José Nogueira da Silva
Maria Betânia da Rocha de Oliveira
Moisés Monteiro de Melo Neto
Organizadores
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)
A634 Antologia do Cordel de Moisés Monteiro
de Melo Neto / José Nogueira da Silva, Maria Betânia
da Rocha de Oliveira, (organizadores).
– 1.ed. – Recife, PE:
Coqueiro, 2023. 203 p. ; 15X21cm. Capa : Leonardo Leal. ISBN :
978-65-86479-24-9 1. Cordel – Antologia.
2. Antologia – Cordel – Moisés Monteiro de
Melo Neto. I. Silva, José Nogueira da. II.
Oliveira, Maria Betânia da Ro cha de.
CDU 398.51(082.21)
CDU 159.947.4
CDD158.1
CDU
159.947.4
Monografia(especialização) –
Universidade Candido Mendes, MBAem Gestão de Ouvidoria, 2012. 1.
Gestão
Pedagógica. I. Universidade Cândido Mendes. Gestão de Ouvidoria. III.
Titulo
CDU37.07
Bibliotecária : Viviane Bento Catão Rodrigues – CRB7 5515
ÍNDICE
APRESENTAÇÃO...............
PREFÁCIO.........................
UM
ESTUDO SOBRE O CORDEL.....
OS
CORDÉIS DE MOISÉS MONTEIRO DE MELO NETO:
1
ENTERRADO VIVO: O HOMEM QUE VIROU CORDEL...
2
VAMPIRO NO CORDEL DE PERNAMBUCO.......
3 O CORDEL DA ESTRELA
JANIS JOPLIN.........
4 CORDEL
DO DOM QUIXOTE PARA JOVENS......
5
CORDEL DA ILÍADA: POEMA DE HOMERO SOBRE A GUERRA DE TROIA....
6
CORDEL DAS BONECAS ENFORCADAS.....
7
CORDEL DA HISTÓRIA DO TEATRO......
8 CORDEL DA HISTÓRIA DA LÍNGUA PORTUGUESA...........
9 CORDEL: TRADIÇÃO, RUPTURA E PROPOSTA
DE ENSINO........
10 CORDEL DA LITERATURA
BRASILEIRA DE AUTORIA INDÍGENA....
11 CORDEL DA VISÃO INDÍGENA SOBRE A
LITERATURA PORTUGUESA...
12. CORDEL DO LOBISOMEM NA CORTE DE
MAURÍCIO DE NASSAU
13. CORDEL DA COMPADECIDA 2
14. SHERLOCK E O CÃO DOS BASKERVILLES
15. CORDEL DAS FAMÍLIAS BELLI E MONTEIRO DE
MELO
16. MITO NO
CORDEL
17. A
PELEJA DE CHICO SCIENCE E ARIANO SUASSUNA
18.
CORDEL DO GATO PRETO
19. CORDEL DO TERROR ACADÊMICO
20. CORDEL DO TERROR EM PERNAMBUCO
21. CORDEL DO NATAL DE
HILDA HILST
22. CORDEL DO ESTRANGEIRO
CAMUS
23. ROMANCE DE PALMEIRA
DOS ÍNDIOS: LENDA E LUTA
POSFÁCIO EM FORMA DE
ARTIGO.....................
A LITERATURA COMPARADA NA PERSPECTIVA: O CRIME DO PADRE AMARO x CORDEL
DAS BONECAS ENFORCADAS
SOBRE MOISÉS MONTEIRO DE MELO NETO.............
NOTÍCIAS DE MANÉ GOSTOSO NETO......
APRESENTAÇÃO
Contar
histórias é um ato mágico e magnânimo. Transporta-nos no tempo e espaço. Momento
no qual passado, presente e futuro podem se encontrar. É assim, quando contamos histórias reais ou
fictícias. Ambas compõem a existência humana. Antes de aprender a escrever,
falamos. Ouvimos histórias dos mais
velhos nas rodas que, mesmo hoje, no mundo marcado pela tecnologia, ainda
persistem e encantam aos contadores de histórias e a seus ouvintes – quiçá,
futuros perpetuadores dessa arte.
Dentre
tantas, uma contação de história que
herdamos dos portugueses, nossos colonizadores, é a literatura de cordel. Esta
popularizou-se no nordeste brasileiro e
difundiu-se pelo país com a saída dos nordestinos para as nossas diversas
regiões. Desde meados do século XVIII até o presente, seja
através dos repentistas [violeiros/poetas que usam da cantoria (repente), para
improvisar seus poemas através da literatura oral e da literatura de cordel];
seja pelos folhetos onde os poemas rimados são registrados e pendurados em
cordas, vemos a resistência e
sobrevivência de uma literatura que aborda os mais diversos
assuntos, dos mais simples aos mais complexos, do transcendental
ao imanente, do saber comum ao científico, exercendo uma
difusão de conhecimento entre as pessoas
mais simples, arrefecendo a desigualdade social existente, que priva tantos brasileiros
de se apropriarem do conhecimento sobre o mundo que eles também ajudam a
construir.
O
trabalho de Melo Neto nos permite essa viagem por campos diversos. São
histórias fictícias e reais, realimentando um traço humano que tem sido
esmaecido pelas relações virtuais que hoje predominam. A aparência é que as
máquinas criam e nós admiramos suas criações, quando o contrário é o que é
real. Nada contra aos avanços tecnológicos, mas não devemos perder de vista
quem é o criador e quem é a criatura.
Nessa
Antologia ele revela a importância deste na sua vida (Enterrado vivo: o homem que virou cordel); proporciona viagens
através das histórias do teatro, da língua portuguesa e até do próprio Cordel,
mostrando que este “veio de
além-mar”, que “era mais para ser
ouvido”, depois passou a ser escrito e também habitado por “... diabo,
serafim, cangaço... tudo enfim”. Ele também não esquece de citar seus grandes
representantes, cuidando para que o tempo não apague de nossa memória os
produtores e defensores da Literatura de Cordel. Menciona a crise enfrentada
por esta nos anos 60, mas também do aumento das pesquisas sobre essa arte nas
universidades, nos anos 70. Revela sua preocupação com a difusão e valorização
das raízes populares presente no Cordel, sugerindo que as escolas não sejam
espaço apenas do conhecimento formal, veículo apenas da norma culta. Que essa
literatura deve ser instrumento para que os alunos se apropriem de uma outra
forma de ler e dizer o mundo.
Os
cordéis que aqui estão revelam mais ainda. Ensinam-nos que precisamos abrir
espaço para o dizer indígena, cuja cultura foi violentamente apagada, assim
como o foi a do negro. Ouvir e aprender com os povos originários. Dar voz ao
outro para conhecê-lo e enriquecermo-nos.
A
visão perversa e mesquinha de uma literatura “menor” é dissolvida o tempo todo.
O autor mostra a grandiosidade da arte cordelista, que é algo que continua
pulsando, acompanhando o evolver dos tempos, sem perder seu traço importante de
tornar o conhecimento acessível a todos que dele se acercar. Aproxima-nos de
Janis Joplin, Dom Quixote, Homero de maneira simples, provando que o Cordel não
habita apenas o sertão nordestino, revelando suas dores, crenças e alegrias.
Contata-nos com o mundo fantástico e doído presente no Cordel das Bonecas Enforcadas. Leva-nos a refletir sobre a falsa
moral que ainda habita a sociedade brasileira que marginaliza a mulher.
O
presente trabalho reacende a consciência de que não somos máquinas ou coisas,
pulsamos, somos constituídos de sentimentos que, desde sempre, o Cordel tratou
de traduzir, seja na oralidade, seja nos folhetos. O autor nos ensina que,
assim como a Ciência, a Literatura de Cordel tem um papel fundamental na nossa
existência: saber do humano, revelar
seus sentimentos, falar sobre seu mundo e ensinar que o que construímos não é
menor nem deve ser propriedade privada de alguns poucos. Que o conhecimento é
de todos. Que o Cordel é tão grandioso quanto o é o humano.
Maria
Betânia da Rocha de Oliveira (UNEAL)
PREFÁCIO
As leitoras e leitores têm a sua frente
uma máquina do tempo com um piloto que os permite detalhar a viagem a ser
realizada. Nós, viajantes das letras, guiados pelo piloto, o Prof. Dr. Moisés
Monteiro de Melo Neto, iremos sobrevoar os artefatos da sua Literatura de
Cordel e ficaremos surpresos ao encontrar uma realidade distinta da
estereotipada por outrem.
É importante não confundirmos o sujeito
que nos guia nesta viagem com a pessoa física do Prof. Dr. Moisés, seria o que
Mikhail Bakhtin diferenciou como autor-pessoa e autor-personagem, há
coincidências, mas são seres distintos. O autor-pessoa, o Prof. Dr. Moisés, é
docente na Universidade de Pernambuco, Campus
Garanhuns, e também na Universidade Estadual de Alagoas, em Palmeiras dos
Índios, ator, escritor de peças teatrais, cordelista, e pesquisador eclético
nas linhas de pesquisa caminhadas, além de uma forte ligação afetiva e cultura
com seus ascendentes, algo em comum com o autor-personagem, a exemplo de sua
bisavó do sertão da Paraíba, que contava histórias de cordéis, além do marido
dela, que conheceu Silvino Pirauá em uma visita ao Recife, ou seu avô da cidade
de Sanharó, interior de Pernambuco, o qual foi poeta e conheceu poetas da
região, enfim, há uma série de referências que não cabem nas referências
bibliográficas.
O autor-personagem, coincidentemente
também conhecido como o Prof. Dr. Moisés Monteiro de Melo Neto, nos oferece sua
Literatura de Cordel que foge dos padrões estereotipados pela folclorização da
nossa literatura. Ele expõe o vigo do Cordel desde o seu início, com obras
presentes nas feiras até os dias atuais: Leandro Gomes de Barros, João Martins
de Athayde, Franciscco Chagas Batista, entre outros que ecoam aqui e acolá, na
obra mosaica que aqui vocês poderão apreciar.
Como nosso autor não coloca as qualidades nem os defeitos dos amigos
debaixo do tapete, expõe suas sátiras, críticas sociais, combate a homofobia,
machismo, racismo etc.
Moisés renova o fazer cordelístico, ou
pelo menos aquilo que o Cordel vem produzindo conjuntamente para um público
consumidor com o qual os cordelistas dialogaram e dialogam através dos valores
priorizados nas obras.
Por essa rota, a importância do Cordel é justificada
com maestria, sua sistematização por Leandro Gomes de Barros fez com que nosso
autor-personagem entendesse os amigos e ao mesmo tempo concorrentes da época
supracitados, como discípulos de Leandro, por que não? Pois, muitos outros
vieram, desde o início com capas cegas, à chegada da xilogravura e ilustrações
desenhadas, os cordelistas utilizaram a tecnologia mais acessível para
conquistar o público cada vez mais, crescimento barrado apenas pela
predominância dos meios de comunicação em massa na década de 60 em diante,
ressurgindo com grande força poucas décadas depois, após Fausto Neto ser ou não
um divisor de água em seus estudos, questionamento entregue em nossas mãos.
Dúvidas acerca do surgimento do Cordel,
Europeu ou Brasileiro? Qual a métrica utilizada? Como ele sobreviveu ao mundo
digital? Ao contrário, como cresceu ainda mais na era digital? São
questionamentos discutidos e refletidos a ponto da leitura ser indispensável em
um momento no qual a crítica literária vem sendo ampliada, com inclusões
impensadas pela crítica clássica, aliás, o que é popular hoje pode ser clássico
amanhã, é como uma cerca dividindo dois terrenos, a cerca não surgiu
espontaneamente, alguém a colocou e em algum momento um arame caído faz com que
o que está de um lado passe para o outro, algo bem mais possível quando essas
peças são polidas pelas mesmas referências teóricas que a literatura clássica
em vez de estudos folclóricos importantes por conta da produção catalogada, mas
carente de metodologias adequadas em suas pesquisas.
Ao falar dos Cordelistas atuais, traz um
Cordel Vivo, com Moreira de Acopiara, José Honório, Américo Gomes, entre
outros. Essa manifestação literária não é avessa à modernidade, ao contrário, a
era digital expandiu seu alcance e suas possibilidades, não é por acaso que o
Cordel é cada vez mais familiar em nossas escolas e bibliotecas, enfim, o
autor-personagem não nos deixará no fim desta viagem, continuará nos guiando
através das reflexões propostas, boa leitura.
A palavra “antologia” vem do grego anthologias, significa coleção de
flores, termo que em latim significa “florilegium”, daí vem o sinônimo de
antologia “florilégio”. Por meio desse raciocínio, compreendo o vocábulo
“antologia” como uma metáfora de um jardim literário plantado por Moisés
Monteiro de Melo Neto, professor da Universidade de Pernambuco e da
Universidade Estadual de Alagoas, doutor em Teoria da Literatura, ator antes
disso, seu perfil foge do fenótipo historicamente construído do cordelista,
indivíduo pouco letrado, vendendo os cordéis em feiras, cantando e sobrevivendo
de suas vendas produzidas com uma arte absorvida de maneira autodidata.
Porém, se observamos seu perfil com
atenção, vemos que não foge tanto do arquétipo de quem o cordelista tem sido
historicamente. Primeiro, apesar das limitações fruto do pouco acesso que as
camadas populares tiveram a uma educação básica, poucos cordelistas têm o vasto
currículo do Dr. Moisés. Contudo, sempre tiveram cuidado com a escrita, a
métrica, rimas e as temáticas em coerência com as demandas dos consumidores. Nosso
autor apenas aprofundou cirurgicamente o que poucos fizeram, não é uma
descaracterização, é mérito. Segundo, na mesma cidade em que o cordel foi
sistematizado, ambos são recifenses e realizam diálogos entre os gêneros lírico,
épico e narrativa. O autor além de cantar o cordel nas feiras, escreve sobre a
própria história do teatro, consequência de sua atuação artística e docente.
A Literatura de Cordel tem passado por
transformações, mas sem perder características básicas que o faz ser
reconhecido em uma tradição centenária. Ao falar de Dom Quixote, Janis Joplin,
da Ilíada, da História da língua portuguesa, faz um convite para percorrer a
literatura fantástica ao citar Vampiros em Pernambuco, ou narrar sobre a lenda
das Bonecas Enforcadas e o Homem Enterrado Vivo, temos a sublimação artística
de seus diálogos intelectuais e literários. Compreendemos como a literatura
pode ser universidade ao mesmo tempo em que reafirma a sua identidade, por
isso, temos aqui uma antologia fora da curva, vai além de um cordel, é uma
proposta de produção poética, flores com novas fragrâncias plantadas em um
jardim com perfumes já existentes, fazendo jus ao nome “antologia”.
Falei
um pouco do livro
É
mais ou menos assim
História,
autores e obras
Tudo
tim-tim por tim-tim
Se
quiser saber de tudo
Leia
do começo ao fim
Prof. Dr. José Nogueira da Silva
(UPE/ UFAL)
Prof.
Dr. Moisés Monteiro de Melo Neto[1]
Encontramos,
no início de qualquer literatura, quer seja a grega, indiana etc., mais versos,
poemas. Isso porque sociedades iletradas
guardam versos com mais facilidade (por causa do ritmo e outros recursos da
poesia facilitam a memorização). As elites aceitam o novo o mais rápido do que
o povo, que o faz aos poucos. A cultura popular fez oposição à cultura erudita.
Não chamamos as culturas indígenas de populares (elas existem por si, não por
divisão de classes ou de qualquer outro tipo de cultura).
Nas expressões de cultura popular a poesia ocupa lugar de destaques,
pela dinamicidade e força de expressão, mas também há anedotas, casos, lendas
(em prosa) e outros tipos de narrativas. No Brasil, a poesia popular narrativa
supera a prosa (é o cordel). O cordel é uma parte impressa desta poesia. Poesia popular é muito ampla (muitas vezes
cantadas violeiros, narradores, cantadores e por aí vai).
Até o fim do século XIX, a poesia
popular estava em todo o Brasil. A maior parte da população era rural, as
distâncias eram grandes e não havia muito entrosamento com a área urbana. As
diferenças regionais e de tipos de poesia eram grandes (a da imigração europeia
no Sul/Sudeste do Brasil e a expansão nordestina para a Amazônia na época do
ciclo de borracha). Também no interior de São Paulo até as regiões de Goiás
(cultura caipira), na trilha dos bandeirantes. Exemplo disso é o Cururu, dança cantada do
caipira paulista que tem como base um desafio sobre os mais vários temas, em
versos obrigados a uma rima constante (carreira), que muda após cada rodada.
O Calango, este apenas oral é de cunho cultural, poético-musical, performativo,
social, coreográfico, enfim: festivo, foi difundida em alguns lugares do
Sudeste do Brasil, nele dois (ou mais cantadores), acompanhados por
instrumentos (sanfona de oito baixos, acordeom, e pandeiro, alternam-se no
canto de versos rimados, preexistentes ou improvisados, assumindo, geralmente,
a forma de um desafio). Já a poesia afro-brasileira e lembremos aqui que há vários
exemplos nas canções do folclore brasileiro desde a colonização e que no nosso
Brasil o multiculturalismo se dá, basicamente, entre português, africano e
ameríndio, mais por justaposição do que, como constatamos, por fusão. Na
literatura popular, a sociologia (e a antropologia) auxiliam a tratar da lógica
coletiva desta criação literária (artística) nas sociedades tradicionais.
A cultura nordestina virou símbolo de
cultura popular brasileira. No cordel usa-se muito, ainda, a sextilha com
versos de sete sílabas (redondilha maior). Assim o “panfleto” (cordel)
tornou-se a maior impressão poética da história do Brasil.
Cultura popular. No ocidente no
século XII, independente do sistema eclesiástico, em linguagem regional e não
em latina, língua oficial de toda a Europa cristã. As pessoas do povo iam
contando suas histórias, compondo versos, de forma primitiva, como em Provença,
Sul da França), Santiago (Galícia/ Espanha), no Norte de Portugal, Norte da
Itália para daí chegar a Roma e reafirmar-se como literatura popular. Tal literatura expressava-se de modo
diferente da cultura imposta pela Igreja Católica (em latim) e da linguagem
popular veem as línguas nacionais. Esses núcleos vão escoar suas culturas
regionais pela Europa através dos menestréis, trovadores, jograis, três
categorias de poetas andarilhos.
Depois da Revolução Francesa (triunfo
de burguesia) e de Revolução Industrial, a classe média emergente impôs outras
expressões que atingiram mais gente (não só os nobres). Inventa-se a orquestra
(em oposição à música do cânone), também as óperas fizeram sucesso.
A literatura popular pega a virada do
século XVIII para o XIX, aproximando-se da erudita (isso também se deu na
pintura, teatro, escultura). A imprensa facilitou muito esse processo (nos
E.U.A., por exemplo). No Brasil só na virada do XIX para o século XX, foi que
tivemos o apogeu da literatura popular.
Não só de contos e lendas se faz
literatura popular, há os ditados, o teatro popular, que teve origem nos autos
(críticos e irreverentes) e a plateia interferia com refrões e exclamações,
geralmente em feiras e outras aglomerações humanas, como num teatro de arena
levado às últimas consequências). O mamulengo herdou muito disso, o
bumba-meu-boi também. São histórias que passaram por várias gerações trazendo
os mitos, os preconceitos, críticas, até nos E.U.A. havia histórias do Tio
Remus, um preto velho. Na Alemanha os Irmãos Grimm
recolheram histórias da literatura popular. Mas é bom refletir: “oficializar” a
literatura popular é acabar com boa parte do seu poder? É “engessá-la”,
imobilizando-a? Sócrates achava que a filosofia não deveria ser escrita, por
exemplo, talvez seja o mesmo caso de se querer “fixar” a cultura popular num
conceito fechado.
II
As cantigas de roda são formas fixas
(poesias fixas). Já o chamado repente,
só para citar um caso, é improvisado por cantadores que só, ou em dupla, são
rápidos na formação dos versos e na certeza do que exprimem (boa parte dessas
produções raramente são registradas). Há também algo parecido com essas pelejas
em outros lugares do mundo: na África, por exemplo, tem os Griots.
Chama-se griot (pronúncia:
"griô") ou ainda jeli (ou djéli) um personagem importante na
estrutura social da maioria dos países da África Ocidental, cuja função
primordial é a de informar, educar e entreter. É uma figura semelhante ao
repentista no Brasil, com a diferença de que constituem uma casta (costumam
casar-se somente com outros griots ou griottes, seu equivalente feminino), assumindo
uma posição social de destaque em seu meio, pois este é considerado mais que um
simples artista. O griot é antes de tudo o guardião da tradição oral de seu
povo, um especialista em genealogia e na história de seu povo. Acredita-se que
o termo griot tenha surgido da
palavra "criado", em português, idioma que desde o século XV
influenciou boa parte da região onde encontram-se tais cantadores. O griotismo,
ou seja, a atividade de griot está
presente entre os povos mande, fula, hausa,
songhai, wolof entre outros (tais povos estão espalhados entre vários
países da África, desde a Mauritânia mais ao norte até a Guiné-Bissau ou o
Níger mais ao sul). Por isso mesmo, o griot
tem como profissão coletar e memorizar versos de antigas canções e épicos orais
que são transmitidos geração após geração, século após século, e deve fazê-lo
sem cometer nenhum erro ao cantá-los. Deve ainda estar atento aos
acontecimentos, funcionando como um jornalista. Depois
de um bom jantar, com a lua brilhando, as pessoas de uma aldeia na África
antiga podem ouvir o som de um tambor, chocalho, e uma voz que gritava:
"Vamos ouvir, vamos ouvir!" Esses foram os sons do griot, o contador de histórias. Quando
eles ouviram o chamado, as crianças sabiam que estavam indo para ouvir uma
história maravilhosa, com música e dança e música! Algumas histórias eram sobre
a história da tribo. Alguns eram grandes guerras e batalhas. Algumas eram sobre
a vida cotidiana. Não havia linguagem escrita na África antiga. Os
narradores acompanhavam a história do povo. Havia geralmente apenas um contador
de histórias por aldeia. Se uma vila tentava roubar um contador de histórias de
outra aldeia, era motivo de guerra! Os contadores de histórias foram
importantes. Os griots não eram as
únicas pessoas que podiam contar uma história, mas os griots eram os "oficiais" contadores de histórias. O griot aldeia não tem que trabalhar nos
campos. Sua tarefa era contar histórias.
Registramos também uma produção literária
escrita pelos povos africanos, em línguas locais mesclada com português,
querendo tornar essa escrita um tanto inacessível aos europeus, dificultando ao
branco decodificar algumas “mensagens”. Isto prossegue nas obras de Antônio
Jacinto, Agostinho Neto,
Craveirinha, e outros. Eram palavras e
frases idiomáticas em línguas como o quimbundo. Diferente da brasileira,
a literatura africana de língua portuguesa tem menos de um século de existência,
se reconhecemos os direitos dos seus povos.
Também nos países de língua árabe os
contadores oficiais de histórias. Há a
poesia repentista, mas a prosa predomina. O nosso malasartes aparece tanto no
mundo árabe como no ibérico (culturas que muito nos influenciaram). Desde 1450,
quando foi inventada a impressão que as histórias populares (poemas) foram
publicadas. Surgem assim os folhetos e almanaques populares (1483-França). Já
na Idade Média os travadores e menestréis viajavam contando fatos e notícias
populares (vida de santos etc.). Na Inglaterra foram publicadas as Baladas (ballads), feitas para cantar e
publicadas num lado só de uma folha de papel. A influência das metrópoles foi
total nas colônias.
Havia no Brasil tendências de cunho
regional. No México há o equivalente aos mesmos cordéis: os corridos (desde a Revolução Mexicana –
em filhos colantes). Colômbia e
Venezuela, Equador, Peru, Bolívia, Chile, Paraguai, Uruguai, Argentina (as Payadas, o repentismo parecido com o do
Rio Grande do Sul – nos 3 últimos países, houve, no momento colonial, menos
poesia popular impressa, mas intensa produção oral). Na Argentina o herói
popular Martin Fierro, na metade do século XIX:
representa, também, aquele popular que luta muito, recebe pouco e tarde.
José Hernandez escreveu longo poema sobre este herói épico (Fierro nunca
existiu de fato mas é um símbolo do povo argentino).
No Brasil é a prosa popular era
raramente impressa. Para divulgar sua poesia, o povo conseguiu fazer uso da
imprensa no final do século XIX. A diferença do Cordel em relação às outras
expressões da literatura popular é que o próprio homem do povo imprime suas
produções do jeito que ele entende (e do modo que seus recursos permitem). Os
livros de 8 chamavam-se assim; “folhetos”, os de 16: romance e os de 32 em
diante eram as “histórias”. Mas há outras peculiaridades para nomear folhetos,
romances e histórias.
Também já se estudou a literatura
popular dividindo por assunto. Talvez isso não seja muito adequado, em muitos
casos (imaginem se fizéssemos o mesmo com a literatura erudita). Há nos
cordéis, como tema muito explorado, por exemplo, o catolicismo popular (dentre
tantos assuntos que interessam ao povo, isto é: assuntos comentados sob o ponto
de vista popular). Na forma há ainda o chamado Abecê, onde cada estrofe começa com a sequência do alfabeto, o Desafio (ou “peleja”, como citamos, que
pode chegar à forma escrita), a Cantoria, dentre outros expressões.
Como capa de cordel, a xilogravura
começou com o mestre Noza (Juazeiro do Norte-CE), ficaram, famosas só no início
dos anos 1960 (houve até exposição em Paris, 1965).
É uma longa história até os dias de
hoje. Há milhares de poetas de literatura de Cordel, mas Leandro Gomes de Barros (1865-1916), paraibano que viveu no Recife,
foi o mais famoso de todos, 200 dos seus poemas foram catalogados. A seguir
João Martins Athayde (PB, 1880-PE,
1959), comprou os direitos de Leandro à viúva desse. Mas também foi grande poeta (é autor de
“História de Roberto de Diabo”. Cuíca de Santo Amaro (BA, 1910-1965), andava
vestido de fraque, falava mal dos corruptos, chapéu oco, cravo vermelho à
lapela (serviu de personagem de amigo Jorge Amado em “Tereza Batista cansada de
Guerra”). Um dos seus cordéis é “o
casamento de orlando Dias com Cauby Peixoto”, para
vermos como a homofobia reinava nessa área.
Outro bem conhecido é Rodolfo Coelho Cavalcante, um alagoano
que nasceu em 1919. Escreveu mais de mil
poemas e o mais famoso é “a moça
que bateu na mãe e virou cachorra” (com a venda deste ele comprou a casa onde
viveu). Atuou mais em Salvador, sua obra foi estudada, há muitas décadas, pela
Academia Francesa.
Citemos agora Raimundo Santa Helena (nasceu entre Paraíba e Ceará). Seu pai foi assassinado por Lampião. Ele
alistou-se na Marinha e lutou na Segunda Guerra. Fez uma espécie de jornalismo
cordelístico (quando Doca Street foi condenado, no mesmo dia ele fez um folheto
que saiu antes dos jornais). Destaque também para Franklin Machado, nasceu na
Bahia, mas morou em São Paulo. Era
advogado e jornalista, abandonou tudo para só escrever cordel.
O SERTÃO DO PAJEÚ E A LITERATURA
POPULAR
O Sertão do Pajeú em Pernambuco é um
lugar associado ao exercício da poesia popular, isso é certo. São muitos os
poetas e poetisas, ali. Naquela região se aprende desde muito cedo a arrancar
poesia das coisas, como um fruto maduro e bom de uma árvore generosa, mas não
só isso, da aspereza também se extrai esse versejar. Não sabemos bem desde
quando, mas é fato. Homens e mulheres se expõem num fazer poético encantatório,
de existência e entrega lúdica. São cantadores, glosadores, cordelistas. São
muitas cidades, mas há elos entre elas no que se trata dessa produção: são
poemas que formam a espinha dorsal dessa literatura. Isso se dá com registros
há mais de um século e prossegue sem tempo para parar, tanto na modalidade
escrita quanto na poesia oral. É como se a linguagem falada se empoderasse num
processo de letramento que se põe a gerar, num fluxo contínuo, uma poeticidade
vinda de um olhar que reconstitui os reflexos daquela luz, daquele ar, daquele
ser e estar poéticos, naturalmente, mas também de uma Escola que se faz presente e mostra uma técnica que atravessa
gerações e se renova.
Homens e mulheres trazem dos olhos as
imagens, de cérebro uma poesia que filtra, na confluência da palavra uma
mundividência que é cristalizada guardando o essencial da vida, numa técnica
que rompe a mecanicização imperante no mundo
do século XXI, que aparece assim reordenado inclusive numa exposição
mais saudável de convivência entre o lírico e a realidade. Literatura popular,
patrimônio cultural, essa faze poética, inclusive brota nos locais de difícil
acesso na região, e também no cento das cidades maiores, produzindo parte
material bibliográfica que, também, a Academia trata de coletar.
Algumas vezes tal literatura popular
tem sua poesia passada oralmente da geração a geração. Nos roçados, nas
produções de doces, queijos, artesanato e outros afazeres, nos aboios. Às vezes
tais poetas (e poetisas) acompanham o fazer poético com um instrumento musical,
uma cabeça, uma viola, um pandeiro. É tanta poesia que parece nem caber nos
versos.
Nas comunidades quilombolas, como a
de brejo de Dentro, em
Carnaíba. Muito do folclore entra nessa
produção como o ritmo e as letras do coco. Farinha, cachaça, macaxeira, tudo se
junta em motes que vão sendo glosados com vigor e notável habilidade num
processo intersemiótico de variadas expressões nas dezessete cidades
pajeuzeiras fartas de produção poética, sendo que em São José do Egito parece
haver maior concentração de forças, mas também em Afogados da Ingazeira,
Tabira. Em São José do Egito, a Prefeitura oferece a disciplina Poesia Popular
no ensino fundamental, facilitando assim a multiplicidade de sentidos na
produção poética.
Nem sempre esses poetas, essas
poetisas, têm suas produções publicadas, o que não impede que esses poemas
sejam recitadas. Com a popularização dos celulares e o fortalecimento dos
provedores de internet, em produção vem ganhando mais essa mídia, que mesmo
assim não supera os outros meios de divulgação aqui já mencionado.
A poesia do Pajeú tem os traços de
forte oralidade que se interseciona com a música a busca com o leitor/ouvinte,
isto se dá através da relação vocabular, ritmo, rimas, métrica, isso quando
declamada aposta na ênfase sonora, entonação cadência. Sem contar na
performance dos poetas. Não se pode falar de tais poetas excluindo a oralidade,
trabalhos com a voz que se adeque a esta produção de literatura popular. Sem
contar que aí, o corpo todo fala. É um verdadeiro tesouro/cornucópia esta
prática poética, esses poetas da tradição oral, esta produção e repetição de
textos vivos e revividos, verdadeira memória cultural.
Não se fala aqui em buscar a mensagem
de uma obra, buscar o seu significado e deixar em segundo plano o significante,
mas contextualizar o texto cordelístico enquanto prática social, reflexo da
relações entre autores e sua sociedade, sem impressionismos ou subjetivismos,
na dualidade de signo, como assinala Barthes no seu livro mitologias, levar em conta a
multiplicidade, a pluralidade de mundo.
“O mito, tal como um animal,
capturado e observado, se transformar em outro objeto” (Barthes, Roland.
Teoria: Entrevistas recolhidas.
Barcelona: Anagrama, 1971, p. 13, in Fausto Neto, 1979, p. 48) não é um
conjunto de enunciados gramaticais ou agramaticais: “são particularidades
dessas conjunções de diferentes esses atos da significância presente na língua,
cuja memória de desperta: a história
(FAUSTO NETO, 1979, p. 48).
Os textos se constituem em realidade
histórica, produtos de uma formação social, produzidos e reproduzindo-a,
historicamente determinados, ideologicamente comprometidos. Todo texto serve a
uma causa. Há nos cordéis, também, conflitos desigualmente resolvidos no plano
simbólico (como no social). “A astúcia de ideologia reside no fato de insinuar
que as contradições da sociedade se resolvesse no âmbito dos textos [...]
condenar para explicar, explicar para dissimular, dissimular para oprimir,
oprimir para estabilizar, estabilizar para institucionalizar o poder [...] é
nesta condensação e no consequentemente deslocamento das contradições reais
para o plano do discurso que se operam as astúcias de ideologia (FAUSTO NETO,
1979, p. 50-51). Analisando tais discursos, observamos os fenômenos sociais
neles representados, a apropriação de símbolos, materiais significantes, nos
cordéis, também, os grupos dão sentido às suas práticas. Como reconhecer
algumas noções dissimuladoras das relações sociais, nesta literatura? Há neles
personalização dos problemas, reprodução de modelos conservadores, como forma
de controle, falta de respeitos a algumas “diferenças”, no sentido deleusiano.
Nem sempre são os ditos poderosos que nos oprimem, às vezes somos nós mesmos
que nos enganamos, talvez, por um mundo “obrigatório” para todos, onde as
relações sociais se harmonizariam ou pelo menos se justificam, numa cultura
afirmativa que naturaliza as relações até numa peleja. Borra-se a miséria a qual o corpo muitas
vezes é submetido.
A descrição nostálgica da sociedade
está presente em muitos cordéis, eliminando a noção dinâmica de futuro. A dignidade de uma visão de sertanejo, por
exemplo, parece, da visão de sertanejo, por exemplo, parece, de sua fibra, da
sua alma, eclipsa uma reforma social muito maior que se faz necessária.
Observações ingênuas de leitura superficiais não ressaltaram em grandes
análises que detectem tais sintomas, que talvez estejam além de pressupostos
hermenêuticos, buscando nas “relações do extratexto (...) as servidões
ideológicas da mensagem [...] apreender o que o texto deixa transparecer sem
mostrar” (fausto neto, 1979, p.
56).
Cavalcante Proença fechou-se em um
texto em si para apontar, classificando os cordéis, numa leitura formalista do
texto. Tirados do folclore, das leituras
/ vivências dos cordelistas (que às vezes não sabia escrever e ditava para
outros escreverem), os tipos de estrofes, métricas, 5, 7, 10, o martelo e o
hendecassílabo da arte maior. Como vemos ele praticou a investigação de caráter
morfológico, o caráter morfológico do cordel, como Propp fez com os contos
populares europeus, identificando estatísticas, tópicas da realidade, o nível
de semantização de certos tópicos da realidade, numa preocupação
identificadora.
Se pensarmos no tratamento
estatístico em cotejo com os processos de informação institucionalizados,
parece que vemos as mensagens, ali transmitidas, ganhando autonomia em relação
ao todo social.
A fixação de elementos (constantes e
variáveis), os episódios agrupados, as unidades morfológicas, vemos que as
diferenças vão sendo rasuradas. Não é o sistema como um todo que estaria podre,
é aquele coronel malvado. As formas culturais da classe subalterna foram lidas
de maneira acadêmica por intelectuais como Ariano Suassuna.
Também Guimarães Rosa usou sua
erudição (conhecimento de várias línguas, estudos de linguística, literatura,
cultura popular etc.) para recriar a cultura dos subalternos: João Cabral o fez
num modo mais crítico. Suassuna dizia-se dos cordéis que ali estava “a
liberdade poética de reinventar e recriar o mundo que faz o encanto e a força
dos folhetos nordestinos [...] Suassuna vincula uma imagem de cordialidade e
harmonia [...] as diferenças são substituídas pela possibilidade de um
continuum” (FAUSTO NETO, 1979, p. 63).
Interligação entre as classes e as
sociedades, o cordel incorporou algo da indústria cultural (TV, cinema), até em
especial forma de “denúncia” (que as novas tecnologias poderiam afetar a
cultura popular, por exemplo). Hoje
vemos que a internet favorece o novo cordel e que estes “guardiões” eruditos da
cultura popular estão repaginados, que não devemos reverências a estereótipos e
preconceitos. Será que só as classes subalternas podem resolver suas questões
identitárias?
Raymond Cantel exemplifica o
intelectual que achava que o progresso não favoreceu o cordel. Em relação ao
Estado e seu projeto de dominação nos diferentes níveis da sociedade o que
vemos é a utilização do espaço dominado, visando utilizá-lo como mecanismo
tradutor. “Cordel como meio didático, também foi utilizado pelo governo militar
(1964-1985).
Há os que usam a folclorização como
abordagem metodológica para o estado dos cordéis. O brazilianista Mark Curran dizia que o
Estado deve sempre ter uma atitude de preservar e atuar como guardião dessas
manifestações da cultura popular (Mark Curran. A literatura de cordel.
Recife: UFPE, 1973).
Em conferência, na UFMG, em agosto de
1976, o Prof. Raymond Cantel disse que o cordel seria: “Uma literatura de
evasão e de informação que visa esquecer a triste história do Nordeste [...] é
um tesouro artístico e uma obra literária a qual o povo não teria acesso de
outra maneira. Decodifica as mensagens eruditas em termo da realidade
nordestina e prepara a assimilação da mensagem de elite para o povo (CANTEL,
Raymond. Conferência pronunciada apelo Prof. Raymond Cantel. Belo Horizonte: UFMG, 1976).
A cultura popular seria o senso
comum, manifestações espontâneas, urdes e a cultura oficial seria a distinção
intelectual elaborada, mas a ideologia dominante a tudo perpassaria no seu
projeto de naturalização e legitimação de ordem mais geral, dissolvendo as
contradições políticas e sociais, ocultando tensões antagônicas na formação
social brasileira, neutralizando a explicitação do sentido das lutas sociais.
O cordel como prática de comunicação
operava através de mensagens e correspondia a um fenômeno estruturante de
poder, hoje esse papel é mais modesto. Hoje são clássicas do cordel que
enriquecem nossa cultura. Nosso vínculo com ele é outro, claro. Sim, cultura
popular. A pergunta de Fausto como a ideologia encobre e deforma as relações
sociais nesta literatura? Ele usa a definição de cultura popular de Antônio
Gramsci onde o povo não estaria ainda politicamente organizado, num processo da
estratificação que vai do mais grosseiro ao menos grosseiro. Lembrando que nenhum modo de produção existe
em estado puro (in Fausto Neto, 1979,
p. 82).
Levemos em consideração a cultura
como uma rede de relações onde núcleos diferenciados se subordinam a outros
competindo ou convergindo entre si.
O cordel não pode ser considerado,
apenas, como uma cultura rústica. Dentre
outras coisas eles tratam do mito.
Vale ressaltar o que Barthes (Roland.
Mitologias. São Paulo: Difel, 1974, p. 163) diz sobre o mito: ele tem a função de evacuar o real [...] não
nega as coisas [...] fala delas, purifica-as, inocenta-as, fundamenta-as em
natureza e em eternidade, dá-lhes uma clareza, não de explicação, mas de
constatação” (in Fausto Neto, 1979,
p. 89).
A ideologia dominante está no Cordel
com características universais, reproduzindo formas de domínio através de
concertos, valores da lógica burguesa; conceitos como justiça, moral, país,
nação etc. O repertório é o das classes subalternas, mas a questão da divisão
social do trabalho e da propriedade é mantida em grande parte nos versos e nas
entrelinhas.
A busca da hegemonia é a situação
dominante, representada como um bloco monolítico. Quais seriam aí os interesses
das classes dominadas? O cordel exibiu muitas vezes a história da sociedade de
maneira deformada, através do anedótico, do absurdo, da naturalização das
forças sociais através das relações de sentidos. A existência dos pobres
transpassados pelas propostas valorativas dos ricos, abafando emergência do
desejo dos humilhados o que não elimina totalmente o surgimento de ideias que
manifestem posições contraditórias em relação às ideias típicas da classe
dominante. Instaura-se o paradoxo: a
prática discursiva enfrenta o poder, mas se utiliza das estratégias da
ideologia desse poder. Dar-se-ia aí o
triunfo das doxa?
