ANTOLOGIA
DO CORDEL DE MOISÉS MONTEIRO DE MELO NETO
José Nogueira da Silva
Maria Betânia da Rocha de Oliveira
Moisés Monteiro de Melo Neto
Organizadores
Dados
Internacionais de Catalogação na Publicação(CIP)
A634 Antologia do Cordel de Moisés Monteiro
de Melo Neto / José Nogueira da Silva, Maria Betânia
da Rocha de Oliveira, (organizadores).
– 1.ed. – Recife, PE: Coqueiro,
2023. 203 p. ; 15X21cm. Capa : Leonardo Leal. ISBN :
978-65-86479-24-9 1. Cordel – Antologia.
2. Antologia – Cordel – Moisés Monteiro de
Melo Neto. I. Silva, José Nogueira da. II.
Oliveira, Maria Betânia da Ro cha de.
CDU 398.51(082.21)
CDU 159.947.4
CDD158.1
CDU
159.947.4
Monografia(especialização) –
Universidade Candido Mendes, MBAem Gestão de Ouvidoria, 2012. 1.
Gestão Pedagógica. I. Universidade
Cândido Mendes. Gestão de Ouvidoria. III. Titulo CDU37.07
Bibliotecária : Viviane Bento Catão Rodrigues – CRB7 5515
ÍNDICE
APRESENTAÇÃO...............
PREFÁCIO.........................
UM
ESTUDO SOBRE O CORDEL.....
OS
CORDÉIS DE MOISÉS MONTEIRO DE MELO NETO:
1
ENTERRADO VIVO: O HOMEM QUE VIROU CORDEL...
2
VAMPIRO NO CORDEL DE PERNAMBUCO.......
3 O CORDEL DA ESTRELA JANIS
JOPLIN.........
4 CORDEL DO DOM QUIXOTE PARA JOVENS......
5
CORDEL DA ILÍADA: POEMA DE HOMERO SOBRE A GUERRA DE TROIA....
6
CORDEL DAS BONECAS ENFORCADAS.....
7
CORDEL DA HISTÓRIA DO TEATRO......
8 CORDEL
DA HISTÓRIA DA LÍNGUA PORTUGUESA...........
9 CORDEL: TRADIÇÃO, RUPTURA E PROPOSTA DE
ENSINO........
10 CORDEL DA LITERATURA
BRASILEIRA DE AUTORIA INDÍGENA....
11
CORDEL DA VISÃO INDÍGENA SOBRE A LITERATURA PORTUGUESA...
12.
CORDEL DO LOBISOMEM NA CORTE DE MAURÍCIO DE NASSAU
13.
CORDEL DA COMPADECIDA 2
14.
SHERLOCK E O CÃO DOS BASKERVILLES
POSFÁCIO EM FORMA DE
ARTIGO.....................
SOBRE MOISÉS
MONTEIRO DE MELO NETO.............
NOTÍCIAS
DE MANÉ GOSTOSO NETO......
APRESENTAÇÃO
Contar
histórias é um ato mágico e magnânimo. Transporta-nos no tempo e espaço.
Momento no qual passado, presente e futuro podem se encontrar. É assim, quando contamos histórias reais ou
fictícias. Ambas compõem a existência humana. Antes de aprender a escrever,
falamos. Ouvimos histórias dos mais
velhos nas rodas que, mesmo hoje, no mundo marcado pela tecnologia, ainda
persistem e encantam aos contadores de histórias e a seus ouvintes – quiçá,
futuros perpetuadores dessa arte.
Dentre tantas, uma contação de história que herdamos dos portugueses, nossos colonizadores,
é a literatura de cordel. Esta popularizou-se no nordeste brasileiro e difundiu-se pelo país com a
saída dos nordestinos para as nossas diversas regiões. Desde
meados do século XVIII até o presente, seja através dos repentistas
[violeiros/poetas que usam da cantoria (repente), para improvisar seus poemas
através da literatura oral e da literatura de cordel]; seja pelos folhetos onde
os poemas rimados são registrados e pendurados em cordas, vemos a resistência e sobrevivência de uma
literatura que aborda os mais
diversos assuntos, dos mais
simples aos mais complexos,
do transcendental ao imanente,
do saber comum ao científico, exercendo uma difusão de conhecimento entre as pessoas mais simples,
arrefecendo a desigualdade social existente, que priva tantos brasileiros de se
apropriarem do conhecimento sobre o mundo que eles também ajudam a construir.
O
trabalho de Melo Neto nos permite essa viagem por campos diversos. São
histórias fictícias e reais, realimentando um traço humano que tem sido
esmaecido pelas relações virtuais que hoje predominam. A aparência é que as
máquinas criam e nós admiramos suas criações, quando o contrário é o que é
real. Nada contra aos avanços tecnológicos, mas não devemos perder de vista
quem é o criador e quem é a criatura.
Nessa
Antologia ele revela a importância deste na sua vida (Enterrado vivo: o homem que virou cordel); proporciona viagens
através das histórias do teatro, da língua portuguesa e até do próprio Cordel,
mostrando que este “veio de
além-mar”, que “era mais para ser
ouvido”, depois passou a ser escrito e também habitado por “... diabo,
serafim, cangaço... tudo enfim”. Ele também não esquece de citar seus grandes
representantes, cuidando para que o tempo não apague de nossa memória os produtores
e defensores da Literatura de Cordel. Menciona a crise enfrentada por esta nos
anos 60, mas também do aumento das pesquisas sobre essa arte nas universidades,
nos anos 70. Revela sua preocupação com a difusão e valorização das raízes
populares presente no Cordel, sugerindo que as escolas não sejam espaço apenas
do conhecimento formal, veículo apenas da norma culta. Que essa literatura deve
ser instrumento para que os alunos se apropriem de uma outra forma de ler e
dizer o mundo.
Os
cordéis que aqui estão revelam mais ainda. Ensinam-nos que precisamos abrir
espaço para o dizer indígena, cuja cultura foi violentamente apagada, assim
como o foi a do negro. Ouvir e aprender com os povos originários. Dar voz ao
outro para conhecê-lo e enriquecermo-nos.
A
visão perversa e mesquinha de uma literatura “menor” é dissolvida o tempo todo.
O autor mostra a grandiosidade da arte cordelista, que é algo que continua
pulsando, acompanhando o evolver dos tempos, sem perder seu traço importante de
tornar o conhecimento acessível a todos que dele se acercar. Aproxima-nos de
Janis Joplin, Dom Quixote, Homero de maneira simples, provando que o Cordel não
habita apenas o sertão nordestino, revelando suas dores, crenças e alegrias.
Contata-nos com o mundo fantástico e doído presente no Cordel das Bonecas Enforcadas. Leva-nos a refletir sobre a falsa
moral que ainda habita a sociedade brasileira que marginaliza a mulher.
O
presente trabalho reacende a consciência de que não somos máquinas ou coisas,
pulsamos, somos constituídos de sentimentos que, desde sempre, o Cordel tratou
de traduzir, seja na oralidade, seja nos folhetos. O autor nos ensina que,
assim como a Ciência, a Literatura de Cordel tem um papel fundamental na nossa
existência: saber do humano, revelar
seus sentimentos, falar sobre seu mundo e ensinar que o que construímos não é
menor nem deve ser propriedade privada de alguns poucos. Que o conhecimento é
de todos. Que o Cordel é tão grandioso quanto o é o humano.
Maria
Betânia da Rocha de Oliveira (UNEAL)
PREFÁCIO
As leitoras e leitores têm a sua frente uma
máquina do tempo com um piloto que os permite detalhar a viagem a ser
realizada. Nós, viajantes das letras, guiados pelo piloto, o Prof. Dr. Moisés
Monteiro de Melo Neto, iremos sobrevoar os artefatos da sua Literatura de
Cordel e ficaremos surpresos ao encontrar uma realidade distinta da
estereotipada por outrem.
É importante não confundirmos o sujeito que
nos guia nesta viagem com a pessoa física do Prof. Dr. Moisés, seria o que
Mikhail Bakhtin diferenciou como autor-pessoa e autor-personagem, há
coincidências, mas são seres distintos. O autor-pessoa, o Prof. Dr. Moisés, é
docente na Universidade de Pernambuco, Campus
Garanhuns, e também na Universidade Estadual de Alagoas, em Palmeiras dos
Índios, ator, escritor de peças teatrais, cordelista, e pesquisador eclético
nas linhas de pesquisa caminhadas, além de uma forte ligação afetiva e cultura
com seus ascendentes, algo em comum com o autor-personagem, a exemplo de sua
bisavó do sertão da Paraíba, que contava histórias de cordéis, além do marido
dela, que conheceu Silvino Pirauá em uma visita ao Recife, ou seu avô da cidade
de Sanharó, interior de Pernambuco, o qual foi poeta e conheceu poetas da
região, enfim, há uma série de referências que não cabem nas referências
bibliográficas.
O autor-personagem, coincidentemente também
conhecido como o Prof. Dr. Moisés Monteiro de Melo Neto, nos oferece sua
Literatura de Cordel que foge dos padrões estereotipados pela folclorização da
nossa literatura. Ele expõe o vigo do Cordel desde o seu início, com obras
presentes nas feiras até os dias atuais: Leandro Gomes de Barros, João Martins
de Athayde, Franciscco Chagas Batista, entre outros que ecoam aqui e acolá, na
obra mosaica que aqui vocês poderão apreciar.
Como nosso autor não coloca as qualidades nem os defeitos dos amigos
debaixo do tapete, expõe suas sátiras, críticas sociais, combate a homofobia,
machismo, racismo etc.
Moisés renova o fazer cordelístico, ou pelo
menos aquilo que o Cordel vem produzindo conjuntamente para um público
consumidor com o qual os cordelistas dialogaram e dialogam através dos valores
priorizados nas obras.
Por essa rota, a importância do Cordel é justificada
com maestria, sua sistematização por Leandro Gomes de Barros fez com que nosso
autor-personagem entendesse os amigos e ao mesmo tempo concorrentes da época
supracitados, como discípulos de Leandro, por que não? Pois, muitos outros
vieram, desde o início com capas cegas, à chegada da xilogravura e ilustrações
desenhadas, os cordelistas utilizaram a tecnologia mais acessível para
conquistar o público cada vez mais, crescimento barrado apenas pela
predominância dos meios de comunicação em massa na década de 60 em diante,
ressurgindo com grande força poucas décadas depois, após Fausto Neto ser ou não
um divisor de água em seus estudos, questionamento entregue em nossas mãos.
Dúvidas acerca do surgimento do Cordel,
Europeu ou Brasileiro? Qual a métrica utilizada? Como ele sobreviveu ao mundo
digital? Ao contrário, como cresceu ainda mais na era digital? São
questionamentos discutidos e refletidos a ponto da leitura ser indispensável em
um momento no qual a crítica literária vem sendo ampliada, com inclusões
impensadas pela crítica clássica, aliás, o que é popular hoje pode ser clássico
amanhã, é como uma cerca dividindo dois terrenos, a cerca não surgiu
espontaneamente, alguém a colocou e em algum momento um arame caído faz com que
o que está de um lado passe para o outro, algo bem mais possível quando essas
peças são polidas pelas mesmas referências teóricas que a literatura clássica
em vez de estudos folclóricos importantes por conta da produção catalogada, mas
carente de metodologias adequadas em suas pesquisas.
Ao falar dos Cordelistas atuais, traz um
Cordel Vivo, com Moreira de Acopiara, José Honório, Américo Gomes, entre
outros. Essa manifestação literária não é avessa à modernidade, ao contrário, a
era digital expandiu seu alcance e suas possibilidades, não é por acaso que o
Cordel é cada vez mais familiar em nossas escolas e bibliotecas, enfim, o
autor-personagem não nos deixará no fim desta viagem, continuará nos guiando
através das reflexões propostas, boa leitura.
A palavra “antologia” vem do grego anthologias, significa coleção de
flores, termo que em latim significa “florilegium”, daí vem o sinônimo de
antologia “florilégio”. Por meio desse raciocínio, compreendo o vocábulo
“antologia” como uma metáfora de um jardim literário plantado por Moisés
Monteiro de Melo Neto, professor da Universidade de Pernambuco e da
Universidade Estadual de Alagoas, doutor em Teoria da Literatura, ator antes
disso, seu perfil foge do fenótipo historicamente construído do cordelista, indivíduo
pouco letrado, vendendo os cordéis em feiras, cantando e sobrevivendo de suas
vendas produzidas com uma arte absorvida de maneira autodidata.
Porém, se observamos seu perfil com atenção,
vemos que não foge tanto do arquétipo de quem o cordelista tem sido
historicamente. Primeiro, apesar das limitações fruto do pouco acesso que as
camadas populares tiveram a uma educação básica, poucos cordelistas têm o vasto
currículo do Dr. Moisés. Contudo, sempre tiveram cuidado com a escrita, a
métrica, rimas e as temáticas em coerência com as demandas dos consumidores. Nosso
autor apenas aprofundou cirurgicamente o que poucos fizeram, não é uma
descaracterização, é mérito. Segundo, na mesma cidade em que o cordel foi
sistematizado, ambos são recifenses e realizam diálogos entre os gêneros
lírico, épico e narrativa. O autor além de cantar o cordel nas feiras, escreve
sobre a própria história do teatro, consequência de sua atuação artística e
docente.
A Literatura de Cordel tem passado por
transformações, mas sem perder características básicas que o faz ser
reconhecido em uma tradição centenária. Ao falar de Dom Quixote, Janis Joplin,
da Ilíada, da História da língua portuguesa, faz um convite para percorrer a
literatura fantástica ao citar Vampiros em Pernambuco, ou narrar sobre a lenda
das Bonecas Enforcadas e o Homem Enterrado Vivo, temos a sublimação artística
de seus diálogos intelectuais e literários. Compreendemos como a literatura
pode ser universidade ao mesmo tempo em que reafirma a sua identidade, por isso,
temos aqui uma antologia fora da curva, vai além de um cordel, é uma proposta
de produção poética, flores com novas fragrâncias plantadas em um jardim com
perfumes já existentes, fazendo jus ao nome “antologia”.
Falei
um pouco do livro
É
mais ou menos assim
História,
autores e obras
Tudo
tim-tim por tim-tim
Se
quiser saber de tudo
Leia
do começo ao fim
Prof. Dr. José Nogueira da Silva
(UPE/ UFAL)
UM
ESTUDO SOBRE O CORDEL
Prof. Dr. Moisés
Monteiro de Melo Neto[1]
Encontramos, no início de qualquer
literatura, quer seja a grega, indiana etc., mais versos, poemas. Isso porque sociedades iletradas guardam
versos com mais facilidade (por causa do ritmo e outros recursos da poesias
facilitam a memorização). As elites aceitam o novo o mais rápido do que o povo,
que o faz aos poucos. A cultura popular fez oposição à cultura erudita. Não
chamamos as culturas indígenas de populares (elas existem por si, não por
divisão de classes ou de qualquer outro tipo de cultura).
Na expressões de cultura popular a poesia
ocupa lugar de destaques, pela dinamicidade e força de expressão, mas também há
anedotas, casos, lendas (em prosa) e outros tipos de narrativas. No Brasil, a
poesia popular narrativa supera a prosa (é o cordel). O cordel é a parte impressa
desta poesia (mais ou menos um por cento, 1%, da poesia popular). Poesia popular é muito ampla (muitas vezes
cantadas violeiros, narradores, cantadores e por aí vai).
Até
o fim do século XIX, a poesia popular estava em todo o Brasil. A maior parte da
população era rural, as distâncias eram grandes e não havia muito entrosamento
com a área urbana. As diferenças regionais e de tipos de poesia eram grandes (a
da imigração europeia no Sul/Sudeste do Brasil e a expansão nordestina para a
Amazônia na época do ciclo de borracha). Também no interior de São Paulo até as
regiões de Goiás (cultura caipira), na trilha dos bandeirantes. Exemplo disso é
o Cururu, dança cantada do caipira paulista que
tem como base um desafio sobre os mais vários temas, em versos obrigados a uma
rima constante (carreira), que muda após cada rodada. O Calango, este
apenas oral é de cunho cultural, poético-musical, performativo, social,
coreográfico, enfim: festivo, foi difundida em alguns lugares do Sudeste do
Brasil, nele dois (ou mais cantadores), acompanhados por instrumentos (sanfona
de oito baixos, acordeom, e pandeiro, alternam-se no canto de versos rimados,
preexistentes ou improvisados, assumindo, geralmente, a forma de um desafio).
Já a poesia afro-brasileira e lembremos aqui que
há vários exemplos nas canções do folclore brasileiro desde a colonização e que
no nosso Brasil o multiculturalismo se dá, basicamente, entre português,
africano e ameríndio, mais por justaposição do que, como constatamos, por
fusão. Na literatura popular, a sociologia (e a antropologia) auxiliam a tratar
da lógica coletiva desta criação literária (artística) nas sociedades
tradicionais.
A
cultura nordestina virou símbolo de cultura popular brasileira. No cordel
usa-se muito, ainda, a sextilha com versos de sete sílabas (redondilha maior).
Assim o “panfleto” (cordel) tornou-se a maior impressão poética da história do
Brasil.
Cultura
popular. No ocidente no século XII, independente do sistema eclesiástico, em
linguagem regional e não em latina, língua oficial de toda a Europa cristã. As
pessoas do povo iam contando suas histórias, compondo versos, de forma
primitiva, como em Provença, Sul da França), Santiago (Galícia/ Espanha), no
Norte de Portugal, Norte da Itália para daí chegar a Roma e reafirmar-se como
literatura popular. Tal literatura
expressava-se de modo diferente da cultura imposta pela Igreja Católica (em
latim) e da linguagem popular veem as línguas nacionais. Esses núcleos vão
escoar suas culturas regionais pela Europa através dos menestréis, trovadores,
jograis, três categorias de poetas andarilhos.
Depois
da Revolução Francesa (triunfo de burguesia) e de Revolução Industrial, a
classe média emergente impôs outras expressões que atingiram mais gente (não só
os nobres). Inventa-se a orquestra (em oposição à música do cânone), também as
óperas fizeram sucesso.
A
literatura popular pega a virada do século XVIII para o XIX, aproximando-se da
erudita (isso também se deu na pintura, teatro, escultura). A imprensa
facilitou muito esse processo (nos E.U.A., por exemplo). No Brasil só na virada
do XIX para o século XX, foi que tivemos o apogeu da literatura popular.
Não
só de contos e lendas se faz literatura popular, há os ditados, o teatro
popular, que teve origem nos autos (críticos e irreverentes) e a plateia
interferia com refrões e exclamações, geralmente em feiras e outras
aglomerações humanas, como num teatro de arena levado às últimas
consequências). O mamulengo herdou muito disso, o bumba-meu-boi também. São
histórias que passaram por várias gerações trazendo os mitos, os preconceitos,
críticas, até nos E.U.A. havia histórias do Tio Remus, um preto velho.
Na Alemanha os Irmãos Grimm recolheram histórias da literatura popular. Mas é
bom refletir: “oficializar” a literatura popular é acabar com boa parte do seu
poder? É “engessá-la”, imobilizando-a? Sócrates achava que a filosofia não
deveria ser escrita, por exemplo, talvez seja o mesmo caso de se querer “fixar”
a cultura popular num conceito fechado.
II
As
cantigas de roda são formas fixas (poesias fixas). Já o chamado repente, só para citar um caso, é
improvisado por cantadores que só, ou em dupla, são rápidos na formação dos
versos e na certeza do que exprimem (boa parte dessas produções raramente são registradas).
