 10 de outubro de 2015
O russo Anton Tchékhov tem, em A Gaivota, uma das suas maiores peças de teatro
O texto será tema da palestra de hoje na BIENAL INTERNACIONAL DO LIVRO EM PERNAMBUCO (com Carlos Santos e Moisés Monteiro de Melo Neto, com mediação de edineide silva, no Ascenso Café, às 19h) e já teve direção de Constantin Stanislávski.
Na trama, Treplev, o escritor novo, incompreendido está em cotejo com Trigorine, escritor tradicional reconhecido. A desgraça e o desfecho trágico do jovem é o eixo dessa, digamos assim, comédia de costumes que flui para um drama denso em meio a um clima tenso, uma atmosfera de vazio, na vida de cidade do interior, pequena, atrasada, ideologicamente comprometida com o que chega da cidade. Personagens como Arkadina, a mãe de Treplev, é metonímia de um Teatro ultrapassado, mas que representa o sucesso; Nina representa a vontade de ser atriz com textos inovadores mal compreendida pelos valores do establishment. Ela e Treplev são atrofiados, enquanto presos a esse ambiente rural que os limita. O autor trabalha silêncios num texto teatral que explora a metáfora, a ironia, a crítica social, e põe em xeque certa espécie de modernidade.

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