As condições e existência no meio
rural nordestino nunca fáceis para a classe despossuída, na luta pela
sobrevivência isto está explícito na quadra temática textual de muitos cordéis,
principalmente no que diz respeito à camada ofertante de força de trabalho. Não é o sistema
latifundiário que está em questão, é aquele proprietário e o enfrentamento se
dá individualmente, evidenciando a mitologização
do homem despossuído e sua força de trabalho, o que se dá em cordéis como “O
heroísmo de um sertanejo”, “O Boiadeiro Valente” e “As bravuras de um
vaqueiro”.
Até a ação contestatória e/ou
violenta da classe oprimida é num claro de a-historicidade, em figuras
destacadas e não como reinvindicação de uma classe social. Não são os milhões
de nordestinos despossuídos, é aquele “herói” da classe dominada pelos
desmandos das “autoridades” de plantão.
Vem o reforço dos estereótipos (coragem, preguiça etc.), cabendo ao
pobre trabalhar, obedecer, aprender, acertar, muitas vezes.
Até mesmo Lampião tem suas ações
individualizadas, descontextualizadas da luta pela resistência ao sistema,
opressor. Às vezes suas “aventuras” se dão no céu ou no inferno, isto é, num
aspecto fantástico onde a história é vista de modo subjetivo, numa
caracterização mitificada da realidade, há até o predomínio de uma moral
conservadora, num jogo de dissimulações e ambiguidades. Exemplos disto estão nos cordéis “Justiça e
desordem de Lampião”, “Lampião fazendo o diabo chocar um ovo”, “Lampião e a
velha feiticeira”, “O Barulho de Lampião no inferno”, “A chegada de Lampião no
céu”, onde quem obedece sempre triunfa sobre o mal.
Já em “O heroísmo de João Cangussu no
Engenho Gameleira”, vemos com o indivíduo camponês viabiliza suas formas de
justiça, que em vez de matar o “Coronel” Machado, entrega-o a justiça e o homem
fica bom e os moradores ficam alegres a vida inteira”. Afastando as fissuras
que se estabelecem entre as classes sociais no palco societário, enfeitado pelo
plano da substituição, embutido nos níveis de explicação, o Código real dando
lugar ao Código do Imaginário em harmonização substituindo os antagonismos,
embaçando as causas geradoras dos conflitos, substituindo a ordem social
pela ordem moral em astuto trabalho de linguagem “feita por uma forma
comunicativa dos dominados” (FAUSTO NETO, 1979, p. 152).
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VÍDEO
Patativa
do Assaré – Ave Poesia”, Cariri Filmes / Iluminura Filmes Direção Rosemberg
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ENTERRADO
VIVO: O HOMEM QUE VIROU CORDEL
Moisés
Monteiro de melo Neto
Sou o enterrado vivo
Pense você o que pensar
Tudo começou bem cedo
Não precisa adivinhar
Porque vou contar tudinho
Só você acompanhar
Vi peleja em Pernambuco
Do litoral ao Sertão
Foi assim que o cordel
Tomou o meu coração
Eu pensei que era
brinquedo
Era mesmo possessão
Balançando numa rede
Comecei a ler livrinhos
Mergulhei como no mar
Pareciam tão fininhos
Pensamentos na fundura
Voltaram à tona, mansinhos
Mas era tarde demais
Eu já estava destinado
A ser o poeta errante
Santo e amaldiçoado
Às torturas e aos gozos
De um cabra bem letrado
Hoje vou contar a
história
Neste folheto assim
Pra que você não se
esqueça
Um autor igual a mim
Perdi-me cedo nas sendas
Deste cordel sem fim
O vento soprava forte
Vindo ali do litoral
Parecia assombração
Chamando para o umbral
Gostava daquelas versos
Parecia tão natural
Na verdade era vertigem
Da entrada ao quintal
E o menino que eu era
Fugia assim do seu mal
Na estranha solidão.
Esse encontro foi fatal
Eu tinha uma doença
Que não quero nem falar
Melhorei um pouco ali
Mas meu Deus a me olhar
Disse: “estás assinalado”
E não tente escapar
O primeiro romance fiz
Daí eu desembestei
Foram tantos folhetos
Reparando só eu sei
“Oropa”, França, Juazeiro
Pelas letras viajei
Até que chegou o dia
Na Faculdade estudei
Me formei e fui doutor
E a muitos ajudei
Mas vida de poeta
Só hoje do preço eu sei.
Tive mulheres e homens
Que seguiram o meu cantar
Como flautista de Hamelin
Limpando o meu lugar
Por um preço requerido
E não quiseram pagar
E eu tive este destino
Trabalhando pra esquecer
Da dor no meu coração
Mas eu fiz isso valer
E não sei dizer como
Água virou pó, pode crer
Vi o peso da fumaça
A seca e a enchente
Se feliz não fiz alguns
Mas não deixei de estar
crente
Que Jesus me ajudaria
Se eu caísse doente
Foram tantos os caminhos
Nos quais cantei por aí
Você, nunca me pergunte
Como foi que eu saí
Das encrencas, desacertos
Surfei até no Havaí
De jovem me fiz mais
velho
Vendo tudo como novo
Pra não perder a
esperança
À Virgem Maria eu louvo
Nessa tal Literatura
Dentro da qual eu me movo
Agora eu vou lhes contar
O que foi que sucedeu
Tocaram fogo no circo
E disseram que fui eu
Foi um jogo tão perverso
E roubaram o que era meu
Joguei fora o casamento
Em nome da aventura
Tudo para mim eram as
Letras
Essa tal literatura
Eu fui enterrado vivo
Em mágica sepultura
O truque reconheci
Mas o tempo foi passando
Eu só vivia escrevendo
Lendo tudo pesquisando
E fui nos tais folhetos
Versos aperfeiçoando.
Agora aqui me encontro
Resolvendo essa questão
Foi a fé que me salvou
Me trouxe consolação
Não jogo mais minha sorte
Nas mãos de assombração.
O castelo que criei
A minha ciência, enfim
Está tudo espalhado
Como se fosse um jardim
Padim
Ciço
me proteja.
Padrinho cuide de mim!
Foi banquete e homenagem
Meu caminho teve disso
Mas tive que cumprir tudo
Concluindo o compromisso
Início um novo tempo
Dando às ilusões sumiço.
Desvendei muito mistério
Nas sendas por onde andei
Foi tanta alma sebosa
E muitos bons encontrei
A vida é um Lá e
Lô
Disso bem agora sei
Vou dedicar a existência
Os anos que me restam
A este que é meu ofício
Dando amor aos que
prestam
Os outros vou perdoar
Assim eles desembestam
Mas
pra continuar essa parte
O
acréscimo se anuncia
Isso
não acaba aqui
Só
noutro cordel, cantoria
É
assim que eu prometo
Salve
Deus, jesus e Maria.
VAMPIRO
NO CORDEL DE PERNAMBUCO
Autor:
Moisés Monteiro de Melo Neto
I
(do
primeiro narrador)
Mistério da catacumba
Meia-noite recifense
envolve a cidade Maldade
neblina de junho, pense!
passeio por essas ruas
de madrugada nonsense
Ecoa o som da meia-noite
Nas covas de Santo Amaro
não te julgo, eu te sugo
te quero, te
beijo, te amparo
noite estranha dos vampiros
para sempre: sigo e paro
Na madrugada de sangue
Na ponte um jovem carente
Contempla a morte sombrio
Vou brindá-lo
com a serpente
iniciá-lo ou matá-lo
se ele quiser, somente
Bestafera: crime e fel
força, amoródio, aquém
faço vomitar a alma
prefiro a
noite, também
dá cegueira a luz do dia
morto-vivo,
muito além!
desumano, anjo do mal
Como cena de
cinema
Se projeta na tela
Aqui, Hollywood, Ipanema
falo difícil e tão fácil
minha mordida não tema
Choras, jovem,
enquanto chove
não tens lá longe alguém?
Dou-te uma
esperança
como chegada de
trem
glória estação: partir
serás agora,
ninguém!
Ah! Nesta sede
sem fim....
carne e sangue
amalgamo
nesse trânsito urgente
ao fogo de mim te chamo
em estranha oração
minha justiça eu clamo
A sós, vem a
tempestade
do segredo vou te ensinar
sou rico, sou poderoso
mistérios sei
decifrar
da vida de sombra e luz
posso até te saciar
II
Sou poeta de cordel
me trancaram
neste hospício
por histórias que inventei
é perigoso
meu vício
tanta desordem, delírio
conteúdo e frontispício
Meu cordel era anormal
deram camisa de força
sou daqueles
trovadores
meu poema não destorça
mas que vontade cruel
fazer que o poeta
se torça
Te persigo na
Ponte Velha
Capibaribe gelado
sobrenatural dos
tempos
sou o corpo do
passado
sangue nas veias sinistras
em festim desesperado
Ritos de estaca e prata
amante da
escuridão
tenho as
chaves dos segredos
sei: alguns não morrerão
Sou possuído e
possuo
Sou o “X” da questão
Qual o fim
deste cordel?
Preciso contar minha história
o clímax e os
encantos
poesia de vitória
ao sufocante terror
embora não traga glória
Quer alçar voos ao céu?
Parado no meio da ponte
entre bem e mal, eis a fonte
Não escolher um ou outro.
a igreja que desconte
O pacto é
irreversível
brinco que sou do mal
é mistério, não
pecado
experiências
do astral
zodíaco de
lembranças
triunfo, novo ideal
Agora o novo sangue
entra no teu
coração
sublime dor do chamado...
sede, fome,
oração...
Nada te preocupa mais
na sangrenta solidão
Poeta a vida inteira.
culpa tentei compensar...
mas o cordel não deu jeito
melhor é me
desculpar
vou morder o teu pescoço
eternidade vou dar
Terror e êxtase
nesse novo
destino
vem agora a tua calma
neste torpor de menino
tua vida? obra
de arte
passa o
tempo, pequenino
Desça ao fundo de si mesmo...
nem ninguém nem
todo mundo.
meus dentes te ajudarão
sobre este rio
profundo
brindemos com licor íntimo
esqueçamos fim imundo
Longe os seus apuros
na mandala dessa vida
a magia numa dentada
vagabundagem distraída
triunfo da
poesia
dor em prazer convertida
Do
insignificante ao divino
num cabaré
obscuro
melancolia,
alquimia
presente passado futuro
nunca mais bobo da corte
tua vitória
murmuro
III
(do
novo narrador)
Aí ele me mordeu
Numa noite sem fim então
vampiro me ensinou muito
será tudo isso em vão?
Ó crianças das
trevas!
No morrer tem
salvação?
Que mal tão forte encerram
os dons que
assustam tanto?
Não aceitei, aconteceu
hoje não mais me espanto
não me assusto na jornada
Vivo ardendo
este encanto
Não me peçam explicações
Isso é
inexplicável.
não tenho o sinal da cruz
sacramento maleável
não da conta de
vocês
Sou sujeito detestável
Não me falem de
limites
isso não é para
mim!
Chamo tudo
pelos nomes,
nesses portais sem fim
ao mais puro
digo:
para outras novas vim!
Visto-me como você
estou em tudo, falo
logo
como em peça teatral
sem decepção no
prólogo
e ninguém nem
desconfia
do peculiar monólogo
Não faço novos
vampiros
não sou monstro imaginário
quem
me fez viveu muito
me deixou o
seu diário
tinha sido ser
de luz
foi belo, mas não
gregário
Sugou-me e deu-me seu
sangue
numa noite desesperada
de pergunta e resposta
tive uma fé desgraçada
agora nem céu
nem Inferno
que me detenha a escalada
Filosofia
prefiro
ao livro máximo judeu
esse povo escolhido
não apoio quem escreveu
o
dom escuro que recebi
me deu quem o recebeu
IV
A romper
velhos mistérios
implanto este estilo.
Por tantas noites e noites
Sim, esforcei-me e fi-lo
o Mestre perto de mim
que estranho foi aquilo
Amor que não teve sexo
Eu bebi na vida dele
bebeu da minha essência
nunca outro como Ele
ganhei esse dom escuro
anjo e
demônio, daquele
Suor, carne, sangue assim
fazem gritar
sem nenhum som
teatro de
sombras, vampiro
na morte nada
bom
pulsando... maldade inocente
nem “dane-se!”
nem shalom
Pobres, mulheres, gays, negros
não tinham status algum
mundo Deus estava morto e
sem religião
para nenhum
Daí só tomava
sangue
De luxo e
pobreza fiz Um
Sugava só gente ruim
sem inocentes,
no começo
muitos querem
ser como eu
ah, eles não sabem o preço
eu que sou um
demônio
sofro assim desde o começo
Aprendi muito, depois de morto
Tenho já tudo que quis
criança estudei c’os padres
mesmo lá não fui feliz
agora só
solidão
sou eu mesmo
meu juiz
Ah, Recife, estou Maldito!
vivo sem Deus nem noutra vida
Dentro de mim tudo são trevas
Mas não sou suicida
ouço os ecos da maldade
encurto a história comprida
Num vazio jardim
selvagem.
sangue nos lábios
abertos
Ele
se jogou no fogo, morreu
deixou-me
recursos certos
matou-se numa fogueira
predador
de bobos e espertos
Não acredito em Satã
Satã também está morto
mas não há maldade, em si
sou um
aventureiro torto
às vezes fico
perdido
Como um navio sem porto
Ah, Não há esplendor nisto!
não é sublime,
bem sei
tudo parece tão
tolo
poupo aquele ou
matarei?
decadência recifense
Nunca soube e não sei
Podemos amar
se odiamos?
Fingindo Amor à
vida
Nem
Pão nem Vinho interessam
Minha sina é
comprida
Cumpri tudo com apuro
Nesta terra tão ferida
Jogo com os mortais
numa orgia dos
sentidos
o truque é não pensar muito
o sangue dos iludidos
bebo antes que
morram
estão mesmo todos perdidos?!
Na religião, fariseus
Desde o início
é assim
Palestinos, judeus, cristãos
O começo contém o fim
No Oriente não é diferente
Mãos de santos, olhar ruim
V
Sou uma criança
antiga...
por muito tempo sofri
em meio a tanta briga
Vejo as regiões
sombrias
ser humano é só intriga
Quis transformar tudo em arte
num cordel sem afetação
obscenidade não obscena,
contraditório é ter tesão
minha condição
complexa
um príncipe
num caixão
Quis contemplar o esplendor
que o cosmos pudesse dar
o que os homens
podem ser...
do tédio me desvencilhar
pesadelos na noite
sonho a quem acreditar
Recife pra mim é Cosmos
Esse Cordel: barco chamas!
em calamidade
pública
quantos caminhos e camas
Partir
sempre lancinante...
Mas vamos deixar de dramas
Este folheto acaba assim
no pensamento que me atormenta...
Pois não consigo fazer texto
Que enfim vos acalenta
Leitor,
desperte do sono
Que no Recife se assenta!
O CORDEL DA ESTRELA JANIS JOPLIN
Autor:
Moisés Monteiro de Melo Neto
Havia o Lago Sabine
na cidade onde nasceu
Janis
Joplin era seu nome
em Port Arthur ela
cresceu
e foi tanto sofrimento
que cantou e então morreu
A Realidade era petróleo
a poluição no ar
violência em cada esquina
segregação até no bar
lá o garoto era ensinado
a cara do outro quebrar
O calor era tão grande
os mosquitos tão ferozes
assim era ali, no Texas
terra de muitos algozes
arrogância e poucos
livros
eram desgraças atrozes
No bar só cerveja e vinho
outros só em clube social
e só com mais de vinte e
um
que beber era legal
mas Janis cruzava o rio e
na
Louisiana não era mal
Era certinho ou odiado
Quem não seguisse a
tradição
mulher pra ser professora
e homem pra ser machão
trabalhar com o petróleo
era essa a lição
Nada lá era complexo
tudo simples de doer
que Deus salve a Casa Branca
a igreja e o poder
o pai de Janis,
engenheiro
ajudou a Texaco a crescer
Ela é de quarenta e três
no hospital Santa Maria
Nasceu Janis de manhã
Menina normal, mãe diria
Canta em casa e na igreja
Lia tanto... optou por fantasia
O pai lhe deu fantoches
chupou dedo até os oito
anos
era gorda, sardas no
rosto
começavam os desenganos
não racista, foi xingada
Sofreu mais que
imaginamos
Rebelde, não era bonita
assim, foi hostilizada
percebiam seu lado
"homem"
não foi fácil esta parada
ela se feminizou
parecia até disfarçada
A mãe a amava de longe
queria filha preparada
para enfrentar a vida
que era dura a estrada
do ostracismo social
assim ela foi educada
O rosto tão cheio de acne
que precisou ser lixado
mais depressão e conflito
isso era anunciado
mistura a falta de beleza
e o cenário estava armado
Juntou-se com cinco
jovens
Quebravam muitos modelos
Liam livros diferentes
Entregou-se sem zelos
Muita cerveja rolou
Sem namorado, seguiu os
apelos
Era o bobo da corte?
Mas queria ser aceita
com barulho e palavrões
Estudava e pintava,
satisfeita
usava roupas
extravagantes
jogavam coisas nela, a “eleita’
Viajou pra Nova Orleans
sem consentimento dos
pais
ouviu bandas na rua
Bourbon
daquilo não esqueceu jamais
bateu com o carro da família
boatos foram fatais
Isso foi aos dezesseis
Tornou-se
moça "falada"
beirando
a ingenuidade
já com sua sina marcada
inventaram mais histórias
ela estava era enrascada.
Deslocada
e barulhenta
cafajestes a cercavam
tímida
escandalosa
as aventuras não paravam
a
maioria a odiava
mas houve os que aí a amaram
Os
professores a perseguiam
em lanchonete e teatro trabalhou
era no tempo
dos Beatniks
vendeu
quadros que pintou
começou a
cantar
o rio Neches
a escutou.
Foi a um
psiquiatra
Depois de farras
homéricas
crazy
universitária
sob as
luzes feéricas
Beaumont,
Houston, que fosse
crueza das Américas.
Estava matando aulas
Vivia atormentada
garota
triste sozinha
sob sol negro estressada
dentro uns demônios mexiam
não podia ficar parada
Parou de pintar quadros
assim não seria a maior
morou com tia em Los
Angeles
Foi telefonista, na pior
mudou para a praia,
Venice
pra San Francisco, melhor
Se sentiu sofisticada
usou pele de carneiro
um casaco bem estranho
misturou canto e berreiro
os dezoito anos chegaram
munição, tiro certeiro
Sessenta e dois foi a vez
cantou em público, a moça
quem tiver olhos, que
veja
quem gosta de blues, ouça
foi num Réveillon, em Beaumont
Não sentiu ali muita
força
Gravou reclame de banco
volta a Port Arthur, a
fera
tentou ficar assim normal
mas vulcão era o que era
ia sempre a Louisiana
perdia o controle,
quimera
Numa das farras, a moça
capotou com o carro três
vezes
o ambiente Beatnik
farra de anos eram esses
mas que para Janis Joplin
foi assim por muitos
meses
A branca topava tudo
voz de uísque, tanto
beber
perdeu muito da voz assim
e daí? O que fazer...
aguentar tanto revés
é pra quem pode assim ser
Só pensava no momento
Farra e vulgaridade
isso ela esbanjava
qualquer que fosse a cidade
uma garota da pesada
de curta felicidade
Fazia com que a aturassem
fumo
e peyote não deram
a ela um papo firme
as coisas, às vezes eram
comprimidos com bebida
perdoem-me se não toleram
Grasnava como um corvo
ria como uma louca
de fato pra tal menina
a vida parecia pouca
só gostava de cantar
cantar até ficar rouca
Na Universidade do Texas
veio mais humilhação
o “homem mais feio do
campus”
eles lhe chamaram então
foram assim tão desumanos
com ela, preste atenção
Partiu para San Francisco
em busca de outra
história
um
Quasímodo às avessas:
viria um dia a vitória?
A cabeça latejava
sangue quente, luta
inglória
Depois de poeira e
estrada
cantou zonza num Café
ganhou catorze dólares
primeira vez, deu-se fé
podia lucrar com seu canto
boa da cabeça ao pé
Meia três, Beat enfraquecia
poetas, jazz, pintores
americana boemia
San Francisco e suas
cores
Janis reinventava o
passado
tantas alegrias e dores
Ela semeava desastres
foi isso que aconteceu
questionou as relações
até o ponto que doeu
em Nova York cantou
blues-folk
então seu deu
Meia
quatro, San Francisco
ela queria ser aceita
traficou anfetaminas
não sabia ser
"direita"
estava entusiasmada
era a verdade eleita
Lia Nietzsche, lia Hess
doida pela “verdade”
muitos livros, pá de
coisas
até no hospício da cidade
disseram não era doida
era coisa da idade
Culpava os outros por
tudo
a coisa era bem assim
contra o sinal vermelho
acelerou até o fim
jovem, segurou a onda
mas mais tarde foi... ruim
Seus "casos"?
nenhum ficou
ela com quarenta quilos
quis para casa voltar
seus pais tão
intranquilos
por não serem mais
atentos
ninguém vai querer
puni-los
Estudou Sociologia
Faculdade de Lamar
Se vestiu sobriamente
Dava até pra acreditar
que ela tomara juízo
pensou então em casar
Mas professores cismaram
era inquieta demais
fez vestido de noiva
mas foi embora o rapaz
nunca "Deus,
perdoai-me"
disso nunca foi capaz
Obsessiva e insaciável
por amor ela gemia
como criança de colo
gente até se enternecia
mas se fosse tirar onda
via o que recebia
Veio então sessenta e
seis
e o big brother apareceu
era banda pro sucesso
e foi o que sucedeu
da danada da menina
a estrela se acendeu
Ambição virou seu nome
quando na banda entrou
viu logo a sua chance
a ninguém mais se igualou
era o salto para o alto
e a moça se engajou
Quatro, junho, meia meia
o Zodíaco falou
oráculo disse seu nome
e a Joplin detonou
San Francisco, maravilha
tudo então se iluminou
Abaixo a política,
cobiça, autômato, inveja
viva as boas vibrações!
Flowerpower
nos proteja
porque com a turma de
Janis
Hell
Angels que nos seja
Pobre, racismo, poluição
Os E.U.A se mostravam
preconceito era tamanho
Até dos que se lombravam
vem o Blues e canta tudo
Todos que não se amavam
O Vietnã explodiria
na Coreia houve mais
tudo era tão imoral
moral é não ser capaz
de ver que na exploração
a hora é a gente que faz
Janis contra o supérfluo
deste mundinho cruel
chega de mediocridade
separemos Mel e Fel
os hippies de San
Francisco
queriam na terra o céu
Medrosa, crua, teimosa
na agenda botava tudo
não gritassem contra ela
estrela
em céu de veludo
do brilhar ao fazer colares
mistério não fica mudo
Tudo corria pra canção
que no palco renascia
comunidade de hippies
com certa sabedoria
na união com o universo
era assim o dia a dia
Estilo alta voltagem
Janis assim se agigantou
Ottis Redding foi um cara
que muito a influenciou
assim como Tina Turner
tudo isso ela juntou
E num caldeirão quente
a mistura borbulhava
queria ser uma Star
a máquina a ajudava
casa em Hollywood
tudo isso a aguardava
Um namorado disse
"tchau"
ela disse “tudo OK!”
era mais um que fugia
ela disse "disso eu
sei"
fazer o quê? Declarou:
"de homens e roupas mudei"
Colocava tudo à prova
homem, mulher coisa e tal
muitas vezes se encontrou
frente a frente com mal
corta essa, minha amiga
esse jogo é fatal
Humilhada tantas vezes
mas sabia triunfar
nesse jogo de sinuca
ou rodadas mil num bar
num estádio, num teatro
riso e choro de amargar
O bairro que ela morava
foi refúgio do “pecado”
assim diziam os
"santinhos"
que o rock era atacado
Haigh-Ashbury
era nome
melhor é ficar calado
Prostituição e drogas
tráfico a se aproveitar
eram muitas as histórias
vamos só imaginar
não era pra ficar rico
era ganhar e gastar
Junho de meia sete,
Monterey
Pop
pintou
Janis foi a grande
estrela
Jimi Hendrix arrasou
Ninguém vira coisa assim
Sua fama se alastrou
Era o "Verão do
Amor"
isso se evidenciava
a revolução de Aquarius
novas ela anunciava
litoral da Califórnia
no mapa se destacava
Conheceu Albert Grossman
o homem que a fez estrela
ele a respeitava muito
e gostou de conhecê-la
no meio do festival
ele fascinou-se ao vê-la
Foi dali até a morte
seu mais fiel defensor
o homem era poderoso
de Bob Dylan, produtor
sem nenhuma hipocrisia
em comercialismo doutor
Veio então o desabrochar
meia sete ela arrasou
nunca fora tão feliz
ficou grávida, abortou
isso foi bem sinistro
muito a prejudicou
Ela ficou rigorosa
Antes não era bem assim
Exibicionista também
a dois anos para o fim
indiscernível até aí
do show bizz o carmim
Verdadeiro carrossel
sua carreira a girar
alcançado o estrelato
Janis ia arrepiar
o jeito Nova Orleans
logo ia superar
Nos olhos dela uma dor
era fácil perceber
olho azul acinzentado
que fazia estremecer
nervos tão à flor da pele
pareciam transparecer
"Velha" aos
vinte e cinco anos
assim ela se achou
era uma moça nova
que a vida estragou?
B.B. King abriu a noite
O Big Brother deu show
Era um teatro antigo
Nova York apreciou
O som daqueles meninos
a plateia empolgou
com seus berros e gemidos
a Janis incendiou
Tinha garra na garganta
ofegante estava
num fulgor alucinante
Janis dramatizava
fio terra em Nova York
ela assim eletrizava
“A banda de Janis”
(deu no New York Times)
Primeira foto dela
que entrou para os anais
a imprensa anunciava:
“essa cantora é demais!”
Frege espasmódico se viu
bem ali no turbilhão
a Big Apple pirou
nunca vira tal ação
Janis era o prato do dia
mais quente da estação!
Com preto aveludado
vestido bem curtinho
gata em teto de zinco
quente
foi chegando de mansinho
a imprensa se curvou
tão heavy o seu jeitinho
A imprensa delirou
todos queriam um pedaço
performance de Janis
Joplin
foi tremendo estardalhaço
pois ela chegou completa
ocupando todo o espaço
Disse logo à tal imprensa:
“Já me maltrataram tanto
eu sou alma e sensação
isso é o blues que eu canto!”
ela reagiu ao sucesso
com prazer infantil,
espanto
Parecia satisfeita
mas tocando neste fato
Já podemos deduzir
não duraria este ato
era tão insaciável
mas deu o pulo do gato
Tranquilizantes e álcool
pra aguentar a correria
a texana agitada
não parava, não podia
criticaram o Big Brother
mas a Janis ascendia
Era uma Salomé
de glamour toda enfeitada
ela só dava dentro
topava qualquer parada
a boca no microfone
parecia lambida ou
dentada
Ela atraiu paixões
nesta jornada infernal
logo no lance mais forte
garantiu tanto jornal
as revistas a imploravam
mais de Janis não faz mal
Declarações absurdas
À imprensa a moça fez
gravou disco na CBS
era o segundo, essa vez
expectativa tão grande
neste jogo de xadrez
Vieram novas depressões
teve então que se virar
entre ela e o grupo
não reinasse o azar
brigou até com Jim
Morrison
como isso ia acabar?
Ele puxou o cabelo dela
ela deu-lhe uma garrafada
ficou nesse um a um
Salomé, Jim Batista de
nada
na capa do Cheap Thrills
Crumb a desenhou abusada
Mãos ao alto, rapazes!
Não curto política
dizer isso em meia oito
isso atraiu a crítica
dá uísque pros meninos
e deixa dessa titica!
Vendida como símbolo foi
no mercado americano
Alienação? Não sei
talvez diga o tarô cigano
claras emoções de Janis
na frente e atrás do pano
Sua risada demente
difícil de decifrar
seus fantasmas esquisitos
mistérios a encantar
era uma Afrodite
no Mundo Pop a rosnar
Homem que não a quisesse
isso era intolerável!
sua vingança terrível
“um impotente detestável !”
era o que ele espalhava
tal Morrison, não aceitável!
Ser sexy, ela amava
era o que fazia crer
mas de fato a texana
Buscava mesmo o prazer
mascarava
a ferida
mais amor queria ter
Uma coisa pela outra
ela fingia confundir
não queria o compromisso
parecia até fugir
paliativo ou não
não podia reprimir
Ir pra casa com alguém
a faria bem melhor
o sexo como uma arena
fazia tudo pior
aumentava o desespero
dó maior ou dó menor
No palco fantasiava
Essa busca doida, assim
não era o que queria
a tal torre de marfim
queria ser conquistada
mas não foi até o fim
À tragédia libertina
impôs impulso e vigor
escondida a menina
muito triste o horror
com moça: falava baixo
com homem: sax tenor
Homem ela confrontava
com mulher mais à vontade
Mas no fundo nossa Janis
só queria liberdade
e cantou isso bem alto
nem tudo era vaidade
Desinibida estava ali
no verão de meia oito
mas "ai" do
cabra safado
que se metesse a afoito
temia a homofobia
sem recheio seu biscoito?
Não tinha um cara fixo
Escondia o homossexo
Desse jeito a durona
ocultava um complexo
a diva tinha fraquezas
isso é meio desconexo?
Provocava fantasias
em muito homem e mulher
a tal da Janis Joplin
faca, garfo e colher
aproveitou sem limites
pense você o que quiser
Falavam de mil casos
o número era menor
era um terço que contava?
a mentira era melhor
seu talento era bem
grande
A lenda ficou maior
Aventuras de uma noite
torturada
solidão
superestrela
esquisita
causava hesitação
naqueles que a viam
durona
mas parte era encenação
A fama era o seu pretexto
pensavam era personagem
que criou pra se defender
apareceu na reportagem
no fundo era uma criança
mas isso não foi vantagem
As pressões da profissão
Seguiram estranho caminho
a gente quer ser perfeito
esquece que bom é carinho
técnica e carisma
outro modo? é ser sozinho
Melodramatismo dela
o Big Brother se desfez
uns acusaram-na: traição!
mas pro alívio teve vez
Joplin sofreu...sabemos
pouco ou muito, talvez
Começou na heroína
se sentia destacada
era a onda da droga
o equilíbrio da parada
por mais que almejasse
tanto
queria ser controlada
Muitas as contradições
nela poderíamos ver
Muitos viam só bebida
o resto era esconder
ganhou casaco de lince
por
uísque Southern Comfort beber
Propagandas deste uísque
nas fotos estão aí
é um líquido docinho
para jovens atrair?
há algo esquisito nisso
a América a ruir?
Em Washington: corrupção
no Vietnã, uma "guerra"
os ianques fazem isso
não em casa, noutra terra
é assim, que o capital
(a danada grana) opera
Calça de cetim vermelha
Marca lhe dá casaco de
arrasar
E no Max´s Kansas City
Foi depois se mostrar
provar que era importante
realmente Superstar
Por que se conter, ali?
a envelhecer, continuar?
desse tipo de atitude
ia se distanciar
quis assim a vida a mil
sem velhice pra chegar
No teatro viu a peça
"Hair"
musical sensacional
gostou, aplaudiu de pé
era um sucesso mundial
reviu com o Big Brother
para levantar o astral
O rompimento com o grupo
foi também com o
amadorismo
no Show Business é assim
não permite comodismo
crítica diz: maquiagem?
pintar voz de preto é cinismo
Ela achava justo sofrer
castigo e rejeição
a imprensa malhou seu
disco
Cheap
Thrills virou fogão
A comida se queimando...
mas vendeu pra geração
Pensou não saber cantar
alma frágil porcelana
e a vida tripudiou
daquela tal texana
que mesmo com seus
defeitos
Cantou muito a alma
humana
Feroz animal ferido
ela assim reagia
não "cabeludos"
nem "quadrados"
era outra a teoria
era parte Revolução
com a qual ela se unia
Seu "oi" era
uma pergunta
e o sem "alô",
também
cordas vocais de aço
até a hora de ir pro além
música até nos pés
dançantes
Ela sabia ser
"alguém"
Então ficou bem doente
foi ao New York Hospital
foi no tal Hotel Chelsea
ela estava muito mal
foi uma bronquite aguda
poderia lhe ser fatal
Foi barrada no Hotel
Hilton
No hospital não tinha
vaga
mas apesar disso tudo
começou a ser bem paga
vem a autodestruição
e numa sucção lhe traga
Como computador monstro
assim opera a imprensa
diminui e multiplica
não há muita diferença?
Então ela virou comida
de desconhecida à
excelência
O pastiche virou robô
Ela se fez mesmo assim
era tão fosforescente
sua pele, tal marfim
e o público a devorar
tão guloso e tão chinfrim
Conhecida e amada
só que por gente demais
pelo frenesi e doidice
talento e muito mais
uma deusa num Olimpo
de resultados fatais
A garrafa de uísque
na sua jaula infernal
meia nove chegou assim
com esse jeito animal
ano do "Kozmic
Blues"
novo álbum sem igual
Aí ela
criou “Pearl”
personagem que adotou
ria e topava todas
muita gente
adorou
vieram outras
turnês
na Europa
ela arrasou
Ela veio ao Brasil
a passeio, assim rolou
expulsa do hotel, no Rio
que o top less
não aprovou
transou mil e uma aqui
até na Bahia parou
Queria largar o vício
mas não tinha mais maneira?
heroína por Metadona
não era coisa certeira
barrada no carnaval
pro carioca foi bobeira
Comprou casa nos States
enfim ela teria um “lar”
e pra completar o quadro
novo disco foi gravar
o último dessa estrela
prestes a se apagar
O nome do disco é “Pearl”
tão gostoso de ouvir
tem “Me and Bobby McGee”
O
um no Top ia atingir
Mas
veio o dia fatal
Da
morte não ia fugir
Foi
num hotelzinho barato
que
o encontro fatal se deu
nem
a última música gravar
a
morte lhe concedeu
o
blues engoliu a moça
e
Janis Joplin morreu.
CORDEL DO DOM QUIXOTE PARA JOVENS
AUTOR:
Moisés Monteiro de Melo Neto
1
Dom Quixote da Espanha
Era um cara bem legal
O autor dele? Cervantes
Um escritor genial
Quixote mora num livro
Seu destino é astral
2 Dom Quixote,
é muito bom
um cavaleiro andante
teve muitas aventuras
você vai ver adiante
de cavalo e
armadura
no fundo era um amante
3 A “amada” dele era
uma tal Dulcineia
morava em seu pensamento
era apenas uma ideia
Sancho Pança, o empregado
Um homem da patuleia
4 Fantasia e realidade
Sancho teve que enfrentar
Empregado pra Quixote
Não era fácil achar
Montado no seu burrinho
Com o patrão a viajar
5 O cavalo de Quixote
Se chamava Rocinante
os dois homens eram assim
naquela terra distante
cujo nome é Espanha
um lugar delirante
6 Você gosta de sonhar?
Pois veio ao lugar certo
Isso parece um desenho
Feito por um esperto
tem moinhos, tem ovelhas
Deixe o olho bem aberto
7 Quixote lutava muito
Com gigante inimigo
Umas vezes derrotado
Ficava até
sem abrigo
Era uma triste figura
Mas herói, isso eu digo
8 Só voltou pra casa
Quando em batalha vencido
abandonou a cavalaria
na estrada foi ferido
Mas ele hoje é uma lenda
Um nome muito querido
9 Vamos ao começo, agora
Esse cavaleiro de idade
Ele leu muito, eu lhe digo
Era sua felicidade
Mas aí confundiu tudo
fantasia e realidade
10 Imitando seus heróis
Buscou assim aventuras
Podiam ser divertidas
Mas não muito seguras
Pela amada
Dulcineia
Esse homem fez loucuras
11 Era essa a sua paixão
Foi “sagrado” cavaleiro
Começou assim a missão
De enfrentar bandoleiro
contratou Sancho Pança
Que uma Ilha quis, derradeiro
12 Parecia preço alto
Dom Quixote prometeu
A ilha e muita glória
padre disse: “enlouqueceu!”
Queimaram seus livros todos
Foi assim que aconteceu
13 Mas ele pensou, então:
Foi Frestão, o feiticeiro
E quis a sua vingança
Foi parar num atoleiro
A lutar contra moinhos
O negócio foi cabreiro
14 Uma vez viu dois padres
Com estátua de uma santa
Pensou eram feiticeiros
isso a muita gente espanta
pensou: sequestram uma princesa
e isso a ninguém encanta
15 Ao atacar os padres, sem dó
nessa história obscura
Sancho o batiza
Como o de “Triste Figura”.
vinte ladrões pegam os dois
escaparam, foi uma loucura!
16 Depois foram espancados
Lutaram com adversários
Imaginem: Sancho e ele!
(assim chamados: otários!)
Não deu certo avisar
Perdeu os dentes, o visionário
17 Encontrou com prisioneiros
(pensou: era feitiçaria!)
escoltados por soldados
ele os libertaria
dos trabalhos forçados
(no fim um
ladrão o roubaria!)
18 Eis o fim dessa parte:
Carta a Dulcineia ia enviar
Mas o Padre e o Barbeiro
Quixote conseguem trancar.
Sofreu tanto, o cavaleiro
Pra tristeza aplacar
II
19 Mas Quixote volta à estrada
viu atores ambulantes
pensou: monstros!
e atacou-os
e um Cavaleiro em instantes
apareceu pra duelar
disse: “qual mais bela das amantes?”
20 “Dulcineia!”, disse Quixote
Pois não há outra igual
O Cavaleiro era Sansão Carrasco
Que não vence no final
Quis convencer Quixote
Mas esse não deu sinal
21 Surge então nessa história
Um casal misterioso
um Duque e uma Duquesa
leram o Quixote,
já famoso
zombavam do velho assim
do Dom
Quixote “majestoso”
22 Mas lhe deram muitas honras
dignas de um cavaleiro
riram e Sancho “virou”
Governador ver-da-dei-ro
que ao cumprir com obrigações
desistiu bem ligeiro!
23 Surge o Cavaleiro
da Lua
Diz: “mais bela é minha amada!”
Por amor a Dulcineia
Quixote perde a parada
Doente e deprimido
Fim: não mais pegou a estrada...
24 Aos que leram esse
cordel:
Agradeço a atenção
A liberdade é dom
Que Deus dá a todo cristão
ela vale um tesouro
tenha-a no seu coração!
CORDEL
DA ILÍADA
POEMA
DE HOMERO SOBRE A GUERRA DE TROIA
AUTOR: Moisés
Monteiro de Melo Neto
A Ilíada, poema grego
Mas também universal
que narra a “Guerra de
Troia”
de desenlace fatal!
Foi escrito por Homero
Num tempo bem ancestral
2 Homero é autoridade
pra falar dessa guerra
a mais famosa do mundo
desse planetinha Terra
disputas territoriais
história dos gregos
encerra
3 O homem grego? Danado!
se achava o Ideal
o belo e o bom guerreiro,
Aquiles, o Aqueu:
sensacional!
Assim era a cultura grega
Imitá-la? É fatal!
4 É mito ou é história?
Helena, de Menelau
rei de Esparta, poderosa
Páris de Troia num caudal
“Raptou” a desgraçada
Algo tão sensacional!