Há também algo parecido com essas pelejas em outros lugares do mundo: na
África, por exemplo, tem os Griots.
Chama-se griot (pronúncia:
"griô") ou ainda jeli (ou djéli) um personagem importante na
estrutura social da maioria dos países da África Ocidental, cuja função
primordial é a de informar, educar e entreter. É uma figura semelhante ao
repentista no Brasil, com a diferença de que constituem uma casta (costumam
casar-se somente com outros griots ou griottes, seu equivalente feminino), assumindo
uma posição social de destaque em seu meio, pois este é considerado mais que um
simples artista. O griot é antes de tudo o guardião da tradição oral de seu
povo, um especialista em genealogia e na história de seu povo. Acredita-se que
o termo griot tenha surgido da
palavra "criado", em português, idioma que desde o século XV
influenciou boa parte da região onde encontram-se tais cantadores. O griotismo,
ou seja, a atividade de griot está
presente entre os povos mande, fula, hausa,
songhai, wolof entre outros (tais povos estão espalhados entre vários
países da África, desde a Mauritânia mais ao norte até a Guiné-Bissau ou o
Níger mais ao sul). Por isso mesmo, o griot
tem como profissão coletar e memorizar versos de antigas canções e épicos orais
que são transmitidos geração após geração, século após século, e deve fazê-lo
sem cometer nenhum erro ao cantá-los. Deve ainda estar atento aos
acontecimentos, funcionando como um jornalista. Depois de um bom
jantar, com a lua brilhando, as pessoas de uma aldeia na África antiga podem
ouvir o som de um tambor, chocalho, e uma voz que gritava: "Vamos ouvir,
vamos ouvir!" Esses foram os sons do griot,
o contador de histórias. Quando eles ouviram o chamado, as
crianças sabiam que estavam indo para ouvir uma história maravilhosa, com
música e dança e música! Algumas histórias eram sobre a história da tribo.
Alguns eram grandes guerras e batalhas. Algumas eram sobre a vida cotidiana. Não
havia linguagem escrita na África antiga. Os narradores acompanhavam a
história do povo. Havia geralmente apenas um contador de histórias por aldeia.
Se uma vila tentava roubar um contador de histórias de outra aldeia, era motivo
de guerra! Os contadores de histórias foram importantes. Os griots não eram as únicas pessoas que
podiam contar uma história, mas os griots
eram os "oficiais" contadores de histórias. O griot aldeia não tem que trabalhar nos campos. Sua tarefa era
contar histórias.
Registramos também uma produção
literária escrita pelos povos africanos, em línguas locais mesclada com
português, querendo tornar essa escrita um tanto inacessível aos europeus,
dificultando ao branco decodificar algumas “mensagens”. Isto prossegue nas
obras de Antônio Jacinto, Agostinho
Neto, Craveirinha, e outros. Eram
palavras e frases idiomáticas em línguas como o quimbundo. Diferente da
brasileira, a literatura africana de língua portuguesa tem menos de um século
de existência, se reconhecemos os direitos dos seus povos.
Também nos países de língua árabe os
contadores oficiais de histórias. Há a
poesia repentista, mas a prosa predomina. O nosso malasartes aparece tanto no
mundo árabe como no ibérico (culturas que muito nos influenciaram). Desde 1450,
quando foi inventada a impressão que as histórias populares (poemas) foram
publicadas. Surgem assim os folhetos e almanaques populares (1483-França). Já
na Idade Média os travadores e menestréis viajavam contando fatos e notícias
populares (vida de santos etc.). Na Inglaterra foram publicadas as Baladas (ballads), feitas para cantar e
publicadas num lado só de uma folha de papel. A influência das metrópoles foi
total nas colônias.
Havia
no Brasil tendências de cunho regional. No México há o equivalente aos mesmos
cordéis: os corridos (desde a
Revolução Mexicana – em filhos colantes).
Colômbia e Venezuela, Equador, Peru, Bolívia, Chile, Paraguai, Uruguai,
Argentina (as Payadas, o repentismo
parecido com o do Rio Grande do Sul – nos 3 últimos países, houve, no momento
colonial, menos poesia popular impressa, mas intensa produção oral). Na
Argentina o herói popular Martin Fierro, na metade do século XIX: representa, também, aquele popular que luta
muito, recebe pouco e tarde. José Hernandez escreveu longo poema sobre este
herói épico (Fierro nunca existiu de fato mas é um símbolo do povo argentino).
No
Brasil é a prosa popular era raramente impressa. Para divulgar sua poesia, o
povo conseguiu fazer uso da imprensa no final do século XIX. A diferença do
Cordel em relação às outras expressões da literatura popular é que o próprio
homem do povo imprime suas produções do jeito que ele entende (e do modo que
seus recursos permitem). Os livros de 8 chamavam-se assim; “folhetos”, os de
16: romance e os de 32 em diante eram as “histórias”. Mas há outras
peculiaridades para nomear folhetos, romances e histórias.
Também
já se estudou a literatura popular dividindo por assunto. Talvez isso não seja
muito adequado, em muitos casos (imaginem se fizéssemos o mesmo com a
literatura erudita). Há nos cordéis, como tema muito explorado, por exemplo, o
catolicismo popular (dentre tantos assuntos que interessam ao povo, isto é:
assuntos comentados sob o ponto de vista popular). Na forma há ainda o chamado Abecê, onde cada estrofe começa com a
sequência do alfabeto, o Desafio (ou
“peleja”, como citamos, que pode chegar à forma escrita), a Cantoria, dentre
outros expressões.
Como
capa de cordel, a xilogravura começou com o mestre Noza (Juazeiro do Norte-CE),
ficaram, famosas só no início dos anos 1960 (houve até exposição em Paris,
1965).
É
uma longa história até os dias de hoje. Há milhares de poetas de literatura de
Cordel, mas Leandro Gomes de Barros
(1865-1916), paraibano que viveu no Recife, foi o mais famoso de todos, 200 dos
seus poemas foram catalogados. A seguir João Martins Athayde (PB, 1880-PE, 1959), comprou os direitos de Leandro à viúva
desse. Mas também foi grande poeta (é
autor de “História de Roberto de Diabo”. Cuíca de Santo Amaro (BA, 1910-1965),
andava vestido de fraque, falava mal dos corruptos, chapéu oco, cravo vermelho à
lapela (serviu de personagem de amigo Jorge Amado em “Tereza Batista cansada de
Guerra”). Um dos seus cordéis é “o
casamento de orlando Dias com Cauby Peixoto”, para
vermos como a homofobia reinava nessa área.
Outro
bem conhecido é Rodolfo Coelho
Cavalcante, um alagoano que nasceu em 1919.
Escreveu mais de mil poemas e o mais famoso é “a moça que bateu na mãe e virou cachorra” (com a venda deste
ele comprou a casa onde viveu). Atuou mais em Salvador, sua obra foi estudada,
há muitas décadas, pela Academia Francesa.
Citemos
agora Raimundo Santa Helena (nasceu
entre Paraíba e Ceará). Seu pai foi assassinado
por Lampião. Ele alistou-se na Marinha e lutou na Segunda Guerra. Fez uma
espécie de jornalismo cordelístico (quando Doca Street foi condenado, no mesmo
dia ele fez um folheto que saiu antes dos jornais). Destaque também para
Franklin Machado, nasceu na Bahia, mas morou em São Paulo. Era advogado e jornalista, abandonou tudo
para só escrever cordel.
O
SERTÃO DO PAJEÚ E A LITERATURA POPULAR
O
Sertão do Pajeú em Pernambuco é um lugar associado ao exercício da poesia
popular, isso é certo. São muitos os poetas e poetisas, ali. Naquela região se
aprende desde muito cedo a arrancar poesia das coisas, como um fruto maduro e
bom de uma árvore generosa, mas não só isso, da aspereza também se extrai esse
versejar. Não sabemos bem desde quando, mas é fato. Homens e mulheres se expõem
num fazer poético encantatório, de existência e entrega lúdica. São cantadores,
glosadores, cordelistas. São muitas cidades, mas há elos entre elas no que se
trata dessa produção: são poemas que formam a espinha dorsal dessa literatura.
Isso se dá com registros há mais de um século e prossegue sem tempo para parar,
tanto na modalidade escrita quanto na poesia oral. É como se a linguagem falada
se empoderasse num processo de letramento que se põe a gerar, num fluxo
contínuo, uma poeticidade vinda de um olhar que reconstitui os reflexos daquela
luz, daquele ar, daquele ser e estar poéticos, naturalmente, mas também de uma Escola que se faz presente e mostra uma
técnica que atravessa gerações e se renova.
Homens
e mulheres trazem dos olhos as imagens, de cérebro uma poesia que filtra, na
confluência da palavra uma mundividência que é cristalizada guardando o
essencial da vida, numa técnica que rompe a mecanicização imperante no
mundo do século XXI, que aparece assim
reordenado inclusive numa exposição mais saudável de convivência entre o lírico
e a realidade. Literatura popular, patrimônio cultural, essa faze poética,
inclusive brota nos locais de difícil acesso na região, e também no cento das
cidades maiores, produzindo parte material bibliográfica que, também, a
Academia trata de coletar.
Algumas
vezes tal literatura popular tem sua poesia passada oralmente da geração a
geração. Nos roçados, nas produções de doces, queijos, artesanato e outros
afazeres, nos aboios. Às vezes tais poetas (e poetisas) acompanham o fazer
poético com um instrumento musical, uma cabeça, uma viola, um pandeiro. É tanta
poesia que parece nem caber nos versos.
Nas
comunidades quilombolas, como a de brejo
de Dentro, em Carnaíba. Muito do
folclore entra nessa produção como o ritmo e as letras do coco. Farinha,
cachaça, macaxeira, tudo se junta em motes que vão sendo glosados com vigor e
notável habilidade num processo intersemiótico de variadas expressões nas
dezessete cidades pajeuzeiras fartas de produção poética, sendo que em São José
do Egito parece haver maior concentração de forças, mas também em Afogados da
Ingazeira, Tabira. Em São José do Egito, a Prefeitura oferece a disciplina
Poesia Popular no ensino fundamental, facilitando assim a multiplicidade de
sentidos na produção poética.
Nem
sempre esses poetas, essas poetisas, têm suas produções publicadas, o que não
impede que esses poemas sejam recitadas. Com a popularização dos celulares e o
fortalecimento dos provedores de internet, em produção vem ganhando mais essa
mídia, que mesmo assim não supera os outros meios de divulgação aqui já
mencionado.
A
poesia do Pajeú tem os traços de forte oralidade que se interseciona com a
música a busca com o leitor/ouvinte, isto se dá através da relação vocabular,
ritmo, rimas, métrica, isso quando declamada aposta na ênfase sonora, entonação
cadência. Sem contar na performance dos poetas. Não se pode falar de tais
poetas excluindo a oralidade, trabalhos com a voz que se adeque a esta produção
de literatura popular. Sem contar que aí, o corpo todo fala. É um verdadeiro
tesouro/cornucópia esta prática poética, esses poetas da tradição oral, esta
produção e repetição de textos vivos e revividos, verdadeira memória cultural.
Não
se fala aqui em buscar a mensagem de uma obra, buscar o seu significado e
deixar em segundo plano o significante, mas contextualizar o texto cordelístico
enquanto prática social, reflexo da relações entre autores e sua sociedade, sem
impressionismos ou subjetivismos, na dualidade de signo, como assinala Barthes
no seu livro mitologias, levar em
conta a multiplicidade, a pluralidade de mundo.
“O mito, tal como um animal, capturado e observado, se
transformar em outro objeto” (Barthes, Roland. Teoria: Entrevistas recolhidas. Barcelona: Anagrama,
1971, p. 13, in Fausto Neto, 1979, p. 48) não é um conjunto de enunciados
gramaticais ou agramaticais: “são particularidades dessas conjunções de
diferentes esses atos da significância presente na língua, cuja memória de desperta: a história (FAUSTO NETO, 1979, p. 48).
Os
textos se constituem em realidade histórica, produtos de uma formação social,
produzidos e reproduzindo-a, historicamente determinados, ideologicamente
comprometidos. Todo texto serve a uma causa. Há nos cordéis, também, conflitos
desigualmente resolvidos no plano simbólico (como no social). “A astúcia de
ideologia reside no fato de insinuar que as contradições da sociedade se
resolvesse no âmbito dos textos [...] condenar para explicar, explicar para dissimular,
dissimular para oprimir, oprimir para estabilizar, estabilizar para
institucionalizar o poder [...] é nesta condensação e no consequentemente
deslocamento das contradições reais para o plano do discurso que se operam as
astúcias de ideologia (FAUSTO NETO, 1979, p. 50-51). Analisando tais discursos,
observamos os fenômenos sociais neles representados, a apropriação de símbolos,
materiais significantes, nos cordéis, também, os grupos dão sentido às suas
práticas. Como reconhecer algumas noções dissimuladoras das relações sociais,
nesta literatura? Há neles personalização dos problemas, reprodução de modelos
conservadores, como forma de controle, falta de respeitos a algumas
“diferenças”, no sentido deleusiano. Nem sempre são os ditos poderosos que nos oprimem,
às vezes somos nós mesmos que nos enganamos, talvez, por um mundo “obrigatório”
para todos, onde as relações sociais se harmonizariam ou pelo menos se
justificam, numa cultura afirmativa que naturaliza as relações até numa peleja. Borra-se a miséria a qual o corpo muitas
vezes é submetido.
A descrição nostálgica da sociedade está presente em
muitos cordéis, eliminando a noção dinâmica de futuro. A dignidade de uma visão de sertanejo, por
exemplo, parece, da visão de sertanejo, por exemplo, parece, de sua fibra, da
sua alma, eclipsa uma reforma social muito maior que se faz necessária.
Observações ingênuas de leitura superficiais não ressaltaram em grandes
análises que detectem tais sintomas, que talvez estejam além de pressupostos
hermenêuticos, buscando nas “relações do extratexto (...) as servidões
ideológicas da mensagem [...] apreender o que o texto deixa transparecer sem
mostrar” (fausto neto, 1979, p.
56).
Cavalcante Proença fechou-se em um texto em si para
apontar, classificando os cordéis, numa leitura formalista do texto. Tirados do folclore, das leituras / vivências
dos cordelistas (que às vezes não sabia escrever e ditava para outros
escreverem), os tipos de estrofes, métricas, 5, 7, 10, o martelo e o
hendecassílabo da arte maior. Como vemos ele praticou a investigação de caráter
morfológico, o caráter morfológico do cordel, como Propp fez com os contos
populares europeus, identificando estatísticas, tópicas da realidade, o nível
de semantização de certos tópicos da realidade, numa preocupação
identificadora.
Se pensarmos no tratamento estatístico em cotejo com os
processos de informação institucionalizados, parece que vemos as mensagens, ali
transmitidas, ganhando autonomia em relação ao todo social.
A fixação de elementos (constantes e variáveis), os
episódios agrupados, as unidades morfológicas, vemos que as diferenças vão
sendo rasuradas. Não é o sistema como um todo que estaria podre, é aquele
coronel malvado. As formas culturais da classe subalterna foram lidas de
maneira acadêmica por intelectuais como Ariano Suassuna.
Também Guimarães Rosa usou sua erudição (conhecimento de
várias línguas, estudos de linguística, literatura, cultura popular etc.) para
recriar a cultura dos subalternos: João Cabral o fez num modo mais crítico.
Suassuna dizia-se dos cordéis que ali estava “a liberdade poética de reinventar
e recriar o mundo que faz o encanto e a força dos folhetos nordestinos [...]
Suassuna vincula uma imagem de cordialidade e harmonia [...] as diferenças são
substituídas pela possibilidade de um continuum” (FAUSTO NETO, 1979, p. 63).
Interligação entre as classes e as sociedades, o cordel
incorporou algo da indústria cultural (TV, cinema), até em especial forma de
“denúncia” (que as novas tecnologias poderiam afetar a cultura popular, por
exemplo). Hoje vemos que a internet
favorece o novo cordel e que estes “guardiões” eruditos da cultura popular
estão repaginados, que não devemos reverências a estereótipos e preconceitos.
Será que só as classes subalternas podem resolver suas questões
identitárias?
Raymond Cantel exemplifica o intelectual que achava que o
progresso não favoreceu o cordel. Em relação ao Estado e seu projeto de
dominação nos diferentes níveis da sociedade o que vemos é a utilização do
espaço dominado, visando utilizá-lo como mecanismo tradutor. “Cordel como meio
didático, também foi utilizado pelo governo militar (1964-1985).
Há os que usam a folclorização como abordagem
metodológica para o estado dos cordéis.
O brazilianista Mark Curran dizia que o Estado deve sempre ter uma
atitude de preservar e atuar como guardião dessas manifestações da cultura
popular (Mark Curran. A literatura de cordel. Recife: UFPE, 1973).
Em
conferência, na UFMG, em agosto de 1976, o Prof. Raymond Cantel disse que o
cordel seria: “Uma literatura de evasão e de informação que visa esquecer a
triste história do Nordeste [...] é um tesouro artístico e uma obra literária a
qual o povo não teria acesso de outra maneira. Decodifica as mensagens eruditas
em termo da realidade nordestina e prepara a assimilação da mensagem de elite
para o povo (CANTEL, Raymond. Conferência pronunciada apelo Prof. Raymond
Cantel. Belo Horizonte: UFMG, 1976).
A
cultura popular seria o senso comum, manifestações espontâneas, urdes e a
cultura oficial seria a distinção intelectual elaborada, mas a ideologia
dominante a tudo perpassaria no seu projeto de naturalização e legitimação de
ordem mais geral, dissolvendo as contradições políticas e sociais, ocultando
tensões antagônicas na formação social brasileira, neutralizando a explicitação
do sentido das lutas sociais.
O
cordel como prática de comunicação operava através de mensagens e correspondia
a um fenômeno estruturante de poder, hoje esse papel é mais modesto. Hoje são
clássicas do cordel que enriquecem nossa cultura. Nosso vínculo com ele é
outro, claro. Sim, cultura popular. A pergunta de Fausto como a ideologia
encobre e deforma as relações sociais nesta literatura? Ele usa a definição de
cultura popular de Antônio Gramsci onde o povo não estaria ainda politicamente
organizado, num processo da estratificação que vai do mais grosseiro ao menos
grosseiro. Lembrando que nenhum modo de
produção existe em estado puro (in
Fausto Neto, 1979, p. 82).
Levemos
em consideração a cultura como uma rede de relações onde núcleos diferenciados
se subordinam a outros competindo ou convergindo entre si.
O
cordel não pode ser considerado, apenas, como uma cultura rústica. Dentre outras coisas eles tratam do
mito.
Vale
ressaltar o que Barthes (Roland. Mitologias. São Paulo: Difel, 1974, p. 163)
diz sobre o mito: ele tem a função de
evacuar o real [...] não nega as coisas [...] fala delas, purifica-as,
inocenta-as, fundamenta-as em natureza e em eternidade, dá-lhes uma clareza,
não de explicação, mas de constatação” (in
Fausto Neto, 1979, p. 89).
A
ideologia dominante está no Cordel com características universais, reproduzindo
formas de domínio através de concertos, valores da lógica burguesa; conceitos
como justiça, moral, país, nação etc. O repertório é o das classes subalternas,
mas a questão da divisão social do trabalho e da propriedade é mantida em
grande parte nos versos e nas entrelinhas.
