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sábado, 11 de novembro de 2023

Para ler de uma vez: PALIMPSESTO, romance do pernambucano Moisés Monteiro de Melo Neto

 

 Por Wyllison Vítor Gonçalves Silva, graduando de Letras da Universidade de Pernambuco, UPE

 

Palimpsesto é assim, envolvente e muito receptivo. É curto em páginas justamente por ser dinâmico, tudo acontece muito depressa e, quando se percebe, já chegou ao fim. Parece meio assim, de característica “teatral”. É possível acompanhar os diálogos e imaginá-los a sua frente, num palco. Os personagens são sólidos. Não sou conhecedor dos meandros que permeiam as complexidades das linguagens e metodologias teatrais, mas intuitivamente percebo a presença de algum tipo de influência direta ou indireta da experiência com o trabalho teatral que Moisés tem se revelando em Palimpsesto.


 É tudo mesmo muito inventivo. Como estudante de Letras, me ponho em exercício de imaginar como se classifica uma obra assim. Ora um toque de realismo, com descrições de condições sociais e muita objetividade, ora um quê de romantismo, principalmente no narrador Lucas, a idealizar Michelle e desenvolver seus sentimentalismos, elucubrações filosóficas etc., ao mesmo tempo exibe um caráter

Moisés Monteiro de Melo Neto


memorialista, confundindo o que é real ou não. Por falar em Lucas, é possível também notar como a linguagem desse narrador é realmente jornalística. Não digo no sentido técnico da palavra, mas no sentido de apresentar ao leitor um domínio cultural, conhecimento de mundo, vivência, que se espera de um jornalista. A linguagem de Lucas é fiel a sua própria apresentação no começo do livro. O jornalista e escritor recifense exibe um vasto fluxo cultural de ideias, ora citando Shakespeare, ora citando Platão.

A complexidade que envolve a primeira parte, narrada por ele, é absolutamente fascinante. O desenvolvimento do personagem Lucas é interessantíssimo e me lembrou uma canção. Mal Necessário, composição de Mauro Kwitko, interpretada por Ney Matogrosso: “O ouvido que lhe escuta quando as vozes se ocultam
Nos bares, nas camas, nos lares, na lama”.

Mas voltemos ao Lucas. Que crossover! não? O sujeito vive uma louca paixão no Recife do manguebeat e termina por morrer sozinho em Jerusalém, ameaçada de guerra; sem mencionar a virada do ano no Egito com Saluá, leoa de cara salgada, ou nem tão salgada assim?!

Fato curioso os três narradores. O segundo, cujo nome não é apresentado, lembra um pouco a narração do Lucas, ele também é escritor, deve ser isso, semelhança do ofício. Mas é essencialmente diferente, Lucas vai mais além em profundidade, o que é natural se você evidencia que Lucas não é apenas narrador, mas também participante dos acontecimentos. O grande charme do segundo narrador é como ele convida o leitor para dentro do Egito, numa viagem. Ele é um guia turístico metafórico, detalhando os pormenores da vida no Egito, tamanha é sua capacidade de falar sobre os aspectos da vida no Cairo. Isso volta novamente ao que foi dito antes, a solidez dos personagens. Cada um é essencialmente perceptível, fiel ao seu papel na trama; muito bom. Será que poderemos aguardar o lançamento da biografia do bisavô napolitano do nosso narrador misterioso? Um spin-off.

A terceira parte, protagonizada por Michelle, nos leva a um caminho não muito convencional. É reviravolta, inesperado final. Como se diz hoje em dia no meio da cultura pop, um verdadeiro plot twist. Michelle narra o final e não tem muito tempo para se apresentar, mostrar quem ela é por dentro; na verdade a impressão que fica é que nem ela sabe muito bem, é confuso. Agora sem Lucas, vemos uma Michelle despida das idealizações que rondavam o começo do romance. O que sobra é uma Michelle real, mais velha, um tanto menos encantada e, ainda assim, fragilizada nas relações. Talvez porque não aprendeu totalmente o que Lucas quis dizer com “ver as facas que as outras pessoas escondem”.

Não tem jeito, desvio o assunto para os outros narradores mas sempre volto para Lucas. Uma observação divertida: na primeira parte, Lucas protagoniza os toques de romantismo que mencionei no início, totalmente. Mas na segunda parte, ele já se distancia um pouco dessa inclinação, culminando no espaço que vai surgir para o leitor conhecer Saluá.

Saluá é caprichosa, determinada, consegue o que quer. Quase me esqueci do momento dela no aeroporto em Tel Aviv. A narração da complicação na imigração do aeroporto é realmente maravilhosa, mesmo. Para mim é possível fechar os olhos e imaginar a cena com a mais completa sensação de realidade, também passei pelos imbróglios de perguntas como “Vai ficar quanto tempo?” “O que veio fazer aqui?” etc.

O narrador egípcio misterioso também parece conhecer bem a Israel. Descrições detalhadas de Nahariya, Jerusalém e o monte Carmelo em Haifa demonstram isso, lembram as falas sobre o Egito.

Para terminar, dou o meu adeus deixando uma citação de Lucas, que sabia das coisas: “Os homens não param de inventar a si próprios, diante dos nossos olhos”.


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