5 A confusão foi tamanha
Que até hoje ecoa
Culpa foi de Afrodite
Deusa do Amor, era boa
Eleita por Páris a mais
bela
Mas bancava a leoa
6 Deu a ele o amor da
bela
Grega Helena entrou na
História
Em Esparta os troianos
Sem interesse de vitória
Mas essa hospitalidade
Terminou virando escória
7 Páris e Helena foram a
Troia
Menelau se arretou
Com a traição da esposa
“Foi rapto!”, ele se
armou
Vamos destruir Troia!
(um plano ele traçou)
8 E foi tanta a desgraça
Troia ia ser destruída!
Por causa daquele rapto
Por causa dessa ferida
Profecia de uma vidente
Que iria ser cumprida
9 Do século 9 a.C., a Ilíada
Fala do século 13 a.C.
Era o
poder grego
Isso digo
a você
Homero
não foi testemunha,
(“Ilion”
é "Troia", é o que se lê)
10 São
vinte e quatro cantos
gregos e troianos duelando
poema de tradições, costumes
os rapsodos
iam cantando
trovadores nas cidades
essa história iam contando
11 Homero
escreveu tudo
é histórico dis-tan-cia-do
"A Ilíada" e “Odisseia”
educação grega, ao lado
não é verdade histórica
mas até
em Roma, louvado
12 Mil oitocentos e setenta
alemão Schliemann descobriu
usou Homero, achou ruínas
da tal cidade perdida, viu
mais sucesso pro autor
mais clássico que existiu
13 Órfão de pai e mãe
Homero vem da pobreza
Aprendeu história e música
Foi professor com certeza
Viajou no Mediterrâneo
Em Ítaca cegou, foi brabeza
14 Dizem “Homero não existiu?!”
Rio: e “A Ilíada”, “Odisseia”?
Contando história de Páris
Oráculo disse à plateia
Matá-lo era salvação
Troiano: “Xô”, patuleia!
15 Páris traria fim de Troia
E Agamenon, rei de Micenas
Quis território troiano
Reuniu chefes: gregos, apenas
Aquiles, um semideus
Vida curta, longas cenas
16 Foi amante de Pátroclo
que combateu ao seu lado
Heitor, de Troia matou-o
Aquiles ficou danado
Chamou-o para um duelo
E Heitor foi destroçado
17 O rei Príamo resistia
Por Troia há 10 anos
Com Hécuba, sua esposa
Traçaram tantos planos
Até que o Cavalo de Troia
Abriu os portões troianos
18 De dentro: um batalhão
grego
Abriu portões: tropa
adentrar!
Derrotam Troia, os
inimigos
coisa de arrepiar!
Colonialismo maldito
até hoje a triunfar
19 Aos soldados, a
pilhagem
e voltar à pátria, enfim
triunfo do povo grego
belo e guerreiro, bom e
ruim
pior vida longa e
medíocre
lhe digo que foi assim
20
Afrodite caiu na batalha
E semideuses, tudo escrito
Aquiles, Ulisses, pivôs
Rei
Príamo tava frito!
Em Troia,
na Turquia
cria Ulisses cavalo bonito
21 Presente, com gregos dentro
povo troiano assim derrotado
escravidão e miséria
Troia arrasada, resultado:
Helena volta à Esparta
“presente grego” danado!
22 Estudiosos duvidaram
Dessa grega vitória
fantasia de Homero?
Invenção ou real História?
Não dava pra confirmar?
Isso era só
memória?
23 O poema de Homero
Parece janela mágica
Nos permite conhecer
artes e história trágica
canibalizemos tudo
em salada antropofágica
24 Os deuses banquetearam-se
Em um tremendo festim
na lira tocou Apolo
as musas cantaram, enfim
e esse poema acaba aqui
Mas parece nem ter fim!
CORDEL
DAS BONECAS ENFORCADAS
AUTOR: Moisés
Monteiro de Melo Neto
É uma história muito triste
Que eu conto pra vocês
Leiam com muita atenção
Não sai dessas todo mês
História de uma menina
Aconteceu certa vez
Em Lagoa das Cachorras
Cidade do Bem,
se diga
Certas mulheres cristãs
Se juntaram numa Liga
Negócio de gente rica
Corruptas, boas de briga
Juraram então pela “fé”
Acabar com a safadeza
Diabólicas que eram
Disso tenham certeza
Mandavam matar direto
Fingiam com esperteza
Moça solteira buchuda?
Abortasse ou morria!
Da cidade, tal era a Lei
Ai de quem não cumpria!
(a não ser que fosse rica)
Ali do ruim comia
Foi então que sucedeu
O que conto adiante
Mariazinha engravida
Do
filho de uma elegante
Da Liga das
Cristãs
Um riquinho meliante
Não quis abortar, partiu
Era preciso fugir!
Sua mãe nervosa,
morreu
Mariazinha a carpir
Pr’um Sitiozinho distante
(não podia desistir!)
Na casa da
Cachimbeira
Trabalhou de agricultora
A barriga
cresceu tanto
Quase mata a genitora
Que pariu sua criança:
Uma menininha loura...
E o tempo foi passando
A criança era linda
Benzeu-a a Cachimbeira
Perseguição era finda?
(os amigos ajudavam)
Isso não acabou ainda!
Zé do Jerimum, padrinho
Chico da Charque, um tio
A Cachimbeira rezando
Venceram o desafio?
Veio chuva e veio seca
Mas da Liga? nem um
pio!
Naquele distante Agreste
Numa mata recortado
O sítio prosperou
Povo estava preparado
Mas tem sempre
um Judas
E o segredo foi contado
E a Liga
das Cristãs
Soube
assim do sucedido
Prepararam então um plano
Que fique bem entendido:
De Cristãs não tinham nada
Contrataram
um bandido
Numa noite tenebrosa
Decidiram o que fazer
Matariam tal menina
Mariazinha ia ver
Herdeira?! Que se cuidasse!
Isso não podia ser!
Lá no Sítio bem distante
As três fêmeas viviam
Mais uma noite feliz
Luar, astros reluziam
Sem intuir nada estranho
Bandido não pressentiam
Na noite fria de junho
A Cachimbeira cantou
Uma música tão bela
A todos emocionou
A menina de seis anos
Sete então completou
Um bolinho de fubá...
Um chazinho tão gostoso!
Um abraço bem quentinho
Um olhar tão carinhoso
Casinha de barro bege
Silêncio noturno pomposo
Em segredo ali viviam
Imaginavam sagrado
Mas pra tudo nessa vida:
Tem que se estar preparado!
A velha abençoa a menina
Destino fora traçado
O dia nem amanhecia
A velha e Mariazinha
Saem juntas pra cacimba
Sob o céu de
manhãzinha
Que ao voltar tá
vermelho
Inferno que se avizinha
No terror de ver a filha
Enforcada
no umbuzeiro
A mãe enlouqueceu logo
Em máximo desespero
Não voltou mais ao juízo
Cachimbeira acudiu ligeiro
A Moça depois do enterro, ali
Bonecas pôs-se a fazer
Só pensava na menina
E não queria vender
Pendurava no umbuzeiro
Pra filhinha entreter...
Ninava antes cada uma:
“Mamãe não vai te deixar”
Toda noite, todo dia
Na árvore
ia pendurar
Um dia foi ela mesma
Desse jeito balançar!
Foi uma coisa
tão estranha
(não deu empo de evitar!)
Deus perdoe a pobre mãe
Com o coração a sangrar
Sua dor era tão grande
Temos que a perdoar...
Em Lagoa das Cachorras
A pobre foi enterrada
A filha lá tão longe
Fantasma, sai pela estrada
Encantada
assim viaja
Surge qual alma chorada
Quem passa de noite na Via
No cemitério, a calçada
Vê, às vezes, pés pra frente
Cabeça pra trás virada
A menina sem destino
Na noite enluarada...
CORDEL
DA HISTÓRIA DO TEATRO
AUTOR: Moisés
Monteiro de Melo Neto
1Ariano
Suassuna
um dia me disse assim:
que o teatro
indígena
não tinha, não, serafim
e que não veio
da Grécia
era autêntico e fim!
1. Já
o teatro grego
deixe que explique logo
tinha regra fixa
começo era o Prólogo
tinha dança e efeitos
na origem o Monólogo
2. Do
culto a Dionísio
ditirambo
já dizia
os deuses estavam ali
era certa a freguesia
de concurso e vencedor
Aristóteles
entendia
3. Édipo
casou com a mãe
inocente que só ele
descobriu muito depois
a própria tragédia dele
quase morre assim, que rei
desgraçado
foi aquele!
4. No
riso teve Lisístrata
uma mulher bem danada
fez
greve de sexo, ela
mas
não era descarada
lutava pelas fêmeas
que já eram exploradas
6 Em Roma
criou-se o circo
colossal o Coliseu
Muito pobre e cristão
naquele lugar morreu
também no teatro o riso
o povo aplaudiu e leu!
7 Teve Plauto e
Terêncio
dois autores muito bons
era assim tão engraçado
texto, a cena,
os sons
Teatro é desse jeito
Riso, choro e outros tons
8 Teatro na
Idade Média
Igreja era o cenário
Bíblia e santos eram temas
tinha fé, esperto e otário
ao inferno e Paraíso
purgatório e confessionário
9 Teve o Auto
teve a Farsa
os pantins e
o Sagrado
o povo entendia tudo
no claro e no apagado
Gil
Vicente, em Portugal
herdou disso um bocado
10 Eram os mil e quinhentos
ao Brasil vieram padres
pros índios aquilo era
as mentiras e
as verdades
demonizavam Tupã
catequese e cidades
11 Padre José de Anchieta
da missa à cena, pensa
o Auto de São
Lourenço
louvou a fé
e a crença
mas pro índio brasileiro
eram outra a querência
12 Depois teve outro autor
Antônio
José,
o judeu
escreveu umas comédias
que ao Poder ofendeu
em Lisboa esse autor
pela Inquisição morreu...
13 Não se espante, minha gente
o teatro é bem legal
pra chorar e pra sorrir
pra refletir genial
é questão de equilibrar
sobre o bem e o mal!
14 Houve um teatro hilário
era a Commedia dell´arte
na Itália foi sucesso
encantou em toda a parte
Pierrô
e
Colombina
Arlequin,
tal Malasarte
15 Na Espanha Calderón
junto com Lope
de Vega
mostraram que na vida
se correr o riso pega
Século de Ouro
danado
até hoje se escorrega
16 Em Londres
foi Shakespeare
um cabra do interior
com Romeu e
Julieta
o cabra causou furor
Hamlet
e até comédias
é tão grande esse autor!
17 Na França
foi Molière
que Versalhes encantou
tanta audiência nobre
mas o povo encontrou
com O Avarento
e Tartufo
com comédia agradou
18 Só lhe digo uma coisa
o Corneille
e o Racine
afastaram francesa plateia
que só o gênio fascine
teatro Neoclássico
até hoje o sino tine
19 No Brasil
do Romantismo
drama e riso era isso
uma que eu gosto muito
é chamada O Noviço
escrita por Martins Pena
causou muito rebuliço
20 Depois teve opereta
Arthur Azevedo fazia
A Capital Federal
no Real a fantasia
Coelho Neto e tantos outros
Século XX diria
21 Durante a Segunda Guerra
Vestido de Noiva
estreou
no Municipal do Rio
Nelson
Rodrigues chocou
Alaíde (muito
louca!)
em ícone se transformou
22 Na Europa o Absurdo
Teatro Insólito
inovava
Ionesco,
Beckett e outros
isso a alguns abismava
Esperando Godot
ficaram
Enquanto o mundo girava.
23 Nos E.U.A. a cena era outra
Um
Bonde chamado Desejo
a Broadway
e as atrações
pros musicais foi ensejo
Veio o musical Hair
tão gostoso quanto um beijo
24 No Brasil Falabella
atingiu o povo em cheio
era o tal do Besteirol
Pluft! criança teve
recreio
Maria Clara Machado
Na cena acertou em cheio!
CORDEL DA HISTÓRIA DA LÍNGUA PORTUGUESA
Autor: Moisés
Monteiro de Melo Neto
1 Nossa Língua Portuguesa
está entre, fique certo
os idiomas destacados
(do mundo), seja esperto
morfologia, estuda cada palavra
2 Língua coloquial & culta
Uma: a fala cotidiana
Outra com normas rígidas
para publicações, soberana
indo-europeia chegou
de Portugal, galega
bacana
3 Viva em onze trinta nove (1139)
Também é chamada Português
Espalhou-se:
Brasil, África...
Saibam bem todos vocês
Até na Ásia, vejam só!
Pelos poderosos da vez...
4 Chegou no Brasil com Cabral
Nos mil e quinhentos
Trouxe perda pros índios
Mas também conhecimentos!
Tudo na vida tem preço até
Pras corujas e jumentos!
5 Ela influenciou várias
línguas...
dispersou-se pelo mundo
China, Índia, Caribe
Sentimento tão profundo
das línguas oficiais da Europa
isso assim é tão fecundo
6 Quinta mais falada no mundo!
A mais do hemisfério sul
Terceira do ocidente
Com ela tudo azul
A língua de Camões
É rock?: “toca, Raul!”
7 Cervantes, autor do Quixote
Chamava-a "doce e
agradável".
Em Sampa: mais falantes (no mundo)
Cinco de maio, no papel
Seu dia comemorativo
É de tirar o chapéu!
8
Lusofonia é quem usa
O idioma e faz cultura
na integração entre os povos
que no português se estrutura
Ó minha língua querida!
És luz na mina escura
9 O imperialismo português
Levou seu idioma, assim
não somente aos conquistados
mas por esse mundão sem fim
dos governantes aos seus contatos
tal idioma triunfou, enfim!
10 Influenciou mais línguas
Língua mãe do luso Brasil
oficial duns países d’a África
Língua fêmea-viril!
Tem o crioulo-português
Negritude varonil!
11 Na China e no Timor
Goa, Timor, Damão e Diu
Na Malásia, Sri Lanka
E ainda tem mais, viu?
Nas Ilhas ABC
E Imperou no Brasil
12 Nossa Língua Portuguesa
diferentes formas, entrelaça
Morfossintaxe, Semântica
Não há o que ela não faça!
É conjunto de letras
Essa língua é toda graça!
13 Suas palavras, sentidos diversos
São conjuntos de elementos
Avatar de tantos desejos
Unem nossos sentimentos
conotação abrasileirada
recriou-se aos sete ventos
14 Moçambique,
Angola
Cabo Verde, Guiné-Bissau
São Tomé e Príncipe
Tanto assim, nada mal
Chiziane, Agualusa
Literatura bem legal
15 Fernando Pessoa
disse:
Minha Pátria é minha língua!
Digo logo a vocês:
Sem ela fico à míngua!
Sem Florbela,
sem Drummond
Cada dia: “novilíngua”
16 Oswald
e Bandeira eram livres
Pra recriar fala do povo
Fizeram tanta
literatura
Poetas do voo ao ovo
Cecília, Chico Buarque
Nossa língua, assim louvo!
17 Língua, código
social
acordo de letras, sim
linda, sã, renovadora
flor perfumada, jasmim
eita, língua tão bonita!
Nosso amor não tem fim!
18 Mil combinações, significados
Minha Paixão comovente
Mais que linguística, vi
Me entreguei docemente
Que abraço apertado
No pensamento da gente
19 A sociedade precisa dela
Ela precisa do povo
Deus não me deixe morrer
Sem eu escrever de novo
Mais um cordel para ela
Expressão que eu louvo
20 Um dia quando eu partir
Eu quero ir fazendo verso
Minha alma vai sorrir
Assim de modo expresso
Foi poeta e amou
Isso foi seu sucesso
21 Escrevendo ou falando:
Eu sigo essa estrada
Meu Brasil, minha língua
Seja sempre festejada
Meu coração é só seu
Minha luz na Jornada
22 Todos têm particular
E eu não sou diferente
Quando é literatura
Eu abro a minha mente
Não porta que se feche
Sou poeta, minha gente!
23 Acabo assim o cordel
Agradeço a atenção
Sigo pr’um
outro poema
Entrego corpo e paixão
Mais adiante a gente vê
O tema e a canção
24 Só lhes digo uma coisa:
Quem me lê não tenha pressa
Minha comunicação
É sempre muito diversa
Escrevo próximo à fala
Um abraço e vamos nessa!
CORDEL
Tradição, ruptura e proposta de ensino
Autor:
Moisés Monteiro de Melo Neto
1
Sou poeta de cordel
O
Cordel é popular
Atenção:
vou lhe dizer
Isso
veio de além-mar!
Da
Península Ibérica
Vou
agora explicar
2
Lá no século doze
E
no início do dezoito
O
povo teve acesso
A
esse livrinho afoito
Que
assim caiu no gosto
Gostoso
que nem biscoito
3
Esse tipo de produção
páginas?
Vou dizer:
é
folheto com oito
dezesseis,
que é bom de ler
também
de trinta e dois
meia
quatro cê vai ver!
4
No começo o Cordel
Era
mais para ser ouvido
Pra
chegar até aqui
O
caminho foi comprido
Verso
de seis/ sete sílabas
E décima, o Martelo batido
5
Rimas nos versos pares
Já
dizia o agricultor
Esse
poeta rural
Sabe
bem desse sabor
Pois
até analfabeto
Verseja
riso, amor e dor
6
Se não escreve, dita então
Cordel
do gosto sem fim!
para
que outros o escrevam
tem
diabo, tem serafim
cangaço,
política, honra,
coragem,
safadeza, tudo enfim
7 Paraibano, Pirauá
que
foi grande cordelista
da quadra foi à sextilha
isso
sim é que é artista
Leandro Gomes
de Barros
O
maior e não insista
8 Com grandes tipografias
O
negócio melhorou
Pirauá vem de Pombal
Paraíba
então bombou
Em
Vitória de Santo Antão
Ele
também arrasou
9
Assim foi pro Recife
Viveu
disso, sim senhor
Adaptando
clássicos
(recriando
sem temor)
Também
inventando história
Foi
assim, seu doutor
10
Chagas Batista, Athayde
Criticando,
fazendo rir
e tantos outros
nas
crenças e no porvir
danados autores e leitores
Melchíades fez o povo aplaudir
11
Compravam poema alheio
Assinavam
como deles
Espertos
esses poetas
Passando
a perna naqueles
Athayde
fez assim
Com
Leandro, sabes se leres
12
Vi peleja em Pernambuco
Do
litoral ao Sertão
Foi
assim que o cordel
Tomou
o meu coração
Eu
pensei que era brinquedo
Era
mesmo possessão
13
De Juazeiro do Norte
Veio grande produção
“Viagem
a São Saruê”
Vendeu que só, meu irmão!
uma terra encantada
rico povo do sertão
14
Um tal de D’Almeida Filho
Fez
cordel sobre novela
Mais
de quinhentas estrofes
Tem
seu cordel Gabriela
Literatura
assim
Vale
a pena falar dela
15
Da importância do cordel
Vale
lembrar os trinta, os sessenta
Lá
no século vinte
Velho
cordel arrebenta
Sucesso
que merece
Hoje
rompe, mas aguenta
16
Tradição de muitos séculos
Já serviu até de jornal!
Pra
narrar acontecimentos
Da
metrópole fatal
conteúdos
bem variados
Anos
quarenta: o auge sensacional!
17
O sertanejo gostava
de no cordel a vida ler
às
vezes liam pra eles
João
Cabral que vai dizer
“Descoberta
da literatura”
Bom
poema a conhecer:
18
No dia a dia do engenho
toda a semana, num lance
cochichavam-me em segredo:
saiu um novo romance.
E da feira do domingo
segue lá essa nuance
19 Cordéis lesse, explicasse
um romance de barbante
Sentados na roda morta
carro de boi sem jante
lido o folheto guenzo
e o leitor semelhante
20 Cordel conta coisas
todas mirabolantes
que às vezes variam
crimes, amor e variantes
soam como sabidas
d´outros folhetos migrantes
22 A tensão era tão densa
subia até o trágico
e se consumia aquilo
como num espaço mágico
o franzino e o gigante
em ritual verborrágico
23 Até o Getúlio Vargas
Ditador bem brasileiro
Também
no cordel está
Anotado
e faceiro
E
o poeta Delarme
Acendeu
o tal braseiro
24 Cordel Getúlio e pobres
ele
não era fascista
nem também usurpador
mas que era golpista
que se fez de ditador
combatendo comunista
25
No golpe de trinta e sete
foi contra a grande anarquia
que reinava em nossa terra
onde a fome consumia
milhares de proletários
pois o rico não sofria
26 Cada parte do estado
tinha um rico prepotente
rodeado de capangas
do mais bruto ao mais valente
onde o pobre era um cachorro
faminto, nu, repelente
27 Dalarme diz que Vargas
notou esse descontrole
diz consigo: eu sou um homem
boca grande não me engole
vou cortar o malefício
com o pobre ninguém bole
28 Por este grande motivo
implantou a ditadura
acabou com os coiteiros
tirou do rico a bravura
o pobre passou a ser
tratado com mais brandura
29 Quem achou isto ruim
foi a gente da escol
que não tinha classe pobre
como gente, no seu rol
sem saber que o povo baixo
também tem direito ao sol
30 Daquela data em diante
foi o povo acreditando
que ainda havia um homem
que nele estava pensando
e o valor de Getúlio,
foi pouco a pouco aumentando
31 Dalarme fala então
de comício e propaganda
pra dizer que no Brasil
Em Getúlio “é quem manda”
pois o povo está com ele
e com ele o povo anda
33
Trinta e oito, recifense Delarme
Imprimia,
vendia seus cordéis
Leitores
gostavam muito
Eram
muitos os fiéis
“A
Feiticeira do bosque”, foi um
Rendeu-lhe
Vargas, ouropéis
34
Quando Getúlio suicidou-se
Em
cinquenta e quatro, ele fez
um
folheto de oito páginas
foi
assim bola da vez
feito
no mesmo dia da morte
vendeu
setenta mil e satisfez.
35
Já nos “romances de sofrimento”
Como
“A louca do jardim”
De
Cosme da Silva
pernambucano
é bom assim
é
um drama danado
do
circo para o folheto, enfim
36
Os vendedores vendiam
centenas
de exemplares
numa
exposição com gosto
Isso
em muitos lugares
O
poeta lia um pedaço
“Levem
o seu para os seus lares!
37
ainda em sessenta e setenta
A
gente se emocionava
Com
maldades e defensores
Herói,
heroína não faltava
Locais,
como Fortaleza
doze
mil por dia, impressionava
38
São números espantosos
Acredite,
é verdade!
Mas veio a inflação
A
TV do sertão à cidade
Cordelista
protestante
Não
quis mais falar “maldade”
39
Foi o caso de Athayde
que
preferiu humildade
funcionário
em Maceió
parou
criatividade
mas
outros continuaram
do
interior à cidade
40
As proezas de João Grilo”
É
cordel muito dito
de Athayde, vem de longe
de
São José do Egito
de
Ferreira de Lima, oito
páginas,
o
outro trinta e dois, bonito!
41
Na crise dos cordéis
Ali
nos anos sessenta
renúncia
de Jânio Quadros
gerou
cordéis, segundo se sustenta
pasmem
com isso:
venderam
sete milhares: setenta!
42
Por via aérea, do Recife
Saíam:
Sul, Sudeste, norte do país
Cordéis
que vendiam bem
Deixavam
o público feliz
até
em Brasília, candangos
da
nova capital, coisa de raiz
43
Mas cordelistas e vendedores
reclamavam porque passavam
muito até vender dez mil!
nos setenta: Universidades aumentavam
suas pesquisas que do Cordel
importância
acentuavam
44
Gera alienação?
Tanto
trabalho simbólico
Vem
assim o ideológico
Aliena
seus leitores?
Posso
lhe dizer que não
Toda
Literatura seria assim
Amoródio,
tentação
45
Diz Camilo, em São Saruê:
Até aqui tudo bem,
literatura é isto
e muito mais, também!
Lá os tijolos das casas
são de cristal e além!
46 As portas barras de prata
fechaduras de rubim
as telhas folhas de ouro
e o piso de cetim
tradição e ruptura
Vamos em frente, assim
47 As pedras em São Saruê
são de queijo e rapadura
as cacimbas são café
já doce e com quentura
de tudo assim por diante
existe alguma fartura
48 São Saruê:
povo civilizado
sem priorizar trabalhar
tem dinheiro à vontade
trigo nasce já
pão (sem assar)
o pão e a manteiga caem das nuvens
os peixes saem do mar
49 É só pegar e comer
Camilo fala de canas de mel
E de sítios, pés de dinheiros
(é de tirar o chapéu!)
pode-se tirar à vontade
pois isso tudo vive ao léu
50 Em Saruê nasce menino
já de tudo
sabendo
ler, escrever, contar
ir a São Saruê? Entendo
como ir eu digo aqui
Nesse folheto que vendo
51
Dobras ideológicas da bíblia
Desconstroem valor de força de trabalho?
tal
as “Mil e uma noites”
do cidadão fora do baralho
numa
Pasárgada, dos persas
Manuel
Bandeira, se não falho
55
Vamos aos folhetos de gracejo:
Rodrigues
dos Santos foi preso, azar
Em
Afogados, Recife, vendendo
"O homem que deu o [...] no Ceará"
Outro
se jogou d´um trem, ao vender
"O
malandro e a piniqueira...”, vá lá
56
E agora vamos falar
Ensino,
literatura, cordel
Como
podemos formar leitores
críticos
que estão ao léu?
Que
possam usufruir
Desse
texto no papel
57
Como apresentar caminhos
valorizar raízes populares?
leitura do mundo precede a da palavra
diz
Paulo Freire, aos pares
Ó
leitor de cordel!
Hás
de combater os azares
59
Nas construções de sentidos
para
o texto na Escola
a
culpa não é só do aprendiz
é
como um jogo de bola
saibamos
fazer o gol
não
esperar só esmola!
60
Buscando o prazer do texto
Muito
além do normativo
transmissão
da norma culta
busquemos
no cordel interativo
esforços, estímulos
Ô mundo competitivo!
61
Não ensinar só os Clássicos
Nem fichas de antigamente
Sim
leitura transformadora
prazer
de ler e escrever à mente
novas
propostas didáticas
que
cordel se experimente
62
Tira impressão de fragmento
Cordel
completo é instrumento
Lê
problemas do mundo
Com
arte e sentimento
O estético aos aprendizes
Traz
assim discernimento
63
Não literatura impositiva
mas
compartilhado saber
na
compreensão global do texto
refletindo, debater
estereótipos
destrinchar
leitor ativo fortalecer!
64 Perspectivas dos discentes
capacidade
interpretativa,
seu
nível, seus interesses
não
fragmentação excessiva
que vem nos livros didáticos
sim
gramática gerativa
65
Não gerar limitações
prejudiciais ao estudante
o
cordel abre espaços
para
outro saber fundante
fazê-lo
produzir, também
isso
não é algo distante
66
Livro didático não é único
pra conhecimento transmitir
pode dar visão difícil
levar
aluno a desiludir
ter
uma visão errada
da
literatura desistir!
67
Nas fichas de leitura
às
vezes somente uma resposta
na
vida não é assim
há
sempre outra proposta
para a interpretação de texto
gente
que esteja disposta!
68
Não só estilos de época
no ensino médio, faculdades
no
letramento literário
novas
possibilidades
sabor e saber,
ser capazes
no
Prazer do texto, felicidades
69
O cordel assim nos traz
Interdisciplinar
sabedoria
Mas
tem que ler direitinho
Pra
não pensar porcaria
Pois
só interação com a vida
Nos
fortalece, sadia!
70
Vigoroso, prazeroso
Faz do jovem o cidadão
sensações
do estudante
poder de interpretação
mais
ativo e engajado
na sua atuação!
71
Um cordel bem escolhido
É de vital importância
sob
vários aspectos tira
entre
mestre e aluno, distância
que, entendam bem desse assunto
e
o usem com constância!
72
Folhetos, romances, vários estilos
Ao
prof. possibilidades
Na
luta pela leitura
Contra
desigualdades
pais também reforcem em casa
geração
de liberdades!
73
Não só decodificar texto
interessa no colégio
Desde
o início, está claro
Ler
não deve ser privilégio
o
jovem vai ler o mundo
preguiça
aí é sacrilégio?
74
“Cachorro dos Mortos”, de Leandro gomes
“Pavão
Misterioso”, de Zé Camelo
Não é só contação
de história
É
muito mais que apelo
na
roda de leitura de outro modo
participativo,
com zelo!
75
O aluno faz reflexões
veem
por outro lado
se identificam com situações, personagens
na
interação o cordel é estudado
um
instrumento interessante
na formação do leitor usado!
76
Vou ficando por aqui
Que
Deus do céu me ajude
Sou
poeta e professor
Quanto
a você, se cuide
Agradeço
a atenção
Nesse
deciframento que pude!
CORDEL DA LITERATURA BRASILEIRA
DE AUTORIA INDÍGENA
Autor: Moisés Monteiro de Melo Neto
1
Indígena silenciado.
Pra imprimir literatura
histórica,
valiosa
indígena
vida dura
diferente dos não índios
ou
civilização futura
2 Literatura Indígena
deve
ser mais divulgada
contribuir
nesse processo
gente
não fica parada
tradição
que no colonial
foi
quase sufocada
3
Teoria do Bom Selvagem
É
pouco, Rousseau que diga
Literatura
de índio
É
forte, boa de briga
Por
séculos resistindo
a
dos outros instiga
4
Outro fator importante
A
idealização fez
Românticos
a tramaram
Índio
foi o “herói” da vez
um
"herói medieval"
um
pré-cabralino, talvez
5
Anchieta, Gama, Durão, Dias
Nas
suas obras mostraram
singularidade
indígena
de
estranho modo trataram
mas
Alencar, digo também
é
dos que assim criaram
6.
Romantismo do Brasil
Equivocados
discursos
Sobre
os povos indígenas
Ensinado
nos cursos
indígena
superficial
identificação
étnica
fica
fora nos concursos
7
Marginalizado intelectual
Índios
ficaram assim
excluídos na Literatura
sem
poder cultural, enfim
mas
Teoria da Cultura
viu
locais de fala, ao fim
8
Destas vozes exiladas
de
imaginação criadora
ressalto
direito indígena
sua
força protetora
a
imprimir sua poética
contra
sua vil opressora
9
Na verdade literatura
É
toda irmã e eu peço
valor à propriedade
intelectual
indígena: sucesso
O antes e o depois local
de fala d´ índio: impresso
10
Organização, conteúdos
do
princípio mais confesso
instrumentos
valores sociais
espaços,
tempos: acesso
fortalecer
é necessário
nesse
texto em processo
11
Intenção: a letra indígena
brasileiras falas sociais
dimensões
vitais do tempo
posições
axiais
para
relações de consumos
iluminam-se
crenças, rituais
12
O ‘que’ e o ‘como’
sintetizam
importâncias
letras
escritas: fontes
diminuindo
distâncias
constituição
de 88
direitos
e errâncias
13
Organização política
participação
indígena
no
cenário nacional
antes
meio fora da cena
ritmo
e amplitude
isso
sim não aliena
14
Novas associações
Índios:
anos 90
revelam
autonomia
há
muito já se tenta
deste
modo no país
muito
a gente acrescenta
15
Com assessoria boa
Especializada
& tal...
mediante
parcerias
fica
coisa bem legal
não
indígenas, também
multiplicação,
uau!
16
Interação que facilita
relações
sociais e mais
políticas
indígenas
ampliações
sociais
economia
sustentável
universos
essenciais
17
E nas construções simbólicas
e identitárias:
nosso país
Os
livros se farão
Professor,
o índio diz
indígena
salvação
aprenda
a ser feliz!
18
Expressa nacionalidade
importância fundamental
na
prosa e na poesia.
índios
teóricos, afinal
certeira
comprovação
etnologia
memorial
19
Formas de organização
inovações
rituais.
tradição
oral às Letras
escritas
ou orais
filosofia
indígena
isso
assim é bom demais!
20
Oralmente é diferente
solitário
é escrever e ler
indígena
escrita traz
performance
nova a ver
é
complexa e dinâmica
tente
ao menos entender
21
Com autor plateia tem
reação
inesperada
tá
faltando economistas
pra
juntar muito de cada
isso
é, sim, instrutivo
prum Brasil em disparada!
22
A nova escrita indígena
Nova Escola educação
nem
mais tutor nenhum
quer
reescrever a lição
livro
didático, assim
escreve-se
com própria mão!
23
Do genocídio tirano
Escravidão,
plantação
Misturando
bens e males
Foi
a colonização
Agora
no lugar-lar
Vem
desmarginalização!
24
Equação mundo/imagem
Reestrutura-se
assim
ethos e cosmovisão....
falo de literatura, sim
mas
tem outra razão
ecocrítica
no fim
25
O mundo, a realidade
Vem
do mito coletivo
ideias,
crenças, ideais
isso
é tudo muito vivo
branco
que chegou aqui
quis
deixar índio cativo!
26
‘Poesia’, ‘conto’ ou ‘crônica’
Pro não indígena é assim
Tal
do gênero textual
No
final é mei chinfrim
cabível
nas circunstâncias
da
Universidade, enfim
27
Na bidimensional página
tem
pouco, vou lhe dizer
índia
performatividade
ela
não consegue conter
minha
experiência de vida
te
digo que vai crescer
28
Sou sujeito coletivo
Sou
da mata social
Não
desprezo os de fora
Mas
não venha fazer mal
A
nova escola indígena
é
um aberto ritual
29
Nova cultura indígena
atravessa a escrita e a oral.
É escrita em português
E em língua não oficial
nem marginal nem canônica
cibernética, carnal!
30 Pra cada comunidade
Peço muita atenção
pros projetos dessa gente
somos de grande nação
produtor, consumidor
não é só dinheiro, não!
31 Leitor dos próprios textos
escola indígena também
consumidor/leitor se oriente
no que essa gente tem
livros possam circular
indo muito mais além
32 Comunidades produtoras
Isso não falta aqui
tradicionais sabedorias
das mais sábias que já vi
com valores culturais
formas escritas ali!
33 É capital cultural
Transcomunitário sim
abrangência, ainda não
Universidade outrossim
tais Letras fortalecendo
elas vão crescendo, enfim
34 Grande valor literário
Pro leitor e pra nação
E até mercado externo
Como é líndia essa canção
E está nas livrarias pra
jovens, filosófica ou não
36 Canônica na escola
Continua a subir
mecanismos de inclusão
é coisa pra insistir
exclusão curricular
disso não vai existir
37 A escrita indígena
é produto da História
povos dentro de um povo
o Brasil tem Memória
e se foi marginalizada
ainda vai cantar vitória!
38 Em menos duma geração
Tem seus cânones de escrita
intensificadora
das Letras
é
indígena bendita
e expõe
a resistência
nela a
gente acredita!
39 Tal a
contribuição
pra leigo e pesquisador
muitos
têm se debruçado
sua
história é fator
que
a alguns encabula
reconheça,
seu doutor
40
Longe pós-coloniais
Português,
francês, inglês
que
buscaram “escrever de volta”
coisa
digo a vocês
reescreve
sua história
toda
sua, outra vez
41 Ambígua, híbrida
é
local e nacional
resultado
a longo prazo
ela
é sensacional
é
assim tão fascinante
nova
escrita e escola geral
42
Nova Literatura Indígena
Se
espalhando no país
Munduruku, Jekupé,
Yaman, Pataxó, diz
Kithaulu, Potiguara, fala
Terena, Guará, raiz
43
Haki'y, Wapixana, Yaguakãg
Makuxi, Kerexu Mirim
e
autores sem preconceitos
conteúdo cognitivo, sim
valor próprio de sedução
arte importante é assim
44. Função simbolizadora
que ela possa situar-se
tendo um espaço próprio
e presentificar-se
cada vez mais estudada
local de fala, ela faz-se
45 Autorias indígenas
É Literatura
forte
Erroneamente
escondida
Era entregue à
própria sorte
questões
indígenas, sim
bem marcado
suporte
46 Letras
diferenciadas
Pelo brilho
furta-cor
direito de
expor sua arte
um universo em
vetor
propriedade
intelectual
coletivo/
individual primor
47 Oralidade e escrita
Oratura ou impressa
saberes,
fazeres e crenças
adotada na Europa, essa
sobre crise ambiental
a muitos ela interessa
48 Vou ficando por aqui
Viva ao indígena autor!
E vamos cumprir a Lei
grade escolar que for
a cultura dos índios
fortaleça-se esse AMOR!
CORDEL DA VISÃO
INDÍGENA
SOBRE A LITERATURA PORTUGUESA
CORDEL DA VISÃO
INDÍGENA
SOBRE A LITERATURA
PORTUGUESA
AUTORES: ALINE LOPES DOS REIS, ANGÉLICA
MARIA SILVA DOS SANTOS, EIMYSLENE FERRAZ DE MELO SANTOS, ELMA PATRÍCIA LIMA,
ISLANIA MARIA DA SILVA, JOÃO PAULO DE JESUS DOS SANTOS, JOSEFA SANTANA DOS
SANTOS, JOSÉ PEREIRA DA SILVA, MARCIANA SOARES DO NASCIMENTO, MARIA APARECIDA
DO NASCIMENTO DA SILVA, MAURÍCIO JÚNIOR FRUTUOSO, OZANA SILVA MERENÇO DOS
SANTOS, VAGNA DA SILVA SANTOS, VALDINETE DE SOUZA SANTOS e WUANDA MYCIELQUE DA
SILVA
ORGANIZADOR: MOISÉS MONTEIRO DE MELO NETO
1 Eu agora vou
contar
uma história pra
vocês
é uma história
mentirosa
que eu ouvi certa
vez
toda cheia de
verdade
ou de mentira,
talvez
2 É sobre
Literatura
muito boa pra
vocês
principalmente
você
que estuda o
português
começa na Idade Média
é de pobre e de
Reis
3 Isso é tudo
ficção
disse o professor
Moisés
é lição muito
bonita
da cabeça até os
pés
e eu me
emocionei
é quem eu sou e quem
tu és
4 É poema e é cantiga
de amigo e de amor
de escárnio e maldizer
tem textura e tem
sabor
nessa parte eu vou
dizer
gente, há muito
sabor...
5 E na prosa
também tem
uma tal cavalaria
são novelas fascinantes
podem se ler hoje
em dia
gênero de
antigamente
mas de hoje
parecia
6 São heróis bem populares
hoje não tem tanto
assim
por exemplo: o Rei
Arthur
história tão
linda, sim
são castelo e
mistérios
tem até o mago Merlim
7 Excalibur, uma
espada
uniu todo um país
se espalhou pela
Europa
trouxe um final
feliz
ela chegou até
hoje
mas escapou por um
triz
8 Pariconha foi
lugar
de uma aula
especial
no meu curso de
Letras
algo assim
sensacional
a história
continua
vou contar até o
final
9 Humanismo é assunto
para crônica
escrever
a história dos uns
reis
absurda, pode crer
uma tal de Inês de
Castro
enterrada volta a
viver
10 Vou lhe falar
de teatro
Gil Vicente é o cara
do teatro português
a cena ele
escancara
Barca do inferno e Inês
isso por aqui não
para
11 Classicismo vem agora
no século
dezesseis
Lusíadas, Camões
história dos lusos
vês
de Portugal é a
glória
leiam e ricos
sereis
12 Vamos falar do Barroco
que em Portugal
também
teve expressão nas
Letras
saiba disso muito
bem
religiosidade é
assunto
pra se notar e
além
13 Características
são
Coisas pra se notar
o exagero e o
drama
isso se vai
destacar
Sóror Mariana
fez
Cartas pra gente estudar
14 Carta é Literatura?
Podem até ser,
afinal
Vieira escreveu
sermões
Isso foi
sensacional
O que então
aconteceu
no Brasil e em Portugal
15 E agora vou
falar
do tal Neoclassicismo
Academia dos
gregos
e Roma longe do abismo
do tempo e do
lugar
não mais o
preciosismo
16 Depois veio o Romantismo
que exagerou
também
peça, romance e
poema
Portugal aderiu
bem
com essa nova
visão
eu vou te dizer,
vem!