A
busca da hegemonia é a situação dominante, representada como um bloco
monolítico. Quais seriam aí os interesses das classes dominadas? O cordel
exibiu muitas vezes a história da sociedade de maneira deformada, através do
anedótico, do absurdo, da naturalização das forças sociais através das relações
de sentidos. A existência dos pobres transpassados pelas propostas valorativas
dos ricos, abafando emergência do desejo dos humilhados o que não elimina
totalmente o surgimento de ideias que manifestem posições contraditórias em
relação às ideias típicas da classe dominante. Instaura-se o paradoxo: a prática discursiva enfrenta o poder, mas se
utiliza das estratégias da ideologia desse poder. Dar-se-ia aí o triunfo das doxa?
As
condições e existência no meio rural nordestino nunca fáceis para a classe
despossuída, na luta pela sobrevivência isto está explícito na quadra temática
textual de muitos cordéis, principalmente no que diz respeito à camada
ofertante de força de trabalho. Não é o
sistema latifundiário que está em questão, é aquele proprietário e o
enfrentamento se dá individualmente, evidenciando a mitologização do homem despossuído e sua força de trabalho, o que
se dá em cordéis como “O heroísmo de um sertanejo”, “O Boiadeiro Valente” e “As
bravuras de um vaqueiro”.
Até
a ação contestatória e/ou violenta da classe oprimida é num claro de
a-historicidade, em figuras destacadas e não como reinvindicação de uma classe
social. Não são os milhões de nordestinos despossuídos, é aquele “herói” da
classe dominada pelos desmandos das “autoridades” de plantão. Vem o reforço dos estereótipos (coragem,
preguiça etc.), cabendo ao pobre trabalhar, obedecer, aprender, acertar, muitas
vezes.
Até
mesmo Lampião tem suas ações individualizadas, descontextualizadas da luta pela
resistência ao sistema, opressor. Às vezes suas “aventuras” se dão no céu ou no
inferno, isto é, num aspecto fantástico onde a história é vista de modo
subjetivo, numa caracterização mitificada da realidade, há até o predomínio de
uma moral conservadora, num jogo de dissimulações e ambiguidades. Exemplos disto estão nos cordéis “Justiça e
desordem de Lampião”, “Lampião fazendo o diabo chocar um ovo”, “Lampião e a
velha feiticeira”, “O Barulho de Lampião no inferno”, “A chegada de Lampião no
céu”, onde quem obedece sempre triunfa sobre o mal.
Já
em “O heroísmo de João Cangussu no Engenho Gameleira”, vemos com o indivíduo
camponês viabiliza suas formas de justiça, que em vez de matar o “Coronel”
Machado, entrega-o a justiça e o homem fica bom e os moradores ficam alegres a
vida inteira”. Afastando as fissuras que se estabelecem entre as classes
sociais no palco societário, enfeitado pelo plano da substituição, embutido nos
níveis de explicação, o Código real dando lugar ao Código do Imaginário em
harmonização substituindo os antagonismos, embaçando as causas geradoras dos
conflitos, substituindo a ordem
social pela ordem moral em astuto
trabalho de linguagem “feita por uma forma comunicativa dos dominados” (FAUSTO
NETO, 1979, p. 152).
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VÍDEO
Patativa
do Assaré – Ave Poesia”, Cariri Filmes / Iluminura Filmes Direção Rosemberg
Cariny. Documentário, 2007
ENTERRADO
VIVO: O HOMEM QUE VIROU CORDEL
Moisés
Monteiro de melo Neto
Sou o enterrado vivo
Pense você o que pensar
Tudo começou bem cedo
Não precisa adivinhar
Porque vou contar tudinho
Só você acompanhar
Vi peleja em Pernambuco
Do litoral ao Sertão
Foi assim que o cordel
Tomou o meu coração
Eu pensei que era brinquedo
Era mesmo possessão
Balançando numa rede
Comecei a ler livrinhos
Mergulhei como no mar
Pareciam tão fininhos
Pensamentos na fundura
Voltaram à tona, mansinhos
Mas era tarde demais
Eu já estava destinado
A ser o poeta errante
Santo e amaldiçoado
Às torturas e aos gozos
De um cabra bem letrado
Hoje vou contar a história
Neste folheto assim
Pra que você não se esqueça
Um autor igual a mim
Perdi-me cedo nas sendas
Deste cordel sem fim
O vento soprava forte
Vindo ali do litoral
Parecia assombração
Chamando para o umbral
Gostava daquelas versos
Parecia tão natural
Na verdade era vertigem
Da entrada ao quintal
E o menino que eu era
Fugia assim do seu mal
Na estranha solidão.
Esse encontro foi fatal
Eu tinha uma doença
Que não quero nem falar
Melhorei um pouco ali
Mas meu Deus a me olhar
Disse: “estás assinalado”
E não tente escapar
O primeiro romance fiz
Daí eu desembestei
Foram tantos folhetos
Reparando só eu sei
“Oropa”, França, Juazeiro
Pelas letras viajei
Até que chegou o dia
Na Faculdade estudei
Me formei e fui doutor
E a muitos ajudei
Mas vida de poeta
Só hoje do preço eu sei.
Tive mulheres e homens
Que seguiram o meu cantar
Como flautista de Hamelin
Limpando o meu lugar
Por um preço requerido
E não quiseram pagar
E eu tive este destino
Trabalhando pra esquecer
Da dor no meu coração
Mas eu fiz isso valer
E não sei dizer como
Água virou pó, pode crer
Vi o peso da fumaça
A seca e a enchente
Se feliz não fiz alguns
Mas não deixei de estar
crente
Que Jesus me ajudaria
Se eu caísse doente
Foram tantos os caminhos
Nos quais cantei por aí
Você, nunca me pergunte
Como foi que eu saí
Das encrencas, desacertos
Surfei até no Havaí
De jovem me fiz mais velho
Vendo tudo como novo
Pra não perder a esperança
À Virgem Maria eu louvo
Nessa tal Literatura
Dentro da qual eu me movo
Agora eu vou lhes contar
O que foi que sucedeu
Tocaram fogo no circo
E disseram que fui eu
Foi um jogo tão perverso
E roubaram o que era meu
Joguei fora o casamento
Em nome da aventura
Tudo para mim eram as Letras
Essa tal literatura
Eu fui enterrado vivo
Em mágica sepultura
O truque reconheci
Mas o tempo foi passando
Eu só vivia escrevendo
Lendo tudo pesquisando
E fui nos tais folhetos
Versos aperfeiçoando.
Agora aqui me encontro
Resolvendo essa questão
Foi a fé que me salvou
Me trouxe consolação
Não jogo mais minha sorte
Nas mãos de assombração.
O castelo que criei
A minha ciência, enfim
Está tudo espalhado
Como se fosse um jardim
Padim
Ciço
me proteja.
Padrinho cuide de mim!
Foi banquete e homenagem
Meu caminho teve disso
Mas tive que cumprir tudo
Concluindo o compromisso
Início um novo tempo
Dando às ilusões sumiço.
Desvendei muito mistério
Nas sendas por onde andei
Foi tanta alma sebosa
E muitos bons encontrei
A vida é um Lá e
Lô
Disso bem agora sei
Vou dedicar a existência
Os anos que me restam
A este que é meu ofício
Dando amor aos que prestam
Os outros vou perdoar
Assim eles desembestam
Mas
pra continuar essa parte
O
acréscimo se anuncia
Isso
não acaba aqui
Só noutro
cordel, cantoria
É
assim que eu prometo
Salve
Deus, jesus e Maria.
VAMPIRO
NO CORDEL DE PERNAMBUCO
Autor:
Moisés Monteiro de Melo Neto
I
(do primeiro
narrador)
Mistério da catacumba
Meia-noite recifense
envolve a cidade Maldade
neblina de junho, pense!
passeio por essas ruas
de madrugada nonsense
Ecoa o som da meia-noite
Nas covas de Santo Amaro
não te julgo, eu te sugo
te quero, te
beijo, te amparo
noite estranha dos vampiros
para sempre: sigo e paro
Na madrugada de sangue
Na ponte um jovem carente
Contempla a morte sombrio
Vou brindá-lo com
a serpente
iniciá-lo ou matá-lo
se ele quiser, somente
Bestafera: crime e fel
força, amoródio, aquém
faço vomitar a alma
prefiro a noite,
também
dá cegueira a luz do dia
morto-vivo,
muito além!
desumano, anjo do mal
Como cena de
cinema
Se projeta na tela
Aqui, Hollywood, Ipanema
falo difícil e tão fácil
minha mordida não tema
Choras, jovem,
enquanto chove
não tens lá longe alguém?
Dou-te uma
esperança
como chegada de
trem
glória estação: partir
serás agora,
ninguém!
Ah! Nesta sede sem
fim....
carne e sangue
amalgamo
nesse trânsito urgente
ao fogo de mim te chamo
em estranha oração
minha justiça eu clamo
A sós, vem a
tempestade
do segredo vou te ensinar
sou rico, sou poderoso
mistérios sei
decifrar
da vida de sombra e luz
posso até te saciar
II
Sou poeta de cordel
me trancaram neste
hospício
por histórias que inventei
é perigoso meu vício
tanta desordem, delírio
conteúdo e frontispício
Meu cordel era anormal
deram camisa de força
sou daqueles
trovadores
meu poema não destorça
mas que vontade cruel
fazer que o poeta
se torça
Te persigo na
Ponte Velha
Capibaribe gelado
sobrenatural dos
tempos
sou o corpo do
passado
sangue nas veias sinistras
em festim desesperado
Ritos de estaca e prata
amante da
escuridão
tenho as chaves
dos segredos
sei: alguns não morrerão
Sou possuído e
possuo
Sou o “X” da questão
Qual o fim deste
cordel?
Preciso contar minha história
o clímax e os
encantos
poesia de vitória
ao sufocante terror
embora não traga glória
Quer alçar voos ao céu?
Parado no meio da ponte
entre bem e mal, eis a fonte
Não escolher um ou outro.
a igreja que desconte
O pacto é
irreversível
brinco que sou do mal
é mistério, não
pecado
experiências do
astral
zodíaco de
lembranças
triunfo, novo ideal
Agora o novo sangue
entra no teu
coração
sublime dor do chamado...
sede, fome,
oração...
Nada te preocupa mais
na sangrenta solidão
Poeta a vida inteira.
culpa tentei compensar...
mas o cordel não deu jeito
melhor é me
desculpar
vou morder o teu pescoço
eternidade vou dar
Terror e êxtase
nesse novo destino
vem agora a tua calma
neste torpor de menino
tua vida? obra de
arte
passa o
tempo, pequenino
Desça ao fundo de si mesmo...
nem ninguém nem
todo mundo.
meus dentes te ajudarão
sobre este rio
profundo
brindemos com licor íntimo
esqueçamos fim imundo
Longe os seus apuros
na mandala dessa vida
a magia numa dentada
vagabundagem distraída
triunfo da poesia
dor em prazer convertida
Do insignificante
ao divino
num cabaré obscuro
melancolia,
alquimia
presente passado futuro
nunca mais bobo da corte
tua vitória
murmuro
III
(do novo
narrador)
Aí ele me mordeu
Numa noite sem fim então
vampiro me ensinou muito
será tudo isso em vão?
Ó crianças das
trevas!
No morrer tem
salvação?
Que mal tão forte encerram
os dons que
assustam tanto?
Não aceitei, aconteceu
hoje não mais me espanto
não me assusto na jornada
Vivo ardendo este
encanto
Não me peçam explicações
Isso é
inexplicável.
não tenho o sinal da cruz
sacramento maleável
não da conta de
vocês
Sou sujeito detestável
Não me falem de
limites
isso não é para
mim!
Chamo tudo pelos
nomes,
nesses portais sem fim
ao mais puro digo:
para outras novas vim!
Visto-me como você
estou em tudo, falo
logo
como em peça teatral
sem decepção no
prólogo
e ninguém nem
desconfia
do peculiar monólogo
Não faço novos
vampiros
não sou monstro imaginário
quem
me fez viveu muito
me deixou o seu
diário
tinha sido ser de
luz
foi belo, mas não
gregário
Sugou-me e deu-me seu
sangue
numa noite desesperada
de pergunta e
resposta
tive uma fé desgraçada
agora nem céu nem Inferno
que me detenha a escalada
Filosofia prefiro
ao livro máximo judeu
esse povo escolhido
não apoio quem escreveu
o
dom escuro que recebi
me deu quem o recebeu
IV
A romper velhos
mistérios
implanto este estilo.
Por tantas noites e noites
Sim, esforcei-me e fi-lo
o Mestre perto de mim
que estranho foi aquilo
Amor que não teve sexo
Eu bebi na vida dele
bebeu da minha essência
nunca outro como Ele
ganhei esse dom escuro
anjo e demônio,
daquele
Suor, carne, sangue assim
fazem gritar sem
nenhum som
teatro de sombras,
vampiro
na morte nada bom
pulsando... maldade inocente
nem “dane-se!” nem
shalom
Pobres, mulheres, gays, negros
não tinham status algum
mundo Deus estava morto e
sem religião para
nenhum
Daí só tomava
sangue
De luxo e pobreza
fiz Um
Sugava só gente ruim
sem inocentes,
no começo
muitos querem ser
como eu
ah, eles não sabem o preço
eu que sou um
demônio
sofro assim desde o começo
Aprendi muito, depois de morto
Tenho já tudo que quis
criança estudei c’os padres
mesmo lá não fui feliz
agora só solidão
sou eu mesmo meu
juiz
Ah, Recife, estou Maldito!
vivo sem Deus nem noutra vida
Dentro de mim tudo são trevas
Mas não sou suicida
ouço os ecos da maldade
encurto a história comprida
Num vazio jardim
selvagem.
sangue nos lábios
abertos
Ele se
jogou no fogo, morreu
deixou-me recursos
certos
matou-se numa fogueira
predador de
bobos e espertos
Não acredito em Satã
Satã também está morto
mas não há maldade, em si
sou um aventureiro
torto
às vezes fico
perdido
Como um navio sem porto
Ah, Não há esplendor nisto!
não é sublime, bem
sei
tudo parece tão
tolo
poupo aquele ou
matarei?
decadência recifense
Nunca soube e não sei
Podemos amar se
odiamos?
Fingindo Amor à
vida
Nem
Pão nem Vinho interessam
Minha sina é
comprida
Cumpri tudo com apuro
Nesta terra tão ferida
Jogo com os mortais
numa orgia dos
sentidos
o truque é não pensar muito
o sangue dos iludidos
bebo antes que
morram
estão mesmo todos perdidos?!
Na religião, fariseus
Desde o início é
assim
Palestinos, judeus, cristãos
O começo contém o fim
No Oriente não é diferente
Mãos de santos, olhar ruim
V
Sou uma criança
antiga...
por muito tempo sofri
em meio a tanta briga
Vejo as regiões
sombrias
ser humano é só intriga
Quis transformar tudo em arte
num cordel sem afetação
obscenidade não obscena,
contraditório é ter tesão
minha condição
complexa
um príncipe
num caixão
Quis contemplar o esplendor
que o cosmos pudesse dar
o que os homens
podem ser...
do tédio me desvencilhar
pesadelos na noite
sonho a quem acreditar
Recife pra mim é Cosmos
Esse Cordel: barco chamas!
em calamidade
pública
quantos caminhos e camas
Partir
sempre lancinante...
Mas vamos deixar de dramas
Este folheto acaba assim
no pensamento que me atormenta...
Pois não consigo fazer texto
Que enfim vos acalenta
Leitor, desperte
do sono
Que no Recife se assenta!
O CORDEL DA ESTRELA JANIS JOPLIN
Autor:
Moisés Monteiro de Melo Neto
Havia o Lago Sabine
na cidade onde nasceu
Janis
Joplin era seu nome
em Port Arthur ela cresceu
e foi tanto sofrimento
que cantou e então morreu
A Realidade era petróleo
a poluição no ar
violência em cada esquina
segregação até no bar
lá o garoto era ensinado
a cara do outro quebrar
O calor era tão grande
os mosquitos tão ferozes
assim era ali, no Texas
terra de muitos algozes
arrogância e poucos livros
eram desgraças atrozes
No bar só cerveja e vinho
outros só em clube social
e só com mais de vinte e um
que beber era legal
mas Janis cruzava o rio e
na
Louisiana não era mal
Era certinho ou odiado
Quem não seguisse a tradição
mulher pra ser professora
e homem pra ser machão
trabalhar com o petróleo
era essa a lição
Nada lá era complexo
tudo simples de doer
que Deus salve a Casa Branca
a igreja e o poder
o pai de Janis, engenheiro
ajudou a Texaco a crescer
Ela é de quarenta e três
no hospital Santa Maria
Nasceu Janis de manhã
Menina normal, mãe diria
Canta em casa e na igreja
Lia tanto... optou por fantasia
O pai lhe deu fantoches
chupou dedo até os oito anos
era gorda, sardas no rosto
começavam os desenganos
não racista, foi xingada
Sofreu mais que imaginamos
Rebelde, não era bonita
assim, foi hostilizada
percebiam seu lado
"homem"
não foi fácil esta parada
ela se feminizou
parecia até disfarçada
A mãe a amava de longe
queria filha preparada
para enfrentar a vida
que era dura a estrada
do ostracismo social
assim ela foi educada
O rosto tão cheio de acne
que precisou ser lixado
mais depressão e conflito
isso era anunciado
mistura a falta de beleza
e o cenário estava armado
Juntou-se com cinco jovens
Quebravam muitos modelos
Liam livros diferentes
Entregou-se sem zelos
Muita cerveja rolou
Sem namorado, seguiu os
apelos
Era o bobo da corte?
Mas queria ser aceita
com barulho e palavrões
Estudava e pintava,
satisfeita
usava roupas extravagantes
jogavam coisas nela, a “eleita’
Viajou pra Nova Orleans
sem consentimento dos pais
ouviu bandas na rua Bourbon
daquilo não esqueceu jamais
bateu com o carro da família
boatos foram fatais
Isso foi aos dezesseis
Tornou-se
moça "falada"
beirando
a ingenuidade
já com sua sina marcada
inventaram mais histórias
ela estava era enrascada.
Deslocada
e barulhenta
cafajestes
a cercavam
tímida
escandalosa
as aventuras não paravam
a
maioria a odiava
mas houve os que aí a amaram
Os
professores a perseguiam
em lanchonete e teatro trabalhou
era no tempo
dos Beatniks
vendeu
quadros que pintou
começou a cantar
o rio Neches
a escutou.
Foi a um
psiquiatra
Depois de farras
homéricas
crazy
universitária
sob as
luzes feéricas
Beaumont,
Houston, que fosse
crueza das Américas.
Estava matando aulas
Vivia atormentada
garota
triste sozinha
sob sol negro estressada
dentro uns demônios mexiam
não podia ficar parada
Parou de pintar quadros
assim não seria a maior
morou com tia em Los Angeles
Foi telefonista, na pior
mudou para a praia, Venice
pra San Francisco, melhor
Se sentiu sofisticada
usou pele de carneiro
um casaco bem estranho
misturou canto e berreiro
os dezoito anos chegaram
munição, tiro certeiro
Sessenta e dois foi a vez
cantou em público, a moça
quem tiver olhos, que veja
quem gosta de blues, ouça
foi num Réveillon, em Beaumont
Não sentiu ali muita força
Gravou reclame de banco
volta a Port Arthur, a fera
tentou ficar assim normal
mas vulcão era o que era
ia sempre a Louisiana
perdia o controle, quimera
Numa das farras, a moça
capotou com o carro três
vezes
o ambiente Beatnik
farra de anos eram esses
mas que para Janis Joplin
foi assim por muitos meses
A branca topava tudo
voz de uísque, tanto beber
perdeu muito da voz assim
e daí? O que fazer...
aguentar tanto revés
é pra quem pode assim ser
Só pensava no momento
Farra e vulgaridade
isso ela esbanjava
qualquer que fosse a cidade
uma garota da pesada
de curta felicidade
Fazia com que a aturassem
fumo e peyote não deram
a ela um papo firme
as coisas, às vezes eram
comprimidos com bebida
perdoem-me se não toleram
Grasnava como um corvo
ria como uma louca
de fato pra tal menina
a vida parecia pouca
só gostava de cantar
cantar até ficar rouca
Na Universidade do Texas
veio mais humilhação
o “homem mais feio do campus”
eles lhe chamaram então
foram assim tão desumanos
com ela, preste atenção
Partiu para San Francisco
em busca de outra história
um
Quasímodo às avessas:
viria um dia a vitória?
A cabeça latejava
sangue quente, luta inglória
Depois de poeira e estrada
cantou zonza num Café
ganhou catorze dólares
primeira vez, deu-se fé
podia lucrar com seu canto
boa da cabeça ao pé
Meia três, Beat enfraquecia
poetas, jazz, pintores
americana boemia
San Francisco e suas cores
Janis reinventava o passado
tantas alegrias e dores
Ela semeava desastres
foi isso que aconteceu
questionou as relações
até o ponto que doeu
em Nova York cantou
blues-folk
então seu deu
Meia
quatro, San Francisco
ela queria ser aceita
traficou anfetaminas
não sabia ser
"direita"
estava entusiasmada
era a verdade eleita
Lia Nietzsche, lia Hess
doida pela “verdade”
muitos livros, pá de coisas
até no hospício da cidade
disseram não era doida
era coisa da idade
Culpava os outros por tudo
a coisa era bem assim
contra o sinal vermelho
acelerou até o fim
jovem, segurou a onda
mas mais tarde foi... ruim
Seus "casos"?
nenhum ficou
ela com quarenta quilos
quis para casa voltar
seus pais tão intranquilos
por não serem mais atentos
ninguém vai querer puni-los
Estudou Sociologia
Faculdade de Lamar
Se vestiu sobriamente
Dava até pra acreditar
que ela tomara juízo
pensou então em casar
Mas professores cismaram
era inquieta demais
fez vestido de noiva
mas foi embora o rapaz
nunca "Deus,
perdoai-me"
disso nunca foi capaz
Obsessiva e insaciável
por amor ela gemia
como criança de colo
gente até se enternecia
mas se fosse tirar onda
via o que recebia
Veio então sessenta e seis
e o big brother apareceu
era banda pro sucesso
e foi o que sucedeu
da danada da menina
a estrela se acendeu
Ambição virou seu nome
quando na banda entrou
viu logo a sua chance
a ninguém mais se igualou
era o salto para o alto
e a moça se engajou
Quatro, junho, meia meia
o Zodíaco falou
oráculo disse seu nome
e a Joplin detonou
San Francisco, maravilha
tudo então se iluminou
Abaixo a política,
cobiça, autômato, inveja
viva as boas vibrações!
Flowerpower nos
proteja
porque com a turma de Janis
Hell
Angels que nos seja
Pobre, racismo, poluição
Os E.U.A se mostravam
preconceito era tamanho
Até dos que se lombravam
vem o Blues e canta tudo
Todos que não se amavam
O Vietnã explodiria
na Coreia houve mais
tudo era tão imoral
moral é não ser capaz
de ver que na exploração
a hora é a gente que faz
Janis contra o supérfluo
deste mundinho cruel
chega de mediocridade
separemos Mel e Fel
os hippies de San Francisco
queriam na terra o céu
Medrosa, crua, teimosa
na agenda botava tudo
não gritassem contra ela
estrela em
céu de veludo
do brilhar ao fazer colares
mistério não fica mudo
Tudo corria pra canção
que no palco renascia
comunidade de hippies
com certa sabedoria
na união com o universo
era assim o dia a dia
Estilo alta voltagem
Janis assim se agigantou
Ottis Redding foi um cara
que muito a influenciou
assim como Tina Turner
tudo isso ela juntou
E num caldeirão quente
a mistura borbulhava
queria ser uma Star
a máquina a ajudava
casa em Hollywood
tudo isso a aguardava
Um namorado disse
"tchau"
ela disse “tudo OK!”
era mais um que fugia
ela disse "disso eu
sei"
fazer o quê? Declarou:
"de homens e roupas
mudei"
Colocava tudo à prova
homem, mulher coisa e tal
muitas vezes se encontrou
frente a frente com mal
corta essa, minha amiga
esse jogo é fatal
Humilhada tantas vezes
mas sabia triunfar
nesse jogo de sinuca
ou rodadas mil num bar
num estádio, num teatro
riso e choro de amargar
O bairro que ela morava
foi refúgio do “pecado”
assim diziam os
"santinhos"
que o rock era atacado
Haigh-Ashbury era
nome
melhor é ficar calado
Prostituição e drogas
tráfico a se aproveitar
eram muitas as histórias
vamos só imaginar
não era pra ficar rico
era ganhar e gastar
Junho de meia sete,
Monterey
Pop
pintou
Janis foi a grande estrela
Jimi Hendrix arrasou
Ninguém vira coisa assim
Sua fama se alastrou
Era o "Verão do
Amor"
isso se evidenciava
a revolução de Aquarius
novas ela anunciava
litoral da Califórnia
no mapa se destacava
Conheceu Albert Grossman
o homem que a fez estrela
ele a respeitava muito
e gostou de conhecê-la
no meio do festival
ele fascinou-se ao vê-la
Foi dali até a morte
seu mais fiel defensor
o homem era poderoso
de Bob Dylan, produtor
sem nenhuma hipocrisia
em comercialismo doutor
Veio então o desabrochar
meia sete ela arrasou
nunca fora tão feliz
ficou grávida, abortou
isso foi bem sinistro
muito a prejudicou
Ela ficou rigorosa
Antes não era bem assim
Exibicionista também
a dois anos para o fim
indiscernível até aí
do show bizz o carmim
Verdadeiro carrossel
sua carreira a girar
alcançado o estrelato
Janis ia arrepiar
o jeito Nova Orleans
logo ia superar
Nos olhos dela uma dor
era fácil perceber
olho azul acinzentado
que fazia estremecer
nervos tão à flor da pele
pareciam transparecer
"Velha" aos vinte
e cinco anos
assim ela se achou
era uma moça nova
que a vida estragou?
B.B. King abriu a noite
O Big Brother deu show
Era um teatro antigo
Nova York apreciou
O som daqueles meninos
a plateia empolgou
com seus berros e gemidos
a Janis incendiou
Tinha garra na garganta
ofegante estava
num fulgor alucinante
Janis dramatizava
fio terra em Nova York
ela assim eletrizava
“A banda de Janis”
(deu no New York Times)
Primeira foto dela
que entrou para os anais
a imprensa anunciava:
“essa cantora é demais!”
Frege espasmódico se viu
bem ali no turbilhão
a Big Apple pirou
nunca vira tal ação
Janis era o prato do dia
mais quente da estação!
Com preto aveludado
vestido bem curtinho
gata em teto de zinco quente
foi chegando de mansinho
a imprensa se curvou
tão heavy o seu jeitinho
A imprensa delirou
todos queriam um pedaço
performance de Janis Joplin
foi tremendo estardalhaço
pois ela chegou completa
ocupando todo o espaço
Disse logo à tal imprensa:
“Já me maltrataram tanto
eu sou alma e sensação
isso é o blues que eu canto!”
ela reagiu ao sucesso
com prazer infantil, espanto
Parecia satisfeita
mas tocando neste fato
Já podemos deduzir
não duraria este ato
era tão insaciável
mas deu o pulo do gato
Tranquilizantes e álcool
pra aguentar a correria
a texana agitada
não parava, não podia
criticaram o Big Brother
mas a Janis ascendia
Era uma Salomé
de glamour toda enfeitada
ela só dava dentro
topava qualquer parada
a boca no microfone
parecia lambida ou dentada
Ela atraiu paixões
nesta jornada infernal
logo no lance mais forte
garantiu tanto jornal
as revistas a imploravam
mais de Janis não faz mal
Declarações absurdas
À imprensa a moça fez
gravou disco na CBS
era o segundo, essa vez
expectativa tão grande
neste jogo de xadrez
Vieram novas depressões
teve então que se virar
entre ela e o grupo
não reinasse o azar
brigou até com Jim Morrison
como isso ia acabar?
Ele puxou o cabelo dela
ela deu-lhe uma garrafada
ficou nesse um a um
Salomé, Jim Batista de nada
na capa do Cheap Thrills
Crumb a desenhou abusada
Mãos ao alto, rapazes!
Não curto política
dizer isso em meia oito
isso atraiu a crítica
dá uísque pros meninos
e deixa dessa titica!
Vendida como símbolo foi
no mercado americano
Alienação? Não sei
talvez diga o tarô cigano
claras emoções de Janis
na frente e atrás do pano
Sua risada demente
difícil de decifrar
seus fantasmas esquisitos
mistérios a encantar
era uma Afrodite
no Mundo Pop a rosnar
Homem que não a quisesse
isso era intolerável!
sua vingança terrível
“um impotente detestável !”
era o que ele espalhava
tal Morrison, não aceitável!
Ser sexy, ela amava
era o que fazia crer
mas de fato a texana
Buscava mesmo o prazer
mascarava
a ferida
mais amor queria ter
Uma coisa pela outra
ela fingia confundir
não queria o compromisso
parecia até fugir
paliativo ou não
não podia reprimir
Ir pra casa com alguém
a faria bem melhor
o sexo como uma arena
fazia tudo pior
aumentava o desespero
dó maior ou dó menor
No palco fantasiava
Essa busca doida, assim
não era o que queria
a tal torre de marfim
queria ser conquistada
mas não foi até o fim
À tragédia libertina
impôs impulso e vigor
escondida a menina
muito triste o horror
com moça: falava baixo
com homem: sax tenor
Homem ela confrontava
com mulher mais à vontade
Mas no fundo nossa Janis
só queria liberdade
e cantou isso bem alto
nem tudo era vaidade
Desinibida estava ali
no verão de meia oito
mas "ai" do cabra
safado
que se metesse a afoito
temia a homofobia
sem recheio seu biscoito?
Não tinha um cara fixo
Escondia o homossexo
Desse jeito a durona
ocultava um complexo
a diva tinha fraquezas
isso é meio desconexo?
Provocava fantasias
em muito homem e mulher
a tal da Janis Joplin
faca, garfo e colher
aproveitou sem limites
pense você o que quiser
Falavam de mil casos
o número era menor
era um terço que contava?
a mentira era melhor
seu talento era bem grande
A lenda ficou maior
Aventuras de uma noite
torturada
solidão
superestrela
esquisita
causava hesitação
naqueles que a viam durona
mas parte era encenação
A fama era o seu pretexto
pensavam era personagem
que criou pra se defender
apareceu na reportagem
no fundo era uma criança
mas isso não foi vantagem
As pressões da profissão
Seguiram estranho caminho
a gente quer ser perfeito
esquece que bom é carinho
técnica e carisma
outro modo? é ser sozinho
Melodramatismo dela
o Big Brother se desfez
uns acusaram-na: traição!
mas pro alívio teve vez
Joplin sofreu...sabemos
pouco ou muito, talvez
Começou na heroína
se sentia destacada
era a onda da droga
o equilíbrio da parada
por mais que almejasse tanto
queria ser controlada
Muitas as contradições
nela poderíamos ver
Muitos viam só bebida
o resto era esconder
ganhou casaco de lince por
uísque Southern Comfort beber
Propagandas deste uísque
nas fotos estão aí
é um líquido docinho
para jovens atrair?
há algo esquisito nisso
a América a ruir?
Em Washington: corrupção
no Vietnã, uma "guerra"
os ianques fazem isso
não em casa, noutra terra
é assim, que o capital
(a danada grana) opera
Calça de cetim vermelha
Marca lhe dá casaco de
arrasar
E no Max´s Kansas City
Foi depois se mostrar
provar que era importante
realmente Superstar
Por que se conter, ali?
a envelhecer, continuar?
desse tipo de atitude
ia se distanciar
quis assim a vida a mil
sem velhice pra chegar
No teatro viu a peça
"Hair"
musical sensacional
gostou, aplaudiu de pé
era um sucesso mundial
reviu com o Big Brother
para levantar o astral
O rompimento com o grupo
foi também com o amadorismo
no Show Business é assim
não permite comodismo
crítica diz: maquiagem?
pintar voz de preto é
cinismo
Ela achava justo sofrer
castigo e rejeição
a imprensa malhou seu disco
Cheap
Thrills virou fogão
A comida se queimando...
mas vendeu pra geração
Pensou não saber cantar
alma frágil porcelana
e a vida tripudiou
daquela tal texana
que mesmo com seus defeitos
Cantou muito a alma humana
Feroz animal ferido
ela assim reagia
não "cabeludos" nem
"quadrados"
era outra a teoria
era parte Revolução
com a qual ela se unia
Seu "oi" era uma
pergunta
e o sem "alô",
também
cordas vocais de aço
até a hora de ir pro além
música até nos pés dançantes
Ela sabia ser
"alguém"
Então ficou bem doente
foi ao New York Hospital
foi no tal Hotel Chelsea
ela estava muito mal
foi uma bronquite aguda
poderia lhe ser fatal
Foi barrada no Hotel Hilton
No hospital não tinha vaga
mas apesar disso tudo
começou a ser bem paga
vem a autodestruição
e numa sucção lhe traga
Como computador monstro
assim opera a imprensa
diminui e multiplica
não há muita diferença?
Então ela virou comida
de desconhecida à excelência
O pastiche virou robô
Ela se fez mesmo assim
era tão fosforescente
sua pele, tal marfim
e o público a devorar
tão guloso e tão chinfrim
Conhecida e amada
só que por gente demais
pelo frenesi e doidice
talento e muito mais
uma deusa num Olimpo
de resultados fatais
A garrafa de uísque
na sua jaula infernal
meia nove chegou assim
com esse jeito animal
ano do "Kozmic
Blues"
novo álbum sem igual
Aí ela criou
“Pearl”
personagem que adotou
ria e topava
todas
muita gente
adorou
vieram outras
turnês
na Europa ela
arrasou
Ela veio ao Brasil
a passeio, assim rolou
expulsa do hotel, no Rio
que o top less
não aprovou
transou mil e uma aqui
até na Bahia parou
Queria largar o vício
mas não tinha mais maneira?
heroína por Metadona
não era coisa certeira
barrada no carnaval
pro carioca foi bobeira
Comprou casa nos States
enfim ela teria um “lar”
e pra completar o quadro
novo disco foi gravar
o último dessa estrela
prestes a se apagar
O nome do disco é “Pearl”
tão gostoso de ouvir
tem “Me and Bobby McGee”
O um no Top ia atingir
Mas veio o dia fatal
Da morte não ia fugir
Foi num hotelzinho barato
que o encontro fatal se deu
nem a última música gravar
a morte lhe concedeu
o blues engoliu a moça
e Janis Joplin morreu.
CORDEL
DO DOM QUIXOTE PARA JOVENS
AUTOR:
Moisés Monteiro de Melo Neto
1 Dom
Quixote da Espanha
Era um cara bem legal
O autor dele? Cervantes
Um escritor genial
Quixote mora num livro
Seu destino é astral
2 Dom Quixote, é muito bom
um
cavaleiro andante
teve
muitas aventuras
você vai
ver adiante
de cavalo e armadura
no fundo
era um amante
3 A “amada”
dele era
uma tal
Dulcineia
morava em
seu pensamento
era
apenas uma ideia
Sancho
Pança, o empregado
Um homem
da patuleia
4
Fantasia e realidade
Sancho
teve que enfrentar
Empregado
pra Quixote
Não era
fácil achar
Montado
no seu burrinho
Com o
patrão a viajar
5 O
cavalo de Quixote
Se
chamava Rocinante
os dois
homens eram assim
naquela
terra distante
cujo nome
é Espanha
um lugar
delirante
6 Você
gosta de sonhar?
Pois veio
ao lugar certo
Isso
parece um desenho
Feito por
um esperto
tem
moinhos, tem ovelhas
Deixe o
olho bem aberto
7 Quixote
lutava muito
Com
gigante inimigo
Umas
vezes derrotado
Ficava até sem abrigo
Era uma
triste figura
Mas
herói, isso eu digo
8 Só
voltou pra casa
Quando em
batalha vencido
abandonou
a cavalaria
na
estrada foi ferido
Mas ele
hoje é uma lenda
Um nome
muito querido
9 Vamos
ao começo, agora
Esse
cavaleiro de idade
Ele leu
muito, eu lhe digo
Era sua
felicidade
Mas aí
confundiu tudo
fantasia
e realidade
10
Imitando seus heróis
Buscou
assim aventuras
Podiam
ser divertidas
Mas não
muito seguras
Pela amada Dulcineia
Esse
homem fez loucuras
11 Era
essa a sua paixão
Foi “sagrado”
cavaleiro
Começou
assim a missão
De enfrentar
bandoleiro
contratou
Sancho Pança
Que uma Ilha
quis, derradeiro
12
Parecia preço alto
Dom
Quixote prometeu
A ilha e
muita glória
padre
disse: “enlouqueceu!”
Queimaram
seus livros todos
Foi assim
que aconteceu
13 Mas
ele pensou, então:
Foi
Frestão, o feiticeiro
E quis a sua
vingança
Foi parar
num atoleiro
A lutar
contra moinhos
O negócio
foi cabreiro
14 Uma
vez viu dois padres
Com
estátua de uma santa
Pensou
eram feiticeiros
isso a
muita gente espanta
pensou: sequestram
uma princesa
e isso a
ninguém encanta
15 Ao
atacar os padres, sem dó
nessa
história obscura
Sancho o
batiza
Como o de
“Triste Figura”.
vinte
ladrões pegam os dois
escaparam,
foi uma loucura!
16 Depois
foram espancados
Lutaram
com adversários
Imaginem:
Sancho e ele!
(assim chamados:
otários!)
Não deu
certo avisar
Perdeu os
dentes, o visionário
17
Encontrou com prisioneiros
(pensou:
era feitiçaria!)
escoltados
por soldados
ele os
libertaria
dos
trabalhos forçados
(no fim um ladrão o roubaria!)
18 Eis o
fim dessa parte:
Carta a
Dulcineia ia enviar
Mas o
Padre e o Barbeiro
Quixote
conseguem trancar.
Sofreu
tanto, o cavaleiro
Pra
tristeza aplacar
II
19 Mas
Quixote volta à estrada
viu
atores ambulantes
pensou: monstros! e atacou-os
e um
Cavaleiro em instantes
apareceu
pra duelar
disse: “qual
mais bela das amantes?”
20 “Dulcineia!”,
disse Quixote
Pois não
há outra igual
O
Cavaleiro era Sansão Carrasco
Que não
vence no final
Quis
convencer Quixote
Mas esse
não deu sinal
21 Surge
então nessa história
Um casal
misterioso
um Duque
e uma Duquesa
leram o Quixote, já famoso
zombavam
do velho assim
do Dom Quixote “majestoso”
22 Mas
lhe deram muitas honras
dignas de
um cavaleiro
riram e
Sancho “virou”
Governador
ver-da-dei-ro
que ao
cumprir com obrigações
desistiu
bem ligeiro!