17 O sonho agora é
outro
Realismo: vida real
Literatura de fato
tal notícia de
jornal
mulher que trai o
marido
seria isso fatal?
18 Cientificismo é
difícil de se
explicar
caber em
literatura
isso pode
complicar
falar do Primo Basílio
isso eu vou tentar
19 Luísa, Jorge e
Juliana
vejam que casa
danada
tudo em Lisboa
antiga
que cidade
depravada
literatura é assim
vixe, que coisa
danada!
20 Foi sexo na
cabeça
foi amor coisa nenhuma!
um ninho de
perdição
solução terá
alguma?
Promessa de
família
terminou virando
espuma
21 Na poesia
realista
de Cesário Verde e Quental
ladrões e
prostitutas
gente perdida e
tal
Lisboa às avessas
contra o
artificial
22 O que dissemos
acima
vem da Questão Coimbrã
polêmica,
tentativa
para um novo
amanhã
literatura da
vida
essa questão
cidadã
23 Naturalismo é forte
é animal, a
questão?!
vai até direto ao
ponto
se é amor ou só
tesão
homem com homem,
em Lisboa
é ou não
depravação ?
24 Que literatura
é essa?
é crítica social
tanta coisa de
repente
no meu cordel
genial
vou dar um tempo,
irmão
isso é antigo e
atual
25 Poesia Simbolista
É metafísica
só
Espírito, alma
Do escuro ao
arrebol
Pessanha escreveu
poema
tal jogo de dominó
26 Sonho e
melancolia
sinestesia até
cheia de efeito e
além
especial ela
é
leva do chão ao
céu
lav´alma cabeça ao
pé
27 Moderna? Florbela Espanca
poeta sensacional
mulher tão
diferente
com verso tão
genial
entre duas
gerações
inovou tradicional
28 Não se assuste Pessoa
Fernando! Vem logo
aqui!
tu que foste tanta
gente
eu chorei eu sorri
com tanto verso
bonito
tua poesia li
29 Caeiro, Campos e Reis
tanta gente em um
lugar só
trenzinho de
brinquedo
o cadeado é um nó
o poeta é fingidor
leitor isso não
vira pó!
30 Poesia é
brincadeira
muito séria, meu
senhor
tua ironia é
mel
Pessoa bom criador
sensacionismo assim
vem do grande
trovador
31 É com Fernando
Pessoa
que a gente vai
encerrar
e reabrir
novamente
o infinito
particular
eita, sujeito
arretado!
pra gente ler e
aprovar
32 Nesse mistério
da vida
literatura com tal
fervor
na sala desse
sertão
mistura de amor e
dor
leitor de Lemniscata
arte
se lê com muito
ardor...
33 Lembrei de Saramago
Prêmio Nobel
vencedor
colírio para
cegueira
de patrão e
trabalhador
Deus está solto
minha gente!
Quem é o vencedor?
34 Agora chegou o
fim
desse cordel, sim
senhor
pesquisando pra
você
junto com o
professor
indígena Pariconha
literatura é amor...
CORDEL DO LOBISOMEM NA
CORTE DE MAURÍCIO DE NASSAU
Autor:
Moisés Monteiro de Melo Neto
1
Cheiro o cangote da morena
que
parece fora de si
num
frenesi sem jeito
vou
lambendo a sapoti
para um homem como eu
de
tesão eu explodi
2
Eita, corpinho bonito!
um estudiosos como eu
que
carrega a maldição
sou
lobisomem judeu
peguei
isso no Caribe
foi
meu pai, um fariseu
3
Com formação de Doutor
Mal
dá pra se suspeitar
A
febre dentro de mim
Numa
noite de luar
Nem
sempre acontece
Mas
quando é, é de arrasar!
4
Venho assim sobrevivendo
Cada
noite de terror
Sou
tal bicho maldito
Poeta
e agrimensor
coleto, organizo,
forneço
documentos de valor
5 Na cidade de Nassau
Vim de Holanda a
Pernambuco
Século dezessete, estou
Sim ,sei, estou maluco
Mas poucos são como eu
Sei aguentar o trabuco
6 Avisaram-me:
nos trópicos
Mais feitiços ia pegar
Mas
louco por aventura
Não,
não pude evitar
mel dos lábios carinhosos
dengo,
malícia no olhar
7
Já me caçaram na noite
Tantas
vezes que nem sei
Novo
Mundo, velhos truques!
Holandês me encantei
Hoje, noite enluarada
Que
destino terei?
8
noite de verão grandiosa
festa no Palácio, grande
é
o palácio de Friburgo
quem
pode mandar que mande
Renascimento do Brasil
Nova Amsterdã, desmande
9
Intelectual europeu
Devia
me dar ao respeito
Maldição
de lobisomem
Não
me dá esse direito
Ajo
tão fora de mim
Muitas
vezes sou suspeito
10
Sou uma lenda mundial
No
Brasil cheguei assim
Num
barco muito sinistro
Havia
outros iguais a mim
Quero
sangue, quero corpos
Numa
fúria sem fim
11
A Licantropia eu tenho
Assim
a ciência chama
A doença de um lobo
Que
me contamina, inflama
Se
não mato quem ataco
É
mais um com essa trama
12
Dizem começo foi um pacto
De
meu pai, meu ancestral
Queria
fama e fortuna
De
ser sobrenatural
Logo
perdeu o controle
Sucedeu-lhe
o Grande Mal
13
Fujo da bala de prata
De
arma de prata, também
Isso
veio de meu pai
Que
hoje está no Além
Não
que acredite nisso
Não
duvide, disse alguém
14
Numa lenda grega antiga
Dizem
foi castigo de Zeus
Pra
punir um tal Licaon
Que
tentou matar chefe- deus
Foi
então punido assim
Mesma
coisa com os meus...
15
Loup-garou, na França
werewolf,
dos saxões
oboroten,
para os russos
lobisosômicas
dimensões
na Península Ibérica
África,
Ásia: tensões
16
Eu sou filho de um incesto
Vim
depois de sete filhas
Percorro
veloz estradas
Não
importa quantas milhas
Durmo
até em cemitérios
Se
tem perigo nas trilhas
17
No Nordeste estou anêmico
Quem
me vê até parece
Que
não desconfia de nada
Pois
assim não transparece
Alguns
dizem que há cura
Cera
de uma Igreja viesse
18
Eu não quero nem tentar
Que
um padre faça isso
Dê
a vela de um altar
Que
eu assuma o compromisso
De
nunca mais ninguém matar
Quando
quer me dar sumiço
19
Bala banhada com cera
De
um altar, é assim o remédio
Enfiem
no meu coração
Acabem
com esse meu tédio
Quase
não aguento mais
Já
me jogo desse prédio
20
A serviço de Nassau
Construí
observatório
Fico
olhando as estrelas
Planetas,
tudo ilusório?
Essas
lentes levam pra longe
Eu
e essa morena: um casório?
21
Meus filhos herdariam
Essa
minha danação?
E
dessa mulher, um dia
Comeria
o coração?
jacaré,
caranguejo, capivara
nordestina indecisão
22
Dou-lhe assim o meu veneno
Sob a lua incandescente
refletida no Capibaribe
o
meu sexo ela sente
O
que espera de mim?
Que
lucros ela pressente?
23
A música vem do salão
O
Baile prossegue, enfim
Aqui
tem tanta luxúria
estranha
excitação em mim
que
agonia, que calor
Nesse
holandês carmim
24
Pernambucano português
Se
fala nesse lugar
Mais
uma década de domínio
De
holandês governar
Hoje
o príncipe avisou:
“Boto
um boi para voar!”
25
Queria eu alçar voo
Nos
braços dessa morena
Voar
até raiar o dia
Nessa
mesma cantilena
Voar
para outro mundo
Levar
uma vida serena
26
Ir pra longe das intrigas
Viver
sem futilidades
Esquecer
que descobri
o
ouro que ela (fatalidades!)
recebeu para me trair
contar
aos lusos fragilidades
27
Das Índias Ocidentais
Sou
funcionário, tanto tenho
Essa
doida comigo teria mais
Ela
não sabe a que venho
Pediram-me
para envenená-la
Essa
espiã que mantenho
28
Leio no meu destino
Não
posso mudar a sorte
Toda
minha fantasia
Meu amor vira morte
vendeu-se
aos portugueses!
Seria
comigo dama de porte
29
Amor, suave indolor veneno
a botânica me ensina
saboroso
licor sob a lua
com
o lobo, pobre menina
podia
sair daqui com ela
fugir,
diaba que me fascina
30
Entregou-se com volúpia
Colombina
pernambucana
Num
ritmo de ferver
Fervor
que a lua emana
Do
manguezal a força
Ele
se transforma... vem a gana!
31
O monstro nele desperta!
Ela
não percebe
Em
gozos se contorce
Nem
sequer concebe
Monstruosa
mutação dele
No
esplendor da sebe
32
Traquejado nessas situações
sente
as unhas crescendo
os
dentes vorazes aumentando
Há
cinco anos ali vivendo
Conhecia
caminhos secretos
Arrastou-a
se escondendo
33 Sofria por sonhos e projetos
Desfeitos
por gente como ela
uma tristeza profunda
em
noite como aquela
cortava
seu coração
fosse
atém com uma donzela
34 Rasgou-lhe o pescoço
Ela
tremia sem voz
Irremediável
torpor
Em
estranho prazer feroz.
Aos
poucos ela morria
Ele
foi seu algoz
36
Sob um frondoso jasmineiro
tirou tirar dela a chave do armário
onde ela escondera os planos
que roubara tendo-lhe com o otário
Frans Post e Eckout
aproximavam-se,
com honorários
37
Não desconfiavam dele
Que
recompôs-se num instante
Não
mais se entregaria à paixão
Pensou
na pátria distante
O
lobisomem europeu
Um
bom burguês elegante
38
Não mais excesso,
nem nada
por natureza e por
ofício
medonho viver sem
paixões
aceitava o sacrifício
seres
que se consomem assim
existem
desde o princípio
39 Em solidão compartilhada
a romper elos com as criaturas,
cuidado
com esses tipos
que
andam em ruas escuras
Na
volúpia da escureza
Não
terás o que procuras
40
Seres da vida recôndita
que não gostam de se exibir.
Ao alcance das tuas
mãos
Tens
o fim dessa história
Espero
seja lição
Pra
tua a alma atingir
Certa
purificação
41
Não queira sentir demais
esperar demais da vida
depois curtir
frustração.
O
mundo é sina, é lida
solidão
é insuportável
cure
então sua ferida
42
Cuidado com Lobisomem
Que
na dor de existir
Se
arrasta escondido
Tal
bom moço a atrair
Não
faça ninguém de otário
Desconfie
do porvir
43
Sigamos então assim
transitivo caminhar
comedimento
é bom
e
esse cordel vai parar
mas
antes lhe digo algo
você
não tente escapar
44
A história se repete
Em
Pernambuco de antes
Ou
depois, repare em qualquer lugar
Haverá
seres amantes
E
ouro, mais veja bem:
Tem
coisas mais importantes...
CORDEL DA COMPADECIDA 2
Texto de Moisés Monteiro de Melo Neto
1 Agora vou lhe contar
Você já ouviu uma vez
Coisas da Compadecida
Mãe nossa, todos vocês
São coisas de chorar muito
De sorrir, também. Não crês?
2 Nós aqui temos certeza
De cordel, ouviu falar?
Livro bom, de toda gente
Dele não vou me afastar
Pois me deram a missão
Do livreto propagar
3 Inspiração é uma coisa
Que está em todo lugar
Difícil é corrigir
Tanto foieto apurar
Esse me veio de açoite
Num dia de festejar
4 Coisas da Compadecida
Disso eu vou escrever
Sobre um tal de Malasartes
Nordeste de num se crer
Começo logo dizendo
Um João Grilo pode ser
5 Mas né não assombração
O homi tornou a viver
Está aqui o número dois
Dessa história para ler
Depois que a Compadecida
Que a TV fez reviver
6 Eram três cordéis, então
Ariano assim juntou
Num tecido fabuloso
Que o paraibano criou
Vem aí uma homenagem
Três, primeiro, e o que findou
7 Digo logo, minha gente
Leia o que vem depois
É a tal Compadecida
Agora volume dois
Pensou que tinha acabado?
Se enganou, e apois?
8 Viche, vote, arrebite
Vou contar, o que veio após
De Malasarte à vida voltar
Grilo cê conhece, sem nós
O bicho mentia tanto
Era mais duro que nós
9 De tanto enganar o povo
Um cangaceiro encontrou
E mentiu tanto o danado
Que seu fim assim achou
Quem achou que era o fim
Acho que se enganou
10 Se deu bem com tanta gente
Com seu companheiro Chicó
Os dois andavam tão junto
Parecia até um só
A mulher do padeiro, o bispo
O padre, a cidade todo, dá dó
11 Morto foi ao purgatório
Pouco tempo passou lá
O diabo quis levar logo
Mas não é assim que está
O Grilo chamou Maria
Logo a gente chega lá
12 Maria chamou Jesus
Grilo besta ali ficou
Tirou logo uma onda
Danado, nunca parou
Jesus então pesou tudo
Maria o Grilo ajudou
13 Perdoado lá no céu
Grilo morto reviveu
Por milagre de Jesus
Maria que intercedeu
Diabo não perdoou
Mas aí ficou no seu breu
14 Chegando aqui na Terra
Grilo do céu nem lembrava
O véu do esquecimento
O milagre ocultava
Ele encontrou Chicó que
De suas coisas cuidava
15 Mais assombro vem agora
Deixa o cordel começar
Continuação da história
Eu não vou desafinar
Preocupante, relaxante
No final eu vou mostrar
16 Deu-se uma audiência
Vou agora cordelar
Coisa-ruim pediu licença
Pra do assunto tratar
Valha-me, Compadecida
Que o bicho quer pegar
17 Negócio é o seguinte:
Pediu audiência no céu
Invadiu, pode dizer
Senhor logo percebeu
“Retira-te, daqui, já!
Nada aqui tu tens de teu”
18 “Mandaram Grilo descer
Isso que não justo foi
Lugar dele é no meu reino
Bem sei disso e apôi
Na Terra ele não faz jus
Das Bênçãos de vocês doi!
19 Peço revisão do causo
Digo que ele tá pior
Que coceira com maruim
Continua um pecador
Deixa-me levá-lo
Pro mundo isso é melhor!”
20 “Não acredite nele, meu filho
Pois Grilo não é ruim
Já vimos, eu provei tudo
Nem precisava, enfim
Na Terra o Grilo é bom
Vá embora, ó cão. Sim!”
21 “Senhora, dê uma chance
Que lhe mostro conclusão
Fazendo Grilo provar
Se estou certo ou não!”
Foi aquele fuzuê
Veio assim a decisão
22 Grilo seria
testado
Sobre se mudou ou não
Descem dois anjos do céu
Pra resolver a questão
O coisa ruim disfarçado
Lançando provocação
23 Chegou perto do Grilo
Ofereceu dinheiro
Pra oferecer a um velhinho
Um investimento “certeiro”
Lance de cripto
moeda
O dobro por um milheiro
24 Grilo com metade
O velhinho com trinta
Mas quando chegou a hora
Dinheiro largou a tinta
Chicó reapareceu
Vocês não querem que eu minta
26 Foi um furdunço grande
Vou reconstituir
Os anjos vendo tudo
Não podiam interferir
O Grilo era inocente
Peleja ia persistir
27 Filho do velho se meteu
Se meteu, disse ia matar Chicó
Grilo provou inocência
Mesmo assim ficou pió
Eita rebuliço danado!
Esse cão é mesmo o
Ó!
28 Segue assim tal repente
Peleja, embolada
O sangue quase correndo
De Grilo e Chicó na cilada
Fi do véio decido
Tiro ou peixerada?
29 Os dois anjos vendo tudo
No céu mesma cena mostrada
Maria se aperriô
O Filho sem dizer nada
“Grilo teve boa intenção
Coisa não está acabada”
30 Cabra ia acabar com Chicó
Foi ele que apresentou o Grilo
Pro velhinho, vejam aquilo
O cão armou tudo
Contrato no nome dele
Investimento “tranquilo”!
31 A peixeira levantou
Chicó ia morrer
Grilo se meteu no meio
Amizade pra valer
“Chicó num se avexe
No céu a gente se vê!”
32 O famigerado filho
Braço forte levantou
Mas veio a mão do anjo
E a polícia chegou
Parou duelo, resolveu
Cão com grana escapou
33 Grilo e
Chicó inocentes
Justiça considerou
O velhinho ganhou na Loto
Mas história não acabou
Deu uma grana a Chicó
Que culpado não achou
34 Fi do veio se acalmou
Era tanto dinheiro, enfim
“Ai que Deus me abençoou!”
Pensou o velho assim
“Vou ajudar muita gente
Vai ser bom pra mim!”
35 Chicó tinha noiva
Pobres, queriam casar
Com boa ação do velhinho
Tudo pôde se arrumar
Grilo foi o padrinho
Sozinho ia ficar
36 Felicidade do amigo
Era a sua também
Sem amigo nesse mundo
A gente não se dá bem
O cordel acabou aqui
O senhor me dá um vintém?
Recife, 19 de
março de 2023, dia de São José
SHERLOCK
E O CÃO DOS BASKERVILLES
Cordel de Moisés
Monteiro de Melo Neto
1 Essa história vou contar
Sei você vai perceber
Algo de inconveniente
Depois vai entender
Caso do Sherlock Holmes
Pra todo mundo ler
2 Livro com mais de cem anos
Traz hoje um interesse
No cordel aqui presente
Que do escocês fez-se
O escritor Conan Doyle
Sem que concorresse
3 Esse cordelista fez
texto assim matreiro
num caso do detetive
da rua do padeiro
Baker Street, endereço
Investigação? Certeiro
4 Tudo começou em Londres
Tendo em lama acabado
Logo explico como
Agora fica calado
E falo bem no início
Lá Holmes foi contratado
5 Uma história cabeluda
De demônio não previsível
Deus nos livre do Danado
Monstro não muito crível
Interior da Inglaterra
Uma vingança incabível...
6 Henry Baskerville
Herdeiro de um rico tio
Herda mansão assombrada
Maldição de um cão sombrio
Que ninguém via, mas cria
Que tremendo calafrio!
7 O tio morre do coração
Intriga evoluía assim
Estranhas pegadas
No imenso jardim
Enredo se complicava
Chamam Holmes, enfim...
8 Mas quem vai é Watson
Auxiliar do detetive
Entre os dois nada
Que a intimidade prive
Na mansão de Henry
O pavor sobrevive
9 Que um dia o cão chegue
Mais um Baskerville morra
Não se salva assim
Quem na Hora H
corra
Um segredo ronda tudo
Com ele ninguém concorra
10 O que provocara morte
Terrível ao velho Tio?
Pistas não batiam bem
Tio saiu às dez, sadio
O que o fez sair
Em horário assim tardio?
11 Vizinhos ricos ou não
Apontavam a Maldição
Na Mansão dos Baskervilles
Tempo é imensidão
Trama que se enrosca
Até fugitivo de uma prisão
12 Um pântano tudo circula
Fede tanto com armadilhas
A quem se arrisca a ali estar
Ao luar ou de dia: “ilhas”
Para quem sabe
Ir lá, decifrar trilhas
13 Pôneis afundam e morrem
Estertores infernais
Belas mulheres se atrevem
A Romances sensuais
No meio daquilo tudo
Nevoentos umbrais
14 Um biólogo, um advogado
Um mordomo bem suspeito
Um vilão se esconde do leitor
Tamanho é o efeito
Que essa literatura causa
Clima, suspense perfeito
14 Caça ao criminoso prossegue
Quem seria o culpado
O cão a todos têm assombrado!
Olhos e boca lançam fogo
É o que o povo tem falado
15 Watson percorre pistas
Mantém Holmes, em Londres, a par
Mas a coisa se complica
Será que vão escapar?
O ajudante e o detetive
Tem muito a desvendar...
16 Ruínas paleolíticas
Dos homens das cavernas
Aumentam mais a intriga
Força internas e externas
História e mitologia
Tornam tais coisas incertas
17 Há notícia que um fugitivo
De uma cadeia local
Está escondido ali
No tal denso pantanal
Irmão da criada de Henry
Mas isso terminou mal
18 O biólogo e sua mulher
Aquele tórrido par
Eram sensuais conquistadores
Terrível jogo de azar
Deram golpe e não ganharam
O prêmio a conquistar
19 Sherlock descobriu tudo
Restava obter as provas
Isso é o que faria
Um plano ideias novas
Isso envolveria mortes
Não só versos e trovas
20 Cordel com reviravoltas
Esse que vou tecendo
Como provar os crimes
O biólogo envolvendo
O cão era um demônio dele?
Não foi bem assim, entendo
21 O detetive se escondeu
No pântano, que rebuliço
Era astúcia do biólogo
Ou mesmo um tal feitiço?
Proteger Henry do pior
Era esse o compromisso
22 Numa noite de lua e neblina
Tudo então se esclareceu
Biólogo mata homem errado
Aí se comprometeu
Amarrou sua mulher
E nela muito bateu
23 Atraiu Henry, pra matá-lo
O truque com o cão era tal
Pintou o bicho em fosforescente
Para aspecto fatal
assim tinha matado o tio
com o sobrinho seria igual
24 Sherlock frustrou-lhe os planos
Matando o cão danado
E o biólogo maluco
Ao fugir morre afogado
Mais um caso resolvido
e documento arquivado.
CORDEL DAS FAMÍLIAS BELLI E MONTEIRO DE MELO
por Moisés
Monteiro de Melo Neto
1 O nome Belli tem origem
na região do
Tyrol
A Itália teve
dificuldade
Nessa vida chuva e sol
seu território invadido
depois que o
Império Romano
do mundo foi farol
2 Roma ocupada
por muitos
Povos,
conquistadores cruéis
Deram o troco à velha Loba
Que exerceu tantos papéis
Então sob fortes poderes
Política e
religião trocam anéis
3 Criada como
nação
em mil
oitocentos sessenta, aí
com a exclusão da Áustria de
Nápoles, feita por Garibaldi.
local da família Belli
Veio Moisés dali
4 Chegou ao Brasil Felice de Belli
Patriarca Belli Brasil
E ficou na Paraíba
Naquele mês de abril
Trabalhou de vendedor
De enriquecimento sutil
5 Custou-lhe
muito trabalho
Perdeu um olho, dor atroz
Foi pedra fundamental
Que gerou todos nós
Somos sangue misturado
Vinho e leite de avelós
6 Avelós planta africana
De medicina popular
no tratamento de câncer
úlcera, inflamações, secar
verrugas desaparecem
Bisavô não escapar
7 Com aquele olho de
vidro
O outro enxergava bem
O avô de Therezinha e
Diomar
Cruzou o Atlântico, foi
além
Na cruzada por seu bem
8 Viu o sertão por
dentro
Andou muito e viveu
Uma linda experiência
Nesse Brasil que Deus
deu
Presto aqui minha
homenagem
Que meu Jesus concedeu
9 Mascateou um bocado
Com gente boa e canalha
Sua subida começou
Tragou cigarro de palha
Depois ergueu seu Império
Nada aí o atrapalha
10 Veio a sorte
aumentando
Dinheiro jorrou assim
Nos altos investimentos
Do meu bisavô, enfim
Chegou a comprar uma
ilha
fluvial em Cabedelo,
tim tim!
11 Tornou-se
Cônsul, uma vez
da Itália na
Paraíba
casou com
Henriqueta da Silva
forte como mucuíba
gerou os filhos
tão bonitos
se espalharam lá em riba
12 Nicola,
Felice júnior
Gêmeos Dante e
Beatriz
Tia Carmela,
tia Elvira
Tia Júlia, tio
Galileu, diz
o caçula Deocleciano
avô desse aprendiz
13 E cordel vai seguindo
entretendo a vocês
que pegam papel cibernético
para pesquisar, talvez
tia Carmela,
casou feliz
mistério de entremez
14 Vou contar a história dela
Comover não é a intenção
Mas é uma história tão triste
Tem até aparição
Mas no começo foi lindo
Apaixonante tesão
15 Casou com João Petrucci
Na Igreja da Filipeia
Parecia conto de fadas
Pra você terem ideia
Carmela estava tão lindo
Mas tudo também bodeia
16 Tio Petrucci? Rico e lindo
A foto o mostra assim
Velho álbum de família
Bem guardado por mim
Levado por primo meu
Frágil como um alfenim
17 Tio Petrucci possuiu
uma das
primeiras lojas
de automóvel do
Brasil
era chagado às gajas
amantes as teve muitas
reaja, titia! Que reajas!
18 Mas um dia veio a notícia
De uma família com outra
Tia Carmela enlouqueceu
Não há amor que isso nutra
Levou o piano pra ilha
Incorporou na estrouta
19 Espíritos tomaram seu corpo
Era um espanto de ver
Falando outras línguas
Mesmo sem conhecer
Mensagens do além
Empregada a perceber
20 As músicas no piano
A muita gente assombrou
Não sabia tocar tanto
Como assim se colocou?
A pobre tia Carmela
Uma lenda então virou...
21 Teve também tia Elvira
Que a tudo observa
A irmã daquele modo
E isso a assustava
Seu noivo era italiano
Ela pra casar vacilava
22 Torturava o italianinho
Querido de coração
Mas também temia que ele
Não fosse bonzinho, não
Os dias passavam rápidos
O pai prestou atenção
23 Deu um jeito que a filha
Não pudesse resistir
A um beijo mais fervoroso
Para o rapaz não fugir
Preso no himeneu
Grizzi? Fiel até dessa partir
24 Quando ele morreu
Ela casou com
Braz
irmão dele,
muito rico, também
como quem se satisfaz
Foi infiel ao marido?
Não, nunca, jamais!
25 Devo destacar, também
Dois primos muito queridos
Dois paraibanos poetas
Um da sátira, João de Belli
Do Banco do Brasil
Outro é Osíris de Belli
Tuberculoso, febril
26 É a história desse que agora
Eu vou contar a vocês
Conheceu Augusto dos Anjos
Esse primo da família, talvez
Tinha o cachorro: Cérbero
Como digo a vosmecês...
27 O pobre primo Osíris
Virou tema de destaque
Nas histórias da família
Que ninguém o ataque
Escolheu ser poeta?
Não foi bem um craque
28 O Destino pegou pesado
Seus poemas choram a Dor
Lágrimas
de um coração
Seu livro avesso do Amor
Os amigos publicam
Depois da morte do autor
29 Falava-se dele e um amigo
Pessoa muito chegada
Poeta, também e de teatro
Com quem bebia de madrugada
Que num dia frio de junho
Perdeu a vida numa jogada
30 Filipeia não era João Pessoa
A capital fervilhava
Cidade tão pequenina
A flor da pele atiçava
Primo Osíris, delira
A vida o atrapalhava
31 Seu fiel cão tudo ouvia
Sentiu seu dono sofrer tanto
Veio a morte como lenitivo
Vigília do cachorro
Causou a todos espanto
32 Dia que Osíris morreu
Nosso primo relembrado
O cão ficou que nem morto
Minha avó tinha contado
O bicho morreu, também
No cemitério lembrado
33 A família Belli cresceu tanto
Que nem se lembra direito
Que aconteceu bem assim
Me contaram desse jeito
Meu sobrenome é do avô paterno
História agora eis o preito
34 São os Monteiro de Melo
Cidade de Sanharó
Interior de Pernambuco
Agreste frio e sol
Meu avô, caboclo danado
Pingo d´água dava nó
35 Menino ele era assim
A gostar de passarinhos
Não matava nem prendia
Nem remexia nos ninhos
Bichinhos gostava dele
Via dupla o carinho
36 Pai dele, meu bisavô
Era de terras senhor
Gerou 38 filhos
Registrou todos sem favor
Era “dono” da cidade
Misto de amor e terror
37 Pai Neco, era seu nome
Casarão ao lado da Igreja
Fartura sempre à mesa
Rua Major Sátiro, se veja
Filhos iam e vinha
Esposas na bandeja
38 Sempre aberta aquela porta
Virou mito no lugar
Só não tinha carinho por filho
Gelo de impressionar
Monteiro de Melo da gema
Era de se impressionar
Nas
tardes em Sanharó
Aonde
eu ia de trem
Nunca
me sentia só
Chorava
sozinho em criança
Não
dar mais dor à mãe, no pó
40
Cresceu assim, vô Moisés
Músico,
barbeiro e poeta
Colocava
dedo pra cima
Parecia
até profeta
Serás
escritor, meu neto
Tens
meu nome, tua meta
41
A mãe dele era uma índia
Maltratada
na cidade
As
esposas não gostavam dela
Impunham autoridade
Moisés
pagava o pato
Agregado
e outridade
42
Quando pai Neco morreu
Duas
casinhas, vô herdou
Bisavó
e meu avô
Ela
morreu, ele casou
Nasce
meu pai, vó Elisa
Partiu,
“sozinho” ficou
43 Nova mulher do avô
Não quis meu pai por perto
Aos doze foi despachado
Para um Recife incerto
Para a casa do irmão José
Para tia era um fardo
44 Meu pai tem muito de índio
E do avô que teve na cidade
É dessa família agora
Que falo sem maldade
Descendentes de Rui Monteiro
Aristocrata,
portuguesa vaidade
45 Pai Neco tinha raiz antiga
Lá de longe se avistava
Nas histórias do serões
Da sua família falava
Às vez mentia um pouco
História que inventava?
46 Em dezoito sete sete
Saiu lá de Piancó
Pra fugir da grande seca
Foi parar em
Sanharó
Comprou fazenda e chamou
“Lagoa do
Monteiro”, só
47 O irmão, de
nome Honório
Monteiro de Mello,
também
galgou outros
horizontes
como almocreve
fora, além
ali mesmo, Sanharó
faz o homem o que convém
48 Casou com Luzia Monteiro
Uma prima, vários filhos vieram
dentre eles, Zé Honório
que comprou
título , disseram
pra Capitão e honrou Pai Neco
Manoel Monteiro, meu bisavô e tio eram
49 No Recife, meu pai
Mário Monteiro,
Depois de muito sofrer
Achou destino certeiro
Foi soldado da Aeronáutica
Ás do violão, na farra, primeiro
50 Vó Diomar viúva quis
Casar logo suas filhas
Assim festa foi grande
Uniram-se assim as famílias
Os Belli e os Monteiro de Melo
Se seguiram tantas trilhas...
MITO NO CORDEL
narrativas fantásticas
explica a origem de tudo
palavrinhas elásticas
no princípio era o verbo
mas vem de artes plásticas
2 Na cavernas se criou
mas ao ar livre também
o que importa para o povo
explica o mundo e o além
que esse mundo é assim
3 Grécia antiga, muitos deuses
e também lá no Egito
Já na Índia tinha tantos
Que depois se chamou mito
Várias interpretações
Aí inventaram o rito
4 Sobre a origem do mundo
Quis o homem adivinhar
a natureza e os deuses
coisa assim de arrepiar
Mitos nos ensinam tanto
O problema é decifrar!
5 Repletas de simbolismo
Coisas
sobrenaturais
Cada uma das
histórias
Traz elementos
fatais
Tem até verdade
pura
Coisas artificiais
6 Vida dos seres humanos
lições de como
viver...
significado de mito
faz outros sentidos
ter
Fantástico ou
verdadeiro?
Eu agora vou dizer
7 Intrincada vida
humana
O resto também o é
Pode começar lógica
Mas tem ficção até
falsidade ou
mentira
pro seu John ou pro
seu Zé
8 Mito não é
realidade
sobre-humano, minha
gente
quem quiser que
desafie
se isso lhe faz
contente
chamo Mito quando
alguém
vai muito além de
toda gente
9 Se tem em áreas
de
esportes, artes,
por aí
tem até o papa mito
Paraíba ou Havaí
características são
naturais ou não,
taí!
10 Do nascimento não escapam
Todos começam assim
Mitos de origem
divina
Ou da coisa
simples, sim
tem que ser
compreendido
e nem a morte é o
fim!
11 Teogonia, nascem deuses
Cosmogonia, o universo
Só não explico bem
Como se dá tal
processo
Pois meu negócio
aqui
É lhe mostrar tanto
verso
12 De Cronos
nasceram deuses.
Pandora é curiosidade
Eros, Psiquê amor e alma.
Narciso: a vaidade
O que é mitologia?
Mentira e sinceridade
13 Tanta história, não dá tempo
nesse cordel de Moisés
de onde
viemos, aonde vamos?
De baixo, de
cima, através?
imaginário
coletivo
que gente nem chega aos pés!
14 Hoje a mitologia
Anda muito diferente
não é supersticiosa
ou primitiva simplesmente
a natureza de hoje
tem mais que antigamente
15 Dizia Levi-Strauss
Para interpretar os mitos
No entendimento humano
Se mergulha no infinito
São dois ou três coisinhas
Não se ganha assim no grito
16 pensamento antropológico
Vê o igual e a diferença
Em tão diversas culturas
Nada e tudo parecença
Não é o eu nem o mim
O mito não é sentença
17 A ciência e o mito
Travaram árdua batalha
Na luz e trevas do tempo
Um ao outro não atrapalha
Descartes, Newton e outros
Mudaram cursos da calha
18 Filosofia dos gregos
Ou então a matemática
É novo ver, novo ouvir
Mutante, não estática
Tudo muda, metamorfoseia
Sartre Filosofia prática
19 O caráter mitológico
Não se espante, meu irmão
Fala muito de você
Arqueólogo- espião
Vê o mundo em toda parte
Fantasia a criação
20 Desordem por trás de tudo
Faz o bem ficar ruim
Os fonemas não são nada
Se separados, enfim
Mas se juntam e são palavras
Frases, diabo e serafim
21 Esse planeta da gente
A girar no infinito
É mistério tão profundo
Se me calarem, eu grito
A ciência não tem fim
E se resume no mito
22 Nossas pulsões sexuais
Nosso funcionalismo
Tudo passa e vai voltando
É o mito do fatalismo
Dá-nos poder sobre o meio
O Universo e o mesmismo
23 Diferenças tão fecundas
Supercomunicação
Cibernética cultura
Binária situação
O absurdo concreto
Valha-me Deus, meu irmão
24 Dizem os mitos só podem
Entender-se pelos seus
Mas mesmo quem não é dali
Podem os dizer “meus”
Os mitólogos do mundo
Não dão ao Mito “adeus!”
25 Pensamento mitológico
À indústria conduz também?
Há tantos artistas do POP
Que já partiram pro além
Deixaram aqui suas marcas
Num eterno vaivém
26 Poderes de cima e de baixo
Conjugam-se em um só
Joana D´Arc ou Madonna
Tudo um dia vira pó
No Mito não há fonemas
Nem Pão nem Vinho? Dá dó
27 Cachaça do nordestino
Ou Padim Ciço, Ceará
O mito engloba tanto
Os do Sul e os de cá
O Boi Ápis e coisas da Índia
Bíblia, Alcorão ou Torá!
28 Longevo ou Minimito
Diacrônica a evoluir
Sincrônico, ao mesmo tempo
O que importa é sentir
A força vem do Mistério
Não da História a se cumprir
29 Não há História “pura”
O patrimônio é comum
Desgraçado ou triunfal
O Destino é sempre algum
Pra aqueles que creem
Que não venha mal nenhum
30 Mitologia ou História?
A segunda continua
O que a outra começara
Os astros, a lua, a rua
A história que os mitos trazem
É a minha e é a sua
31 O que é consumir um mito?
Com inocência se faz?
A gente não vê o Mito?
Ele fica por detrás?
Sistema semiológico
De induzir ele é capaz
32 Tudo é uma equivalência
Num processo causal
Da palavra e o que a coisa
Parecendo natural
A confusão tem mil faces
Qualquer erro é fatal
33 São sistemas de valores
A semiologia é assim
Se o consumidor prefere
Significação pra mim
É sistema de fatos
Tanto é bom como ruim
34 Palavra não é a coisa
não se deixe enganar
é mito ou é mentira?
Dessa tente escapar
Porque senão a esfinge
Ela vai te devorar
35 “Realidade” de hoje
Muito mascarada está
Nua na Internet
Coberta também está lá
É sempre a Ideologia
Desmontar mito é pra já!
36 Bem ironizou Barthes
Um francês muito notável
Penetrou no reservado
Viu que o mito é desmontável
Caverna ou torre alta:
O mito é incontestável!
A
PELEJA DE CHICO SCIENCE E ARIANO SUASSUNA
Cordel de Moisés
Monteio de Melo Neto
sexta-feira, num 13,pense
janeiro de noventa e
cinco
deixo aqui o suspense
encontrou-se Ariano
com nosso Chico Science
2 Caderno VIVER
(página 8)
um
bang-bang à recifense
orquestrado
por Ivana Moura.
O título não nonsense
ARMORIAL E O MANGUEBOY
SELAM A PAZ. Que dance!
3 Narrado e com testemunhas
o lendário encontro deu
um velho do pastoril
flertando outro Mateus
secretário de Cultura
que Science recebeu
4 Science mediu a distância
o ângulo, a posição do sol
e as condições da sua arma..
do
duelo fez o rol
quase uma hora de conversa
Brother Paulo André no mol
5 na Fundarpe então se ouviu
Ariano disse assim:
“Você é do meu lado
vamos levantar o País”, sim
convocou
o paraibano
com
um riso que não tem fim
6 O
face a face aconteceu
Convite do secretário.
DIARIO DE PERNAMBUCO
Sacou que ali tinha páreo
desfazer de
uma vez por todas
que Chico não era otário
7 um
mal-estar fora criado
com declarações de Ariano
gravadas na TV Viva
abriu-se assim o pano
antes de assumir, algo assim:
Science? Quem é o fulano?
8
Na costumaz franqueza
E
sua mira certeira
ilustrou sua posição
identidade
brasileira
invasão
de subprodutos
da
cultura cultura estrangeira
9 Tô
aberto para o novo
O
Senhor a conversar
Só
assim entendimento
Podemos
nós encontrar
Pois a Cultura
do Estado
Precisa se alimentar
9
Como contador de histórias
Suassuna retomou
Avesso
ao imperialismo
A
conversa esquentou
invasão cultural, sô
Ciro
Gomes: E.U.A., aí vou!
10
Ariano resistência
contra
a invasão do Brasil…
ouvir isso de minha terra!
Dói
meu peito varonil
Indignado o paraibano
Chegou
a ficar febril
11
Sobre o trabaIho de Science
“ música de Pernambuco
rolou
baseado no maracatu
Mestre sabe de tudo.
Foi batismo de aratu
Me dobrei eu
Te dobrarias tu
12
E eu me emocionei,
tem
razão, o Professor
ele
é Autoridade
Vôte,
meu Senhor!
Diria Chico do encontro.
Velho
e o novo, por favor
13
Sinalizam que estão juntos
lutando pela grandeza
Pernambuco mostra força
Com
talento, esperteza
A
cena se desenrola
Veja
abaixo com clareza
14
“Science é um apelido
que
um amigo me deu.