23 Surge o
Cavaleiro da Lua
Diz: “mais
bela é minha amada!”
Por amor
a Dulcineia
Quixote
perde a parada
Doente e
deprimido
Fim: não
mais pegou a estrada...
24 Aos que leram esse
cordel:
Agradeço a atenção
A liberdade é dom
Que Deus dá a todo cristão
ela vale um tesouro
tenha-a no seu coração!
CORDEL
DA ILÍADA
POEMA
DE HOMERO SOBRE A GUERRA DE TROIA
AUTOR: Moisés
Monteiro de Melo Neto
A Ilíada, poema grego
Mas também universal
que narra a “Guerra de
Troia”
de desenlace fatal!
Foi escrito por Homero
Num tempo bem ancestral
2 Homero é autoridade
pra falar dessa guerra
a mais famosa do mundo
desse planetinha Terra
disputas territoriais
história dos gregos encerra
3 O homem grego? Danado!
se achava o Ideal
o belo e o bom guerreiro,
Aquiles, o Aqueu:
sensacional!
Assim era a cultura grega
Imitá-la? É fatal!
4 É mito ou é história?
Helena, de Menelau
rei de Esparta, poderosa
Páris de Troia num caudal
“Raptou” a desgraçada
Algo tão sensacional!
5 A confusão foi tamanha
Que até hoje ecoa
Culpa foi de Afrodite
Deusa do Amor, era boa
Eleita por Páris a mais bela
Mas bancava a leoa
6 Deu a ele o amor da bela
Grega Helena entrou na
História
Em Esparta os troianos
Sem interesse de vitória
Mas essa hospitalidade
Terminou virando escória
7 Páris e Helena foram a
Troia
Menelau se arretou
Com a traição da esposa
“Foi rapto!”, ele se armou
Vamos destruir Troia!
(um plano ele traçou)
8 E foi tanta a desgraça
Troia ia ser destruída!
Por causa daquele rapto
Por causa dessa ferida
Profecia de uma vidente
Que iria ser cumprida
9 Do século 9 a.C., a Ilíada
Fala do século 13 a.C.
Era o
poder grego
Isso digo
a você
Homero
não foi testemunha,
(“Ilion”
é "Troia", é o que se lê)
10 São
vinte e quatro cantos
gregos e troianos duelando
poema de tradições, costumes
os rapsodos
iam cantando
trovadores nas cidades
essa história iam contando
11 Homero
escreveu tudo
é histórico dis-tan-cia-do
"A Ilíada" e “Odisseia”
educação grega, ao lado
não é verdade histórica
mas até
em Roma, louvado
12 Mil oitocentos e setenta
alemão Schliemann descobriu
usou Homero, achou ruínas
da tal cidade perdida, viu
mais sucesso pro autor
mais clássico que existiu
13 Órfão de pai e mãe
Homero vem da pobreza
Aprendeu história e música
Foi professor com certeza
Viajou no Mediterrâneo
Em Ítaca cegou, foi brabeza
14 Dizem “Homero não existiu?!”
Rio: e “A Ilíada”, “Odisseia”?
Contando história de Páris
Oráculo disse à plateia
Matá-lo era salvação
Troiano: “Xô”, patuleia!
15 Páris traria fim de Troia
E Agamenon, rei de Micenas
Quis território troiano
Reuniu chefes: gregos, apenas
Aquiles, um semideus
Vida curta, longas cenas
16 Foi amante de Pátroclo
que combateu ao seu lado
Heitor, de Troia matou-o
Aquiles ficou danado
Chamou-o para um duelo
E Heitor foi destroçado
17 O rei Príamo resistia
Por Troia há 10 anos
Com Hécuba, sua esposa
Traçaram tantos planos
Até que o Cavalo de Troia
Abriu os portões troianos
18 De dentro: um batalhão
grego
Abriu portões: tropa adentrar!
Derrotam Troia, os inimigos
coisa de arrepiar!
Colonialismo maldito
até hoje a triunfar
19 Aos soldados, a pilhagem
e voltar à pátria, enfim
triunfo do povo grego
belo e guerreiro, bom e ruim
pior vida longa e medíocre
lhe digo que foi assim
20 Afrodite
caiu na batalha
E semideuses, tudo escrito
Aquiles, Ulisses, pivôs
Rei
Príamo tava frito!
Em Troia,
na Turquia
cria Ulisses cavalo bonito
21 Presente, com gregos dentro
povo troiano assim derrotado
escravidão e miséria
Troia arrasada, resultado:
Helena volta à Esparta
“presente grego” danado!
22 Estudiosos duvidaram
Dessa grega vitória
fantasia de Homero?
Invenção ou real História?
Não dava pra confirmar?
Isso era só
memória?
23 O poema de Homero
Parece janela mágica
Nos permite conhecer
artes e história trágica
canibalizemos tudo
em salada
antropofágica
24 Os
deuses banquetearam-se
Em um tremendo festim
na lira tocou Apolo
as musas cantaram, enfim
e esse poema acaba aqui
Mas parece nem ter fim!
CORDEL
DAS BONECAS ENFORCADAS
AUTOR: Moisés
Monteiro de Melo Neto
É uma história muito triste
Que eu conto pra vocês
Leiam com muita atenção
Não sai dessas todo mês
História de uma menina
Aconteceu certa vez
Em Lagoa das Cachorras
Cidade do Bem,
se diga
Certas mulheres cristãs
Se juntaram numa Liga
Negócio de gente rica
Corruptas, boas de briga
Juraram então pela “fé”
Acabar com a safadeza
Diabólicas que eram
Disso tenham certeza
Mandavam matar direto
Fingiam com esperteza
Moça solteira buchuda?
Abortasse ou morria!
Da cidade, tal era a Lei
Ai de quem não cumpria!
(a não ser que fosse rica)
Ali do ruim comia
Foi então que sucedeu
O que conto adiante
Mariazinha engravida
Do
filho de uma elegante
Da Liga das Cristãs
Um riquinho meliante
Não quis abortar, partiu
Era preciso fugir!
Sua mãe nervosa,
morreu
Mariazinha a carpir
Pr’um Sitiozinho distante
(não podia desistir!)
Na casa da
Cachimbeira
Trabalhou de agricultora
A barriga cresceu tanto
Quase mata a genitora
Que pariu sua criança:
Uma menininha loura...
E o tempo foi passando
A criança era linda
Benzeu-a a Cachimbeira
Perseguição era finda?
(os amigos ajudavam)
Isso não acabou ainda!
Zé do Jerimum, padrinho
Chico da Charque, um tio
A Cachimbeira rezando
Venceram o desafio?
Veio chuva e veio seca
Mas da Liga? nem um
pio!
Naquele distante Agreste
Numa mata recortado
O sítio prosperou
Povo estava preparado
Mas tem sempre um
Judas
E o segredo foi contado
E a Liga das
Cristãs
Soube
assim do sucedido
Prepararam então um plano
Que fique bem entendido:
De Cristãs não tinham nada
Contrataram um bandido
Numa noite tenebrosa
Decidiram o que fazer
Matariam tal menina
Mariazinha ia ver
Herdeira?! Que se cuidasse!
Isso não podia ser!
Lá no Sítio bem distante
As três fêmeas viviam
Mais uma noite feliz
Luar, astros reluziam
Sem intuir nada estranho
Bandido não pressentiam
Na noite fria de junho
A Cachimbeira cantou
Uma música tão bela
A todos emocionou
A menina de seis anos
Sete então completou
Um bolinho de fubá...
Um chazinho tão gostoso!
Um abraço bem quentinho
Um olhar tão carinhoso
Casinha de barro bege
Silêncio noturno pomposo
Em segredo ali viviam
Imaginavam sagrado
Mas pra tudo nessa vida:
Tem que se estar preparado!
A velha abençoa a menina
Destino fora traçado
O dia nem amanhecia
A velha e Mariazinha
Saem juntas pra cacimba
Sob o céu de manhãzinha
Que ao voltar tá
vermelho
Inferno que se avizinha
No terror de ver a filha
Enforcada no umbuzeiro
A mãe enlouqueceu logo
Em máximo desespero
Não voltou mais ao juízo
Cachimbeira acudiu ligeiro
A Moça depois do enterro, ali
Bonecas pôs-se a fazer
Só pensava na menina
E não queria vender
Pendurava no umbuzeiro
Pra filhinha entreter...
Ninava antes cada uma:
“Mamãe não vai te deixar”
Toda noite, todo dia
Na árvore ia pendurar
Um dia foi ela mesma
Desse jeito balançar!
Foi uma coisa tão estranha
(não deu empo de evitar!)
Deus perdoe a pobre mãe
Com o coração a sangrar
Sua dor era tão grande
Temos que a perdoar...
Em Lagoa das Cachorras
A pobre foi enterrada
A filha lá tão longe
Fantasma, sai pela estrada
Encantada
assim viaja
Surge qual alma chorada
Quem passa de noite na Via
No cemitério, a calçada
Vê, às vezes, pés pra frente
Cabeça pra trás virada
A menina sem destino
Na noite enluarada...
CORDEL
DA HISTÓRIA DO TEATRO
AUTOR: Moisés
Monteiro de Melo Neto
1Ariano
Suassuna
um dia me disse assim:
que o teatro
indígena
não tinha, não, serafim
e que não veio da
Grécia
era autêntico e fim!
1. Já o
teatro grego
deixe que explique logo
tinha regra fixa
começo era o Prólogo
tinha dança e efeitos
na origem o Monólogo
2. Do
culto a Dionísio
ditirambo já dizia
os deuses estavam ali
era certa a freguesia
de concurso e vencedor
Aristóteles
entendia
3. Édipo casou com a mãe
inocente que só ele
descobriu muito depois
a própria tragédia dele
quase morre assim, que rei
desgraçado foi
aquele!
4. No
riso teve Lisístrata
uma mulher bem danada
fez
greve de sexo, ela
mas
não era descarada
lutava pelas fêmeas
que já eram exploradas
6 Em Roma
criou-se o circo
colossal o Coliseu
Muito pobre e cristão
naquele lugar morreu
também no teatro o riso
o povo aplaudiu e leu!
7 Teve Plauto e
Terêncio
dois autores muito bons
era assim tão engraçado
texto, a cena, os
sons
Teatro é desse jeito
Riso, choro e outros tons
8 Teatro na Idade
Média
Igreja era o cenário
Bíblia e santos eram temas
tinha fé, esperto e otário
ao inferno e Paraíso
purgatório e confessionário
9 Teve o Auto
teve a Farsa
os pantins e o
Sagrado
o povo entendia tudo
no claro e no apagado
Gil
Vicente, em Portugal
herdou disso um bocado
10 Eram os mil e quinhentos
ao Brasil vieram padres
pros índios aquilo era
as mentiras e as
verdades
demonizavam Tupã
catequese e cidades
11 Padre José de Anchieta
da missa à cena, pensa
o Auto de São
Lourenço
louvou a fé e
a crença
mas pro índio brasileiro
eram outra a querência
12 Depois teve outro autor
Antônio
José,
o judeu
escreveu umas comédias
que ao Poder ofendeu
em Lisboa esse autor
pela Inquisição morreu...
13 Não se espante, minha gente
o teatro é bem legal
pra chorar e pra sorrir
pra refletir genial
é questão de equilibrar
sobre o bem e o mal!
14 Houve um teatro hilário
era a Commedia dell´arte
na Itália foi sucesso
encantou em toda a parte
Pierrô
e
Colombina
Arlequin, tal
Malasarte
15 Na Espanha Calderón
junto com Lope de
Vega
mostraram que na vida
se correr o riso pega
Século de Ouro
danado
até hoje se escorrega
16 Em Londres
foi Shakespeare
um cabra do interior
com Romeu e
Julieta
o cabra causou furor
Hamlet e
até comédias
é tão grande esse autor!
17 Na França
foi Molière
que Versalhes encantou
tanta audiência nobre
mas o povo encontrou
com O Avarento
e Tartufo
com comédia agradou
18 Só lhe digo uma coisa
o Corneille
e o Racine
afastaram francesa plateia
que só o gênio fascine
teatro Neoclássico
até hoje o sino tine
19 No Brasil
do Romantismo
drama e riso era isso
uma que eu gosto muito
é chamada O Noviço
escrita por Martins Pena
causou muito rebuliço
20 Depois teve opereta
Arthur Azevedo fazia
A Capital Federal
no Real a fantasia
Coelho Neto e tantos outros
Século XX diria
21 Durante a Segunda Guerra
Vestido de Noiva
estreou
no Municipal do Rio
Nelson
Rodrigues chocou
Alaíde (muito louca!)
em ícone se transformou
22 Na Europa o
Absurdo
Teatro Insólito
inovava
Ionesco,
Beckett e outros
isso a alguns abismava
Esperando Godot
ficaram
Enquanto o mundo girava.
23 Nos E.U.A. a cena era outra
Um Bonde
chamado Desejo
a Broadway e
as atrações
pros musicais foi ensejo
Veio o musical Hair
tão gostoso quanto um beijo
24 No Brasil Falabella
atingiu o povo em cheio
era o tal do Besteirol
Pluft! criança teve recreio
Maria Clara Machado
Na cena acertou em cheio!
CORDEL DA HISTÓRIA DA LÍNGUA PORTUGUESA
Autor: Moisés Monteiro de Melo Neto
1
Nossa Língua Portuguesa
está
entre, fique certo
os
idiomas destacados
(do
mundo), seja esperto
morfologia, estuda
cada palavra
2 Língua coloquial & culta
Uma: a
fala cotidiana
Outra com
normas rígidas
para
publicações, soberana
indo-europeia chegou
de
Portugal, galega bacana
3 Viva em onze trinta nove (1139)
Também é chamada Português
Espalhou-se:
Brasil, África...
Saibam bem todos vocês
Até na Ásia, vejam só!
Pelos poderosos da vez...
4 Chegou no Brasil com Cabral
Nos mil e quinhentos
Trouxe perda pros índios
Mas também conhecimentos!
Tudo na vida tem preço até
Pras corujas e jumentos!
5 Ela influenciou várias línguas...
dispersou-se pelo mundo
China, Índia, Caribe
Sentimento tão profundo
das línguas oficiais da Europa
isso assim é tão fecundo
6 Quinta mais falada no mundo!
A mais do hemisfério sul
Terceira do ocidente
Com ela tudo azul
A língua de Camões
É rock?: “toca, Raul!”
7 Cervantes, autor do Quixote
Chamava-a "doce e agradável".
Em Sampa: mais falantes (no mundo)
Cinco de maio, no papel
Seu dia comemorativo
É de tirar o chapéu!
8
Lusofonia é quem usa
O idioma e faz cultura
na integração entre os povos
que no português se estrutura
Ó minha língua querida!
És luz na mina escura
9 O imperialismo português
Levou seu idioma, assim
não somente aos conquistados
mas por esse mundão sem fim
dos governantes aos seus contatos
tal idioma triunfou, enfim!
10 Influenciou mais línguas
Língua mãe do luso Brasil
oficial duns países d’a África
Língua fêmea-viril!
Tem o crioulo-português
Negritude varonil!
11 Na China e no Timor
Goa, Timor, Damão e Diu
Na Malásia, Sri Lanka
E ainda tem mais, viu?
Nas Ilhas ABC
E Imperou
no Brasil
12 Nossa Língua Portuguesa
diferentes
formas, entrelaça
Morfossintaxe, Semântica
Não há o
que ela não faça!
É
conjunto de letras
Essa
língua é toda graça!
13 Suas
palavras, sentidos diversos
São conjuntos
de elementos
Avatar de
tantos desejos
Unem
nossos sentimentos
conotação
abrasileirada
recriou-se
aos sete ventos
14 Moçambique, Angola
Cabo Verde, Guiné-Bissau
São Tomé e Príncipe
Tanto
assim, nada mal
Chiziane,
Agualusa
Literatura
bem legal
15 Fernando
Pessoa disse:
Minha Pátria é minha língua!
Digo logo
a vocês:
Sem ela
fico à míngua!
Sem Florbela, sem Drummond
Cada dia:
“novilíngua”
16 Oswald e Bandeira eram livres
Pra
recriar fala do povo
Fizeram
tanta literatura
Poetas do
voo ao ovo
Cecília, Chico Buarque
Nossa
língua, assim louvo!
17
Língua, código social
acordo de
letras, sim
linda,
sã, renovadora
flor perfumada,
jasmim
eita,
língua tão bonita!
Nosso
amor não tem fim!
18 Mil
combinações, significados
Minha
Paixão comovente
Mais que
linguística, vi
Me
entreguei docemente
Que
abraço apertado
No
pensamento da gente
19 A
sociedade precisa dela
Ela
precisa do povo
Deus não
me deixe morrer
Sem eu
escrever de novo
Mais um
cordel para ela
Expressão
que eu louvo
20 Um dia
quando eu partir
Eu quero
ir fazendo verso
Minha
alma vai sorrir
Assim de
modo expresso
Foi poeta
e amou
Isso foi
seu sucesso
21
Escrevendo ou falando:
Eu sigo
essa estrada
Meu
Brasil, minha língua
Seja
sempre festejada
Meu
coração é só seu
Minha luz
na Jornada
22 Todos
têm particular
E eu não
sou diferente
Quando é
literatura
Eu abro a
minha mente
Não porta
que se feche
Sou
poeta, minha gente!
23 Acabo
assim o cordel
Agradeço
a atenção
Sigo pr’um outro poema
Entrego
corpo e paixão
Mais
adiante a gente vê
O tema e
a canção
24 Só lhes
digo uma coisa:
Quem me
lê não tenha pressa
Minha
comunicação
É sempre
muito diversa
Escrevo
próximo à fala
Um abraço
e vamos nessa!
CORDEL
Tradição,
ruptura e proposta de ensino
Autor:
Moisés Monteiro de Melo Neto
1
Sou poeta de cordel
O
Cordel é popular
Atenção:
vou lhe dizer
Isso
veio de além-mar!
Da Península Ibérica
Vou
agora explicar
2 Lá
no século doze
E no
início do dezoito
O
povo teve acesso
A
esse livrinho afoito
Que
assim caiu no gosto
Gostoso
que nem biscoito
3 Esse
tipo de produção
páginas?
Vou dizer:
é
folheto com oito
dezesseis,
que é bom de ler
também
de trinta e dois
meia
quatro cê vai ver!