E eu tiro proveito
Disso
que se sucedeu
puxo para nosso lado
isso
me fortaleceu
15
Modifico o regional
para chamar a atenção
de
ver como ele é”.
Paulo
André, diz “nosso chão”
Chico,
isso dá pé
É
sucesso, meu irmão!
16
E produz evento aqui
É
Abril para o rock
Por
favor seu Ariano
O
senhor não se invoque
Vai aí duplo sentido
Por
mais que o senhor se choque
17
Nessa cena musical
Chico
era o expoente
Ariano
via nele
algo
meio indecente
esse
Science, em inglês
parecia
incoerente
18
E uma multinacional
Aí
contratou Chico
Mas
a grana era curta
Nação
Zumbi não era rico
A dificuldade grande
Chico
disse: assim não fico
19
Foi falar com Ariano
Que
chamou de alienados
Os
jovens pernambucanos
Do
“rock apaixonados”
Num
jornal dizendo que
Eram
yankees mascarados
20
Desmerecia nossa cultura
Tão
pura, a de raiz
mesmo
a música baiana
deixou
tudo por um triz
Carmen
Miranda e guitarras
Mas
que rumba infeliz
21
E o forró fabricado
Tá
tudo mal misturado
Armorial
é que é certo
Rolling
Stone errado
A
cultura nordestina
É
que é o Brasil arretado
22
Não absorvam esse rock
Essa
coisa que vem de fora
Eu
não quero isso assim
Prefiro até Bangladesh, ora
Etiópia
ou Marrocos
mas
Estados Unidos?, Fora!
23
E Chico foi contornando
Tentando
convencer o gestor
Paulo
André continuou:
De
eventos sou produtor
Dê-nos
verba pras passagens
Se
aperceba, seu doutor
24
Vamos ver, disse Ariano
Com
uma certa má vontade
Fomos
tão elogiados
Se
elogio desse dinheiro
Ai,
que felicidade
Mas
a verba que pedem
Dou
é menos da metade
25
Por que
não Chico Ciência?
Seria
muito melhor
intenções
são positivas
Armorial é politizador
Mas a tecnologia
Observo
com rigor
26
Técnica a serviço nosso
Isso
sim é que é bom
Manguebeat
equivocado
Jobim já misturou, o Tom
misturou
samba com o jazz
Alceu
também fez um som
27
Quer vocês aliados
Verbas da Secretaria
São
poucas, fiquem sabendo
tem
pouco dinheiro, não ria
A
cultura é caso sério
Me
preocupo todo dia
28
O cordel está se acabando
Avisou
o Armorial
E
vai muito mal das pernas
o
maracatu rural
estou
tentando fazer a minha parte
contra
o destina fatal
29
Ora,
viva o cordel!
Disse
Chico animado
Viva
as manifestações do povo
Nosso
maracatu, arretado
Erudito
Imperador da
na
Pedra do Reino, sagrado!
30 Chico não se rendeu:
és meu aliado, também
Sou um caboclo de lança
no palco, como ninguém
o seu sobrinho Romero
já me viu e sabe bem
30
Antônio Nóbrega da em hip hop?
Não!
Algo diferente!
Ariano
rebateu assim:
Tire
o Science aí vejo diferente
Risos
e sisos à parte
É
isso aí, minha gente
31
Cultura pernambucana
fazia-se
e faz-se urgente
bora apreciar melhor
de
um jeito consciente
obras de arte, assim
eita, povo inteligente!
32
Chico Science não morreu
Encantou-se,
é outra coisa
É
muita humanização
identidade
cultural, precisa
para
os nossos cidadãos
uma
história concisa?
33 Diário
de Pernambuco
sexta-feira, num 13,pense
janeiro
de noventa e cinco
deixo
aqui o supense
encontrou-se
Ariano
com
nosso Chico Science
34 Caderno VIVER
(página 8)
um
bang-bang à recifense
orquestrado
por Ivana Moura.
O título não nonsense
ARMORIAL E O MANGUEBOY
SELAM A PAZ. Que dance!
35 Narrado e com testemunhas
o lendário encontro deu
um velho do pastoril
flertando outro Mateus
secretário de Cultura
que Science recebeu
36 Science mediu a distância
o ângulo, a posição do sol
e as condições da sua arma..
do
duelo fez o rol
quase uma hora de conversa
Brother Paulo André no mol
37 na Fundarpe então se ouviu
Ariano disse assim:
“Você é do meu lado
vamos levantar o País”, sim
convocou
o paraibano
com
um riso que não tem fim
38 O
face a face aconteceu
Convite do secretário.
DIARIO DE PERNAMBUCO
Sacou que ali tinha páreo
desfazer de
uma vez por todas
que Chico não era otário
39 um
mal-estar fora criado
com declarações de Ariano
gravadas na TV Viva
abriu-se assim o pano
antes de assumir, algo assim:
Science? Quem é o fulano?
40
Na costumaz franqueza
E
sua mira certeira
ilustrou sua posição
identidade
brasileira
invasão
de subprodutos
da
cultura cultura estrangeira
9 Tô
aberto para o novo
O
Senhor a conversar
Só
assim entendimento
Podemos
nós encontrar
Pois a Cultura
do Estado
Precisa se alimentar
41
Como contador de histórias
Suassuna retomou
Avesso
ao imperialismo
A
conversa esquentou
invasão cultural, sô
Ciro
Gomes: E.U.A., aí vou!
42
Ariano resistência
contra
a invasão do Brasil…
ouvir isso de minha terra!
Dói
meu peito varonil
Indignado o paraibano
Chegou
a ficar febril
43
Sobre o trabaIho de Science
“ música de Pernambuco
rolou
baseado no maracatu
Mestre sabe de tudo.
Foi batismo de aratu
Me dobrei eu
Te dobrarias tu
44
E eu me emocionei,
tem
razão, o Professor
ele
é Autoridade
Vôte,
meu Senhor!
Diria Chico do encontro.
Velho
e o novo, por favor
45
Sinalizam que estão juntos
lutando pela grandeza
Pernambuco mostra força
Com
talento, esperteza
A
cena se desenrola
Veja
abaixo com clareza
46
“Science é um apelido
que
um amigo me deu.
E eu tiro proveito
Disso
que se sucedeu
puxo para nosso lado
isso
me fortaleceu
47
Modifico o regional
para chamar a atenção
de
ver como ele é”.
Paulo
André, diz “nosso chão”
Chico,
isso dá pé
É
sucesso, meu irmão!
48
E produz evento aqui
É
Abril para o rock
Por
favor seu Ariano
O
senhor não se invoque
Vai aí duplo sentido
Por
mais que o senhor se choque
49
Nessa cena musical
Chico
era o expoente
Ariano
via nele
algo
meio indecente
esse
Science, em inglês
parecia
incoerente
CORDEL
DO GATO PRETO
1 Não espero e nem peço
que acreditem nessa história
é história muito estanha
sem honra tão pouco glória
Nem eu mesmo acredito
Então não conto vitória
2 Não é loucura nem sonho...
Não vou morrer sem
contar
Esta minha louca minha história!
A esposa dizia: pra me acalmar
meu espírito inquieto
cuidar da casa e esperar
3 O fantasma da obsessão...
pelo gato... o estranho animal
pela preta criatura
que consequência fatal
... os
acontecimentos... tortura
tortura.. me destruiu no final!
4 horror... horror...
inferno
Ela olhava maliciosa
Me chamava grotesco!
Assim meio curiosa
Mangava de superstições
Nisso era pretensiosa
5 Que isso era arabesco
medo de assombração
Isso causava terror?
Eu era mesmo um bobão
O que posso dizer, agora
não foi comum sucessão
6 Causas e efeitos naturais.
Me acusou de fingir
Ser bonzinho pra todos
Meu desgraçado existir
Mas eu sabia, eu era bom
terno de seu coração a sorrir
7
parecia tão evidente
meu amor aos animais
tinha muitos lá em casa
eles são sensacionais
dava a eles meu tempo...
que bichinhos sem iguais
8 Me sentia tão feliz
quando os dava de comer
ou os acariciava
é bom logo você saber
amor desinteressado
capaz de sacrifícios
fazer
9 O amor de um animal
Toca o nosso coração
Eita, história estranha!
Tínha pássaros, um cão,
peixes dourados, coelhos
macaquinho e... o gato,
o tição!
10 O gato preto esquisito!
uma cara terrível
mostrava
meu gato preto!
Plutão...
às vezes me assustava
não sei porque o preferido
meu bicho que mais amava
11 Ele eu me distraía
Só eu o alimentava
me seguia pela casa
às vezes até me custava
Queria sair comigo
me acompanhasse onde
estava
12 Minha esposa notou algo
Muito esquisito em mim
indiferente aos outros
estava violento, enfim
maltratei coelhos, o macaco, o cão
por que agia assim?
13 Ela disse: o mal
tomou conta de você!
A culpa foi do álcool
Vou lhe dizer porquê
Até o gato pressentiu
Estranho, você não
crê?
14 E o gato
me mordeu!
um canivete peguei...
e arranquei um olho dele!
Por que o fiz? Nem sei
Maldito! Que mal lhe fiz?
Isso não esquecerei
15 Mulher, pega o gato
e diz
você deu nele,
primeiro...
Não queria mais o
bicho!
fui lá e peguei primeiro
o gato era meu
isso é bem verdadeiro
16 Ela
resistiu entregar
Com tanta raiva fiquei
Que pegue logo uma corda
E o gato enforquei
Num pé de pau no quintal
Arrependido chorei
17 Cachaça acaba com um
Isso é a coisa mais certa
Não façam nunca o que fiz
Fiquem sempre em alerta
O mal quer tomar os homens
Tenha força quando aperta
18 Não afaste sua alma
da misericórdia de Deus!
Pensei tanta porcaria
furioso, com os meus
ameaçador, assassino
Os pecados dos ateus...
19 Ri do Misericordioso
Disse que ele era terrível!
Ah, como eu errei
Isso parece incrível
Mas foi o que aconteceu
Pior parece impossível
20 Vejam o que se sucedeu
Agora vem pior parte
Agredi minha mulher
A maldição destarte
Ela estranhou aquilo
fui bom marido
comparte
21 E a maldição sobre nós ...
Instalou-se bem assim
Contradição dos infernos
Valei-me um serafim
E veio uma estranha noite
Favor: não riam de mim
22 Numa noite um incêndio
Destruiu o nosso lar
Me entreguei ao
desespero
Foi difícil suportar
paredes desmoronando
coisa de arrepiar
23
Só sobrou uma parede
Ao lado da nossa cama
Estranha imagem surgiu
A imagem, meu crime, chama!
Sombra na superfície branca
do gato gigantesco,
flama
24 Na imagem uma corda
em tomo do pescoço.
Maldito seja eu!
Clamava o tal esboço
Entre o mal e o bem
Pelo Bem vale o esforço
25 Minha esposa disse assim:
arrancar um olho do bicho
enforca-lo,
brutalmente!
És um homem ou lixo?
Maldito seja, meu esposo
Esse teu vil capricho
25 Transtornado eu
fiquei
Meses de tanto horror
Sem me livrar do fantasma
do gato e... daquela dor
que coisa mais sinistra
vou lhe contar, ó leitor!
26 Não, não pensei noutro crime!
É mentira, meu amor
Queria fugir daquilo
Daquele obsessor
Tirar da alma o remorso
Afastar tanto terror
27 Um dia encontrei na rua
outro gato parecido
maus lugares eu frequentava...
não quero ser fingido
O segundo gato preto...
Isso fazia sentido
28 Parecido com o primeiro...
Gostei assim no princípio
Parecia confortante
Mas isso foi no início
O álcool ia me jogando
No fundo dum precipício
29 Veio a sensação esquisita
Esse bicho é do mal
Minha mulher também viu
“Jogue fora esse animal!”
Minha doidice só piorava
Prum desenlace fatal...
30 A cada minuto pior!
O meu tempo escoava
O bicho era igual ao outro...
ao primeiro, igual estava
... até o olho arrancado... igual!
Aquilo me apavorava
31 Tinha a mancha
branca ... o
outro não tinha isso
ao redor do ... pescoço...
A marca da forca, insubmisso!
... eu enforcara o gato preto!
Iria pagar compromisso
32 Nem de noite eu
descansava!
O animal não permitia
e os perversos pensamentos
a tudo submetia
eu não suportava mais!
Danada estrepolia
33 Saí doido pelo mundo
Perdi o amor, foi assim
Aonde você vai? Volte aqui!
A mulher chamou por mim
Não me deixe aqui sozinha!
Te amo até o fim
34 Mas agora é o pior
Peguei uma machadinha
para esquartejar o gato!
Besta-fera danadinha
Eu juro! Não aguento mais!
Mulher na frente, sina minha
35 Feriu-se
mortalmente
a esposa... querida dos dias meus
e resolvi... emparedá-la...
como monges medievais aos seus
às suas vítimas, na adega
que pecado terrível, meu Deus!
36 Arranjei cimento, cal e areia
Trancado meu novo lar
Tentei fugir da justiça
E mais me desgraçar
Eu estava doido, danado
Ninguém pode perdoar
37 Com toda a precaução possível
preparei uma argamassa
Ao terminar,
satisfeito
Sofri com minha desgraça
Emparedei a minha
esposa
O reboco disfarça
38 Limpei o chão e então
O tal gato procurei
Culpado por tudo aquilo
Foi o que assim pensei
o segundo gato preto
que na rua má encontrei
39 Matá-lo como fiz
com o outro
Era meu objetivo, afinal
Não o encontrei!
Onde estava o mal animal?
Sinal nenhum eu vi
Do inimigo fatal
40 Passaram-se três dias
Eu louco. Ele sumiu!
satisfeito com o doido crime
Quem te vê e quem te viu...
Não tomaria a vê-lo!
A peste escapuliu!
41 Cheguei até a acalmar
Meu desespero profundo
Pela tenebrosa ação
na inquietação do mundo
A polícia deu em cima
Eu sou um sujeito imundo!
42 Veio a investigação
Meu medo se acentuou
mas respondi às perguntas
que o oficial sentenciou
Procedeu-se uma vistoria
Nem isso me abalou
43 A polícia em minha casa
Nada ia ser descoberto
. Eu pensava em escapar
Estava errado, decerto
Pois nesse mundo é difícil
A Justiça está por
perto
44 Quarto dia após o fato
caravana policial chegou
inesperadamente à minha
casa
e novo investigou
rigorosa vistoria
tudo viu e fuçou
45 Pode examinar o que
quiser
Foi o que eu disse ao doutor
Não sei onde está minha esposa
creia nisso, sim, senhor.
porque eu sou inocente
encontrem-na, por favor!
46 Obrigado, senhores guardas.
Desejo-lhes boa saúde
tão boa quanto essa
casa
que refiz como pude
foi difícil de fazer
Estas paredes da minha atitude
47 E o
guarda foi saindo
Eu disse: o senhor já vai?
(Bati firme com a bengala)
Disse: “a casa nunca cai”
Aí ouvimos um choro
Uma espécie de um “Ai”!
48 Entrecortado e abafado
tal soluços criança
depois, de repente, um grito
De quem não tem esperança
prolongado, estridente, contínuo
anormal inumano mordança
49
Um uivo, um grito agudo
meio triunfo, meio horror
tal surgido do inferno
vibrando com muito ardor
garganta dos condenados
demoníaco estupor
50 Eu... sou ... inocente... eu não...
Doze braços vigorosos
atacaram os tijolos
caíram por terra, vistosos
surge aí minha esposa morta
aos policiais vitoriosos
52 Sobre a cabeça dela
com a boca vermelha
dilatada
o único olho chamejante
estava o gato, a boca escancarada
dentro da tumba estava
Eu emparedara o monstro, na
hora desesperada
CORDEL DO
TERROR ACADÊMICO
Autor: Moisés Monteiro de Melo Neto
1 Terror
assim na arte
o imaginário do terror
Em tal local cabe tudo
seja lá o que for
símbolos coletivos
salvação e
horror
2 A
estrada pro inferno
Entre ver
e escapar
Há as boas intenções
Não dá
para confiar
O que
estraga é o tempo
Há sempre
de provocar
3
Alterações na estrutura
tragédia grega dizia
tivemos assim lições
não é vã
filosofia
Por
milênios se espalhou
Tanto
monstro, viche Maria!
4 Cólera
de Deus, nos livre
das chamas que nos consomem
Repulsa, atração, culturas
Não se somem
É tanta
assombração
Credo cruz
ser Lobisomem
5 Família,
arte, religião
Tanta
coisa que eu tento
Ensino há
tanto tempo
Ah, coisas
que enfrento
Um
trabalho tão intenso
Não é
simples, lamento
6 Amor, raiva e tantos sentidos
Compreender,
penso ser humano
é violento, viver bem tenso
cada
cordel tem um plano?
Dia a dia
na eternidade
com a
morte não me engano
7 Vida dia
a dia, eu sei
boi ,
corte, vegetal sangue
Sorte ou
fé? use razão
Ninguém
escapa da gangue
Pesadelo ou
lindo sonho
Seca, mato
ou mangue
8 Fique
atento, firme, forte
Com essa crença obsessiva
dinheiro e Felicidade
trazem uma coisa passiva
toda certeza é relativa
9
Reacender, religar
a gente
com o mistério
Caro
leitor, eu lhe falo
É algo
muito sério
Na tela,
brilha o herói
Assim:
antes do batistério
10 Coisa
sagrada, se mistura
muito de
vidas diferentes
determinam
os oráculos
dos
passados e presentes
Há futuros
precisos?
Destinos tão transparentes?
11 Algo
nos absolutiza?
O que é
nossa lida?
Da razão
na história
não se
foge, é cumprida
Pode-se negar o diferente?
Alguma
visão é favorecida?
12 Que
coisa danada!
Detentores do poder
de um lado ou de outro
ser culto é ter quere?
Livre
arbítrio é assim?
Cada um sobreviver?
13 Dos
fantasmas do terror?
Melhor ir
se protegendo
Fofocas, anedotário
Deus lhe livre, assim sendo.
Grafite e
dança
Se liguem
bem
Teia a aranha vai tecendo
14 Morin,
Maffesoli e Durand
epistemes
diferentes
Teorias,
metodologia
Trabalha
com inconscientes?
Aceita ou marginalizada
Exatas,
insuficientes
15 Nesses
trilhos vou seguindo
Nesse
túnel, trem fantasma
Vou nos
loops
Céu/
inferno: a turba pasma
contos
tristes e os contentes
trabalhando
esse miasma
16 Aqui na
Academia
Nem Milagres nem mentiras
Não?
Verdade não é jogo
Acendo
fogo nas piras
Coroa de
louros? Nunca
Todos em
brasa: Sucupira
17 Nesses
trilhos de roda
Esperança
e Ritual
assistência rico e pobre
longe de ser tão fatal
reinvento
recomeços
vizinho
sobrenatural
18 Natura
por trás de tudo
sigo firme forte? Me iludo
Não me engane, nem se engane
Seja chita ou veludo
inconsciente
recalcado
Jung? Não dê cascudo
19 Vem
Bachelard criativo
Aprenda a boiar ou afunde
Vou nadando devagar
Isso as vezes, confunde.
Imaginação
faz criar
intervenção que refunde
20 Natural
antropologia
não é otária, eu sei
Simbólica, compreensão.
Não é
coisa só pra rei
Vivência do universo?
O preço eu
pagarei
21 Em
incessantes trocas eu sigo
do
fracasso ao sucesso
O cósmico
e o social
Sujeito fortalecido,
eu peço
em simbólico estrutural
pensando
voar não tropeço?
22 Água
mole. Pedra dura.
Tanto bate
até que fura
Arquetipologia, W.G. Machado
De imagem
tão escura
Busco mais
iluminura
contributo
heurístico
ou me cura
ou supura
23 Pense
você o que quiser.
Complexa e ingrata tradução,
lugar de entre saber
Transcendem a imaginação
Mental, icônica distopia
Eis a
minha intuição
24 O que
vier, eu traço
misturo erros, ilusões
mito político, falsa Riqueza
mito
simbólicos fardões
nem tudo é patente, latente
entre
trevas e clarões
25 Nesse
Diurno / Noturno jogo
O gato
preto de Poe, eu cito
sem grande segredo, mistério
angústia macabra, explicito
Antropológico, medo
Estruturas atrozes em delito
26 Celeste
infernal, desenredo
Sou um contador de histórias
não velho sábio, bem sei
O sábio não modela vitórias
Nesse jogo o que serei?
Transculturais
e vãs glórias
27
Vingarei nesse diálogo
assim com
o mundo real
Mitocrítica
Durandiana
Meu olhar?
Lembrança fatal
Pelos
céus, que coisa insana!
Tão viril
e feminino abissal
28 Narciso
no lago secreto.
A si mesmo
vai mirando
Sou eu
também esse mito
Sinistra
voz, sussurrando.
Na revelação do meu duplo
É a ti que
estou visando
29 Em RSI
idealidade afogar
Que não te
cause surpresa
Nas
questões de ordem humana
Nada me
deixa certeza
Cena, intrigas, personagens
Vil
sublime esperteza
30 Entre
os livros, viagens
Hábitos de leitura tenho
Cargas simbólicas,
Passagens?
Enriquecendo venho
do
pensamento real
simbólico,
imaginário, emprenho
31
Estilos, gênero, formato
De
símbolos é a literatura feita
O gato
preto, imagem fatal
Ah, o que
ofereço? Vem, deita!
Infere a
mente humana
Tijolos
mitológicos na espreita
32 Acabo
assim esse cordel
Na
esperança de outro mais
Pois o
terror acadêmico
É atraente
demais
Isomorfismos
convergentes
No outro a
gente traz
33 Medo da
morte representada
Aqui
estranha Cabala
Vá concluir reflexões calado
Atitudes de eidética, minha fala
Nem Tudo
está consumado
Meus
livrinhos na mala
34 Regimes
do diurno noturno.
Assim vem o desfecho
O maléfico orgiástico
Na fase de
Cronos, mexo.
Ao leitor
agradecendo
Até o próximo, esse deixo.
CORDEL DE TERROR EM PERNAMBUCO
Por Moisés
Monteiro de Melo Neto
Das assombrações daqui,
As que Pernambuco assiste
Abro assim novo
cordel
Hoje conto história em riste
Cada coisa
esquisita,
Tanta lenda que resiste.
2 Não acredito nisso
também não vou
duvidar
Espíritos e
elementos
Quem pode assegurar?
Cabelos e unhas crescem.
No pós-morte a flutuar
3 Começo pelo judeu
que aparece Na Boa Vista
Foi amigo de Clarice
Quem disse, não insista
Bom pirangueiro
deixou uma
pista
4 Nos dias comemorativos
sagrados para
judeus
fantasma vai passear
procurando pelos seus
Errante da Boa vista
pontes, becos,
teus e meus.
5 O homem era sovina,
Mas o dinheiro lhe comprou
Casas, lojas luta e maneiro,
interesseiro,
não casou
ansiava ser poeta
tal coisa não engrenou
6 Fantasma, ele é DIBUK
O judeu
caminhador
Que figura tenebrosa!
rápido adivinhador
deixou estranha cabala
esse velho professor.
7 Nunca foi visto em bando
Só para a
fotografia
Vestia preto, somente
chapéu e sem
Alegria
O cabra era tão
esperto
não tinha
melancolia.
8 Sentava meditando
com sua grana,
contente
cada vez
juntava mais
que ele não era demente
Sabia que ia
morrer
Então morreu, finalmente
9 Apareceu para ele
uma espécie de
som, visão
Uma mensagem esquisita
Sobreviverás, Abraão
Viverás depois de morto
Mesmo assim sem
razão
10 Agora vamos aos fatos
da gente da
capital
no Bairro da Boa Vista,
sente o Recife,
afinal
ecoando o Além
de modo sensacional
11 Da cachaça do poeta
Suor de trabalhador,
gente rica também,
classe média, doutor
capto naquele fantasma
misterioso, aglutinador
12 O judeu tinha um plano
ia sonhar com ele, então
Não era de fantasia,
mas sonhos não-vida são
São matéria esquisita
Sonhou ser assombração
13 Podia jurar que eu vi
ponte de Nassau a cruzar
O bicho e estátuas todas
Pareciam num dançar
tive que me benzer
não podia
acreditar
14 Ele apontou para mim
pensei, ia me
enfeitiçar.
Mas eu, já enfeitiçado,
Ele teve que parar
Disse: Escreva meu poema
Eu mal pude acreditar
15 Escreva meu poema,
poetize meu caminhar
correm musas no Recife
sereias, tritões a sussurrar
místicos do mundo inteiro
concentração
a girar.
16 É estranho ser poeta
escrever minha ficção
vá fazer, vou
orientar
Sussurrou-me Abraão
Disse eu era assinalado,
ele disse, ria não
17 Não ria, vou sugerir
Queremos cérebro
seu
Pra mensagem
transmitir
Eu disse, não sou judeu
ele riu, risada
estranha
também não sou
ateu
18 Minha ciência, o que penso
compartilho até dinheiro
Nunca fui ostentador
Na possessão sou certeiro
matéria mais não sou?
Sou espírito guerreiro
19 Preciso de um homem assim
meu poeta, meu
doutor.
O que a gente vai fazer?
Tem um suave
sabor
por enquanto é
de graça
te ofereço, dê valor
20 Você vai contar no livro.
Esse mundo onde estou?
Sou fantasma do hoje
Buscando o que me faltou
Ganhei o que
merecia
fui embora,
ouro ficou
21 Eu me senti bem estranho
estava indo no
Recife Antigo
Apressei o
passo e saí
No Marco Zero, amigo,
escutei um canto estranho
que nunca ouvi, lhe digo.
22 Era o canto da sereia
Me acalentando?
De vez?
Nada tinha de
Ariel
Muito desisti, talvez
Direito de ser
antiga
Adocicado, me fez
23 Disse: Poeta, me escuta
Tem que ser com melodia
Pra esse povo lhe entender
Nem teste, nem Alegria
A hora está chegando
do seu Leme serei a guia.
24 O céu estava tão estranho
Era noite ou era dia?
parecia até um sonho
no mundo da
poesia
Eu tinha pegado
um barco
Que por ali existia?
25 A guria sereia
Para mim, toda
se exibiu.
Encantou meu condutor
velho zumbi e me atraiu
que, comparsa da tirana,
ia me ofertar,
insistiu.
26 Eu desfaço isso, não?
Ou poderei com isso lidar?
Melhor do que dinheiro
Moça vai
presentear
Gostou do seu jeito faceiro?
é cabocla,
filha do mar.
27 Fique parado, escute
A fala dela é
canção
filho, há muito
te vejo
Recife
arrebentação
amado poeta meu
queres protetora ou não?
28 Me apaixonei por ti
Encantamento vou te dar
Teus escritos vou fazer
infinitas ondas a ecoar
O que fazes, vem dos mestres
tua literatura a mudar
29 Encantados vão aparecer.
Hoje tem encantamento
Letras-trovão, das tuas mãos
Aliviar tanto tormento
Faz-se agora
esse casamento
É estranha para a fusão
Mistério e sentimento
30 Vem do mar e lhe introduzo
Rio, oceano, convulsão
Diga logo: você crê?
Florzinha, invoca atenção
Comadre do mato escuro
Moço faça louvação
31 Não esqueça o que eu disse
Gire mar, mata e sertão
Vá pro mato, de repente
Arrepiante assombração
Ao som da tal melodia
Assobio longe,
louco e são
32 Uma pequena me acalentou
A contar sua história, a mulher
Me disse: bem-vindo, moço
Do mato pegue o que puder
Que eu sou
mulher faceira
Tenho o homem que quiser.
33 Mas contigo é diferente
me sinto outra mulher
fui criança
rejeitada
me pus no Mato a correr
Florzinha me
chamam
tenho muito a oferecer
34 Quem meus encantos rejeitar
Lhe digo: chego a punir
Gosto de papa
de aveia e mel
Ao fumo não sei resistir
Você tem para me dar?
Mas poesia isso vai substituir
35 Por trás desses meus cabelos
sabe o que pode
encontrar?
Força pro teu corpo fraco
Posso a vida aumentar
E nesse cordel, lhe digo
Vou mistério colocar
36 Moço que o mundo viajou
Vou lhe dar força e coragem
Em mim, você encontrou
Uma madrinha selvagem
Sou danada, solta no mato
e agora eu já me vou, também.
37 Me vi solto, ali no Mato
Um vento forte a soprar.
cavalo, pegando fogo.
Era o chão a abrasar
Que homem brabo era aquele?
Cangaceiro a me encarar.
38 Feroz, com sangue a ferver,
eu tremia sem parar
Moço, está fazendo o quê?
Aqui, nesse meu lugar.
Se está procurando a morte
Eu lhe ajudo a encontrar.
39 Sou um anjo, sou o cão
De mim, não vai
escapar.
Deus, que sonho medonho
Eu queria me acordar
Os olhos do anjo malvado
Ameaça a latejar
40 Eu, justiceiro, ele disse
me olhando bem
de frente
Tinha um jeito tão estranho
Uma voz tão diferente
Sumia e
reaparecia
Frente e atrás, de repente
41 Não quero mais dessa gente
Pensei ao estremecer
Mas ele continuou
Minha história vai escrever
Os seus amigos do além
Chegaram a me convencer
42 Eu nasci no Sertão
Mataram meu
pai, rapaz
Minha chance de
Vitória
É o que quero mais
Eu preciso me
vingar
Do Patrão, do capataz
43 Dfendo das emboscadas
Justiça social
e prazer
Com o bando da minha gente
Em batalhas a não se crer
Acabei com
gente safada
Gente “boa” fiz sofrer
44 Que vida é vaivém
no mundo do
além cheguei
Mas perante o mais sagrado
Agora até
melhorei
Vim! O isprito me avisou
O Setestrelo avistei
45 Vou tirar você do buraco
Por serviços que prestou
Na Educação e na arte
Quando tiver perigo, vou
Invoque a força do cangaço
Desse que se encantou
46 Tenha força de vontade
Resista até o fim
Não se entregue não, seu moço
De destino bom e ruim
Palavra de
cangaceiro
Vosmecê confie em mim
47 Infinita vontade tenha
Judeu, sereia, comadre viste
Que eu faço a minha parte
Se mantenha em
riste
Pois comigo você conte
O meu recado ouviste
48 Vou-me embora, meu filho.
Você vá firme em frente
Padim Ciço lhe proteja
Vai dar certo, diferente
Você é homem
marcado
Mas bem vejo é
resistente
49 Que o mal seja esconjurado
Senti uma força tal
Cangaceiro me
sagrou
Com a ponta do seu punhal
Gota de sangue saiu de mim
Como estranho ritual
50 Foi-se na minha frente
O cangaceiro a
brilhar
Eu fiquei muito
pirado
Eu queria era
me acordar.
Veio ave, reconheci
Mas não quis encarar
51 Conhecida por arisca
Um Nambu tão tupi
Num voo rumorejando
Dificuldade a voar, eu
vi
de mim se aproximou
bicho estranho, arrepio
senti
52 Acostumada com o chão
O nambu a me cercar
cinza e marrom qual agouro
ia piando sem parar
Piado esquisito da peste
Minha paciência a tirar
53 O que é que vem por aí?
Fiquei assim a pensar
Mas aviso pra mim?
O que essa vai me contar?
Nem estava afim de ouvir
Cantou história de índios
Meus ancestrais a falar
54 Morreram a lutar assim
De um jeito tão cruel
Sem local de fala com brancos
Sem inferno e sem céu
Tenho a Jurema sagrada
Do avô sábio, eu novel
55 Serei sua ave da sorte
Me chame para voar
Nas estradas,
pelo céu
Ou terreiro para ciscar
Isso tudo em
pensamento
e vou logo lhe
ajudar.
56 Se ligue, já vem aí
Outro bicho importante
Uma alma como eu
De Aruanda, num instante
É o Boi da cara preta
Vai completar,
é falante
57. Assim que o Nambu sumiu
Da poeira infernal, “e apoi!”
Disse: eu vim da Índia
Do Egito, do Sertão, foi
No folclore nordestino
Sou o bumba meu boi
58 Sou segredo do folclore
Não quero sangue ou louvor
A oferenda já foi feita
Vim te falar, ó cantor
A oferenda foi aceita
Pro teu passado ou o que for
59 Puseram no altar pra mim
O que sofreste de abuso
O que descobriste sozinho
Fracassar me recuso
Se perdeste, se ganhaste
Faz do Passado bom uso
60 Conta com esse boi sagrado
Que a mãe deu de mamar
Sou um Pai, natureza pura
Que tudo pode enfrentar
Inclusive teus monstros internos
Um por um eu vou matar
61 Vamos logo ao Papafigo
Que assombrou sua Juventude
Lhe impediu atingir
toda a sua plenitude
você agora vai se curar
Isso, sim, é boa atitude
62 Sorriso macabro, ele vem
De longe, parece casual
Unhas, rapina, podres dentes
Lhe levou pro matagal
Seu fígado, ele queria
Aquilo não era normal
63 Papafigo, homem malvado
Aquele quente, senhor
Morava numa casa boa
com tanta coisa, leitor
Fazer de você, prisioneiro
Agora não mais, meu amor
64 Seu Bumba, vai lhe ajudar
A sair desse labirinto
Que o tempo fez pra gente
Psicologia, talvez, não sinto
Isso é coisa de humano
Eu desconheço, não minto
65 Mas trabalho com o tempo
Seu fígado vou devolver
Se o vampirão lhe fez mal
Se vingar você vai querer
Lhe aconselho que não
Saúde vou lhe oferecer
66 Papafigo, lenda urbana
O danado apareceu
Bem ali na minha frente
O seu rosto era o meu
Me enganou, quebrei o espelho
Foi o que aconteceu
67 O fantasma do judeu reapareceu
Meu caro poeta,
ele disse
Como vi o seu cordel,
Depois de tanta esquisitice?
Quer “a viagem” interromper?
Ou concluir, como eu predisse?
68 Ele falou isso e saiu
Nem tempo pra resposta eu tive
Apareceu a Perna Cabeluda
Pedi: do Papafigo me livre
Como não tinha boca
Com ela pouco estive
69 Veio o chute no Malvado
Sumiram Perna e o bicho, enfim
Surgiu Biu do Olho Verde
A me confessar assim
às vítimas: quer tiro ou beliscão?
No Alicate no bico do peito, o fim.
70 Arrependido, agora, o penado
Disse: polícia lhe perturbar
Meu nome você lembrar
Fui prisioneiro de Cão
Agora estou a penar
Não tem perdão para mim
Chorava pra se acabar
71 Fui Biu da periferia
Purgo males feitos
Meu exemplo ninguém siga
Reconheço tantos defeitos
Sou contra a violência
E defendo os direitos
72 Entra em cena num circo
Teatro e cordel: Louca do Jardim
Mulher honesta,
Júlia Alves
que sofreu
calúnias assim
homem, quis o
sexo dela
Mas ela recusou
e ao fim
73 O desprezado lhe difamou
marido acreditou em mentiroso
provas falsas “plantadas”
terrível, esse esposo
Expulsa Júlia sem a filha
Que destino horroroso
74 Perguntei ao Fantasma dela:
Que lição você me traz?
Ela disse: poeta resista
Não Vi longe o Satanás
Eu sofri muito, mas sobrevivi
É assim que se faz
75 A justiça um dia vem
O monstro atacou minha filha
No Recife, a bichinha gritou
Foi punido na armadilha
confessou tudo, também.
alma penada, nessa sextilha
76 Matou-se. Te protegerei, poeta
Tem a Emparedada da rua Nova
Um pai preconceituoso a matou
foi como O Gato Preto, de Poe
Tem Bonecas enforcadas
Mas isso fica pr´outra trova
77 Acorda agora, poeta
Finaliza esse cordel
O mais estranho da tua obra
Nesse teu caminho pro céu
Jesus, Deus e a Virgem
Que nunca fiques ao léu
78 Acordando o judeu
Satisfeito a testemunhar
Eu cumpri desejo seu
Que era saber versejar
Termino assim esse cordel
Mas isso vai continuar...
CORDEL DO
TERROR ACADÊMICO
Autor: Moisés Monteiro de Melo Neto
1 Terror
assim na arte
o imaginário do terror
Em tal local cabe tudo
seja lá o que for
símbolos coletivos
salvação e
horror
2 A
estrada pro inferno
Entre ver
e escapar
Há as boas intenções
Não dá
para confiar
O que
estraga é o tempo
Há sempre
de provocar
3
Alterações na estrutura
tragédia grega dizia
tivemos assim lições
não é vã
filosofia
Por
milênios se espalhou
Tanto
monstro, viche Maria!
4 Cólera
de Deus, nos livre
das chamas que nos consomem
Repulsa, atração, culturas
Não se somem
É tanta
assombração
Credo cruz
ser Lobisomem
5 Família,
arte, religião
Tanta
coisa que eu tento
Ensino há
tanto tempo
Ah, coisas
que enfrento
Um
trabalho tão intenso
Não é
simples, lamento
6 Amor, raiva e tantos sentidos
Compreender,
penso ser humano
é violento, viver bem tenso
cada
cordel tem um plano?
Dia a dia
na eternidade
com a
morte não me engano
7 Vida dia
a dia, eu sei
boi ,
corte, vegetal sangue
Sorte ou
fé? use razão
Ninguém
escapa da gangue
Pesadelo
ou lindo sonho
Seca, mato
ou mangue
8 Fique
atento, firme, forte
Com essa crença obsessiva
dinheiro e Felicidade
trazem uma coisa passiva
toda certeza é relativa
9
Reacender, religar
a gente
com o mistério
Caro
leitor, eu lhe falo
É algo
muito sério
Na tela,
brilha o herói
Assim: antes
do batistério
10 Coisa
sagrada, se mistura
muito de
vidas diferentes
determinam
os oráculos
dos
passados e presentes
Há futuros
precisos?
Destinos tão transparentes?
11 Algo
nos absolutiza?
O que é
nossa lida?
Da razão
na história
não se
foge, é cumprida
Pode-se negar o diferente?
Alguma
visão é favorecida?
12 Que
coisa danada!
Detentores do poder
de um lado ou de outro
ser culto é ter quere?
Livre
arbítrio é assim?
Cada um sobreviver?
13 Dos
fantasmas do terror?
Melhor ir
se protegendo
Fofocas, anedotário
Deus lhe livre, assim sendo.
Grafite e
dança
Se liguem
bem
Teia a aranha vai tecendo
14 Morin,
Maffesoli e Durand
epistemes
diferentes
Teorias,
metodologia
Trabalha
com inconscientes?
Aceita ou marginalizada
Exatas, insuficientes
15 Nesses
trilhos vou seguindo
Nesse
túnel, trem fantasma
Vou nos
loops
Céu/
inferno: a turba pasma
contos
tristes e os contentes
trabalhando
esse miasma
16 Aqui na
Academia
Nem Milagres nem mentiras
Não?
Verdade não é jogo
Acendo
fogo nas piras
Coroa de
louros? Nunca
Todos em
brasa: Sucupira
17 Nesses
trilhos de roda
Esperança
e Ritual
assistência rico e pobre
longe de ser tão fatal
reinvento
recomeços
vizinho
sobrenatural
18 Natura
por trás de tudo
sigo firme forte? Me iludo
Não me engane, nem se engane
Seja chita ou veludo
inconsciente
recalcado
Jung? Não dê cascudo
19 Vem
Bachelard criativo
Aprenda a boiar ou afunde
Vou nadando devagar
Isso as vezes, confunde.
Imaginação
faz criar
intervenção que refunde
20 Natural
antropologia
não é otária, eu sei
Simbólica, compreensão.
Não é
coisa só pra rei
Vivência do universo?
O preço eu
pagarei
21 Em
incessantes trocas eu sigo
do
fracasso ao sucesso
O cósmico
e o social
Sujeito
fortalecido, eu peço
em simbólico estrutural
pensando
voar não tropeço?
22 Água
mole. Pedra dura.
Tanto bate
até que fura
Arquetipologia, W.G. Machado
De imagem
tão escura
Busco mais
iluminura
contributo
heurístico
ou me cura
ou supura
23 Pense
você o que quiser.
Complexa e ingrata tradução,
lugar de entre saber
Transcendem a imaginação
Mental, icônica distopia
Eis a
minha intuição
24 O que
vier, eu traço
misturo erros, ilusões
mito político, falsa Riqueza
mito
simbólicos fardões
nem tudo é patente, latente
entre
trevas e clarões
25 Nesse
Diurno / Noturno jogo
O gato
preto de Poe, eu cito
sem grande segredo, mistério
angústia macabra, explicito
Antropológico, medo
Estruturas atrozes em delito
26 Celeste
infernal, desenredo
Sou um contador de histórias
não velho sábio, bem sei
O sábio não modela vitórias
Nesse jogo o que serei?
Transculturais
e vãs glórias
27
Vingarei nesse diálogo
assim com
o mundo real
Mitocrítica
Durandiana
Meu olhar?
Lembrança fatal
Pelos
céus, que coisa insana!
Tão viril
e feminino abissal
28 Narciso
no lago secreto.
A si mesmo
vai mirando
Sou eu
também esse mito
Sinistra
voz, sussurrando.
Na revelação do meu duplo
É a ti que
estou visando
29 Em RSI
idealidade afogar
Que não te
cause surpresa
Nas questões
de ordem humana
Nada me
deixa certeza
Cena, intrigas, personagens
Vil
sublime esperteza
30 Entre
os livros, viagens
Hábitos de leitura tenho
Cargas simbólicas,
Passagens?
Enriquecendo venho
do
pensamento real
simbólico,
imaginário, emprenho
31
Estilos, gênero, formato
De
símbolos é a literatura feita
O gato
preto, imagem fatal
Ah, o que
ofereço? Vem, deita!
Infere a
mente humana
Tijolos
mitológicos na espreita
32 Acabo
assim esse cordel
Na
esperança de outro mais
Pois o
terror acadêmico
É atraente
demais
Isomorfismos
convergentes
No outro a
gente traz
33 Medo da
morte representada
Aqui
estranha Cabala
Vá concluir reflexões calado
Atitudes de eidética, minha fala
Nem Tudo
está consumado
Meus
livrinhos na mala
34 Regimes
do diurno noturno.
Assim vem o desfecho
O maléfico orgiástico
Na fase de
Cronos, mexo.
Ao leitor
agradecendo
Até o próximo, esse deixo.
Natal de Hilda Hilst
Poema de Moisés Monteiro de Melo Neto
1 Não canto o cotidiano
pássaro literatura
na paisagem limite
quase sigo sem ternura
vejo o fosso e o extremo
escapo assim da fervura
2 Nessa a conversão do homem
escrever é o que me resta
num mergulho assim profundo
venço o que não presta
gosto de quem gosta de mim
de ir comigo na aresta
3 A rosa, o escárnio, o grotesco
Tudo em mim se arrebenta
as cartas de sedução, o rútilo
que não se aguenta
literatura, menina ardilosa
seduz armada, enfrenta
4 No meu teatro quero ver
cair as máscaras do homem
minhas ideias distópicas
códigos obscuros, não somem
decifrado sem dificuldades?
Os que quiserem que tomem
5 Aquele que se pergunta
em profundidade, talvez
é um ser religioso.
O meu texto assim se fez
Com tendência à abstração
Não sou um falcão maltês
6 Tu não te moves de ti
não há razão nem sentimento
é como pensar um unicórnio
na literatura é instrumento
aqui gente pode tudo
menos ser só corpo, lamento
7 poeta, pesquisador ou padre
joalheiro, o carcereiro
a mulher do crematório
nada aqui é verdadeiro
toda arte é mentira
tiro pode ser certeiro
8 letras escritas, morte e amor
fujo com homens coiotes
símbolos da resistência
de humor ácido, os meus motes
danem-se tantas frescuras
dondocas e cocotes
9 Em nenhum momento que eu saiba
a humanidade teve suprida
suas necessidades básicas
comida e sexo na vida
não se para a ociosidade
não deve ser repreendida
10 Não se prepara o seu caminho
Da perdida vitalidade
Há muito pouca saída
Libertação de qualidade
é romper com a opressão
Ir tratando a ferida
11 E o pensamento único?
Ah! Escatologia? Sei lá!
É doutrina do futuro... excremento.
Os homens a matéria, tá!
que tenham o céu
ou novo céu e lixo, vá!
12 Não adianta buscar a eficiência.
mais do que a criatividade
homem angustiado? vítima e algoz
preso à engrenagem? Saudade
de um sistema que o escraviza
Não há pura realidade
13 A dominação do homem pelo homem?
Generoso, amoroso?
Pleno do bem todo em si?
místico religioso...
gelado ou fervoroso
nostalgia da santidade
tão santinho... horroroso
14 Nas situações limite
Vem o fundo e o apogeu
e os pés os prisioneiros
do gigante pigmeu
e máscaras sociais
arrancá-las, tento eu
15 Não o Papa o inquisidor
o pastor que se atreva
pássaros serão tolhidos
em verdadeiro voo, que seja
num terreno ficcional
merece atenção? Ora veja!
16 Meu natal se aproxima
terreno ficcional
onde piso tenho atenção
sou poeta marginal
poético e alegórico
arcabouço artesanal
17 Imagens e referências
remetem a tanto sabor
caro leitor, não se espante
tantos universos, tremor
base bêbado do escárnio
do grotesco multicor
18 Se chocam se convergem
Em esplendor estranho
Se são fartas minhas letras
Seu parecer é tacanho
substratos sociais
sem querer é o que exponho
19 Referencial dessa poesia?
Símbolos da vulgarização?
Países... todos autoritários.
sou prisioneiro da sensação?
Ameaçado, cerceado?
dos cruéis sujeitos ou não?
20 Ah! Assombros pós-modernos
possibilidades maniqueístas
Cordel posto em xeque
Peru de natal, saladas mistas
vinho e experimentos
liberais e fascistas
21 Noite feliz de família
Tranco-me na Casa do Sol
Entre céu, inferno Campinas
Aprecio, me enterneço no hall
Supero tudo em guerra fria
Fantasma que sou do arrebol
22 Sábios, sádicos, destruição
País maravilha produz
funções relativas, nulas
escrevo trevas e luz
charadas, mistérios óbvios?
Xamã ou infiel, na cruz
23 O escultor produz ornatos
chaves do carcereiro, em vão
chaves do carcereiro para abrir portas
e fugir dessa prisão
Jogo representativo
Ator manipulado ou não
24 Jogo que vela e revela
identidades mil
A bandeja, enorme espelho
O mundo e o Brasil
Nessa construção textual
Meu cordel não é barril
25 Nesse cordel natalino
Lhes relembro sem pudor
Esse tecido da vida
Cheio de humor e horror
mesma origem etimológica
texto tecido de amor
26 Movimento cíclico assim
construção, desconstrução
Vinho pão, senhor Jesus
Vinte e quatro dezembro vão
Em Belém, não familiar
beleza emurchece, então
27 Desenrolar mítica Hilda Hilst
Sem citar literalmente
não refúgio, mas perigo
Letras libertam, se sente
Sujeitos não reprimem desejos
Que a estrutura invente
28 Amor não nos segue nem siga
nunca se aperceba, noite exclui
exclua de estar sendo perseguidos
tormento de nos saber amor, ui!
olhar não se perca tripas
Oh meu Deus, vi que fluxo reflui
29 Não se perca nas tulipas
forma tão perfeitas tem
No fogo as trevas ardem
tanto aqui quanto no além
Mãe maior, rutilante escuro
missa do galo não veem
30 Plantas alastram alto muro
amor ausente ou descontentes
de fartas fadigas, fragilidades
tantas coisas diferentes
Nos faz aranhas e formigas
só nos veja de partida, sementes.
Cordel
do estrangeiro Camus
Texto:
Moisés Monteiro de Melo Neto E João Victor Fernandes
Baseado no
romance do filósofo Albert Camus
1 No dia do réu falar
em sua própria defesa
muita gente estranhou
isso até causou surpresa
Sou culpado de homicídio
Isso vocês tenham certeza
2 Eu matei um estrangeiro
Me encontro complicado
Confesso, não tenho meios
Para um advogado
Mas não vou, assim
Ficar também, muito calado
3 Sei como me defender
nem quero um para tal ato
mas já que estão aqui
Saibam como foi o fato
Falo como tudo nasceu
Sei que caí como pato
4 Era começo do ano
recebi um telegrama
do asilo e estava escrito
(triste perder quem se ama)
“Sua mãe faleceu. Enterro amanhã.
pêsames.”, a gente clama
5 Era, talvez, no mesmo dia
ou antes. Mas não importa
eu nem queria ir ao enterro
isso, gente, não se suporta
da última vez, a vi feliz
isso nessa vida torta
6 Se o momento fosse o último
Pra mim seria melhor
Essa vida me ensinou
Tudo pode ser pior
momentos felizes são raros
isso até sei de cor
7 Uma pedra preciosa
que se desgasta bem assim
tinha que vê-la e fui
não querendo, mas fui, sim
preferindo ir ao trabalho,
memória sem querubim
8 No enterro, atrasado no cemitério
Estavam todos chorando
Todos, menos eu, como pedra
Depois fui à praia, pensando
com Marie, que ficou surpresa
falei da morte de mãe, e foi quando
9 Ela perguntou como eu me sentia
Eu não soube responder…
peguei assim suas mãos
falei não sabia mais querer
continuar, não tinha gosto
Não faz sentido sofrer
10 Era o casamento dela
E espero que seu noivo saiba
responder suas perguntas
na minha mente amor não caiba
Passaram alguns meses…
Não sou pessoa sábia
11 Até chegar ao acontecimento
que me fez estar aqui
a prisão na qual me vejo
antes, sozinho na praia ali
ondas, luz do sol intenso...
vi um rosto cansado, “esmola?”, ouvi
12 Olhei fixamente para ele
e me vi naquele homem
sem esperança e sem vinda.
Quando as esperanças somem
pensei tanto faz morrer agora
ou daqui a 10 anos, me tomem
13 Tirei do bolso uma arma
comprei no enterro de mãe, no dia
e disparei três vezes no homem
Sem piedade, nem o conhecia
sem sentido, sem motivos
um ato absurdo me possuía
14 Por isso, me digo culpado.
eu nem consegui chorar
no enterro de mamãe, que fim!
Como posso eu pedir
Que tenham pena de mim?
15 Só existe uma defesa
Que eu posso a vocês pedir:
sempre fui um estrangeiro
na minha cidade natal, a existir
Em nossa sociedade, digo
É ser ferido ou ferir
16 Posso ser condenado à morte
Meursault é meu nome, sem prazer
condenado à prisão
ou ser condenado à vida, é ver
esse cordel vocês, não duvidem
é fruto de pouco querer
17 Sem grande satisfação
Concluo, no meio de tudo isso
Eu sou mesmo responsável
Por num homem dar sumiço
Passei por tanto na vida
Assumo meu compromisso
18 Por não saber ou querer
jogar o jogo, nem tento
o tal jogo da vitória
chamar
absurdo e lamento
que esse
estrangeiro lhe ensine
não se
agarre no vento
Romance de Palmeira dos Índios: lenda e
luta
Cordel de Moisés
Monteiro de Melo Neto
Inspirado no
reconto de Isvânia Marques
1 Bem ali, naquela Serra.
Tinha aldeia indígena
Eram 22 tribos
duas fugiram da cena
uniram-se em outro chão
pra viver vida serena
2 Nas caças e rituais
Jogos e cerimoniais
Curumins e adultos
seres sensacionais
tribos se irmanaram
pesca, frutos sem iguais
3 Jovem e bela
indígena
Tixiliá que fascinava
mal, sabia a menina
que destino a aguardava
Prometida a um cacique
Falecida, a mãe estava
4 Étefé, o tal cacique
e o pai dela,
quase cego
lhe dera tanto
carinho
muito amor, isso não nego
perdeu olho numa luta
foi um rival, eu entrego
5 Ela ajudava o pai
Um Primo, se apaixonou
seu nome era
Tilixi
e a coisa aí esquentou
O pai dela percebeu
perigo premeditou
6 O cacique Etefé
Aguardava impaciente
Tixiliá virar mulher
Era sua “pretendente”
Orgulhoso da querida
Não queria “incidente”
7 Conseguiu assim a menina
E astutamente
ansiava
Tratava bem o seu sogro
a menina não o amava
não queria tal
esposo
pensava era em Tilixi
seu coração se atiçava
8 Índios fundaram a aldeia
E o cacique pro futuro
pensava ter muitos filhos
Pra Tixiliá ia ser duro
a moça não estava ligada
nesse plano obscuro
9 Tixiliá
cantava bem
era suave o seu
canto
Acertado e doce
Verdadeiro acalanto
Era forte, a menina
A aldeia crescia tanto
10 Não tinha medo de nada
na caatinga, ela andava
Junto a Tilixi, seu primo
Tudo ela enfrentava
pai lhe dava bons conselhos
sua beleza aumentava
11 Xucuru-Cariri
Fizeram sua cidade
Na menina paixão crescia
Ela não tinha maldade
Mas o pai pressentia
Por Tilixi tinha ansiedade
12 A paixão crescia assim
Pai diz do primo se separasse
Pusesse fim ao amor
Com ele não mais andasse
Ela pensou: ai de mim!
Se isso concretizasse
13 Um dia, banho de rio
E os dois se abraçaram
Tilixi declarou seu amor
E as coisas? Todas mudaram.
Inocentes que eram jovens
Nem tanto se preocuparam
14 Era perigosa paixão
Amor puro os envolvia
Mágico, caminho trilhavam
Nenhum deles previa
Caminho não era fácil
Natureza insistia
15 E o tempo foi passando
na aldeia, um
padre chegou
frei Domingo de São José
“para ajudar”, a tribo pensou
o frei falou
com o pajé
que o verbo aprovou
16 O padre branco trazia
coisas boas, estranhas aos nativos
mas havia “outros fins”
vida da tribo, eis motivos
coisas de brancos e afins
indígenas foram cativos
17 Padre, disse: há “bem” e “mal”
que a bíblia indicava
Aulas de catecismo
Missa o padre celebrava
era, sim: o cristianismo
que o “pecado”, anunciava
18 Fez-se a primeira Capela
Nova cidade inventaram
Da tribo se via a Cruz
Tixiliá chamaram
Pra catequese e cantos
Que os padres ensinaram
19 O cacique Etefé
Anunciou seu casamento
Pra bela Tixiliá
Ah, isso foi um tormento
O frei concordou com tudo
Abençoou o momento
20 Chegou o dia marcado
Não era Tupã, mas Javé
Formou-se roda da dança
O noivo e a noiva de pé
Tixiliá e o cacique
Aí? Como é que é?
21 Ela só olhava para o primo
querido cada vez mais
nesse dia tão bonito
Esquecê-lo? Jamais
Não amava o cacique
Tal casamento, dores tais
22 Como se casar com o cacique?
coração, estava partido
A bebida era o aluá
Refresco saboroso servido
Ela viu Tilixi, seu amado
E fez um gesto atrevido
23 Beijaram-se na frente de todos
O povo ficou parado
A desonra do cacique
Que ficou muito irado
Como aquilo acontecera?
Como chegara aquele estado?
24 O sacrilégio dos primos
Todos já desconfiavam
O cacique se enfureceu
As coisas só pioravam
Veio castigo para Tilixi:
morrer de fome ordenavam
25 Amarrado dia e noite
O cacique sentenciou
Por relação proibida
Que o casal arruinou
Separados os amantes
História não se acabou
26 Que castigo mais terrível!
Sem chegar perto do amado
Tixiliá se deprimiu
Amarram o pobre coitado
Cujo crime era o amor
Carrasco era malvado
27 A prima era proibida
a morte se aproximava
era o terror na noite fria
Tixiliá foi até lá, ousava
Não, não era permitido
Dessa não escapava...
28 O encontrou em pleno horror
À luz da lua. Noite, entrada
A morrer, tristeza cruel
erguer a cabeça pesada
fome e picadas, corpo amarrado
que sina mais desgraçada!
29 Sem ver Tilixi sua amada
Deixar esse mundo, assim?
Sem vê-la, ele sofria muito
Na palhoça: Tixiliá, enfim
o coração despedaçado
chorava qual curumim
30 O terror invadia sua tenda
Pediu aos céus
dos brancos
que acabasse a sua agonia
seu amor morrendo aos trancos
ela encontrou desesperada
no final? Sejamos francos...
31 As formigas picavam corpo dele
De fome e sede, ele tombou
Castigo que o cacique Etefé
Que assim se vingou
Para aquele jovem casal
A coisa só piorou
32 Ela Foi ao amado suavemente
o beijou, alisou seus cabelos
frei Domingos, até pensou
Não podia socorrê-los
Tixiliá pediu a ele conselhos
branco se esquivou de vê-los
33 Olhou-a assim desesperada
Disse só que ela orasse
Que Deus via tudo e todos
Ela não se preocupasse
A fé remove montanhas
A moça que esperasse...
34 Mas ela estava tão triste
o frei deu-lhe uma Cruz
Ela invocou Deus dos brancos
Correu em busca de luz
Espetou a Cruz no chão
Perto do amado, entreluz
35 Pediu que o Deus ajudasse
Milagre logo acontecesse
O frei disse: isso, não dá
por mais fé, que esquecesse
com o tempo tudo viria
Deus que a protegesse...
36 Que ela pedisse outra coisa
TiIxiliá não
aguentava
Que se acabasse então sua vida
Ela não mais se importava
“Senhor dos Céus que a proteja...”
Sua existência acabava
37 Gritava desesperada
Não deixe meu amado morrer!
Ele é por mim muito amado
Meu corpo posso oferecer
Tilixi agonizando
Tormento a não mais poder
38 Amor não pode ser ruim
O padre não se mexia
Não pode ser pecado
O padre nada dizia
Índia de condenado amor
Oh, como sofria!
39 Ajoelhou-se aos pés de Tilixi
Cravou a cruz no chão
pediu fé também a ele
Não se pode dizer: “em vão”
ele estava quase morrendo
Padre dando extrema-unção
40 O cacique viu aquilo
E ficou a se enfurecer
Deu uma flechada em Tixiliá
que agonizou, abraçou seu querer
Seu sangue bateu em Tixili
Juntos puderam morrer...
41 Morreram os dois na hora, ali
Abraçados, os
dois lá
Nem enterrá-los Etafé deixou
Ficassem a mercê dos bichos, tempo, ah!
Mas com algo ele não contou
Palmeira surgiu acolá
42 É uma história
terrível
O frei viu tudo isso e se afastou
Com o tempo nasceu ali uma palmeira
Àqueles amantes
se consagrou
Em nome do povo indígena
Que aquela cidade fundou
43 Palmeira dos Índios amantes
Esse romance ecoou
Indígena terra encantada
Na luta social entrou
A cultura dos povos originários
Muita coisa enfrentou
44 Cidade cheia
de encantos
Proibido amor, assim cravou
Este cordel acaba assim
Assim tudo começou
Palmeira dos Índios, te amo
Não me deixarás, aqui estou
©
Moisés Monteiro de Melo Neto. Todos os direitos reservados.
POSFÁCIO
Em
forma de artigo
História, tradição e ruptura: uma análise
da Antologia do Cordel, de Moisés Monteiro de Melo Neto
History, tradition and
rupture: an analysis of the Antologia do Cordel, by Moisés Monteiro de
Melo Neto
Mychel
Arthur Martins França
(Universidade Estadual de Alagoas)
Resumo
Nos últimos anos, as
pesquisas acerca da Literatura de Cordel têm se tornado motivo de grandes
estudos, discussões e debates no mundo acadêmico e científico. Assim, buscando
contribuir para o avanço dessas reflexões, este artigo tem por objetivo
apresentar uma análise da obra Antologia do Cordel, do professor,
escritor e teatrólogo Moisés Monteiro de Melo Neto, destacando a relação que
une temática, história, tradição e ruptura nos doze cordéis existentes na
coletânea. A metodologia da pesquisa é de caráter qualitativo, centrada a
partir de um estudo bibliográfico. O aporte teórico está amparado nas
contribuições de Candido (2006); Haurélio (2016); Meyer (1980); Pécora
(1998,1999). O estudo permitiu compreender que os cordéis de Moisés Monteiro de
Melo Neto trazem marcas da cultura popular brasileira, atribuindo novos
sentidos à estética cordelista.
Palavras-Chave:
Literatura Brasileira. Moisés Monteiro de Melo Neto. Literatura de Cordel.
Abstract
In recent years, research
on Cordel Literature has become the subject of great studies, discussions and
debates in the academic and scientific world. Thus, seeking to contribute to
the advancement of these reflections, this article aims to present na analysis
of the work Cordel Anthology by professor, writer and playwright
Moisés Monteiro de Melo Neto, highlighting the relationship that unites theme,
history, tradition and rupture in the eleven existing strings in the
collection. The research methodology is qualitative, centered on a
bibliographic study. The theoretical contribution is supported by the
contributions of Candido (2006); Haurélio (2016); Meyer (1980); Pécora (1998,
1999). The study allowed us to understand that Moisés Monteiro de Melo Neto’s
cordéis bring marks of Brazilian popular culture, giving new meanings to
cordelista aesthetics.
Keywords: Brazilian Literature. Moisés
Monteiro de Melo Neto. Cordel Literature
Introdução
Nas últimas décadas, as pesquisas direcionadas
à temática da Literatura de Cordel têm tomado forma a partir das contribuições
de grandes estudiosos que compreendem a necessidade de direcionar um olhar mais
acentuado para esse tipo de manifestação literária, levando em consideração,
principalmente, que as primeiras investigações sobre esse assunto surgiram
entre a segunda metade do século XIX e primeira metade do século XX. O Cordel
assume um caráter literário que firma as relações de cultura, história e tradição,
tornando-se, nesse sentido, objeto de estudo deste trabalho.
A Literatura de Cordel surge como uma
representação da cultura popular escrita em formato de poesia, frequentemente
de forma rimada. Os relatos são orais e possuem três elementos essenciais: a
métrica, a rima e a oração. Popularizou-se, inicialmente, na Região Nordeste,
com origem ainda em Portugal. O nome “Cordel” faz referência às cordas
(barbantes) onde os folhetos ficavam expostos em feiras diversas.
Assim, buscando contribuir para os estudos
da Literatura de Cordel, este artigo tem por objetivo apresentar uma análise da
obra Antologia do Cordel, do professor, escritor e teatrólogo Moisés
Monteiro de Melo Neto, destacando a relação que une temática, história,
tradição e ruptura nos doze cordéis existentes na coletânea. A metodologia da
pesquisa é de caráter qualitativo, centrada a partir de um estudo
bibliográfico. O aporte teórico está amparado nas contribuições de Candido
(2006); Haurélio (2016); Meyer (1980); Pécora (1998,1999).
O presente estudo encontra-se estruturado
em quatro seções. A primeira tece considerações acerca da biografia do
professor, escritor e teatrólogo Moisés Monteiro de Melo Neto. A segunda
apresenta, de forma sucinta, a Antologia do Cordel. A terceira traz
algumas reflexões da Literatura de Cordel. A quarta analisa, de forma
crítica, os cordéis da obra. As abordagens a seguir versam sobre a biografia de
Moisés Monteiro de Melo Neto.
Um mosaico em construção
Moisés Monteiro de Melo Neto é doutor em
Letras, professor na Universidade Estadual de Alagoas – UNEAL e na Universidade
Estadual de Pernambuco – UPE. Tem cerca de dez livros publicados, dentre eles: Literatura
Dramática Através dos Textos, Literatura Africana de Língua Portuguesa: Uma
Prática de Ensino e Biografia, Autobiografia e Autoficção.
Atua nas áreas de Dramaturgia, Literatura
Comparada, Estudos Culturais, Produção Textual, Literaturas de Língua
Portuguesa, Representações dos Gêneros, Bioficção, História e Cinema. É autor
de várias peças teatrais. Colaborou com o Suplemento Cultural da CEPE, com a
Revista do Gabinete Português de Leitura e Jornal do Commercio, Recife, com O
Século (de Garanhuns) e Le Monde Diplomatique, dentre outros. Faz
parte do Programa de Mestrado Profissional em Letras (ProfLetras), do Programa
de Pós-Graduação da UNEAL. Membro dos Núcleos de pesquisa e extensão: NEAB
(Núcleo de Estudos sobre África e Brasil), Núcleo de Estudos Políticos,
Estratégicos e Filosóficos: NEPEF e Estudos Literários, Artes e Ensino: NELIEN
e LEPRADIS. Coordena o Grupo de Pesquisa GPLITPOP (Grupo de Pesquisa em
Literatura Popular), da Universidade Estadual de Alagoas.
Moisés escreveu dezenas de peças teatrais
que foram premiadas e montadas com sucesso, como: Delmiro Gouveia, Anjos de
Fogo e Gelo (2008), Para Um Amor no Recife (1999), Bruno e o
Circo (2010), dentre tantas outras. Em 2017, assinou o dramaturgismo
de Um Minuto para Dizer que te Amo, peça com sucesso absoluto de
público e crítica. Em 2022, estreou sua peça Caetés, com o grupo
HUMANCENA, de Alagoas.
Antologia
do Cordel: uma obra perspicaz
A
Antologia do Cordel, de Moisés Monteiro de Melo Neto, decorre a partir
de um novo sentido de trabalho com a Literatura de Cordel, buscando, inclusive,
a sua utilização como ferramenta de ensino. A obra reúne uma coletânea composta
por doze cordéis, sendo eles: Enterrado Vivo: O Homem que Virou Cordel,
Vampiro no Cordel de Pernambuco, O Cordel da Estrela Janis Joplin, Cordel de
Dom Quixote Para Jovens, Cordel da Ilíada: Poema de Homero Sobre a Guerra de
Troia, Cordel das Bonecas Enforcadas, Cordel da História do Teatro, Cordel da
História da Língua Portuguesa e Cordel: Tradição, Ruptura e Proposta de Ensino,
Cordel da Literatura Brasileira de
Autoria Indígena e o Cordel da Visão
Indígena sobre a Literatura Portuguesa, Cordel do Lobisomem na Corte de
Maurício de Nassau
É
possível identificar que o autor possui o comprometimento de firmar a ideia de tradição
e herança cultural a partir da lírica utilizada em seus cordéis.
A
Literatura de Cordel
Diversas
manifestações literárias assumem significados próprios e particulares que, de
modo a serem analisados, transmitem sentimentos, saberes estéticos e comunicativos
e uma lírica que abrange elementos de diferentes temáticas. Desse modo, a
Literatura de Cordel acolhe, de forma relevante, as definições citadas.
A
Literatura de Cordel é definida, dentre diversos conceitos, como uma grande
manifestação literária pertencente à cultura popular brasileira,
especificamente ao Nordeste, região na qual o gênero recebe maior consolidação
histórica. O Cordel possui uma linguagem que, na maioria das vezes, foge das
exigências da norma culta padrão da língua portuguesa, possuindo vestígios de
variação linguística e marcas dos vícios de linguagem presentes na Região
Nordeste do Brasil. A escrita é apresentada em versos e pode estar presente em
pequenos folhetos de xilogravura com cores leves. Partindo para a sua origem, é
importante ressaltar, por conseguinte, que o Cordel possui um legado cultural
português, com os trovadores medievais, chegando ao Brasil em meados do século
XVIII.
O
Cordel possui conceitos múltiplos e recebe, em sua estrutura temática,
peculiaridades da cultura popular, levantando questões e raízes históricas de
modo a retratar uma poética formada por rimas. Considerando as acepções acerca
dessa temática, Haurélio (2016) assegura que
a Literatura de Cordel é a poesia
popular, herdeira do romanceiro tradicional, e, em linhas gerais, tributária da
literatura oral (em especial dos contos populares), desenvolvida no Nordeste e
espalhada por todo o Brasil pelas muitas diásporas sertanejas. Refiro-me,
evidentemente, à literatura que reaproveita temas da tradição oral, com raízes
no trovadorismo medieval lusitano, continuadora das canções de gesta, mas,
também, espelho social de seu tempo. (HAURÉLIO, 2016, p. 9 e 10).
Por
esse lado, percebe-se que, além de expor a representação da cultura popular
brasileira, juntamente com marcas e processos voltados para a poesia
tradicional do Nordeste, a Literatura de Cordel abrange ciclos históricos que
surgem para contextualizar, explicar e resgatar o surgimento e a importância
desse tipo de manifestação artística e literária que favorece, com ênfase, o
lirismo e a poética cordelista, trazendo considerações pertinentes.
O
Cordel, em sua representação, possui grandes nomes que, além de firmarem e
trazerem sentidos e contextos ao versos que o constitui, contribuem para a
expansão da arte desse tipo de gênero não só no Nordeste Brasileiro, mas em
todo o Brasil. O cordelista, por sua vez, transforma o sentido de escrever em
um processo lírico e literário capaz de ressignificar histórias, sentimentos,
humor e acontecimentos presentes em folhetos de papéis diversificados. Nesse
contexto, deve-se levar em consideração alguns grandes nomes da Literatura de
Cordel, bem como: Leandro Gomes de Barros, Apolônio Alves dos Santos, Cego
Aderaldo, Cuica de Santo Amaro, Guaipuan Vieira, Firmino Teixeira do Amaral,
João Ferreira de Lima, entre outros.
De
modo a explanar os processos sociais e culturais que passam a explicar, com
pertinência, a importância do Cordel em uma perspectiva histórica, afirma-se
que quando a Literatura de Cordel, ou de folhetos, estava tomando forma,
viviam, na Região do Teixeira, afamados cantadores, como o escravo Inácio da
Catingueira e Romano da Mãe d ‘Àgua. Inácio, embora analfabeto, era brilhante
improvisador, e Romano, seu oponente numa peleja, possuía rudimentar instrução.
Leandro, por outro lado, mesmo sendo bom glosador, decidiu-se por registrar no
papel os seus versos, possivelmente ainda no Teixeira, levando-os ao Prelo em
Pernambuco. A peleja de Inácio com Romano foi recontada em folheto por Leandro
– que reaproveitou trechos caídos na oralidade – e por Silvino Pirauá de Lima.
(HAURÉLIO, 2016, p. 14).
Nessa
perspectiva, fica evidente que compreender a origem da Literatura de Cordel, em
sua totalidade, associa-se ao fato de resgatar os acontecimentos que tornaram
esse tipo de expressão artística tão popular na contemporaneidade, sendo uma
tradição literária que torna a métrica e a rima elementos indispensáveis nas produções
regionais.
Apesar
da métrica exigida, os autores de Cordel possuem uma certa autonomia na
construção do lirismo dado às suas produções. A rima, além de atribuir
sonoridade aos versos de cada estrofe, concede a facilitação da descrição de um
determinado acontecimento ou fato histórico (características frequentemente
encontradas nos cordéis), agindo como uma espécie de “licença poética”. De
acordo com Candido (2006),
a grandeza de uma literatura, ou
de uma obra, depende da sua relativa intemporalidade e universalidade, e estas
dependem por sua vez da função total que é capaz de exercer, desligando-se dos
fatores que a prendem a um momento determinado e a um determinado lugar. Esta
função é aparentemente menos acentuada na literatura oral, que parece limitar-se
ao âmbito restrito dos grupos em que atua e que a produzem. (CANDIDO, 2006, p.
53).
Á
vista disso, nota-se que a independência e a autodeterminação na formação do
lirismo de uma obra poética (como é caso da Literatura de Cordel) sujeita-se a
partir da forma como uma história ou lembrança do passado gera exatidão (intemporalidade)
e múltiplos conhecimentos (universalidade) como fatores essenciais para definir
a magnitude de uma produção literária.
Meyer
(1980) declara que os poetas procuram se informar de tudo. Leem, quando podem,
e tentam possuir uma pequena biblioteca. É o caso de Manoel Camilo, possuidor
de uma estante cheia de livros. O autor ainda reitera que o poeta popular
possui, em suas características, uma verdadeira obsessão pelo aprimoramento da
linguagem. Justamente por isso, não devem ser confundidos com os chamados
poetas matutos, os quais deformam de propósito o idioma, com o objetivo de
recriar a linguagem do homem do campo, que acredita errada.
Pécora
(1998,1999) surge com a ideia de que não se pode ler Literatura
convenientemente como documentação direta da realidade, também não convém
tomá-la como não histórica ou não datável. O que tem de convenção e artifício é
exatamente o mesmo que tem de produto histórico.
Dessa
forma, observa-se que além da sua grande representação cultural, a Literatura
de Cordel é vista como um instrumento que passa a redefinir as suas próprias
histórias, principalmente quando criadas pelos próprios autores cordelistas.
Análise crítica dos cordéis
A
métrica do Cordel é variada. A poesia expressa nos folhetos é restrita. A forma
mais utilizada é a sextilha, ou seja, as estrofes que possuem seis (6) versos
ou linhas. Cada linha possui, geralmente, sete (7) sílabas, a redondilha maior,
podendo, às vezes, ter cinco (5) sílabas, redondilha menor. O esquema rímico
dos versos é em geral abcbdb:
Os nossos antepassados
(a)
Eram muito prevenidos (b)
Diziam: matos têm olhos
(c)
E paredes têm ouvidos (b)
Os crimes são descobertos
(d)
Por mais que sejam
escondidos (b)
(O cachorro dos
Mortos, de Leandro G. de Barros)
Os
cordéis de Moisés Monteiro de Melo seguem a métrica tradicional. A composição
da sua lírica transita por diferentes contextos, culturas e enredos. O primeiro
Cordel a ser analisado é intitulado de Enterrado vivo: o Homem que Virou
Cordel. É importante ressaltar que as análises a seguir serão representadas
a partir de pequenos fragmentos da produção, (primeiras estrofes) mas os
enredos dos textos foram explorados satisfatoriamente de forma completa.
Enterrado
Vivo: O Homem que Virou Cordel
Sou o enterrado
vivo
Pense você o que
pensar
Tudo começou bem
cedo
Não precisa
adivinhar
Porque vou contar
tudinho
Só você acompanhar
A produção é composta por 24 estrofes.
Nela, Moisés traz a sua autobiografia enquanto cordelista, transitando pela
descrição dos acontecimentos que o levaram a ser autor de Cordel. A cada
estrofe, é possível identificar, de forma rimada, os relatos do seu amor pela Literatura
de Cordel, assim como as ocorrências da sua vida. Deixa claro que um autor como
ele não será encontrado em lugar nenhum, fazendo destaque à sua lírica e ao seu
desejo de possessão pelo Cordel. O autor declara que o seu destino está
destinado a ser poeta errante, referenciando, assim, a forma como os cordéis
são escritos. O autor utiliza o Cordel como uma forma de expor a sua biografia
e o caminho percorrido para tornar-se quem hoje ele é. O título remete que o
escritor foi enterrado vivo em mágica sepultura, ou seja, de forma artificial. O
Homem que Virou Cordel direciona o leitor para a ideia que Moisés é o
próprio Cordel por trazer a sua autodescrição biográfica no texto.
O cordel intitulado Enterrado Vivo: O
Homem que Virou Cordel é uma manifestação literária bem construída. O autor
coloca-se como o próprio Cordel e sua lírica é apresentada de forma
simplificada, permitindo que o leitor possa assimilar com facilidade as ideias
expostas. A produção apresenta traços biográficos do autor, mas com o cuidado
necessário de manter a originalidade da estrutura de um Cordel. A métrica e a
rima são bem acentuadas e firma os termos estéticos, linguísticos e retóricos
da obra. O texto é uma grande contribuição literária para os estudos da
Literatura de Cordel, podendo ser utilizado, inclusive, como proposta de
ensino.
Vampiro no Cordel de Pernambuco
O cordel é organizado em 5 partes. A
primeira, constituída de 8 estrofes, com 6 versos. O autor inicia detalhando o
espaço e o tempo em que a história acontece, que seria na cidade de Recife, em
Pernambuco, numa madrugada fria, manifestando os seus desejos, revelando-se
assim, um vampiro que pretende transformar ou matar um jovem que parece
desesperançado na ponte do Capibaribe, se essa for a vontade deste.
A segunda parte é composta por 13 estrofes
de 6 versos. É onde o vampiro se apresenta como cordelista, mostrando para o
jovem o que seria a sua última esperança:
Quer
alçar voo ao céu?
Parado
no meio da ponte
Do
bem e do mal, eis a fonte
Não
escolha um ou outro.
A
igreja que desconte
A terceira parte contém 8 estrofes de 6
versos e passa a ser narrada pelo jovem já transformado, questionando se teria
feito a melhor escolha:
Aí
ele me mordeu
Numa
noite sem fim então
Vampiro
me ensinou muito
Será
tudo isso em vão?
Ó
crianças das trevas!
No
morrer tem salvação?
O
tema religioso pode ser encontrado em diversos momentos do texto, como quando o
personagem afirma preferir a filosofia ao livro judeu, discordando de quem o
escreveu. O autor cita os palestinos, cristãos etc.
Na quarta parte, composta por 13 estrofes
de 6 versos, Moisés retrata a realidade social no seguinte verso:
Pobres,
mulheres, gays, negros
Não
tinham status algum
Mundo
Deus estava morto e
Sem
religião para nenhum
Daí
só tomava sangue
Do
luxo e da pobreza fiz “Um”
O personagem diz não matar os inocentes no
início e lamenta a sua sina. A parte 5 é constituída por 5 estrofes. A
primeira, de 5 versos, e as últimas, de 6 versos. Nessa parte do texto, fica
evidente os motivos que o levou a escrever o cordel, a vontade de transformar
tudo em arte, contemplar o esplendor que o amor o dava e sair do tédio. Ele
finaliza:
Este
folheto acaba assim
No
pensamento que me atormenta...
Pois
não consigo fazer texto
Que
enfim vos acalenta
Leitor
desperte do sono
Que
no nosso estado se assenta.
O Cordel da Estrela Janis Joplin
Constituído por 120 estrofes e 6 versos, o
cordel narra a história da cantora, compositora e multi-instrumentista Janis
Joplin. O autor apresenta uma narrativa detalhada dos principais acontecimentos
da vida da rainha do rock, desde o seus nascimento, apontando o contexto
socioeconômico e cultural no qual a artista viveu:
A
Realidade era petróleo
A
poluição no ar
Violência
em cada esquina
Segregação
até no bar
Lá
o garoto era ensinado
A
cara do outro quebrar
O autor apresenta a infância da artista,
destacando pontos importantes como o preconceito na escola, relação conturbada
com os pais, adolescência agitada, início da carreira, o estrelato e toda a
libertinagem que viveu até o vício a tirar de cena.
Conhecida
e amada
Só
que por gente demais
Pelo
frenesi e doidice
Talento
e muito mais
Uma
deusa do Olímpio
De
resultados fatais
Cordel de Dom Quixote Para Jovens
Este cordel contém 24 estrofes de 6 versos
e conta a história de Quixote de La Mancha, obra de Miguel de Cervantes, numa
linguagem coloquial, assim como a obra original. O autor divide o cordel em 2
partes. Na primeira, ele expõe os personagens e as aventuras imaginárias e
protagoniza o texto de uma maneira leve, dialogando com o leitor:
Você gosta de sonhar?