4 No
começo o Cordel
Era
mais para ser ouvido
Pra
chegar até aqui
O
caminho foi comprido
Verso
de seis/ sete sílabas
E décima, o Martelo batido
5
Rimas nos versos pares
Já
dizia o agricultor
Esse
poeta rural
Sabe
bem desse sabor
Pois
até analfabeto
Verseja
riso, amor e dor
6 Se
não escreve, dita então
Cordel
do gosto sem fim!
para
que outros o escrevam
tem
diabo, tem serafim
cangaço,
política, honra,
coragem,
safadeza, tudo enfim
7 Paraibano, Pirauá
que
foi grande cordelista
da quadra foi à sextilha
isso
sim é que é artista
Leandro Gomes de
Barros
O
maior e não insista
8 Com grandes tipografias
O
negócio melhorou
Pirauá vem de Pombal
Paraíba
então bombou
Em
Vitória de Santo Antão
Ele
também arrasou
9
Assim foi pro Recife
Viveu
disso, sim senhor
Adaptando
clássicos
(recriando
sem temor)
Também
inventando história
Foi
assim, seu doutor
10 Chagas Batista, Athayde
Criticando,
fazendo rir
e tantos outros
nas
crenças e no porvir
danados autores e leitores
Melchíades fez o povo aplaudir
11
Compravam poema alheio
Assinavam
como deles
Espertos
esses poetas
Passando
a perna naqueles
Athayde
fez assim
Com Leandro,
sabes se leres
12
Vi peleja em Pernambuco
Do
litoral ao Sertão
Foi
assim que o cordel
Tomou
o meu coração
Eu
pensei que era brinquedo
Era
mesmo possessão
13
De Juazeiro do Norte
Veio grande produção
“Viagem
a São Saruê”
Vendeu que só, meu irmão!
uma terra encantada
rico povo do sertão
14
Um tal de D’Almeida Filho
Fez
cordel sobre novela
Mais
de quinhentas estrofes
Tem
seu cordel Gabriela
Literatura
assim
Vale
a pena falar dela
15
Da importância do cordel
Vale
lembrar os trinta, os sessenta
Lá
no século vinte
Velho
cordel arrebenta
Sucesso
que merece
Hoje
rompe, mas aguenta
16
Tradição de muitos séculos
Já serviu até de jornal!
Pra
narrar acontecimentos
Da
metrópole fatal
conteúdos
bem variados
Anos
quarenta: o auge sensacional!
17 O
sertanejo gostava
de no cordel a vida ler
às
vezes liam pra eles
João
Cabral que vai dizer
“Descoberta
da literatura”
Bom
poema a conhecer:
18
No dia a dia do engenho
toda a semana, num lance
cochichavam-me em segredo:
saiu um novo romance.
E da feira do domingo
segue lá essa nuance
19 Cordéis lesse, explicasse
um romance de barbante
Sentados na roda morta
carro de boi sem jante
lido o folheto guenzo
e o leitor semelhante
20 Cordel conta coisas
todas mirabolantes
que às vezes variam
crimes, amor e variantes
soam como sabidas
d´outros folhetos migrantes
22 A tensão era tão densa
subia até o trágico
e se consumia aquilo
como num espaço mágico
o franzino e o gigante
em ritual verborrágico
23 Até o Getúlio Vargas
Ditador bem brasileiro
Também
no cordel está
Anotado
e faceiro
E o
poeta Delarme
Acendeu
o tal braseiro
24 Cordel Getúlio e pobres
ele
não era fascista
nem também usurpador
mas que era golpista
que se fez de ditador
combatendo comunista
25
No golpe de trinta e sete
foi contra a grande anarquia
que reinava em nossa terra
onde a fome consumia
milhares de proletários
pois o rico não sofria
26 Cada parte do estado
tinha um rico prepotente
rodeado de capangas
do mais bruto ao mais valente
onde o pobre era um cachorro
faminto, nu, repelente
27 Dalarme diz que Vargas
notou esse descontrole
diz consigo: eu sou um homem
boca grande não me engole
vou cortar o malefício
com o pobre ninguém bole
28 Por este grande motivo
implantou a ditadura
acabou com os coiteiros
tirou do rico a bravura
o pobre passou a ser
tratado com mais brandura
29 Quem achou isto ruim
foi a gente da escol
que não tinha classe pobre
como gente, no seu rol
sem saber que o povo baixo
também tem direito ao sol
30 Daquela data em diante
foi o povo acreditando
que ainda havia um homem
que nele estava pensando
e o valor de Getúlio,
foi pouco a pouco aumentando
31 Dalarme fala então
de comício e propaganda
pra dizer que no Brasil
Em Getúlio “é quem manda”
pois o povo está com ele
e com ele o povo anda
33
Trinta e oito, recifense Delarme
Imprimia,
vendia seus cordéis
Leitores
gostavam muito
Eram
muitos os fiéis
“A
Feiticeira do bosque”, foi um
Rendeu-lhe
Vargas, ouropéis
34
Quando Getúlio suicidou-se
Em
cinquenta e quatro, ele fez
um
folheto de oito páginas
foi
assim bola da vez
feito
no mesmo dia da morte
vendeu
setenta mil e satisfez.
35
Já nos “romances de sofrimento”
Como
“A louca do jardim”
De Cosme da Silva
pernambucano
é bom assim
é um
drama danado
do
circo para o folheto, enfim
36
Os vendedores vendiam
centenas
de exemplares
numa
exposição com gosto
Isso
em muitos lugares
O
poeta lia um pedaço
“Levem
o seu para os seus lares!
37
ainda em sessenta e setenta
A
gente se emocionava
Com
maldades e defensores
Herói,
heroína não faltava
Locais,
como Fortaleza
doze
mil por dia, impressionava
38
São números espantosos
Acredite,
é verdade!
Mas veio a inflação
A TV
do sertão à cidade
Cordelista
protestante
Não
quis mais falar “maldade”
39
Foi o caso de Athayde
que
preferiu humildade
funcionário
em Maceió
parou
criatividade
mas
outros continuaram
do
interior à cidade
40
As proezas de João Grilo”
É
cordel muito dito
de Athayde, vem de longe
de São José do Egito
de Ferreira de Lima, oito páginas,
o
outro trinta e dois, bonito!
41
Na crise dos cordéis
Ali
nos anos sessenta
renúncia
de Jânio Quadros
gerou
cordéis, segundo se sustenta
pasmem
com isso:
venderam
sete milhares: setenta!
42
Por via aérea, do Recife
Saíam:
Sul, Sudeste, norte do país
Cordéis
que vendiam bem
Deixavam
o público feliz
até
em Brasília, candangos
da nova
capital, coisa de raiz
43 Mas
cordelistas e vendedores
reclamavam porque passavam
muito até vender dez mil!
nos setenta: Universidades aumentavam
suas pesquisas que do Cordel
importância
acentuavam
44
Gera alienação?
Tanto
trabalho simbólico
Vem
assim o ideológico
Aliena
seus leitores?
Posso
lhe dizer que não
Toda
Literatura seria assim
Amoródio,
tentação
45
Diz Camilo, em São Saruê:
Até aqui tudo bem,
literatura é isto
e muito mais, também!
Lá os tijolos das casas
são de cristal e além!
46 As portas barras de prata
fechaduras de rubim
as telhas folhas de ouro
e o piso de cetim
tradição e ruptura
Vamos em frente, assim
47 As pedras em São Saruê
são de queijo e rapadura
as cacimbas são café
já doce e com quentura
de tudo assim por diante
existe alguma fartura
48 São Saruê: povo
civilizado
sem priorizar trabalhar
tem dinheiro à vontade
trigo nasce já pão
(sem assar)
o pão e a manteiga caem das nuvens
os peixes saem do mar
49 É só pegar e comer
Camilo fala de canas de mel
E de sítios, pés de dinheiros
(é de tirar o chapéu!)
pode-se tirar à vontade
pois isso tudo vive ao léu
50 Em Saruê nasce menino
já de tudo sabendo
ler, escrever, contar
ir a São Saruê? Entendo
como ir eu digo aqui
Nesse folheto que vendo
51
Dobras ideológicas da bíblia
Desconstroem valor de força de trabalho?
tal
as “Mil e uma noites”
do cidadão fora do baralho
numa
Pasárgada, dos persas
Manuel
Bandeira, se não falho
55
Vamos aos folhetos de gracejo:
Rodrigues
dos Santos foi preso, azar
Em
Afogados, Recife, vendendo
"O homem que deu o [...] no Ceará"
Outro
se jogou d´um trem, ao vender
"O
malandro e a piniqueira...”, vá lá
56 E
agora vamos falar
Ensino,
literatura, cordel
Como
podemos formar leitores
críticos
que estão ao léu?
Que
possam usufruir
Desse
texto no papel
57
Como apresentar caminhos
valorizar raízes populares?
leitura do mundo precede a da palavra
diz
Paulo Freire, aos pares
Ó
leitor de cordel!
Hás
de combater os azares
59
Nas construções de sentidos
para
o texto na Escola
a
culpa não é só do aprendiz
é
como um jogo de bola
saibamos
fazer o gol
não
esperar só esmola!
60
Buscando o prazer do texto
Muito
além do normativo
transmissão
da norma culta
busquemos
no cordel interativo
esforços, estímulos
Ô mundo competitivo!
61
Não ensinar só os Clássicos
Nem fichas de antigamente
Sim
leitura transformadora
prazer
de ler e escrever à mente
novas
propostas didáticas
que
cordel se experimente
62
Tira impressão de fragmento
Cordel
completo é instrumento
Lê
problemas do mundo
Com
arte e sentimento
O estético aos aprendizes
Traz
assim discernimento
63
Não literatura impositiva
mas
compartilhado saber
na
compreensão global do texto
refletindo, debater
estereótipos
destrinchar
leitor ativo fortalecer!
64 Perspectivas dos discentes
capacidade
interpretativa,
seu
nível, seus interesses
não
fragmentação excessiva
que vem nos livros didáticos
sim
gramática gerativa
65
Não gerar limitações
prejudiciais ao estudante
o
cordel abre espaços
para
outro saber fundante
fazê-lo
produzir, também
isso
não é algo distante
66
Livro didático não é único
pra conhecimento transmitir
pode dar visão difícil
levar
aluno a desiludir
ter
uma visão errada
da
literatura desistir!
67
Nas fichas de leitura
às
vezes somente uma resposta
na
vida não é assim
há
sempre outra proposta
para a interpretação de texto
gente
que esteja disposta!
68
Não só estilos de época
no ensino médio, faculdades
no letramento literário
novas
possibilidades
sabor e saber,
ser capazes
no Prazer do texto, felicidades
69 O
cordel assim nos traz
Interdisciplinar
sabedoria
Mas
tem que ler direitinho
Pra
não pensar porcaria
Pois
só interação com a vida
Nos
fortalece, sadia!
70
Vigoroso, prazeroso
Faz do jovem o cidadão
sensações
do estudante
poder de interpretação
mais
ativo e engajado
na sua atuação!
71
Um cordel bem escolhido
É de vital importância
sob
vários aspectos tira
entre
mestre e aluno, distância
que, entendam bem desse assunto
e o
usem com constância!
72
Folhetos, romances, vários estilos
Ao prof.
possibilidades
Na
luta pela leitura
Contra
desigualdades
pais também reforcem em casa
geração
de liberdades!
73
Não só decodificar texto
interessa no colégio
Desde
o início, está claro
Ler
não deve ser privilégio
o
jovem vai ler o mundo
preguiça
aí é sacrilégio?
74 “Cachorro
dos Mortos”, de Leandro gomes
“Pavão
Misterioso”, de Zé Camelo
Não é só contação
de história
É
muito mais que apelo
na
roda de leitura de outro modo
participativo,
com zelo!
75 O
aluno faz reflexões
veem
por outro lado
se identificam com situações, personagens
na
interação o cordel é estudado
um
instrumento interessante
na formação do leitor usado!
76
Vou ficando por aqui
Que
Deus do céu me ajude
Sou
poeta e professor
Quanto
a você, se cuide
Agradeço
a atenção
Nesse
deciframento que pude!
CORDEL DA LITERATURA BRASILEIRA
DE AUTORIA INDÍGENA
Autor: Moisés Monteiro de Melo Neto
1
Indígena silenciado.
Pra imprimir literatura
histórica,
valiosa
indígena
vida dura
diferente dos não índios
ou
civilização futura
2 Literatura Indígena
deve
ser mais divulgada
contribuir
nesse processo
gente
não fica parada
tradição
que no colonial
foi
quase sufocada
3
Teoria do Bom Selvagem
É
pouco, Rousseau que diga
Literatura
de índio
É
forte, boa de briga
Por
séculos resistindo
a
dos outros instiga
4
Outro fator importante
A
idealização fez
Românticos
a tramaram
Índio
foi o “herói” da vez
um
"herói medieval"
um
pré-cabralino, talvez
5
Anchieta, Gama, Durão, Dias
Nas
suas obras mostraram
singularidade
indígena
de
estranho modo trataram
mas
Alencar, digo também
é
dos que assim criaram
6.
Romantismo do Brasil
Equivocados
discursos
Sobre
os povos indígenas
Ensinado
nos cursos
indígena
superficial
identificação
étnica
fica
fora nos concursos
7
Marginalizado intelectual
Índios
ficaram assim
excluídos na Literatura
sem
poder cultural, enfim
mas
Teoria da Cultura
viu
locais de fala, ao fim
8
Destas vozes exiladas
de
imaginação criadora
ressalto
direito indígena
sua
força protetora
a
imprimir sua poética
contra
sua vil opressora
9
Na verdade literatura
É
toda irmã e eu peço
valor à
propriedade
intelectual
indígena: sucesso
O antes e
o depois local
de fala d´ índio: impresso
10
Organização, conteúdos
do
princípio mais confesso
instrumentos
valores sociais
espaços,
tempos: acesso
fortalecer
é necessário
nesse
texto em processo
11
Intenção: a letra indígena
brasileiras falas sociais
dimensões
vitais do tempo
posições
axiais
para
relações de consumos
iluminam-se
crenças, rituais
12
O ‘que’ e o ‘como’
sintetizam
importâncias
letras
escritas: fontes
diminuindo
distâncias
constituição
de 88
direitos
e errâncias
13
Organização política
participação
indígena
no
cenário nacional
antes
meio fora da cena
ritmo
e amplitude
isso
sim não aliena
14
Novas associações
Índios:
anos 90
revelam
autonomia
há
muito já se tenta
deste
modo no país
muito
a gente acrescenta
15
Com assessoria boa
Especializada
& tal...
mediante
parcerias
fica
coisa bem legal
não
indígenas, também
multiplicação,
uau!
16
Interação que facilita
relações
sociais e mais
políticas
indígenas
ampliações
sociais
economia
sustentável
universos
essenciais
17
E nas construções simbólicas
e identitárias: nosso país
Os
livros se farão
Professor,
o índio diz
indígena
salvação
aprenda
a ser feliz!
18
Expressa nacionalidade
importância fundamental
na
prosa e na poesia.
índios
teóricos, afinal
certeira
comprovação
etnologia
memorial
19
Formas de organização
inovações
rituais.
tradição
oral às Letras
escritas
ou orais
filosofia
indígena
isso
assim é bom demais!
20
Oralmente é diferente
solitário
é escrever e ler
indígena
escrita traz
performance
nova a ver
é
complexa e dinâmica
tente
ao menos entender
21
Com autor plateia tem
reação
inesperada
tá
faltando economistas
pra
juntar muito de cada
isso
é, sim, instrutivo
prum Brasil em disparada!
22
A nova escrita indígena
Nova Escola educação
nem
mais tutor nenhum
quer
reescrever a lição
livro
didático, assim
escreve-se
com própria mão!
23
Do genocídio tirano
Escravidão,
plantação
Misturando
bens e males
Foi
a colonização
Agora
no lugar-lar
Vem
desmarginalização!
24
Equação mundo/imagem
Reestrutura-se
assim
ethos
e cosmovisão....
falo de
literatura, sim
mas
tem outra razão
ecocrítica
no fim
25
O mundo, a realidade
Vem
do mito coletivo
ideias,
crenças, ideais
isso
é tudo muito vivo
branco
que chegou aqui
quis
deixar índio cativo!
26
‘Poesia’, ‘conto’ ou ‘crônica’
Pro não indígena é assim
Tal
do gênero textual
No
final é mei chinfrim
cabível
nas circunstâncias
da
Universidade, enfim
27
Na bidimensional página
tem
pouco, vou lhe dizer
índia
performatividade
ela
não consegue conter
minha
experiência de vida
te
digo que vai crescer
28
Sou sujeito coletivo
Sou
da mata social
Não
desprezo os de fora
Mas
não venha fazer mal
A
nova escola indígena
é
um aberto ritual
29
Nova cultura indígena
atravessa a escrita e a oral.
É escrita em português
E em língua não oficial
nem marginal nem canônica
cibernética, carnal!
30 Pra cada comunidade
Peço muita atenção
pros projetos dessa gente
somos de grande nação
produtor, consumidor
não é só dinheiro, não!
31 Leitor dos próprios textos
escola indígena também
consumidor/leitor se oriente
no que essa gente tem
livros possam circular
indo muito mais além
32 Comunidades produtoras
Isso não falta aqui
tradicionais sabedorias
das mais sábias que já vi
com valores culturais
formas escritas ali!
33 É capital cultural
Transcomunitário sim
abrangência, ainda não
Universidade outrossim
tais Letras fortalecendo
elas vão crescendo, enfim
34 Grande valor literário
Pro leitor e pra nação
E até mercado externo
Como é líndia essa canção
E está nas livrarias pra
jovens, filosófica ou não
36 Canônica na escola
Continua a subir
mecanismos de inclusão
é coisa pra insistir
exclusão curricular
disso não vai existir
37 A escrita indígena
é produto da História
povos dentro de um povo
o Brasil tem Memória
e se foi marginalizada
ainda vai cantar vitória!
38 Em menos duma geração
Tem seus cânones de escrita
intensificadora
das Letras
é indígena
bendita
e expõe a resistência
nela a gente
acredita!
39 Tal a
contribuição
pra leigo e pesquisador
muitos têm
se debruçado
sua
história é fator
que
a alguns encabula
reconheça,
seu doutor
40
Longe pós-coloniais
Português,
francês, inglês
que
buscaram “escrever de volta”
coisa
digo a vocês
reescreve
sua história
toda
sua, outra vez
41 Ambígua, híbrida
é
local e nacional
resultado
a longo prazo
ela
é sensacional
é
assim tão fascinante
nova
escrita e escola geral
42
Nova Literatura Indígena
Se
espalhando no país
Munduruku, Jekupé,
Yaman, Pataxó, diz
Kithaulu, Potiguara, fala
Terena, Guará, raiz
43
Haki'y, Wapixana, Yaguakãg
Makuxi, Kerexu Mirim
e
autores sem preconceitos
conteúdo
cognitivo, sim
valor
próprio de sedução
arte
importante é assim
44.
Função simbolizadora
que ela possa situar-se
tendo
um espaço próprio
e presentificar-se
cada
vez mais estudada
local
de fala, ela faz-se
45
Autorias indígenas
É Literatura forte
Erroneamente escondida
Era entregue à própria sorte
questões indígenas, sim
bem marcado suporte
46 Letras diferenciadas
Pelo brilho furta-cor
direito de expor sua arte
um universo em vetor
propriedade intelectual
coletivo/ individual primor
47 Oralidade
e escrita
Oratura ou impressa
saberes, fazeres e crenças
adotada
na Europa, essa
sobre
crise ambiental
a
muitos ela interessa
48
Vou ficando por aqui
Viva
ao indígena autor!
E
vamos cumprir a Lei
grade
escolar que for
a
cultura dos índios
fortaleça-se
esse AMOR!