Pois
veio ao lugar certo
Isso
parece um desenho
Feito
por um esperto
tem
moinhos, tem ovelhas
Deixe
o olho bem aberto
A primeira parte é encerrada na estrofe de
número 18 e a segunda é iniciada na estrofe 19, momento em que Quixote volta à
estrada. O texto é finalizado a partir
de um diálogo com o leitor, dando ênfase à importância da liberdade.
Cordel da Ilíada: Poema de Homero
Sobre a Guerra de Troia
A
Ilíada, poema grego
Mas
também universal
Que
narra a “Guerra de Troia”
Com
desenlace fatal
Foi
escrito por Homero
Num
tempo bem ancestral
No decorrer do cordel, o autor apresenta o
poema grego, escrito por volta do século VIII a. C, e sobre o que ele é
apresentado na obra, citando a autoridade de Homero sobre a sua narrativa
diante desse acontecimento que é conhecido e famoso pelo mundo inteiro. O autor
traz a figura principal da obra, Aquiles. Posteriormente, cita sobre o rapto de
Helena, que teria sido um dos motivos da guerra, e além da Ilíada, outra obra
de Homero é citada, a Odisseia, que também traz uma parte final da guerra, é
quando o “Cavalo de Troia” é mencionado pela primeira vez.
O cordel traz uma visão ampliada acerca da
obra de Homero. A linguagem é desenvolvida de forma clara, objetiva e com um
certo humor, como ocorre na terceira estrofe: “se achava o Ideal/ o belo e o
bom guerreiro”.
Assim, a leitura chama atenção para fatos
históricos e mitológicos da sociedade grega, ressaltando os acontecimentos da Guerra
de Troia. Moisés retrata como os elementos míticos e as estruturas
religiosas auxiliam na manutenção da realeza, configurando-se como um tipo
particular de realeza divina.
Cordel das Bonecas Enforcadas
É
uma história muito triste
Que
eu conto pra vocês
Leiam
com muita atenção
Não
sai dessas todo mês
História
de uma menina
Aconteceu
certa vez
No decorrer das estrofes, é apresentada a
história de Mariazinha, uma moça que engravida de um rapaz que é filho de uma
mulher que faz parte de uma liga, retratando na terceira estrofe que quer
“acabar com a safadeza/”, mas percebe-se, e talvez venha a ser como uma crítica
ou uma espécie de ironia sobre o que ocorre frequentemente na sociedade, onde
as pessoas que se intitulam de “conservadores”, julgam apenas as moças,
principalmente, de classe baixa. No enredo, fechavam os olhos para as ricas,
que quando descobrem sobre a tal menina, filha de Mariazinha, fazem um plano
com a criança.
Na décima nona estrofe, após o ocorrido
com a menina loira, a mãe começa a fazer bonecas e pendurar as mesmas. Isso nos
faz lembrar das mães que perderam seus filhos e não puderam fazer nada, apenas
viver e existir com a dor da perda. É válido ressaltar que nem todas conseguem
suportar a dor, chegando a cometer o próprio suicídio, como é o caso de
Mariazinha. O Cordel nos relaciona com a lenda da ilha das bonecas enforcadas,
no México, na cidade de Xochimilco, em que há diversas bonecas penduradas e
mutiladas. Há muitas lendas sobre bonecas, como por exemplo, a famosa
Annabelle, Chucky, O Brinquedo Assassino,
Billi dos Jogos Mortais etc.
De modo geral, esse cordel é recomendado
para quem gosta de história relacionada ao mistério, como por exemplo, as
lendas urbanas. É um cordel que nos faz pensar sobre como as pessoas que estão
no poder ou em um posto de importância, podem causar prejuízos, destruindo os
menos favorecidos, fechando os olhos para a classe baixa.
Esse cordel foi escrito e inspirado nas
bonecas vendidas à beira da em Lajedo (PE), penduradas inclusive em árvores e
num estranho episódio acontecido em Lagoa de São José, onde à meia-noite, certa
vez, um amigo do autor viu um fantasma de uma criança andando ao largo muro de
um cemitério.
Cordel da História do Teatro
Ariano
Suassuna
um
dia me disse assim:
que
o teatro indígena
não
tinha Serafim
e
que não veio da Grécia
era
autêntico e fim!
Logo no começo, o autor já retrata algo
que chama atenção, quando ele cita que o teatro não veio da Grécia, já que se
procurarmos sobre a trajetória do teatro ocidental, implicaria em buscar suas
origens levando, assim, ao Mar Mediterrâneo, em que foram desenvolvidas
diversas civilizações, às quais podemos relacionar a existência de
representações teatrais, ligadas primeiramente às cerimônias religiosas. Assim,
é perceptível que antes dos portugueses chegarem ao país, já se tinha o teatro.
No decorrer do cordel, grandes nomes da dramaturgia são mencionados, como:
Ariano Suassuna, Calderón de La Barca, Lope de Vega, Shakespeare, Martins Pena,
Arthur Azevedo e outros.
O cordel nos traz uma perspectiva sobre como
foi a passagem dos tempos antigos até a contemporaneidade, trazendo elementos
como o drama, a comédia e algumas críticas, como é o caso da oitava estrofe.
Assim, temos menções necessárias ao entendimento do teatro, além dos maiores
poetas e obras que marcaram essa arte até os dias atuais.
Cordel
da História da Língua Portuguesa
Aqui o autor traz a diferença entre a
língua coloquial e a língua em sua forma culta. O surgimento da língua
portuguesa se dá através do galego português, vindo da Península Ibérica, O
autor nos mostra a importância de quatro grandes escritores: Oswald, Manoel
Bandeira, Cecília e Chico Buarque.
Oswald
e Bandeira eram livres
Pra
recriar fala do povo
Fizeram
tanta literatura
Poeta
voo ao ovo
Cecília,
chico Buarque
Nossa
língua assim louvo.
Este cordel deve ser trabalhado em sala de
aula, pois seus temas são essenciais para a construção de conceitos e estigmas
da sociedade.
Cordel: Tradição, Ruptura e Proposta
de Ensino
Moises Monteiro Melo Neto faz aqui uma reflexão sobre
como a sociedade ignora as pessoas analfabetas. O preconceito, por sua vez, faz
essas pessoas duvidarem dos seus potencias. O autor aborda de forma muito
espontânea o tema sobre analfabetismo que percorre por muitas décadas, onde as
pessoas mais humildes são localizadas em zona rurais. Moisés ainda faz a
intertextualidade com outros cordéis e vem nos mostrar um dos acontecimentos
mais emblemáticos da história do país: o governo de Getúlio Vargas, com o seu
trágico suicídio, ocorrido no ano de 1954.
Quando Getúlio suicidou-se
Em cinquenta e quatro, ele fez
um folheto de oito páginas
foi
assim a bola da vez
feito no
mesmo dia da morte
vendeu setenta mil e satisfez.
Com essa intertextualidade
Moisés exercita mais uma das suas práticas favoritas, a ressignificação através
do mergulho em outros textos que tenham a ver com o tema desenvolvido. É um
exercício dinâmico que amplia horizontes de expectativas tornando a paráfrase
um elemento ativo e crítico.
Nos dois últimos cordéis da
Antologia aqui estudada, Cordel
da Literatura Brasileira de Autoria Indígena e o Cordel da Visão Indígena sobre a Literatura
Portuguesa, temos a preocupação com a questão da participação do indígena
na literatura, o foco de Moisés, aqui, ilumina o palco literário para destacar
a importância do autor indígena que tem seus livros impressos. No primeiro caso
há destaque para nomes (dos autores indígenas) como vemos nos trechos abaixo
(aqui colocamos os números das estrofes):
42 Se espalhando no país
Munduruku, Jekupé,
Yaman, Pataxó, diz
Kithaulu, Potiguara, fala
Terena, Guará, raiz
43 Haki'y, Wapixana, Yaguakãg
Makuxi, Kerexu Mirim
e autores sem preconceitos
conteúdo cognitivo, sim
valor próprio de sedução
arte importante é assim
44. Função simbolizadora
que ela possa situar-se
tendo um espaço próprio
e presentificar-se
cada vez mais estudada
local de fala, ela faz-se
45 Autorias indígenas
É Literatura forte
Erroneamente escondida
Era entregue à própria sorte
questões indígenas, sim
bem marcado suporte
46 Letras diferenciadas
Pelo brilho furta-cor
direito de expor sua arte
um universo em vetor
propriedade intelectual
coletivo/ individual primor
47 Oralidade e escrita
Oratura ou impressa
saberes, fazeres e crenças
adotada na Europa, essa
sobre crise ambiental
a muitos ela interessa
Temos acima uma preocupação
e uma proposta de cânone de autores indígenas espalhados pelo Brasil. Moisés
reflete a importância dos estudos acadêmicos nessa área. Novamente continua com
as sextilhas heptassilábicas, com rimas nos versos pares, o que também acontecerá
no penúltimo cordel desta antologia, Visão Indígena da Literatura Portuguesa,
que Moisés apenas organiza, mas que foi escrito por seus alunos da cadeira de
Literatura Portuguesa, no Curso de Licenciaturas Interculturais
Indígenas de Alagoas/CLIND-AL, que aconteceu na cidade de Pariconha. Sertão alagoano, em outubro de
2022. Os autores desse cordel analisado pelo referido professor são: ALINE LOPES DOS REIS, ANGÉLICA MARIA
SILVA DOS SANTOS, EIMYSLENE FERRAZ DE MELO SANTOS, ELMA PATRÍCIA LIMA, ISLANIA
MARIA DA SILVA, JOÃO PAULO DE JESUS DOS SANTOS, JOSEFA SANTANA DOS SANTOS, JOSÉ
PEREIRA DA SILVA, MARCIANA SOARES DO NASCIMENTO, MARIA APARECIDA DO NASCIMENTO
DA SILVA, MAURÍCIO JÚNIOR FRUTUOSO, OZANA SILVA MERENÇO DOS SANTOS, VAGNA DA
SILVA SANTOS, VALDINETE DE SOUZA SANTOS e WUANDA MYCIELQUE DA SILVA. Do qual destacamos
os seguintes trechos para análise:
1 Eu agora vou
contar
uma história pra
vocês
é uma história
mentirosa
que eu ouvi certa
vez
toda cheia de
verdade
ou de mentira,
talvez
2 É sobre
Literatura
muito boa pra
vocês
principalmente
você
que estuda o
português
começa na Idade
Média
é de pobre e de
Reis
3 Isso é tudo
ficção
disse o professor
Moisés
é lição muito
bonita
da cabeça até os
pés
e eu me
emocionei
é quem eu sou e quem
tu és
4 É poema e é cantiga
de amigo e de amor
de escárnio e maldizer
tem textura e tem
sabor
nessa parte eu vou
dizer
gente, há muito
sabor...
5 E na prosa
também tem
uma tal cavalaria
são novelas fascinantes
podem se ler hoje
em dia
gênero de antigamente
mas de hoje
parecia
6 São heróis bem
populares
hoje não tem tanto
assim
por exemplo: o Rei
Arthur
história tão
linda, sim
são castelo e
mistérios
tem até o mago
Merlim
7 Excalibur, uma
espada
uniu todo um país
se espalhou pela
Europa
trouxe um final
feliz
ela chegou até
hoje
mas escapou por um
triz
8 Pariconha foi
lugar
de uma aula
especial
no meu curso de
Letras
algo assim
sensacional
a história
continua
vou contar até o
final
Percebemos claramente nessas
estrofes a preocupação com uma busca de interlocução procurando nesse leitor
uma identificação com o texto (o cordel em andamento); há um tom de oralidade e
pertencimento, expressos no tratamento ao leitor e a expressão do local de
fala. Os indígenas autores tratam com respeito e compreensão a saga literária
portuguesa desde a Idade Média até a época do descobrimento do Brasil. Não há
repúdio pela história do colonizador, mas uma apreciação crítica, como veremos
adiante, na mundividência desses quatro povos que compuseram a turma dessa
disciplina ofertada pelo Clind e ministrada pelo Prof. Dr. Moisés Monteiro de
Melo Neto. Vejamos como essa visão crítica indígena se expressa com mais
clareza:
17 O sonho agora é outro
Realismo: vida real
Literatura de fato
tal notícia de jornal
mulher que trai o marido
seria isso fatal?
18 Cientificismo é
difícil de se explicar
caber em literatura
isso pode complicar
falar do Primo Basílio
isso eu vou tentar
19 Luísa, Jorge e Juliana
vejam que casa danada
tudo em Lisboa antiga
que cidade depravada
literatura é assim
vixe, que coisa danada!
20 Foi sexo na cabeça
foi amor coisa nenhuma!
um ninho de perdição
solução terá alguma?
Promessa de família
terminou virando espuma
Não deixa de haver uma visão crítica
em relação à sociedade branca europeia com suas hipocrisias denunciadas pela
escola realista, uma leitura indígena de viés diferenciado que reflete uma
linguagem de hoje, o conhecimento da obra, não consumida de maneira passiva,
mas uma crítica ativa por parte desses indígenas alagoanos, que não acreditam
que índio só deve escrever sobre temas indígenas. Isso merece nosso destaque
nessa questão.
Nossa análise também se debruçou
sobre o trecho no qual é analisada a obra de Fernando Pessoa, ícone da
literatura em Portugal:
28 Não se assuste Pessoa
Fernando! Vem logo aqui!
tu que foste tanta gente
eu chorei eu sorri
com tanto verso bonito
tua poesia li
29 Caeiro, Campos e
Reis
tanta gente em um lugar só
trenzinho de brinquedo
o cadeado é um nó
o poeta é fingidor
leitor isso não vira pó!
30 Poesia é brincadeira
muito séria, meu senhor
tua ironia é mel
Pessoa bom criador
sensacionismo assim
vem do grande trovador
31 É com Fernando Pessoa
que a gente vai encerrar
e reabrir novamente
o infinito particular
eita, sujeito arretado!
pra gente ler e aprovar
Os autores parecem, como no coro do
antigo teatro grego, refletir sobre o herói em cena, e a poesia pessoana é bem
teatral, mesmo, alertando para perigos, abismo, dignidade acima de tudo diante
de um destino dos eus de Fernando
Pessoa.
E a Antologia Mosaica termina com as
duas últimas sextilhas do cordel final
Lembrei
de Saramago
Prêmio Nobel vencedor
colírio para cegueira
de patrão e trabalhador
Deus está solto minha gente!
Quem é o vencedor?
Agora chegou o fim
desse cordel que eu te dou
pesquisando pra você
junto com o professor
coração de Pariconha
literatura é amor...
Interessante notar o uso da Leminiscata
marcando o final deste cordel e também da antologia, como a dizer isso
continua, isso não tem fim.
O
último cordel da antologia é o Cordel do
Lobisomem na Corte de Maurício de Nassau, mais um cordel de fantasia,
fantástico e terror, dessa com uma v oz mais sombria ele conta a história de
uma noite bem diferente na corte do Príncipe Maurício de Nassau, durante a
ocupação holandesa em Pernambuco (1630-1654). Do qual destacamos apenas o trecho
inicial:
1
Cheiro o cangote da morena
que
parece fora de si
num
frenesi sem jeito
vou
lambendo a sapoti
para
um homem como eu
de
tesão eu explodi
2
Eita, corpinho bonito!
um
estudiosos como eu
que
carrega a maldição
sou
lobisomem judeu
peguei
isso no Caribe
foi
meu pai, um fariseu
3
Com formação de Doutor
Mal
dá pra se suspeitar
A
febre dentro de mim
Numa
noite de luar
Nem
sempre acontece
Mas
quando é, é de arrasar!
4
Venho assim sobrevivendo
Cada
noite de terror
Sou
tal bicho maldito
Poeta
e agrimensor
coleto, organizo,
forneço
documentos de valor
5 Na cidade de Nassau
Vim de Holanda a
Pernambuco
Século dezessete, estou
Sim ,sei, estou maluco
Mas poucos são como eu
Sei aguentar o trabuco
6 Avisaram-me:
nos trópicos
Mais
feitiços ia pegar
Mas
louco por aventura
Não,
não pude evitar
mel
dos lábios carinhosos
dengo,
malícia no olhar
7
Já me caçaram na noite
Tantas
vezes que nem sei
Novo
Mundo, velhos truques!
Holandês
me encantei
Hoje,
noite enluarada
Que
destino terei?
8
noite de verão grandiosa
festa
no Palácio, grande
é
o palácio de Friburgo
quem
pode mandar que mande
Renascimento
do Brasil
Nova
Amsterdã, desmande
9
Intelectual europeu
Devia
me dar ao respeito
Maldição
de lobisomem
Não
me dá esse direito
Ajo
tão fora de mim
Muitas
vezes sou suspeito
10
Sou uma lenda mundial
No
Brasil cheguei assim
Num
barco muito sinistro
Havia
outros iguais a mim
Quero
sangue, quero corpos
Numa
fúria sem fim
11
A Licantropia eu tenho
Assim
a ciência chama
A
doença de um lobo
Que
me contamina, inflama
Se
não mato quem ataco
É
mais um com essa trama
12
Dizem começo foi um pacto
De
meu pai, meu ancestral
Queria
fama e fortuna
De
ser sobrenatural
Logo
perdeu o controle
Sucedeu-lhe
o Grande Mal
13
Fujo da bala de prata
De
arma de prata, também
Isso
veio de meu pai
Que
hoje está no Além
Não
que acredite nisso
Não
duvide, disse alguém
14
Numa lenda grega antiga
Dizem
foi castigo de Zeus
Pra
punir um tal Licaon
Que
tentou matar chefe- deus
Foi
então punido assim
Mesma
coisa com os meus...
15
Loup-garou, na França
werewolf,
dos saxões
oboroten,
para os russos
lobisosômicas
dimensões
na
Península Ibérica
África,
Ásia: tensões
16
Eu sou filho de um incesto
Vim
depois de sete filhas
Percorro
veloz estradas
Não
importa quantas milhas
Durmo
até em cemitérios
Se
tem perigo nas trilhas
Como
percebemos o autor usa elementos líricos atrelados à narrativa que segue em
sextilhas em redondilha maior num tour de force que segura o leitor numa cadência,
numa espiral ao mesmo claustrofóbica e libertadora, exibindo o tormento de
seres marginais que cada vez mais se embrenham na própria teia de fuga e
retorno, paradoxalmente.
Muitos
cordéis de Moisés têm capa do artista florestano (PE) Mané
Gostoso Neto (Leonardo de Farias Leal). Como os que aparecem na
ilustração abaixo, exceto o Cordel do
Vampiro em Pernambuco e Enterrado
Vivo, o Homem que Virou Cordel (arquivo do autor).
Capas de alguns cordéis de Moisés
Monteiro de Melo Neto
Agora vamos analisar mais cinco cordéis de Moisés que ficaram
de fora da primeira edição desse livro: CORDEL DA COMPADECIDA 2, SHERLOCK E O CÃO DOS
BASKERVILLES, CORDEL DAS FAMÍLIAS BELLI E MONTEIRO DE MELO, MITO NO CORDEL e
A PELEJA DE CHICO SCIENCE E ARIANO
SUASSUNA, mas foram incluídos nesta 2ª edição, proposta pela Editora
Coqueiro.
O Auto da Compadecida 2: tem uma gênese peculiar: ao ouvir que os
atores da versão cinematográfica iriam fazer uma “continuação” para as telas,
Moisés pensou no assunto e, enquanto fazia compras num supermercado, ao escolher
tomates, pegar o leite e o pão, criou toda a sua versão em cordel para A Compadecida 2: o diabo vai ao céu
solicitar a presença de João Grilo para animar uma festinha no Inferno. Maria e
Jesus recusam, ela afirma que Grilo fora perdoado e estava feliz em puro na
Terra, no que Jesus concorda, mas o Tinhoso diz que o tal estava aprontando de
novo, de modo escamoteado e solicita que os Céus enviem 2 anjos para checar o
que iria acontecer. Apesar de saber que aquilo ia dar em nada, atendem ao
pedido. O capeta desce atrás dos anjos, disfarçado de banqueiro. No sertão
Grilo e Chicó estão aramando um jeito desse último arranjar dinheiro, pois
queira se casar. Sem querer eles vão cair em tentação quando sabem que um
velhinho que vendeu um sítio quer investir.
1 Agora vou lhe contar
Você já ouviu uma vez
Coisas da Compadecida
Mãe nossa, todos vocês
São coisas de chorar
muito
De sorrir, também. Não
crês?
2 Nós aqui temos certeza
De cordel, ouviu falar?
Livro bom, de toda gente
Dele não vou me afastar
Pois me deram a missão
Do livreto propagar
3 Inspiração é uma coisa
Que está em todo lugar
Difícil é corrigir
Tanto foieto apurar
Esse me veio de açoite
Num dia de festejar
4 Coisas da Compadecida
Disso eu vou escrever
Sobre um tal de
Malasartes
Nordeste de num se crer
Começo logo dizendo
Um João Grilo pode ser
5 Mas né não assombração
O homi tornou a viver
Está aqui o número dois
Dessa história para ler
Depois que a Compadecida
Que a TV fez reviver
6 Eram três cordéis,
então
Ariano assim juntou
Num tecido fabuloso
Que o paraibano criou
Vem aí uma homenagem
Três, primeiro, e o que
findou
7 Digo logo, minha gente
Leia o que vem depois
É a tal Compadecida
Agora volume dois
Pensou que tinha acabado?
Se enganou, e apois?
(trecho
inicial do cordel Auto da Compadecida 2)
Reparem
como esse trecho termina com a conjunção informal “apois” (pois) . Não que o
autor imite a dicção popular. Ele a saboreia como um manjar. Moisés vive entre
Garanhuns, Palmeira dos Índio e Recife há oito anos, mas no Recife está seu
porto (in)seguro. São as marcas da fala do povo com quem convive há tanto tempo
na capital de Pernambuco que lhe dão um vocabulário e suas inflexões tão
próprias.
Suas
tramas vêm também desde a infância (8 anos) quando, influenciado por uma mulher
negra (dona Carminha, que ele idolatra até hoje), ele começou a prestar muita
atenção nas histórias que ela contava, ele as recontava de modo que surpreendia
até sua mestra. Ela também ajudava Moisés a comer quando ele tinha 2 anos,
fazendo bolinhos com arroz, feijão, farinha e charque, a comida ela tirava do
prato e amassava com as mãos, colocando na boca do nosso escritor mirim.
Sherlock e o Cão dos Baskervilles é fruto de uma paixão adolescente de Moisés
pelos romances de detetive. O recifense deu sua versão de modo um tanto
inusitado, pois vê a criação de Conan Doyle com uma dicção recifense. Vejamos o
início desse cordel:
1 Essa história vou
contar
Sei você vai perceber
Algo de inconveniente
Depois vai entender
Caso do Sherlock Holmes
Pra todo mundo ler
2 Livro com mais de cem
anos
Traz hoje um interesse
No cordel aqui presente
Que do escocês fez-se
O escritor Conan Doyle
Sem que concorresse
3 Esse cordelista fez
texto assim matreiro
num caso do detetive
da rua do padeiro
Baker Street, endereço
Investigação? Certeiro
4 Tudo começou em Londres
Tendo em lama acabado
Logo explico como
Agora fica calado
E falo bem no início
Lá Holmes foi contratado
5 Uma história cabeluda
De demônio não previsível
Deus nos livre do Danado
Monstro não muito crível
Interior da Inglaterra
Uma vingança incabível...
6 Henry Baskerville
Herdeiro de um rico tio
Herda mansão assombrada
Maldição de um cão
sombrio
Que ninguém via, mas cria
Que tremendo calafrio!
7 O tio morre do coração
Intriga evoluía assim
Estranhas pegadas
No imenso jardim
Enredo se complicava
Chamam Holmes, enfim...
8 Mas quem vai é Watson
Auxiliar do detetive
Entre os dois nada
Que a intimidade prive
Na mansão de Henry
O pavor sobrevive
9 Que um dia o cão chegue
Mais um Baskerville morra
Não se salva assim
Quem na Hora H corra
Um segredo ronda tudo
Com ele ninguém concorra
10 O que provocara morte
Terrível ao velho Tio?
Pistas não batiam bem
Tio saiu às dez, sadio
O que o fez sair
Em horário assim tardio?
11 Vizinhos ricos ou não
Apontavam a Maldição
Na Mansão dos
Baskervilles
Tempo é imensidão
Trama que se enrosca
Até fugitivo de uma
prisão
12 Um pântano tudo
circula
Fede tanto com armadilhas
A quem se arrisca a ali
estar
Ao luar ou de dia:
“ilhas”
Para quem sabe
Ir lá, decifrar trilhas
Não
só uma releitura da obra, mas um estudo literário e conhecimento sobre a gênese
da mesma, feita com um misto de reverência e muita irreverência,
desconstruindo-a, rasurando fronteiras, como num tantálico rizoma nordestino (Rizoma é um modelo
descritivo ou epistemológico na teoria filosófica de Guilles Deleuze e Félix
Guattari. A noção de rizoma foi adotada da estrutura de algumas plantas cujos
brotos podem ramificar-se em qualquer ponto, assim como engrossar e
transformar-se em um bulbo ou tubérculo; o rizoma
da botânica, que tanto pode funcionar como raiz, talo ou ramo, independente
de sua localização na figura da planta, servindo para exemplificar um sistema
epistemológico onde não há raízes - ou seja, proposições ou
afirmações mais fundamentais do que outras - que se ramifiquem segundo
dicotomias estritas. Deleuze e Guattari sustentam o que, na tradição anglo-saxã
da filosofia da ciência, costumou-se chamar de antifundacionalismo (ou
antifundamentalismo, ou, ainda, antifundacionismo): a estrutura do conhecimento
não deriva, por meios lógicos, de um conjunto de princípios primeiros, mas sim
elabora-se simultaneamente, a partir de todos os pontos sob a influência de
diferentes observações e conceitualizações. Isto não implica que uma estrutura
rizomática seja necessariamente flexível ou instável, porém exige que qualquer
modelo de ordem possa ser modificado: existem, no rizoma, linhas de solidez e
organização fixadas por grupos ou conjuntos de conceitos afins. Tais
conjuntos definem territórios relativamente
estáveis dentro do rizoma.). O rei Tântalo, o único mortal que fez parte da mesa dos
deuses olímpicos, foi castigado pelos deuses por ser ambicioso. Ele enviado ao
Tártaro (mundo inferior), onde havia um vale farto em vegetação, comida e água.
Por
essa Arthur
Ignatius Conan Doyle, escritor e médico escocês, mundialmente famoso por suas
60 histórias sobre o detetive Sherlock Holmes, consideradas uma grande inovação
no campo da literatura criminal, não esperaria.
Nem paródia nem
paráfrase, o que podemos pressentir é que Moisés trabalha com um tipo próprio
de intertextualidade, através do seu conhecimento sobre a arte cordelística e
suas possibilidades de ruptura num paradoxal discurso irreverente e amante
desse tipo de poesia, entre o épico o lírico aventureiro e o satírico, no
sentido de uma bakhtiniana sátira menipeia. O original é desmontado e refeito
numa versão surpreendente e sintética, integrando a influência britânica que
fez parte da formação cultural do professor Moisés, que além dos clássicos
ingleses, estudou a língua com Steve, um londrino que veio morar no Brasil,
trabalhando inicialmente numa expedição de Jacques Custeau. Moisés também
aprendeu muito com os Beatles, Rolling Stones, Led Zeppelin e outras bandas
inglesas. Também fã do cancioneiro da primeira metade do século XX no Brasil e
da MPB, onde se destacam Ari Barroso, Chico Buarque, Noel Rosa, Lupicínio
Rodrigues e tantos outros como Gil, Rita Lee, Raul Seixas e Caetano.
Já
no CORDEL DAS FAMÍLIAS BELLI E MONTEIRO DE MELO, Moisés Monteiro de Melo Neto
não poupou esforços em busca das suas raízes genealógicas, espalhando sua visão
poética por um vasto território unindo duas faces inquietas do Atlântico:
Europa e o longínquos agreste pernambucano. Também um pouco da história da
Paraíba é contada nessa mixórdia cordelística de alta tensão. São as histórias
dos Bisavôs materno (Belli)e paterno (Monteiro de Melo) de Moisés.
O materno veio de Nápoles mascatear e ficou
rico, o paterno vem de uma série de aventuras pelo sertão e agreste da Paraíba
e Pernambuco. Observemos os trechos iniciais que já delimitam e transgridem,
marca essencial moisesnetiana, o fato e a ficionalização dele. Moisés é
pesquisador de romances históricos e bioficação, nas suas propostas de pesquisa
na Universidade (UPE e UNEAL):
1 O nome Belli tem origem
na região do
Tyrol
A Itália teve
dificuldade
Nessa vida chuva e sol
seu território invadido
depois que o
Império Romano
do mundo foi farol
2 Roma ocupada
por muitos
Povos,
conquistadores cruéis
Deram o troco à velha Loba
Que exerceu tantos papéis
Então sob fortes poderes
Política e
religião trocam anéis
3 Criada como
nação
em mil
oitocentos sessenta, aí
com a exclusão da Áustria de
Nápoles, feita por Garibaldi.
local da família Belli
Veio Moisés dali
4 Chegou ao Brasil Felice de Belli
Patriarca Belli Brasil
E ficou na Paraíba
Naquele mês de abril
Trabalhou de vendedor
De enriquecimento sutil
5 Custou-lhe
muito trabalho
Perdeu um olho, dor atroz
Foi pedra fundamental
Que gerou todos nós
Somos sangue misturado
Vinho e leite de avelós
6 Avelós planta africana
De medicina popular
no tratamento de câncer
úlcera, inflamações, secar
verrugas desaparecem
Bisavô não escapar
7 Com aquele olho de
vidro
O outro enxergava bem
O avô de Therezinha e
Diomar
Cruzou o Atlântico, foi
além
Na cruzada por seu bem
8 Viu o sertão por
dentro
Andou muito e viveu
Uma linda experiência
Nesse Brasil que Deus
deu
Presto aqui minha
homenagem
Que meu Jesus concedeu
9 Mascateou um bocado
Com gente boa e canalha
Sua subida começou
Tragou cigarro de palha
Depois ergueu seu
Império
Nada aí o atrapalha
10 Veio a sorte
aumentando
Dinheiro jorrou assim
Nos altos investimentos
Do meu bisavô, enfim
Chegou a comprar uma
ilha
fluvial em Cabedelo,
tim tim!
11 Tornou-se
Cônsul, uma vez
da Itália na
Paraíba
casou com
Henriqueta da Silva
forte como mucuíba
gerou os filhos
tão bonitos
se espalharam lá em riba
Sempre
construídos em sextilhas heptassilábicas, redondilha maior, rimando nos versos
pares, os cordéis de Moisés exigem, algumas vezes que a voz de quem os recita
acompanhe suas liberdades em relação à normatividade teórica que tenta
aprisionar a dicção escrita em relação ao “cantador”.
Ao
fundir e confundir suas famílias, o autor sugere muito mais do que uma
historiografia no campo das Letras: ele abre gavetas de modo vanguardístico e
ao mesmo tempo regional, urbano, frenético, propondo uma caleidoscópica visão
sobre seus ancestrais.
MITO NO CORDEL
1 Mito vem do
grego mythós
narrativas fantásticas
explica a origem de tudo
palavrinhas
elásticas
no princípio era o
verbo
mas vem de artes
plásticas
2 Na cavernas se
criou
mas ao ar livre
também
o que importa para
o povo
explica o mundo e o
além
que esse mundo é
assim
3 Grécia antiga,
muitos deuses
e também lá no
Egito
Já na Índia tinha
tantos
Que depois se chamou mito
Várias
interpretações
Aí inventaram o
rito
4 Sobre a origem do
mundo
Quis o homem
adivinhar
a natureza e os deuses
coisa assim de
arrepiar
Mitos nos ensinam
tanto
O problema é decifrar!
5 Repletas de simbolismo
Coisas
sobrenaturais
Cada uma das
histórias
Traz elementos
fatais
Tem até verdade
pura
Coisas artificiais
6 Vida dos seres humanos
lições de como
viver...
significado de mito
faz outros sentidos
ter
Fantástico ou verdadeiro?
Eu agora vou dizer
7 Intrincada vida
humana
O resto também o é
Pode começar lógica
Mas tem ficção até
falsidade ou
mentira
pro seu John ou pro
seu Zé
8 Mito não é
realidade
sobre-humano, minha
gente
quem quiser que
desafie
se isso lhe faz contente
chamo Mito quando
alguém
vai muito além de
toda gente
9 Se tem em áreas
de
esportes, artes,
por aí
tem até o papa mito
Paraíba ou Havaí
características são
naturais ou não,
taí!
10 Do nascimento não escapam
Todos começam assim
Mitos de origem
divina
Ou da coisa
simples, sim
tem que ser
compreendido
e nem a morte é o
fim!
11 Teogonia, nascem deuses
Cosmogonia, o universo
Só não explico bem
Como se dá tal
processo
Pois meu negócio
aqui
É lhe mostrar tanto
verso
12 De Cronos nasceram
deuses.
Pandora é curiosidade
Eros, Psiquê amor e alma.
Narciso: a vaidade
O que é mitologia?
Mentira e sinceridade
13 Tanta história, não dá tempo
nesse cordel de Moisés
de onde
viemos, aonde vamos?
De baixo, de
cima, através?
imaginário
coletivo
que gente nem chega aos pés!
14 Hoje a mitologia
Anda muito diferente
não é supersticiosa
ou primitiva simplesmente
a natureza de hoje
tem mais que antigamente
15 Dizia Levi-Strauss
Para interpretar os mitos
No entendimento humano
Se mergulha no infinito
São dois ou três coisinhas
Não se ganha assim no grito
16 pensamento antropológico
Vê o igual e a diferença
Em tão diversas culturas
Nada e tudo parecença
Não é o eu nem o mim
O mito não é sentença
17 A ciência e o mito
Travaram árdua batalha
Na luz e trevas do tempo
Um ao outro não atrapalha
Descartes, Newton e outros
Mudaram cursos da calha
18 Filosofia dos gregos
Ou então a matemática
É novo ver, novo ouvir
Mutante, não estática
Tudo gira, metamoforseia
Sartre Filosofia prática
Vemos que a pesquisa está entranhada em tudo que Moisés diz.
Levi-Strauss, Roland Barthes e outros “mitólogos” aparecem com seus nomes
estampados nas estrofes e escorrem sua ideia num caudal volumoso de
expectativas ululantes.
O papel do Mito na sociedade, nos seus aspectos tanto grotescos quanto
sublimes, surgem em choque onde o estapafúrdio e o acadêmico se entrelaçam e se
repudiam em paradoxal confronto mimético-existencial, como em Sartre, filósofo
e autor de ficção que Moisés aprecia.
No
cordel A PELEJA DE CHICO SCIENCE E ARIANO
SUASSUNA, Moisés Monteio de Melo Neto, primeiro acadêmico a estudar as
letras e o cordel na Academia (no curso de especialização e no Mestrado na
UFPE, lançando a seguir Chico Science: A
Rapsódia Afrociberdélica, livro pioneiro no assunto, publicado pela Editora
Comunicarte, pioneiro no tema como exclusividade). Moisés também teve um artigo
publicado pelo Le Monde Diplomatique
(https://diplomatique.org.br/chico-science-encontra-josue-de-castro/) destacando semelhanças e citações entre o
mangueboy e Josué de Castro (1908-1973: Josué Apolônio de Castro, mais conhecido como
Josué de Castro, foi um médico, nutrólogo, professor, geógrafo, cientista
social, político, escritor e ativista brasileiro do combate à fome).
A peleja às vezes chamada desafio, é um aspecto da
cantoria, isto é, quando dois cantadores se encontram e vão revelar, então,
seus conhecimentos através de sextilhas, martelos, décimas, martelos
agalopados, gemedeira etc. Não é exatamente o que Moisés faz nesse cordel, onde
ele expõe um debate cultual de propostas entre o escritor paraibano Ariano
Suassuna, então Secretário de Cultura do Governo Arraes e o recifense Chico
Science, articulador-maior Movimento Mangue que mudou a face da cultura no
Recife do início Da última década do segundo milênio.
No CORDEL DO GATO PRETO, o autor faz
experiência com o ensino da literatura através do cordel, coisa que pratica
como professor universitário e já utilizava, ao lado do teatro como instrumento
de ensino, com desenvoltura, levando seus professorando a incorporarem novas
práticas didáticas. Notando o fascínio dos alunos por histórias de terror,
Moisés já adaptara à cena teatral o conto de Poe, desta vez, transpondo-o ao
cordel, suavizando o horror do feminicídio e do alcoolismo, acentuando o
fantástico e o sobrenatural.
1 Não espero e nem peço
que acreditem nessa história
é história muito estanha
sem honra tão pouco glória
Nem eu mesmo acredito
Então não conto vitória
2 Não é loucura nem sonho...
Não vou morrer sem
contar
Esta minha louca minha história!
A esposa dizia: pra me acalmar
meu espírito inquieto
cuidar da casa e esperar
3 O fantasma da obsessão...
pelo gato... o estranho animal
pela preta criatura
que consequência fatal
... os
acontecimentos... tortura
tortura.. me destruiu no final!
Em
CORDEL DO TERROR
ACADÊMICO, temos
novo desafio que Moisés enfrenta: falar do mundo teórico na carreira
universitária. Ele cita Morin (antropólogo, filósofo, pesquisador e professor universitário
francês conhecido por seus trabalhos sobre imaginário e mitologia), Maffesoli (sociólogo francês
conhecido sobretudo pela popularização do conceito de tribo urbana.),
Gilbert Durand (antropólogo, filósofo, pesquisador e professor universitário francês
conhecido por seus trabalhos sobre imaginário e mitologia), dentre outros. O resultado é um inusitado
olhar sobre a Universidade, fascínio centro de Liberdade a enfrentar a opressão
nos seus mais variados ambientes.
12 Que
coisa danada!
Detentores do poder
de um lado ou de outro
ser culto é ter quere?
Livre
arbítrio é assim?
Cada um sobreviver?
Por
fim temos o CORDEL DO TERROR EM PERNAMBUCO, um apanhado, em forma de
cordel, das mais misteriosas assombrações em Pernambuco: uma “viagem dantesca”
que o sujeito poético deste cordel faz guiado, como o florentino por Virgílio
em A Divina Comédia. Surgem figuras como o tal guia, o fantasma de um
judeu do bairro recifense da Boa Vista, local onde Moisés reside, uma sereia
misteriosa no cais do antigo porto da capital pernambucana, Comadre Florzinha,
o Papafigo, o espírito de um peculiar cangaceiro, a perna cabeluda, Biu do
Alicate e tantos outros malassombros.
13 Podia jurar que eu vi
ponte de Nassau a cruzar
O bicho e estátuas todas
Pareciam num dançar
tive que me benzer
não podia
acreditar
14 Ele apontou para mim
pensei, ia me enfeitiçar.
Mas eu, já enfeitiçado,
Ele teve que parar
Disse: Escreva meu poema
Eu mal pude acreditar
15 Escreva meu poema,
poetize meu caminhar
correm musas no Recife
sereias, tritões a sussurrar
místicos do mundo inteiro
concentração
a girar.