CORDEL
DA VISÃO INDÍGENA
SOBRE
A LITERATURA PORTUGUESA
CORDEL
DA VISÃO INDÍGENA
SOBRE
A LITERATURA PORTUGUESA
AUTORES: ALINE LOPES DOS REIS, ANGÉLICA
MARIA SILVA DOS SANTOS, EIMYSLENE FERRAZ DE MELO SANTOS, ELMA PATRÍCIA LIMA,
ISLANIA MARIA DA SILVA, JOÃO PAULO DE JESUS DOS SANTOS, JOSEFA SANTANA DOS
SANTOS, JOSÉ PEREIRA DA SILVA, MARCIANA SOARES DO NASCIMENTO, MARIA APARECIDA
DO NASCIMENTO DA SILVA, MAURÍCIO JÚNIOR FRUTUOSO, OZANA SILVA MERENÇO DOS
SANTOS, VAGNA DA SILVA SANTOS, VALDINETE DE SOUZA SANTOS e WUANDA MYCIELQUE DA
SILVA
ORGANIZADOR:
MOISÉS MONTEIRO DE MELO NETO
1 Eu agora vou contar
uma história pra vocês
é uma história mentirosa
que eu ouvi certa vez
toda cheia de verdade
ou de mentira, talvez
2 É sobre Literatura
muito boa pra vocês
principalmente você
que estuda o português
começa na Idade Média
é de pobre e de Reis
3 Isso é tudo ficção
disse o professor Moisés
é lição muito bonita
da cabeça até os pés
e eu me emocionei
é quem eu sou e quem tu és
4 É poema e é cantiga
de
amigo e de amor
de escárnio
e maldizer
tem textura e tem sabor
nessa parte eu vou dizer
gente, há muito sabor...
5 E na prosa também tem
uma tal cavalaria
são
novelas fascinantes
podem se ler hoje em dia
gênero de antigamente
mas de hoje parecia
6 São heróis bem populares
hoje não tem tanto assim
por exemplo: o Rei Arthur
história tão linda, sim
são castelo e mistérios
tem até o mago Merlim
7 Excalibur, uma espada
uniu todo um país
se espalhou pela Europa
trouxe um final feliz
ela chegou até hoje
mas escapou por um triz
8 Pariconha foi lugar
de uma aula especial
no meu curso de Letras
algo assim sensacional
a história continua
vou contar até o final
9 Humanismo
é assunto
para crônica escrever
a história dos uns reis
absurda, pode crer
uma tal de Inês de Castro
enterrada volta a viver
10 Vou lhe falar de teatro
Gil
Vicente é o cara
do teatro
português
a cena ele escancara
Barca
do inferno e Inês
isso por aqui não para
11 Classicismo
vem agora
no século dezesseis
Lusíadas, Camões
história dos lusos vês
de Portugal é a glória
leiam e ricos sereis
12 Vamos falar do Barroco
que em Portugal também
teve expressão nas Letras
saiba disso muito bem
religiosidade é assunto
pra se notar e além
13 Características são
Coisas pra se notar
o exagero e o drama
isso se vai destacar
Sóror Mariana fez
Cartas pra gente estudar
14 Carta é Literatura?
Podem até ser, afinal
Vieira escreveu sermões
Isso foi sensacional
O que então aconteceu
no Brasil e em Portugal
15 E agora vou falar
do tal Neoclassicismo
Academia dos gregos
e Roma longe do abismo
do tempo e do lugar
não mais o preciosismo
16 Depois veio o Romantismo
que exagerou também
peça, romance e poema
Portugal aderiu bem
com essa nova visão
eu vou te dizer, vem!
17 O sonho agora é outro
Realismo: vida real
Literatura de fato
tal notícia de jornal
mulher que trai o marido
seria isso fatal?
18 Cientificismo
é
difícil de se explicar
caber em literatura
isso pode complicar
falar do Primo Basílio
isso eu vou tentar
19 Luísa, Jorge e Juliana
vejam que casa danada
tudo em Lisboa antiga
que cidade depravada
literatura é assim
vixe, que coisa danada!
20 Foi sexo na cabeça
foi amor coisa nenhuma!
um ninho de perdição
solução terá alguma?
Promessa de família
terminou virando espuma
21 Na poesia realista
de
Cesário Verde e Quental
ladrões e prostitutas
gente perdida e tal
Lisboa às avessas
contra o artificial
22 O que dissemos acima
vem da Questão Coimbrã
polêmica, tentativa
para um novo amanhã
literatura da vida
essa questão cidadã
23 Naturalismo
é forte
é animal, a questão?!
vai até direto ao ponto
se é amor ou só tesão
homem com homem, em Lisboa
é ou não depravação ?
24 Que literatura é essa?
é crítica social
tanta coisa de repente
no meu cordel genial
vou dar um tempo, irmão
isso é antigo e atual
25 Poesia Simbolista
É metafísica só
Espírito, alma
Do escuro ao arrebol
Pessanha escreveu poema
tal jogo de dominó
26 Sonho e melancolia
sinestesia até
cheia de efeito e além
especial ela é
leva do chão ao céu
lav´alma cabeça ao pé
27 Moderna? Florbela Espanca
poeta sensacional
mulher tão diferente
com verso tão genial
entre duas gerações
inovou tradicional
28 Não se assuste Pessoa
Fernando! Vem logo aqui!
tu que foste tanta gente
eu chorei eu sorri
com tanto verso bonito
tua poesia li
29 Caeiro,
Campos e Reis
tanta gente em um lugar só
trenzinho de brinquedo
o cadeado é um nó
o poeta é fingidor
leitor isso não vira pó!
30 Poesia é brincadeira
muito séria, meu senhor
tua ironia é mel
Pessoa bom criador
sensacionismo assim
vem do grande trovador
31 É com Fernando Pessoa
que a gente vai encerrar
e reabrir novamente
o infinito particular
eita, sujeito arretado!
pra gente ler e aprovar
32 Nesse mistério da vida
literatura com tal fervor
na sala desse sertão
mistura de amor e dor
leitor de Lemniscata arte
se lê com muito ardor...
33 Lembrei de Saramago
Prêmio Nobel vencedor
colírio para cegueira
de patrão e trabalhador
Deus está solto minha gente!
Quem é o vencedor?
34 Agora chegou o fim
desse cordel, sim senhor
pesquisando pra você
junto com o professor
indígena Pariconha
literatura é amor...
CORDEL
DO LOBISOMEM NA CORTE DE MAURÍCIO DE NASSAU
Autor: Moisés Monteiro de Melo Neto
1 Cheiro o cangote da morena
que parece fora de si
num frenesi sem jeito
vou lambendo a sapoti
para um homem como eu
de tesão eu explodi
2 Eita, corpinho bonito!
um estudiosos como eu
que carrega a maldição
sou lobisomem judeu
peguei isso no Caribe
foi meu pai, um fariseu
3 Com formação de Doutor
Mal dá pra se suspeitar
A febre dentro de mim
Numa noite de luar
Nem sempre acontece
Mas quando é, é de arrasar!
4 Venho assim sobrevivendo
Cada noite de terror
Sou tal bicho maldito
Poeta e agrimensor
coleto, organizo,
forneço
documentos de valor
5 Na cidade de Nassau
Vim de Holanda a
Pernambuco
Século dezessete,
estou
Sim ,sei, estou
maluco
Mas poucos são como
eu
Sei aguentar o
trabuco
6 Avisaram-me: nos trópicos
Mais feitiços ia pegar
Mas louco por aventura
Não, não pude evitar
mel dos lábios carinhosos
dengo, malícia no olhar
7 Já me caçaram na noite
Tantas vezes que nem sei
Novo Mundo, velhos truques!
Holandês me encantei
Hoje, noite enluarada
Que destino terei?
8 noite de verão grandiosa
festa no Palácio, grande
é o palácio de Friburgo
quem pode mandar que mande
Renascimento do Brasil
Nova Amsterdã, desmande
9 Intelectual europeu
Devia me dar ao respeito
Maldição de lobisomem
Não me dá esse direito
Ajo tão fora de mim
Muitas vezes sou suspeito
10 Sou uma lenda mundial
No Brasil cheguei assim
Num barco muito sinistro
Havia outros iguais a mim
Quero sangue, quero corpos
Numa fúria sem fim
11 A Licantropia eu tenho
Assim a ciência chama
A doença de um lobo
Que me contamina, inflama
Se não mato quem ataco
É mais um com essa trama
12 Dizem começo foi um pacto
De meu pai, meu ancestral
Queria fama e fortuna
De ser sobrenatural
Logo perdeu o controle
Sucedeu-lhe o Grande Mal
13 Fujo da bala de prata
De arma de prata, também
Isso veio de meu pai
Que hoje está no Além
Não que acredite nisso
Não duvide, disse alguém
14 Numa lenda grega antiga
Dizem foi castigo de Zeus
Pra punir um tal Licaon
Que tentou matar chefe- deus
Foi então punido assim
Mesma coisa com os meus...
15 Loup-garou,
na França
werewolf,
dos saxões
oboroten,
para os russos
lobisosômicas
dimensões
na Península Ibérica
África, Ásia: tensões
16 Eu sou filho de um incesto
Vim depois de sete filhas
Percorro veloz estradas
Não importa quantas milhas
Durmo até em cemitérios
Se tem perigo nas trilhas
17 No Nordeste estou anêmico
Quem me vê até parece
Que não desconfia de nada
Pois assim não transparece
Alguns dizem que há cura
Cera de uma Igreja viesse
18 Eu não quero nem tentar
Que um padre faça isso
Dê a vela de um altar
Que eu assuma o compromisso
De nunca mais ninguém matar
Quando quer me dar sumiço
19 Bala banhada com cera
De um altar, é assim o remédio
Enfiem no meu coração
Acabem com esse meu tédio
Quase não aguento mais
Já me jogo desse prédio
20 A serviço de Nassau
Construí observatório
Fico olhando as estrelas
Planetas, tudo ilusório?
Essas lentes levam pra longe
Eu e essa morena: um casório?
21 Meus filhos herdariam
Essa minha danação?
E dessa mulher, um dia
Comeria o coração?
jacaré, caranguejo, capivara
nordestina indecisão
22 Dou-lhe assim o meu veneno
Sob a lua incandescente
refletida no Capibaribe
o meu sexo ela sente
O que espera de mim?
Que lucros ela pressente?
23 A música vem do salão
O Baile prossegue, enfim
Aqui tem tanta luxúria
estranha excitação em mim
que agonia, que calor
Nesse holandês carmim
24 Pernambucano português
Se fala nesse lugar
Mais uma década de domínio
De holandês governar
Hoje o príncipe avisou:
“Boto um boi para voar!”
25 Queria eu alçar voo
Nos braços dessa morena
Voar até raiar o dia
Nessa mesma cantilena
Voar para outro mundo
Levar uma vida serena
26 Ir pra longe das intrigas
Viver sem futilidades
Esquecer que descobri
o ouro que ela (fatalidades!)
recebeu para me trair
contar aos lusos fragilidades
27 Das Índias Ocidentais
Sou funcionário, tanto tenho
Essa doida comigo teria mais
Ela não sabe a que venho
Pediram-me para envenená-la
Essa espiã que mantenho
28 Leio no meu destino
Não posso mudar a sorte
Toda minha fantasia
Meu amor vira morte
vendeu-se aos portugueses!
Seria comigo dama de porte
29 Amor, suave indolor veneno
a botânica me ensina
saboroso licor sob a lua
com o lobo, pobre menina
podia sair daqui com ela
fugir, diaba que me fascina
30 Entregou-se com volúpia
Colombina pernambucana
Num ritmo de ferver
Fervor que a lua emana
Do manguezal a força
Ele se transforma... vem a gana!
31 O monstro nele desperta!
Ela não percebe
Em gozos se contorce
Nem sequer concebe
Monstruosa mutação dele
No esplendor da sebe
32 Traquejado nessas situações
sente as unhas crescendo
os dentes vorazes aumentando
Há cinco anos ali vivendo
Conhecia caminhos secretos
Arrastou-a se escondendo
33 Sofria por sonhos e projetos
Desfeitos por gente como ela
uma tristeza profunda
em noite como aquela
cortava seu coração
fosse atém com uma donzela
34
Rasgou-lhe o pescoço
Ela tremia sem voz
Irremediável torpor
Em estranho prazer feroz.
Aos poucos ela morria
Ele foi seu algoz
36 Sob um frondoso jasmineiro
tirou tirar dela a chave do armário
onde ela escondera os planos
que roubara tendo-lhe com o otário
Frans Post e Eckout
aproximavam-se, com honorários
37 Não desconfiavam dele
Que recompôs-se num instante
Não mais se entregaria à paixão
Pensou na pátria distante
O lobisomem europeu
Um bom burguês elegante
38 Não mais excesso, nem nada
por natureza e por
ofício
medonho viver sem
paixões
aceitava o sacrifício
seres que se consomem assim
existem desde o princípio
39 Em solidão compartilhada
a romper elos com as criaturas,
cuidado com esses tipos
que andam em ruas escuras
Na volúpia da escureza
Não terás o que procuras
40 Seres da vida recôndita
que não gostam de se exibir.
Ao alcance das tuas mãos
Tens o fim dessa história
Espero seja lição
Pra tua a alma atingir
Certa purificação
41 Não queira sentir demais
esperar demais da vida
depois curtir
frustração.
O mundo é sina, é lida
solidão é insuportável
cure então sua ferida
42 Cuidado com Lobisomem
Que na dor de existir
Se arrasta escondido
Tal bom moço a atrair
Não faça ninguém de otário
Desconfie do porvir
43 Sigamos então assim
transitivo caminhar
comedimento é bom
e esse cordel vai parar
mas antes lhe digo algo
você não tente escapar
44 A história se repete
Em Pernambuco de antes
Ou depois, repare em qualquer lugar
Haverá seres amantes
E ouro, mais veja bem:
Tem coisas mais importantes...
CORDEL DA COMPADECIDA 2
Texto de Moisés Monteiro de Melo Neto
1 Agora vou lhe contar
Você já ouviu uma vez
Coisas da Compadecida
Mãe nossa, todos vocês
São coisas de chorar muito
De sorrir, também. Não crês?
2 Nós aqui temos certeza
De cordel, ouviu falar?
Livro bom, de toda gente
Dele não vou me afastar
Pois me deram a missão
Do livreto propagar
3 Inspiração é uma coisa
Que está em todo lugar
Difícil é corrigir
Tanto foieto apurar
Esse me veio de açoite
Num dia de festejar
4 Coisas da Compadecida
Disso eu vou escrever
Sobre um tal de Malasartes
Nordeste de num se crer
Começo logo dizendo
Um João Grilo pode ser
5 Mas né não assombração
O homi tornou a viver
Está aqui o número dois
Dessa história para ler
Depois que a Compadecida
Que a TV fez reviver
6 Eram três cordéis, então
Ariano assim juntou
Num tecido fabuloso
Que o paraibano criou
Vem aí uma homenagem
Três, primeiro, e o que findou
7 Digo logo, minha gente
Leia o que vem depois
É a tal Compadecida
Agora volume dois
Pensou que tinha acabado?
Se enganou, e apois?
8 Viche, vote, arrebite
Vou contar, o que veio após
De Malasarte à vida voltar
Grilo cê conhece, sem nós
O bicho mentia tanto
Era mais duro que nós
9 De tanto enganar o povo
Um cangaceiro encontrou
E mentiu tanto o danado
Que seu fim assim achou
Quem achou que era o fim
Acho que se enganou
10 Se deu bem com tanta gente
Com seu companheiro Chicó
Os dois andavam tão junto
Parecia até um só
A mulher do padeiro, o bispo
O padre, a cidade todo, dá dó
11 Morto foi ao purgatório
Pouco tempo passou lá
O diabo quis levar logo
Mas não é assim que está
O Grilo chamou Maria
Logo a gente chega lá
12 Maria chamou Jesus
Grilo besta ali ficou
Tirou logo uma onda
Danado, nunca parou
Jesus então pesou tudo
Maria o Grilo ajudou
13 Perdoado lá no céu
Grilo morto reviveu
Por milagre de Jesus
Maria que intercedeu
Diabo não perdoou
Mas aí ficou no seu breu
14 Chegando aqui na Terra
Grilo do céu nem lembrava
O véu do esquecimento
O milagre ocultava
Ele encontrou Chicó que
De suas coisas cuidava
15 Mais assombro vem agora
Deixa o cordel começar
Continuação da história
Eu não vou desafinar
Preocupante, relaxante
No final eu vou mostrar
16 Deu-se uma audiência
Vou agora cordelar
Coisa-ruim pediu licença
Pra do assunto tratar
Valha-me, Compadecida
Que o bicho quer pegar
17 Negócio é o seguinte:
Pediu audiência no céu
Invadiu, pode dizer
Senhor logo percebeu
“Retira-te, daqui, já!
Nada aqui tu tens de teu”
18 “Mandaram Grilo descer
Isso que não justo foi
Lugar dele é no meu reino
Bem sei disso e apôi
Na Terra ele não faz jus
Das Bênçãos de vocês doi!
19 Peço revisão do causo
Digo que ele tá pior
Que coceira com maruim
Continua um pecador
Deixa-me levá-lo
Pro mundo isso é melhor!”
20 “Não acredite nele, meu filho
Pois Grilo não é ruim
Já vimos, eu provei tudo
Nem precisava, enfim
Na Terra o Grilo é bom
Vá embora, ó cão. Sim!”
21 “Senhora, dê uma chance
Que lhe mostro conclusão
Fazendo Grilo provar
Se estou certo ou não!”
Foi aquele fuzuê
Veio assim a decisão
22 Grilo
seria testado
Sobre se mudou ou não
Descem dois anjos do céu
Pra resolver a questão
O coisa ruim disfarçado
Lançando provocação
23 Chegou perto do Grilo
Ofereceu dinheiro
Pra oferecer a um velhinho
Um investimento “certeiro”
Lance de cripto
moeda
O dobro por um milheiro
24 Grilo com metade
O velhinho com trinta
Mas quando chegou a hora
Dinheiro largou a tinta
Chicó reapareceu
Vocês não querem que eu minta
26 Foi um furdunço grande
Vou reconstituir
Os anjos vendo tudo
Não podiam interferir
O Grilo era inocente
Peleja ia persistir
27 Filho do velho se meteu
Se meteu, disse ia matar Chicó
Grilo provou inocência
Mesmo assim ficou pió
Eita rebuliço danado!
Esse cão é mesmo o
Ó!
28 Segue assim tal repente
Peleja, embolada
O sangue quase correndo
De Grilo e Chicó na cilada
Fi do véio decido
Tiro ou peixerada?
29 Os dois anjos vendo tudo
No céu mesma cena mostrada
Maria se aperriô
O Filho sem dizer nada
“Grilo teve boa intenção
Coisa não está acabada”
30 Cabra ia acabar com Chicó
Foi ele que apresentou o Grilo
Pro velhinho, vejam aquilo
O cão armou tudo
Contrato no nome dele
Investimento “tranquilo”!
31 A peixeira levantou
Chicó ia morrer
Grilo se meteu no meio
Amizade pra valer
“Chicó num se avexe
No céu a gente se vê!”
32 O famigerado filho
Braço forte levantou
Mas veio a mão do anjo
E a polícia chegou
Parou duelo, resolveu
Cão com grana escapou
33 Grilo e
Chicó inocentes
Justiça considerou
O velhinho ganhou na Loto
Mas história não acabou
Deu uma grana a Chicó
Que culpado não achou
34 Fi do veio se acalmou
Era tanto dinheiro, enfim
“Ai que Deus me abençoou!”
Pensou o velho assim
“Vou ajudar muita gente
Vai ser bom pra mim!”
35 Chicó tinha noiva
Pobres, queriam casar
Com boa ação do velhinho
Tudo pôde se arrumar
Grilo foi o padrinho
Sozinho ia ficar
36 Felicidade do amigo
Era a sua também
Sem amigo nesse mundo
A gente não se dá bem
O cordel acabou aqui
O senhor me dá um vintém?