16 É estranho ser poeta
escrever minha ficção
vá fazer, vou
orientar
Sussurrou-me Abraão
Disse eu era assinalado,
ele disse, ria não
17 Não ria, vou sugerir
Queremos
cérebro seu
Pra mensagem
transmitir
Eu disse, não sou judeu
ele riu, risada
estranha
também não sou
ateu
Como
vemos, a seara cordelística de Moisés Monteiro de Melo Neto é permeada por uma
peculiar visão do fazer literário. Que essa literatura in progress se
alastre iluminando, inspirando, fazendo crescer as letras no nosso país.
Considerações Finais
Na épica do instante, Moisés exibe traços
do tempo fluente, no desvio do homem enquanto animal linguístico. São temas
inusitados que fazem a língua carregar-se de alma, a memória renascer
diferente. Ele aperta o gatilho da ironia atingindo o leitor com seu peculiar
senso de humor, poder de síntese, elipses obstinadas, estética atazanadora em verbal moenda, como se
enxugasse tempestades de imagens que se entrecruzam, na busca de um sentido.
Este
estudo teve como principal objetivo analisar os cordéis presentes na Antologia
do Cordel, da autoria do Prof. Dr. Moisés Monteiro de Melo Neto, destacando
e buscando compreender a relação que une tema, história, tradição e ruptura. A
obra é apresentada como uma proposta para o ensino da Literatura de Cordel,
trazendo reflexões e conflitos literários de forma poética e rimada.
Observou-se que os cordéis trazem marcas
da cultura popular brasileira, atribuindo novos sentidos à estética cordelista.
As produções são coesas, coerentes, possuem propósitos comunicativos relevantes
e traçam novas perspectivas para esse tipo de expressão artística. Moisés
Monteiro de Melo utilizou-se de uma sapiência capaz de conceder o valor
necessário à sua obra.
50 Diário
de Pernambuco
sexta-feira, num 13,pense
janeiro
de noventa e cinco
deixo
aqui o supense
encontrou-se
Ariano
com
nosso Chico Science
51 Caderno VIVER
(página 8)
um
bang-bang à recifense
orquestrado
por Ivana Moura.
O título não nonsense
ARMORIAL E O MANGUEBOY
SELAM A PAZ. Que dance!
52 Narrado e com testemunhas
o lendário encontro deu
um velho do pastoril
flertando outro Mateus
secretário de Cultura
que Science recebeu
53 Science mediu a distância
o ângulo, a posição do sol
e as condições da sua arma..
do
duelo fez o rol
quase uma hora de conversa
Brother Paulo André no mol
54 na Fundarpe então se ouviu
Ariano disse assim:
“Você é do meu lado
vamos levantar o País”, sim
convocou
o paraibano
com
um riso que não tem fim
55 O
face a face aconteceu
Convite do secretário.
DIARIO DE PERNAMBUCO
Sacou que ali tinha páreo
desfazer de
uma vez por todas
que Chico não era otário
56 um
mal-estar fora criado
com declarações de Ariano
gravadas na TV Viva
abriu-se assim o pano
antes de assumir, algo assim:
Science? Quem é o fulano?
57
Na costumaz franqueza
E
sua mira certeira
ilustrou sua posição
identidade
brasileira
invasão
de subprodutos
da
cultura cultura estrangeira
9 Tô
aberto para o novo
O
Senhor a conversar
Só
assim entendimento
Podemos
nós encontrar
Pois a Cultura
do Estado
Precisa se alimentar
58
Como contador de histórias
Suassuna retomou
Avesso
ao imperialismo
A
conversa esquentou
invasão cultural, sô
Ciro
Gomes: E.U.A., aí vou!
59
Ariano resistência
contra
a invasão do Brasil…
ouvir isso de minha terra!
Dói
meu peito varonil
Indignado o paraibano
Chegou
a ficar febril
60
Sobre o trabaIho de Science
“ música de Pernambuco
rolou
baseado no maracatu
Mestre sabe de tudo.
Foi batismo de aratu
Me dobrei eu
Te dobrarias tu
61
E eu me emocionei,
tem
razão, o Professor
ele
é Autoridade
Vôte,
meu Senhor!
Diria Chico do encontro.
Velho
e o novo, por favor
62
Sinalizam que estão juntos
lutando pela grandeza
Pernambuco mostra força
Com
talento, esperteza
A
cena se desenrola
Veja
abaixo com clareza
63
“Science é um apelido
que
um amigo me deu.
E eu tiro proveito
Disso
que se sucedeu
puxo para nosso lado
isso
me fortaleceu
64
Modifico o regional
para chamar a atenção
de
ver como ele é”.
Paulo
André, diz “nosso chão”
Chico,
isso dá pé
É
sucesso, meu irmão!
65
E produz evento aqui
É
Abril para o rock
Por
favor seu Ariano
O
senhor não se invoque
Vai aí duplo sentido
Por
mais que o senhor se choque
66
Nessa cena musical
Chico
era o expoente
Ariano
via nele
algo
meio indecente
esse
Science, em inglês
parecia
incoerente
Referências
CANDIDO, Antonio. Literatura
e Sociedade. 9ª edição. Rio de Janeiro: Ouro sobre Azul, 2006.
HAURÉLIO, Marco. Breve
História da Literatura de Cordel. 2 ed. São Paulo: Claridade, 2016.
MELO NETO, Moisés
Monteiro de. Antologia do Cordel. 1ª edição. Recife: Coqueiro, 2016.
MEYER, Marlyse. Autores
de Cordel. São Paulo: Abril Educação, 1990.
PÉCORA, Alcir. Documentação
Histórica e Literária. Revista USP, n. 40, p. 150-157, 1998-1999.
A LITERATURA COMPARADA NA PERSPECTIVA: O
CRIME DO PADRE AMARO x CORDEL DAS BONECAS ENFORCADAS
BÁRBARA MARIA RODRIGUES DE OLIVEIRA[2]
DAIANE DE ARAGÃO SILVA²
RESUMO:
O presente artigo tem como objetivo abordar
os preceitos da Literatura Comparada nas obras: O crime do Padre Amaro X Cordel
as bonecas enforcadas. O estudo deste material crítico revelou que as obras
possuem o destaque sobre as perspectivas do cinismo religioso atrelado ao
abandono material de gestante sobre a utopia do idealismo romântico acerca do
direito da escolha sobre o viés da corrupção nos crimes dos desejos carnais.
PALAVRAS- CHAVE: Cinismo religioso, alienação, dinamismo,
idealismo romântico.
ABSTRAT
: This
article aims to address the precepts of Comparative Literature hanged in the
works O Crime do priest Amaro X Twinw of dolls
, the study of this critical material revealed that the works are
highighted from the perspectives of religious ,cynicism linked to the material abandonment of prefnant
womwm, on the utopia of romantic , idealism , about the rignt choose to over
bias of corruption in the crimes of carnal desires.
KEYWORD: Religious cynicism, alienation, dynamism,
romantic idealism.
1.
INTRODUÇÃO
O Crime do padre Amaro, denuncia por meio de
sua narrativa breve a ênfase da corrupção dos padres, perante ao clero, por
meio da promoção e alienação dos dogmas a sociedade civil, a favor de
benefícios próprios em comuns em prol o Clero na narrativa do Celibato
Clerical. Eça de Queirós inaugura, por intermédio de sua prosa o discurso da
idéia do idealismo e naturalismo em Portugal.
A obra é composta por Vinte e cinco
capítulos, retrata a configuração ao combate do idealismo romântico
estabelecido perante a visão civil aos ensinamentos dos dogmas religiosos.
_____________________
José Maria Eça de
Queirós foi
um escritor português. Autor da obra “O Crime do Padre Amaro”,
considerada o marco inicial do Realismo em Portugal.
Nascido
no dia 25 de novembro de 1845 na cidade de Póvoa de Varzim, Portugal. Filho de
pai brasileiro, mãe portuguesa e foi criado pelos avós paternos. Era aluno
interno no Colégio da cidade do Porto e ingressou em 1861 na Universidade de
Coimbra, onde se formou em Direito em 1866. Exerceu a advocacia e seus
primeiros trabalhos no jornalismo. Em 1867, já na cidade de Évora, dirigiu o
jornal de oposição “O Distrito de Évora”.
Na obra,
Eça faz duras e diretas críticas à vida social portuguesa, denunciando a
corrupção do clero e a hipocrisia escondida pelos
valores burgueses. O autor continua com essa linha de críticas sociais em seu
próximo romance "O
Primo Basílio",
publicado em 1878 e também em "Mandarim" de 1880 e em
"Relíquia", 1887.
Destrinchando
certos aspectos do romance: O crime do padre Amaro, buscaremos trabalhar a
comparação dos elementos que refletem coincidentemente ou não, na construção do
Cordel: As bonecas enfocadas, tais como: o cinismo religioso retratado nas duas
obras, pelo viés da igreja católica , abandono de gestante , idealismo
romântico , dinanismo , evidenciando as estratégias inseridas para autorga
destes elementos estruturais . No entanto, as características das relações de
poder e dominação sobre as características do amor sobretudo no âmbito
eclesiástico, atrelando o enredo dos personagens sobre as distorções da linhas
da ética e moral , se propagam nesta narrativa seja em verso ou prosa por
diferentes séculos . Como ambas as obras promovem a literatura compara por meio
da suas gêneses, mediante ao trânsito de seus personagens sobre a configuração
de uma amor proíbo , mediante ao abandono de gestante , podemos entrelaçar os
pressupostos da ética e moral na vincularização da teoria literária.
“[...]
Para Culler (2000)”a
literatura é uma instituição paradoxal porque criar literatura é escrever de
acordo com fórmulas já existentes” (p.47) , fórmulas estas que segundo Eagleton
(2001, p.2) “intesificam a linguagem comum “ sugerindo algo diferente da
linguagem visual .)
2. ENCRUZILHADAS ENTRE O CRIME DO PADRE AMARO E O CORDEL
DAS BONECAS ENFORCADAS.
O romance "O Crime do Padre Amaro",
de Eça de Queirós, e o cordel "As Bonecas Enforcadas", do autor Moisés Monteiro de Melo Neto, apresentam diferentes formas
de abordar a questão da hipocrisia e da corrupção moral na sociedade.
“[...] A ética e a moral
historicamente são constituídas pelo processo de mudança entre as sociedades e
as épocas . “] ...] as doutrinas éticas fundamentais nascem e se desenvolvem em
diferentes épocas e sociedades como respostas aos problemas básicos
apresentados nas relações entre os homens , e, em particular pelo seu
comportamento moral e efetivo” ( VÀSQUEZ , 2008, p.267)
Na primeira seção deste artigo acadêmico,
serão apresentadas as semelhanças temáticas entre as duas obras. Ambas
apresentam críticas sociais contundentes, em que se denuncia a falta de ética e
moralidade de personagens que deveriam ser exemplos de conduta. Tanto no
romance de Eça de Queirós quanto no cordel de autor Moises Melo, o leitor se
depara com personagens que se utilizam de artifícios questionáveis para obter
poder, dinheiro e sexo, em detrimento de sua própria integridade moral e
daqueles que os cercam.
“[...] Pois bem , como
demonstra a própria história da humanidade , a moral não somente se originada
religião , mas não sem certas normas consuetudinárias que regulamentavam as
relações entre os indivíduos e a comunidade e , ainda que em forma embrionária
, já tinham caráter moral . ( VÀZQUEZ, 2008 , p.91). Sobre as perspectivas, das
falácias acometidas acerca dos ensinamentos de ética realizando contraposição
entre os preceitos de teoria e prática durante as vivencias , e as narrativas
do juízo de valor deveriam assemelhar-se ao contexto.)
“[...] Segundo Stukart (2003
,p.14) , a ética é uma palavra que vem do grego ETHOS , que significa estudo de
caráter , juízo do ser humano e reflete sobre a situação vivida , para ele , “A
ética não analisa o que o homem faz , como a psicologia e a sociologia , mas o
que ele deveria fazer . È um juízo de valores , como virtude , justiça ,
felicidade , e não julgamento da realidade “.)
Na segunda seção, serão destacadas as
diferenças entre as obras. Enquanto o romance de Eça de Queirós se passa no
século XIX, em Portugal, e tem como personagem principal um padre que vive um
caso de amor proibido, o cordel "As Bonecas Enforcadas" se passa em
um contexto rural, provavelmente no Nordeste brasileiro, e tem como
protagonista Mariazinha que é submetida à violência e à opressão patriarcal.
Enquanto o romance é uma obra complexa, que utiliza uma linguagem do
coloquialismo português a prosa ataca violentamente os vícios da sociedade da época e
denuncia a hipocrisia burguesa e os abusos do clero., o cordel é uma obra breve é escrito em
métrica com rimas que fazem a musicalidade por meio dos versos. Utiliza uma linguagem coloquial e é voltada
para o público popular.
Na terceira seção, serão apresentadas as
contribuições de cada obra para a literatura brasileira e portuguesa. O romance
de Eça de Queirós é considerado um marco do Realismo em Portugal, e apresenta
uma crítica contundente à Igreja Católica e à sociedade portuguesa do século
XIX. Já o cordel "As Bonecas Enforcadas" é uma obra do folclore
brasileiro, que apresenta uma denúncia da violência contra a mulher e da
opressão patriarcal, temas que ainda são persistentes na sociedade civil
atualmente.
“[...] A
filósofa Simone de Beauvoir em seu livro “O Segundo
Sexo” explica
como fatores biológicos, ontológicos e culturais foram chave para consolidar a
dominação do homem sobre a mulher, que se vê relegada a um papel de cuidado
doméstico e reprodução, enquanto o homem se torna o responsável por sair, caçar
e proteger a comunidade. Para ela, o patriarcado se estabeleceu definitivamente
com a criação de códigos, leis e livros sagrados principalmente, escritos por
homens e nos quais a inferioridade da mulher é registrada e defendida.)
Em conclusão, tanto "O Crime do Padre
Amaro" quanto "As Bonecas Enforcadas" apresentam críticas
sociais importantes, em que se denuncia a hipocrisia e a corrupção moral na
sociedade. Enquanto o romance de Eça de Queirós é uma obra que , retrata a
corrupção moral dos membros do clero, contrapondo os mandamentos da Igreja
Católica com os comportamentos dos padres descritos por Eça. Entrelaçando por meio da prosa os crimes
acometidos não só por Amaro como por Cônego Dias. Dessa forma, o cordel de autor Moises Melo é uma obra de
cultura popular , é escrito em métrica com rimas que fazem a musicalidade dos
versos que se concentra na denúncia da violência contra a mulher, que leva- nos
a refletir sobre as ideologias acerca da falsa moral que ainda habita na
sociedade brasileira que marginaliza a mulher (citação) Segundo o Prof. Dr, José
Nogueira da Silva (UFAL) , Moisés renova o fazer cordelístico , ou pelo menos
aquilo que com o cordel vem produzindo conjuntamente para o público consumidor
com o qual cordelistas dialogaram através dos valores priorizados nas obras da
opressão patriarcal. Ambas as obras têm contribuições significativas para a
literatura brasileira e portuguesa.
“[...] A Literatura de
Cordel é a poesia popular , herdeira do
romanceiro tradicional , e , em linhas gerais , tributária da literatura oral (
em especial dos contos populares ), desenvolvida no Nordeste espalhada por todo
o Brasil pelas muitas diásporas sertanejas . Refiro-me , evidentemente , a
literatura que reaproveita temas da tradição oral , com raízes no trovadorismo
medieval lusitano , cotinuadora das canções de gesta , mas também , espelho
social de seu tempo .( HAURÈLIO , 2016 ,p.9 e 10)
CORDEL : AS BONECAS ENFORCADAS
È uma história muito triste
Que eu conto pra vocês
Leiam com muita atenção
Não sai dessas todo mês
História de uma menina
Aconteceu certa vez
Em Lagoa das Cachorras
Cidade do Bem , se diga
Certas mulheres cristãs
Se juntaram numa Liga
Negócio de gente rica
Corruptas , boas de briga
Juraram então pela “fé”
Acabar com a safadeza
Diabólicas que eram
Disso tenham certeza
Mandavam matar direto
Fingiam com esperteza
Moça solteira buchuda ?
Abortasse ou morria!
Da cidade tal era a Lei
Ai de quem não cumpria !
( a não ser que fosse rica)
Ali do ruim comia
Juraram então pela “fé”
Acabar com a safadeza
Diabólicas que eram
Disso tenham certeza
Mandavam matar direto
Fingiam com esperteza
Moça solteira buchuda ?
Abortasse ou morria!
Da cidade tal era a Lei
Ai de quem não cumpria !
( a não ser que fosse rica)
Ali do ruim comia
Foi então que sucedeu
O que conto adiante
Mariazinha engravida
Do filho de uma elegante
Da Liga das Cristãs
Um riquinho meliante
Não quis abortar , partiu
Era preciso fugir !
Sua mãe nervosa , morreu
Mariazinha a carpir
Pr’um Sitiozinho distante
( não podia desistir !)
Na casa da Cachimbeira
Trabalhou na agricultura
A barriga cresceu tanto
Quase mata a genitora
Que pariu sua criança
Uma menininha loura...
E o tempo foi passando
A criança era linda
Benzeu – a cachimbeira
Perseguição era finda ?
(os amigos ajudavam)
Isso não acabou ainda !
Zé do Jerimum , padrinho
Chico da Charque , um tio
A cachimbeira rezando
Venceram o desafio?
Veio a chuva a seca
Mas da Liga ? nem um pio!
Naquele distante Agreste
Numa mata recortado
O
sítio prosperou
Povo estava preparado
Mas tem sempre um Judas
E o segredo foi contado
E as Liga das Cristãs
Soube assim do sucedido
Prepararam
então um plano
Que fique bem entendido :
De cristãs não tinham nada
Contrataram um bandido
Numa noite tenebrosa
Decidiram o que fazer
Matariam tal menina
Mariazinha ia ver
Herdeira ?! Que se cuidasse !
Isso não podia ser!
Lá no Sítio bem distante
As três fêmeas viviam
Mais uma noite feliz
Luar , astros reluziam
Sem intuir nada estranho
Bandido não pressentiam
Na noite fria de junho
A cachimbeira cantou
Uma música tão bela
A todos emocionou
A menina de seis anos
Sete anos completou
Um bolinho de fubá ...
Um chazinho tão gostoso !
Um abraço bem quentinho
Um olhar tão carinhoso
Casinha de barro bege
Silêncio noturno pomposo
Em segredo ali viviam
Imaginavam sagrado
Mas para tudo nessa vida :
Tem que se estar preparado!
A velha abençoa a menina
Destino fora traçado
O dia nem amanhecia
A velha e a Mariazinha
Saem juntas pra cacimba
Sob o céu de manhãzinha
Que ao voltar tá vermelho
Inferno
que se avizinha
No terror de ver a filha
Enforcada no umbuzeiro
A mãe enlouquece logo
Em máximo desespero
Não voltou mais ao juízo
Cachimbeira acudiu ligeiro
A moça depois do enterro , ali
Bonecas pôs-se a fazer
Só pensava na menina
E não queria vender
Pendurava no umbuzeiro
Pra filhinha entreter ...
Ninava antes cada uma
“Mamãe não vai te deixar’’
Toda noite, todo dia
Na árvore ia pendurar
Um dia foi ela mesma
Desse jeito balançar
Foi uma coisa tão estranha
(Não deu tempo de evitar)
Deus perdoe a pobre mãe
Sua dor era tão grande
Temos que a perdoar...
Em Lagoa das cachorras
A pobre foi enterrada
A filha lá tão longe
Fantasma, sai pela estrada
Encantada assim viaja
Surge qual alma penada
Quem passa de noite na Via
No cemitério, a calçada
Vê, às vezes, pés pra frente
Cabeça pra trás virada
A menina sem destino
Na noite enluarada...
Cabeça pra trás virada
A menina sem destino
Na noite enluarada...
3. ANÁLISE
LITERÁRIA
A análise literária de "O Crime do Padre
Amaro", de Eça de Queirós, e "As Bonecas Enforcadas", cordel do
autor Moisés Monteiro de Melo Neto, permite
compreender as diferentes formas de abordar a hipocrisia e a corrupção moral na
sociedade presentes nas obras.
Em "O Crime do Padre Amaro", Eça de
Queirós critica a hipocrisia da Igreja Católica, expondo a corrupção e a falta
de ética de seus líderes. O romance apresenta um padre que, apesar de seus
votos religiosos, se envolve em um caso amoroso, acometendo os crimes: a quebra
do celibato, o envolvimento afetivo com Amélia, e a entrega do filho para a
tecedeira de anjos, com uma mulher e se corrompe moralmente em busca de poder e
satisfação pessoal. O autor utiliza uma linguagem do coloquialismo português e
muitos recursos literários, como a ironia e a sátira, para expor a moralidade
questionável do padre e dos líderes religiosos da época.
Em contrapartida, "As Bonecas Enforcadas" denuncia a violência
contra a mulher, o empoderamento feminino e a opressão patriarcal, presentes em
um contexto rural e popular. A presença do ato do suicídio efetuado por
Mariazinha . Segundo Augusto Cury, quando uma pessoa pensa em suicídio, ela
quer matar a dor, mas nunca a vida . Dessa forma , podemos atribuir ao ato do
suicídio de Mariazinha ao sentimento maternal , de que as mães não conseguem
lidar com a perda precoce dos filhos , assim , não conseguindo lidar com seus
sentimentos e chegando ao ápice do suicídio.
O cordel apresenta uma menina que é submetida
a violências sexuais e físicas, e mostra a ausência de amparo social e legal
para as mulheres vítimas de violência. A obra utiliza uma linguagem simples e
coloquial, voltada para o público popular, e tem um caráter moralizante, ao
apontar os problemas sociais que afetam a vida das mulheres no campo.
Ambas as obras têm em comum a crítica social,
em que se denuncia a hipocrisia e a corrupção moral na sociedade. Enquanto Eça
de Queirós utiliza uma linguagem coloquial sofisticada e recursos literários
complexos, o cordel do autor Moisés Monteiro de Melo Neto
utiliza uma linguagem informal presente na cultura popular e direta para expor
a violência contra as mulheres.
Ao analisar "O Crime do Padre
Amaro" e "As Bonecas Enforcadas", como a hipocrisia religiosa e
a violência contra as mulheres. A análise literária é uma ferramenta importante
para compreender e interpretar essas obras, contribuindo para a valorização da
literatura e para o desenvolvimento de um pensamento crítico em relação aos
problemas sociais que elas abordam. Para reforçar a questão da hipocrisia
religiosa e da violência contra as mulheres presentes em "As Bonecas
Enforcadas", podemos utilizar uma citação da antropóloga e escritora
Luitgarde Oliveira Cavalcanti Barros, que analisou o cordel em seu livro
"O Cordel em Belo Horizonte". Segundo a autora, o cordel é uma
crítica à cultura patriarcal e machista do sertão nordestino, onde as mulheres
são subjugadas e violentadas pelos homens. Ela afirma: "As mulheres são as
grandes vítimas da violência e opressão no sertão, e é essa realidade que o
cordel denuncia de forma contundente". Essa citação reforça a importância
da obra em expor as injustiças e opressões presentes na sociedade em que está
inserida, especialmente no que diz respeito à violência contra as mulheres.
4. COMPARATIVA ENTRE AS OBRAS NOS VIÉS DOS PERSONAGENS
-Padre Amaro X Riquinho meliante
-Amélia X Mariazinha
-Filho de padre Amaro e Amélia : Sexo M.
- Ambas as crianças são vítimas de homicídio.
-Causas das mortes : Homicídio
-Cônego Dias X Liga das Cristãs
-Dona
Josefa X Cachimbeira
As obras "O Crime do Padre Amaro",
de Eça de Queirós, e "As Bonecas Enforcadas", cordel do autor Moisés Monteiro de Melo Neto, apresentam diferentes
abordagens para temas sociais relevantes, tais como :o abandono material da gestante,
gravidez não planejada , homicídio e suicídio mas possuem algumas semelhanças e
diferenças em relação à linguagem, estilo e enredo.
Ambas as obras possuem como tema central a
crítica social, em que se denuncia a hipocrisia e a corrupção moral na sociedade,
seja no âmbito religioso ou no âmbito das relações de gênero.sobre a ótica da
fragilidade da mulher no direitos das escolha em um relacionamento , atrelado
ao paradigmas sociais e econômicos cujo a mulher pobre sofre constantemente com
os esteriótipos , sendo assim , a mulher rica é enaltecida é passa a a ser
imperceptível durante a alguns atos sociais , tais como : relações sócio
afetivos e gestações.( (citação) Em "O Crime do Padre Amaro", podemos
encontrar uma citação que expõe como a sociedade enxergava as mulheres pobres
da época. No capítulo III, página 31, Eça de Queirós escreve: "As
raparigas pobres e bem feitas, que em Portugal ninguém defende, ninguém
protege, ninguém educa, eram vistas, ao cair da tarde, chegando a Leiria com os
sacos de roupa, a cabeça descoberta, o cabelo solto ao vento, a boca fresca, as
mãos brancas, apertadas no avental, a saia esticada, os seios altos."
Nessa passagem, podemos perceber a falta de proteção e cuidado com as mulheres
pobres da época, que eram vistas apenas como objetos sexuais e não tinham
acesso à educação e à formação moral. A citação revela como a sociedade
portuguesa do século XIX via e tratava as mulheres de diferentes classes
sociais.). Desta forma, As duas obras representam por meio da literatura denúncias socias em diferentes épocas e
contextos, que apesar dos séculos que foram retratadas no contexto literário ,
sempre se fara presente por meio dos estigmas sociais vítima de um sistema machista .assim desde os primórdios , “ser mulher, nascer mulher , fazer-se
mulher” , custa-se um preço muito alta em qualquer sociedade , que prevalece o
sistema patrical machista assolam a classe feminina a literatura representa uma
linguagem sempre atemporal a frente de qualquer tempo , ao revelar assuntos sociais
sempre se caracterizar no presente
revelando por meio das críticas a
reflexão sobre a sociedade.
A análise comparativa entre "O Crime do
Padre Amaro" e "As Bonecas Enforcadas" também pode ser
enriquecida com a contribuição da teoria da literatura comparada. Segundo o
teórico George Steiner, a literatura comparada busca identificar semelhanças e
diferenças entre obras literárias de diferentes épocas, culturas e idiomas, com
o objetivo de compreender as diferentes formas de expressão literária e as
influências entre elas. Nesse sentido, podemos perceber que as obras em questão
apresentam diferenças significativas em relação ao estilo e à linguagem, que
refletem as diferentes épocas e contextos culturais em que foram produzidas.
Enquanto "O Crime do Padre Amaro" é uma obra do século XIX, escrita
em uma linguagem sofisticada que reflete a influência do Realismo e do
Naturalismo, "As Bonecas Enforcadas" é um cordel da cultura popular
nordestina, que utiliza uma linguagem mais simples e direta para se comunicar
com o público. Dessa forma, a literatura comparada nos permite entender melhor
as diferentes formas de expressão literária e suas relações com o contexto
histórico e cultural em que foram produzidas.
5. VISÃO DE MUNDO
Em "O Crime do Padre Amaro", a
visão de mundo apresentada é bastante crítica e realista em relação à sociedade
portuguesa do século XIX, especialmente no que diz respeito à corrupção moral
da igreja e dos líderes religiosos. Eça de Queirós expõe a hipocrisia daqueles
que, mesmo representando uma instituição religiosa, agem de forma imoral em
busca de poder e benefícios pessoais. A obra também apresenta uma visão crítica
em relação à moralidade da época, questionando a rigidez dos valores e costumes
tradicionais.
“[...] Uma passagem de
"O Crime do Padre Amaro" que reforça a visão crítica e realista da
obra em relação à sociedade da época pode ser encontrada no capítulo XV, onde o
narrador descreve a hipocrisia dos padres da cidade:
"Os padres de Leiria eram uns santos;
entre eles não havia um que não tivesse nomeado um santo ou composto um livro
de devoção. Mas também entre eles não havia um que não tivesse uma fêmea, ou
amante, ou criada, ou freira, ou moça rica; e eram todos grandes jogadores,
bebedores e brigões."
Essa descrição revela a discrepância entre a
imagem pública dos padres como santos e suas práticas imorais na vida privada,
evidenciando a hipocrisia e a corrupção moral presente na igreja da época. Além
disso, a obra questiona a rigidez dos valores tradicionais ao apresentar a
história de amor proibido entre o padre Amaro e a jovem Amélia, que é impedida
de viver sua vida plenamente por causa das convenções sociais e religiosas.)
Já em "As Bonecas Enforcadas", a
visão de mundo é centrada nas dificuldades enfrentadas pelas mulheres no
contexto rural e popular, tais como: moradia, mãe solo, alienação parenteral ,
direito de escolha , independência da mulher . O cordel denuncia a violência
contra a mulher e a opressão patriarcal presentes na sociedade civil, expondo
as condições precárias de vida e trabalho das mulheres no campo, sobretudo as
mulheres de baixa renda e solo. A obra apresenta uma visão crítica e realista
da vida no sertão nordestino, desde ao clima a situações econômicas
evidenciando os poderes do corenelismo “ a elite “ sobre o proletariado , cujo
as leis para o sistema de eliete não são aplicadas destacando a luta das mulheres por uma vida
digna e justa.
Em ambas as obras, a visão de mundo
apresentada é a crítica realista, expondo as contradições e injustiças
presentes na sociedade. No entanto, enquanto "O Crime do Padre Amaro"
focaliza a hipocrisia e corrupção da igreja, "As Bonecas Enforcadas"
denuncia a opressão patriarcal e a violência contra a mulher, sobre os
esteriótipos e dogmas pregados sobre a “ Liga das Cristãs”
“[...]
Cordel as bonecas enforcadas
Moça solteira buchuda?
Abortasse ou morria!
Da cidade era tal Lei
Aí de quem não cumpria!
( a não ser que fosse rica
ali do
ruim comia.)
As
obras apresentam diferentes perspectivas e preocupações voltadas ao desejo
afetivo , das relações entre homem e mulher , impondo as classes sociais e
características profissionais , ambas possuíam algo em comum : Amélia e
Mariazinha , duas mulheres com idades aproximadas , são acometidas por uma
gravidez não planejadas , sofrem abandono de seus parceiros , gestam sozinha
sem auxílio , e ambas as crianças são acometidas pelo suicídio a mandado de
familiares uma pelo pai , outra pela avó , Mariazinha e Amélia não suportam a
perda de seus filhos e acabam morrendo ou melhor se matando , por desgosto ,
tristeza , abandono ? Não , pelo simples fato de não possuírem em seus braços e
aconchego seus filhos, vítimas de seus próprios país que de forma direta ou
indireta possuem em sua alma o sangue e a encomenda das almas de seus próprios
filhos . Simplesmente ,por vergonha de revelar seus erros a sociedade em se
relacionar com uma mulher , ou melhor assumir seus desejos carnais e os frutos
oriundos deles , acabando assim , com a propagação de suas espécies físicas , e
da memória ? carregando em sua consciência
, o choro e o lamento da extinção de seus filhos , adjunto do pesar da
morte das esposas oriundos do ódio e tristeza enaltecido pelo desprezo dos país
sobre os filhos , não suportaram tal dor ! os seus mundos como mães foi
desfeito , o colorido ? Sumiu , remédios ? Não existiam , o que pode substituir
um filho ? A presença o cheiro , o abraço , Nada! Padre Amaro e Riquinho
meliante , carregam e suas almas as correntes dos pecados das mortes de seus
filhos e esposas , pela soberba, se perpetuando pelo vale além do tempo nada a
destrói esses pensamentos , não se apagam , ao contrário perpetuam-se no vasto
vago do infinito e além.
6.
MULTIVIDENCIA
Em "O Crime do Padre Amaro", a
visão de mundo apresentada é bastante crítica e realista em relação à sociedade
portuguesa do século XIX, especialmente no que diz respeito à corrupção moral
da igreja e dos líderes religiosos. Eça de Queirós expõe a hipocrisia daqueles
que, mesmo representando uma instituição religiosa, agem de forma imoral em
busca de poder e benefícios pessoais. A obra também apresenta uma visão crítica
em relação à moralidade da época, questionando a rigidez dos valores e costumes
tradicionais.
Já em "As Bonecas Enforcadas", a
visão de mundo é centrada nas dificuldades enfrentadas pelas mulheres no
contexto rural e popular. O cordel do autor Moisés Monteiro
de Melo Neto, denuncia a violência contra a mulher e a opressão
patriarcal presentes na sociedade, expondo as condições precárias de vida e
trabalho das mulheres no campo. A obra apresenta uma visão crítica e realista
da vida no sertão nordestino, destacando a luta das mulheres por uma vida digna
e justa.
7. CONCLUSÃO
"O Crime do Padre Amaro" e "As
Bonecas Enforcadas" são duas obras literárias importantes em suas
respectivas tradições, que apresentam diferentes perspectivas e visões de
mundo. Enquanto a obra de Eça de Queirós critica a corrupção e hipocrisia da
Igreja Católica e a moralidade conservadora da sociedade portuguesa do século
XIX, O cordel do autor Moisés Monteiro de Melo Neto denuncia a opressão
patriarcal e a violência contra a mulher no sertão nordestino.
No entanto, apesar de apresentarem temáticas
diferentes, ambas as obras convergem em um ponto importante: a denúncia das
injustiças e opressões presentes nas sociedades em que estão inseridas. Ambas
destacam a importância da resistência e da luta por uma vida mais justa e
digna.
Em suma, "O Crime do Padre Amaro" e
"As Bonecas Enforcadas" são obras que possuem uma forte carga
crítica, que questionam as normas e valores estabelecidos pela sociedade em
diferentes épocas e lugares. Ao expor as contradições e injustiças presentes em
suas sociedades, essas obras instigam o leitor a refletir sobre as condições em
que vive e sobre o papel que pode desempenhar na construção de uma sociedade
mais justa e igualitária
REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA
QUEIRÓS, Eça de. O Crime do Padre Amaro. São Paulo: Editora Martin
Claret, 2012.
MELO NETO, Moisés Monteiro de Cordel das Bonecas Enforcadas. Recife:
Pantera Cordelaria, 2022.
SOBRE
O CORDELISTA MOISÉS
O recifense Moisés
Monteiro de Melo Neto é doutor em Letras, professor na Universidade Estadual de
Alagoas, UNEAL e na Universidade Estadual de Pernambuco, UPE. Tem cerca de 10
livros publicados, alguns premiados e distribuídos nas redes públicas. Atua nas
áreas de Dramaturgia, Literatura Comparada, Estudos Culturais,
Produção Textual, Literaturas de Língua Portuguesa, Representações dos Gêneros,
Bioficção, História e Cinema. É autor de várias peças teatrais. Colaborou com o
Suplemento Cultural da CEPE, com a Revista do Gabinete Português de Leitura e
Jornal do Commercio, Recife, com O Século
(de Garanhuns) e Le Monde Diplomatique, dentre
outros. Faz parte do Programa de Mestrado Profissional em Letras (ProfLetras),
do Programa de Pós-Graduação da UNEAL. Membro dos núcleos de pesquisa e
extensão: NEAB (Núcleo de Estudos sobre África e Brasil) Núcleo de estudos
políticos, estratégicos e filosóficos: NEPEF, e Estudos Literários, Artes e
Ensino: NELIEN e LEPRADIS. Coordena o Grupo de Pesquisa GPLITPOP (Grupo de
Pesquisa em Literatura Popular), da Universidade Estadual de Alagoas. Moisés
escreveu dezenas de peças teatrais que foram premiadas e montadas com sucesso,
como: Delmiro Gouveia, Anjos de Fogo e Gelo (2008), Para um amor no Recife
(1999), Bruno e o Circo (2010), dentre tantas outras. Em 2017 assinou o
dramaturgismo de “Um Minuto para Dizer que te Amo”, peça com sucesso absoluto
de público e crítica. Em 2022, estreou sua peça “Caetés, com o grupo HUMANCENA,
de Alagoas. É autor do roteiro de dança Paralelo 8, uma
viagem lírica que usa a dança como forma de expressão e a literatura como base,
que também dirigiu e seleção musical. A estética buscada na encenação foi a
afrociberdelia, conceito forjado por Chico Science que mescla as influências da
cultura africana, cibernética e psicodélica, o que está na concepção geral do
espetáculo e deve perpassar todas as camadas que envolvem esta criação. O
espetáculo ganhou o Prêmio Klaus Vianna, maior prêmio de dança no Brasil,
oferecido pela FUNARTE, em 2007.Ele também tem publicado
vários cordéis. No dia 27 de outubro de 2022, o Grupo TUPI (com o apoio do
GTLitpop) apresentou, unido ao Conselho Estudantil da UNEAL, a estreia do
espetáculo Morte e Vida Severina, dirigido por Moisés, João Victor Fernandes e
Robson Silva. No final de 2022, seguiram as apresentações da peça CAETÉS e UM
MINUTO PARA DIZER QUE TE AMO com dramaturgismo Moisés.
NOTÍCIAS DE MANÉ GOSTOSO NETO
Leonardo de Farias Leal
Mané
Gostoso Neto (que dentre tantas atividades compôs a maior parte das capas dos
cordéis de Moisés Monteiro de Melo Neto) é filho de Floresta-PE, passou sua
infância e adolescência em meio ao casario da pequena cidade, perambulando
entre o colégio e a praça, o bar da sua avó e a igreja e passando muitas horas
na biblioteca municipal, um de seus locais preferidos. Influenciado pelo seu
pai (que tinha habilidade em pintura) foi às margens do Rio Pajeú que
germinaram suas primeiras experiências artísticas ligadas ao cordel e ao
desenho. A cultura popular sempre foi um ponto de grande interesse de Mané
Gostoso Neto, que via no cotidiano daquelas pessoas cenas que influenciam sua
arte até hoje. Como falou Aderaldo Luciano sobre o artista: “traz na alma e na
arte os traços de sua terra”. Mais tarde, adotou a cidade de Juazeiro-BA como
nova morada, local que viu desabrochar nele outras formas de expressão
cultural, como teatro, xilogravura, escultura, entre outros. Estudou em São
Raimundo Nonato-PI, onde se formou em Arqueologia e Preservação Patrimonial
pela UNIVASF. Seguindo sua Morena, com quem se casou, foi morar na cidade de
João Pessoa-PB. Mané Gostoso Neto é um “alter ego” do artista Leonardo de
Farias Leal, que utiliza esse nome não em homenagem ao seu avô (Mané Gostoso) e
sim como protesto à forma jocosa e depreciativa que lhe era atribuído o
apelido. Na cultura popular o Mané Gostoso é um brinquedo de madeira feito com
duas tábuas e uma figura humana que, ao ser apertada, faz um movimento, como se
fosse um trapezista.
Fortemente
inspirado pelo sertão, a rebeldia e seu povo, é influenciado pelas obras dos
mestres Marcelo Soares (por quem tem profundo respeito e amizade), Gilvan
Samico, Ciro Fernandes, J. Borges, Dila e José Costa Leite. Sua introdução ao
mundo da xilogravura começou a partir do consumo dos livros de literatura de
cordel ainda na adolescência, mas, seus primeiros entalhes só vieram a ocorrer
no ano de 2018 (aos 32 anos). Depois de diversas exposições coletivas e
individuais em Petrolina - PE, Juazeiro - BA, São Raimundo Nonato - PI, Recife
- PE, Floresta - PE, Viena (Áustria), Bienne (Suiça), Leme – SP, Evilard
(Suíça). De Novembro a Dezembro de 2022 o trabalho de Mané Gostoso Neto esteve
em exibição individual pela primeira vez na cidade de João Pessoa – PB
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