Recife, 19 de
março de 2023, dia de São José
SHERLOCK E O CÃO DOS
BASKERVILLES
Cordel de Moisés
Monteiro de Melo Neto
1 Essa história vou contar
Sei você vai perceber
Algo de inconveniente
Depois vai entender
Caso do Sherlock Holmes
Pra todo mundo ler
2 Livro com mais de cem anos
Traz hoje um interesse
No cordel aqui presente
Que do escocês fez-se
O escritor Conan Doyle
Sem que concorresse
3 Esse cordelista fez
texto assim matreiro
num caso do detetive
da rua do padeiro
Baker Street, endereço
Investigação? Certeiro
4 Tudo começou em Londres
Tendo em lama acabado
Logo explico como
Agora fica calado
E falo bem no início
Lá Holmes foi contratado
5 Uma história cabeluda
De demônio não previsível
Deus nos livre do Danado
Monstro não muito crível
Interior da Inglaterra
Uma vingança incabível...
6 Henry Baskerville
Herdeiro de um rico tio
Herda mansão assombrada
Maldição de um cão sombrio
Que ninguém via, mas cria
Que tremendo calafrio!
7 O tio morre do coração
Intriga evoluía assim
Estranhas pegadas
No imenso jardim
Enredo se complicava
Chamam Holmes, enfim...
8 Mas quem vai é Watson
Auxiliar do detetive
Entre os dois nada
Que a intimidade prive
Na mansão de Henry
O pavor sobrevive
9 Que um dia o cão chegue
Mais um Baskerville morra
Não se salva assim
Quem na Hora H
corra
Um segredo ronda tudo
Com ele ninguém concorra
10 O que provocara morte
Terrível ao velho Tio?
Pistas não batiam bem
Tio saiu às dez, sadio
O que o fez sair
Em horário assim tardio?
11 Vizinhos ricos ou não
Apontavam a Maldição
Na Mansão dos Baskervilles
Tempo é imensidão
Trama que se enrosca
Até fugitivo de uma prisão
12 Um pântano tudo circula
Fede tanto com armadilhas
A quem se arrisca a ali estar
Ao luar ou de dia: “ilhas”
Para quem sabe
Ir lá, decifrar trilhas
13 Pôneis afundam e morrem
Estertores infernais
Belas mulheres se atrevem
A Romances sensuais
No meio daquilo tudo
Nevoentos umbrais
14 Um biólogo, um advogado
Um mordomo bem suspeito
Um vilão se esconde do leitor
Tamanho é o efeito
Que essa literatura causa
Clima, suspense perfeito
14 Caça ao criminoso prossegue
Quem seria o culpado
O cão a todos têm assombrado!
Olhos e boca lançam fogo
É o que o povo tem falado
15 Watson percorre pistas
Mantém Holmes, em Londres, a par
Mas a coisa se complica
Será que vão escapar?
O ajudante e o detetive
Tem muito a desvendar...
16 Ruínas paleolíticas
Dos homens das cavernas
Aumentam mais a intriga
Força internas e externas
História e mitologia
Tornam tais coisas incertas
17 Há notícia que um fugitivo
De uma cadeia local
Está escondido ali
No tal denso pantanal
Irmão da criada de Henry
Mas isso terminou mal
18 O biólogo e sua mulher
Aquele tórrido par
Eram sensuais conquistadores
Terrível jogo de azar
Deram golpe e não ganharam
O prêmio a conquistar
19 Sherlock descobriu tudo
Restava obter as provas
Isso é o que faria
Um plano ideias novas
Isso envolveria mortes
Não só versos e trovas
20 Cordel com reviravoltas
Esse que vou tecendo
Como provar os crimes
O biólogo envolvendo
O cão era um demônio dele?
Não foi bem assim, entendo
21 O detetive se escondeu
No pântano, que rebuliço
Era astúcia do biólogo
Ou mesmo um tal feitiço?
Proteger Henry do pior
Era esse o compromisso
22 Numa noite de lua e neblina
Tudo então se esclareceu
Biólogo mata homem errado
Aí se comprometeu
Amarrou sua mulher
E nela muito bateu
23 Atraiu Henry, pra matá-lo
O truque com o cão era tal
Pintou o bicho em fosforescente
Para aspecto fatal
assim tinha matado o tio
com o sobrinho seria igual
24 Sherlock frustrou-lhe os planos
Matando o cão danado
E o biólogo maluco
Ao fugir morre afogado
Mais um caso resolvido
e documento arquivado
POSFÁCIO
Em
forma de artigo
História, tradição e ruptura: uma análise da Antologia
do Cordel, de Moisés Monteiro de Melo Neto
History, tradition and rupture: an analysis of the Antologia
do Cordel, by Moisés Monteiro de Melo Neto
Mychel
Arthur Martins França
(Universidade Estadual de Alagoas)
Resumo
Nos últimos anos, as
pesquisas acerca da Literatura de Cordel têm se tornado motivo de grandes
estudos, discussões e debates no mundo acadêmico e científico. Assim, buscando
contribuir para o avanço dessas reflexões, este artigo tem por objetivo
apresentar uma análise da obra Antologia do Cordel, do professor,
escritor e teatrólogo Moisés Monteiro de Melo Neto, destacando a relação que
une temática, história, tradição e ruptura nos doze cordéis existentes na
coletânea. A metodologia da pesquisa é de caráter qualitativo, centrada a
partir de um estudo bibliográfico. O aporte teórico está amparado nas
contribuições de Candido (2006); Haurélio (2016); Meyer (1980); Pécora
(1998,1999). O estudo permitiu compreender que os cordéis de Moisés Monteiro de
Melo Neto trazem marcas da cultura popular brasileira, atribuindo novos
sentidos à estética cordelista.
Palavras-Chave:
Literatura Brasileira. Moisés Monteiro de Melo Neto. Literatura de Cordel.
Abstract
In recent years, research on
Cordel Literature has become the subject of great studies, discussions and
debates in the academic and scientific world. Thus, seeking to contribute to
the advancement of these reflections, this article aims to present na analysis
of the work Cordel Anthology by professor, writer and playwright
Moisés Monteiro de Melo Neto, highlighting the relationship that unites theme,
history, tradition and rupture in the eleven existing strings in the
collection. The research methodology is qualitative, centered on a
bibliographic study. The theoretical contribution is supported by the
contributions of Candido (2006); Haurélio (2016); Meyer (1980); Pécora (1998,
1999). The study allowed us to understand that Moisés Monteiro de Melo Neto’s
cordéis bring marks of Brazilian popular culture, giving new meanings to
cordelista aesthetics.
Keywords: Brazilian Literature. Moisés Monteiro de Melo Neto.
Cordel Literature
Introdução
Nas últimas décadas, as pesquisas
direcionadas à temática da Literatura de Cordel têm tomado forma a partir das
contribuições de grandes estudiosos que compreendem a necessidade de direcionar
um olhar mais acentuado para esse tipo de manifestação literária, levando em
consideração, principalmente, que as primeiras investigações sobre esse assunto
surgiram entre a segunda metade do século XIX e primeira metade do século XX. O
Cordel assume um caráter literário que firma as relações de cultura, história e
tradição, tornando-se, nesse sentido, objeto de estudo deste trabalho.
A Literatura de Cordel surge como uma
representação da cultura popular escrita em formato de poesia, frequentemente
de forma rimada. Os relatos são orais e possuem três elementos essenciais: a
métrica, a rima e a oração. Popularizou-se, inicialmente, na Região Nordeste,
com origem ainda em Portugal. O nome “Cordel” faz referência às cordas
(barbantes) onde os folhetos ficavam expostos em feiras diversas.
Assim, buscando contribuir para os estudos da
Literatura de Cordel, este artigo tem por objetivo apresentar uma análise da
obra Antologia do Cordel, do professor, escritor e teatrólogo Moisés
Monteiro de Melo Neto, destacando a relação que une temática, história,
tradição e ruptura nos doze cordéis existentes na coletânea. A metodologia da
pesquisa é de caráter qualitativo, centrada a partir de um estudo
bibliográfico. O aporte teórico está amparado nas contribuições de Candido
(2006); Haurélio (2016); Meyer (1980); Pécora (1998,1999).
O presente estudo encontra-se estruturado em
quatro seções. A primeira tece considerações acerca da biografia do professor,
escritor e teatrólogo Moisés Monteiro de Melo Neto. A segunda apresenta, de
forma sucinta, a Antologia do Cordel. A terceira traz algumas reflexões
da Literatura de Cordel. A quarta analisa, de forma crítica, os cordéis
da obra. As abordagens a seguir versam sobre a biografia de Moisés Monteiro de
Melo Neto.
Um mosaico em construção
Moisés Monteiro de Melo Neto é doutor em
Letras, professor na Universidade Estadual de Alagoas – UNEAL e na Universidade
Estadual de Pernambuco – UPE. Tem cerca de dez livros publicados, dentre eles: Literatura
Dramática Através dos Textos, Literatura Africana de Língua Portuguesa: Uma
Prática de Ensino e Biografia, Autobiografia e Autoficção.
Atua
nas áreas de Dramaturgia, Literatura Comparada, Estudos Culturais, Produção
Textual, Literaturas de Língua Portuguesa, Representações dos Gêneros,
Bioficção, História e Cinema. É autor de várias peças teatrais. Colaborou com o
Suplemento Cultural da CEPE, com a Revista do Gabinete Português de Leitura e
Jornal do Commercio, Recife, com O Século (de Garanhuns) e Le Monde
Diplomatique, dentre outros. Faz parte do Programa de Mestrado Profissional
em Letras (ProfLetras), do Programa de Pós-Graduação da UNEAL. Membro dos
Núcleos de pesquisa e extensão: NEAB (Núcleo de Estudos sobre África e Brasil),
Núcleo de Estudos Políticos, Estratégicos e Filosóficos: NEPEF e Estudos
Literários, Artes e Ensino: NELIEN e LEPRADIS. Coordena o Grupo de Pesquisa
GPLITPOP (Grupo de Pesquisa em Literatura Popular), da Universidade Estadual de
Alagoas.
Moisés escreveu dezenas de peças teatrais que
foram premiadas e montadas com sucesso, como: Delmiro Gouveia, Anjos de Fogo
e Gelo (2008), Para Um Amor no Recife (1999), Bruno e o Circo (2010),
dentre tantas outras. Em 2017, assinou o dramaturgismo de Um Minuto para
Dizer que te Amo, peça com sucesso absoluto de público e crítica. Em 2022,
estreou sua peça Caetés, com o grupo HUMANCENA, de Alagoas.
Antologia
do Cordel: uma obra perspicaz
A Antologia
do Cordel, de Moisés Monteiro de Melo Neto, decorre a partir de um novo
sentido de trabalho com a Literatura de Cordel, buscando, inclusive, a sua
utilização como ferramenta de ensino. A obra reúne uma coletânea composta por doze
cordéis, sendo eles: Enterrado Vivo: O Homem que Virou Cordel, Vampiro no
Cordel de Pernambuco, O Cordel da Estrela Janis Joplin, Cordel de Dom Quixote
Para Jovens, Cordel da Ilíada: Poema de Homero Sobre a Guerra de Troia, Cordel
das Bonecas Enforcadas, Cordel da História do Teatro, Cordel da História da
Língua Portuguesa e Cordel: Tradição, Ruptura e Proposta de Ensino, Cordel da Literatura Brasileira de Autoria
Indígena e o Cordel da Visão Indígena
sobre a Literatura Portuguesa, Cordel do Lobisomem na Corte de Maurício de
Nassau
É
possível identificar que o autor possui o comprometimento de firmar a ideia de
tradição e herança cultural a partir da lírica utilizada em seus cordéis.
A
Literatura de Cordel
Diversas
manifestações literárias assumem significados próprios e particulares que, de
modo a serem analisados, transmitem sentimentos, saberes estéticos e
comunicativos e uma lírica que abrange elementos de diferentes temáticas. Desse
modo, a Literatura de Cordel acolhe, de forma relevante, as definições citadas.
A
Literatura de Cordel é definida, dentre diversos conceitos, como uma grande
manifestação literária pertencente à cultura popular brasileira,
especificamente ao Nordeste, região na qual o gênero recebe maior consolidação
histórica. O Cordel possui uma linguagem que, na maioria das vezes, foge das
exigências da norma culta padrão da língua portuguesa, possuindo vestígios de
variação linguística e marcas dos vícios de linguagem presentes na Região
Nordeste do Brasil. A escrita é apresentada em versos e pode estar presente em
pequenos folhetos de xilogravura com cores leves. Partindo para a sua origem, é
importante ressaltar, por conseguinte, que o Cordel possui um legado cultural
português, com os trovadores medievais, chegando ao Brasil em meados do século
XVIII.
O
Cordel possui conceitos múltiplos e recebe, em sua estrutura temática,
peculiaridades da cultura popular, levantando questões e raízes históricas de
modo a retratar uma poética formada por rimas. Considerando as acepções acerca
dessa temática, Haurélio (2016) assegura que
a Literatura de Cordel é a poesia popular, herdeira do
romanceiro tradicional, e, em linhas gerais, tributária da literatura oral (em
especial dos contos populares), desenvolvida no Nordeste e espalhada por todo o
Brasil pelas muitas diásporas sertanejas. Refiro-me, evidentemente, à
literatura que reaproveita temas da tradição oral, com raízes no trovadorismo
medieval lusitano, continuadora das canções de gesta, mas, também, espelho
social de seu tempo. (HAURÉLIO, 2016, p. 9 e 10).
Por
esse lado, percebe-se que, além de expor a representação da cultura popular
brasileira, juntamente com marcas e processos voltados para a poesia
tradicional do Nordeste, a Literatura de Cordel abrange ciclos históricos que
surgem para contextualizar, explicar e resgatar o surgimento e a importância
desse tipo de manifestação artística e literária que favorece, com ênfase, o
lirismo e a poética cordelista, trazendo considerações pertinentes.
O
Cordel, em sua representação, possui grandes nomes que, além de firmarem e
trazerem sentidos e contextos ao versos que o constitui, contribuem para a
expansão da arte desse tipo de gênero não só no Nordeste Brasileiro, mas em
todo o Brasil. O cordelista, por sua vez, transforma o sentido de escrever em
um processo lírico e literário capaz de ressignificar histórias, sentimentos,
humor e acontecimentos presentes em folhetos de papéis diversificados. Nesse
contexto, deve-se levar em consideração alguns grandes nomes da Literatura de
Cordel, bem como: Leandro Gomes de Barros, Apolônio Alves dos Santos, Cego
Aderaldo, Cuica de Santo Amaro, Guaipuan Vieira, Firmino Teixeira do Amaral,
João Ferreira de Lima, entre outros.
De
modo a explanar os processos sociais e culturais que passam a explicar, com
pertinência, a importância do Cordel em uma perspectiva histórica, afirma-se
que
quando
a Literatura de Cordel, ou de folhetos, estava tomando forma, viviam, na Região
do Teixeira, afamados cantadores, como o escravo Inácio da Catingueira e Romano
da Mãe d ‘Àgua. Inácio, embora analfabeto, era brilhante improvisador, e
Romano, seu oponente numa peleja, possuía rudimentar instrução. Leandro, por
outro lado, mesmo sendo bom glosador, decidiu-se por registrar no papel os seus
versos, possivelmente ainda no Teixeira, levando-os ao Prelo em Pernambuco. A
peleja de Inácio com Romano foi recontada em folheto por Leandro – que
reaproveitou trechos caídos na oralidade – e por Silvino Pirauá de Lima.
(HAURÉLIO, 2016, p. 14).
Nessa
perspectiva, fica evidente que compreender a origem da Literatura de Cordel, em
sua totalidade, associa-se ao fato de resgatar os acontecimentos que tornaram
esse tipo de expressão artística tão popular na contemporaneidade, sendo uma
tradição literária que torna a métrica e a rima elementos indispensáveis nas
produções regionais.
Apesar
da métrica exigida, os autores de Cordel possuem uma certa autonomia na
construção do lirismo dado às suas produções. A rima, além de atribuir
sonoridade aos versos de cada estrofe, concede a facilitação da descrição de um
determinado acontecimento ou fato histórico (características frequentemente
encontradas nos cordéis), agindo como uma espécie de “licença poética”. De
acordo com Candido (2006),
a grandeza de uma literatura, ou de uma obra, depende da
sua relativa intemporalidade e universalidade, e estas dependem por sua vez da
função total que é capaz de exercer, desligando-se dos fatores que a prendem a
um momento determinado e a um determinado lugar. Esta função é aparentemente
menos acentuada na literatura oral, que parece limitar-se ao âmbito restrito
dos grupos em que atua e que a produzem. (CANDIDO, 2006, p. 53).
Á
vista disso, nota-se que a independência e a autodeterminação na formação do
lirismo de uma obra poética (como é caso da Literatura de Cordel) sujeita-se a
partir da forma como uma história ou lembrança do passado gera exatidão (intemporalidade)
e múltiplos conhecimentos (universalidade) como fatores essenciais para definir
a magnitude de uma produção literária.
Meyer
(1980) declara que os poetas procuram se informar de tudo. Leem, quando podem,
e tentam possuir uma pequena biblioteca. É o caso de Manoel Camilo, possuidor
de uma estante cheia de livros. O autor ainda reitera que o poeta popular
possui, em suas características, uma verdadeira obsessão pelo aprimoramento da
linguagem. Justamente por isso, não devem ser confundidos com os chamados
poetas matutos, os quais deformam de propósito o idioma, com o objetivo de
recriar a linguagem do homem do campo, que acredita errada.
Pécora
(1998,1999) surge com a ideia de que não se pode ler Literatura
convenientemente como documentação direta da realidade, também não convém
tomá-la como não histórica ou não datável. O que tem de convenção e artifício é
exatamente o mesmo que tem de produto histórico.
Dessa
forma, observa-se que além da sua grande representação cultural, a Literatura
de Cordel é vista como um instrumento que passa a redefinir as suas próprias
histórias, principalmente quando criadas pelos próprios autores cordelistas.
Análise crítica dos cordéis
A
métrica do Cordel é variada. A poesia expressa nos folhetos é restrita. A forma
mais utilizada é a sextilha, ou seja, as estrofes que possuem seis (6) versos
ou linhas. Cada linha possui, geralmente, sete (7) sílabas, a redondilha maior,
podendo, às vezes, ter cinco (5) sílabas, redondilha menor. O esquema rímico
dos versos é em geral abcbdb:
Os nossos antepassados (a)
Eram muito prevenidos (b)
Diziam: matos têm olhos (c)
E paredes têm ouvidos (b)
Os crimes são descobertos
(d)
Por mais que sejam
escondidos (b)
(O cachorro dos Mortos, de
Leandro G. de Barros)
Os
cordéis de Moisés Monteiro de Melo seguem a métrica tradicional. A composição
da sua lírica transita por diferentes contextos, culturas e enredos. O primeiro
Cordel a ser analisado é intitulado de Enterrado vivo: o Homem que Virou
Cordel. É importante ressaltar que as análises a seguir serão representadas
a partir de pequenos fragmentos da produção, (primeiras estrofes) mas os
enredos dos textos foram explorados satisfatoriamente de forma completa.
Enterrado
Vivo: O Homem que Virou Cordel
Sou o enterrado vivo
Pense você o que
pensar
Tudo começou bem cedo
Não precisa adivinhar
Porque vou contar
tudinho
Só você acompanhar
A produção é composta por 24 estrofes. Nela,
Moisés traz a sua autobiografia enquanto cordelista, transitando pela descrição
dos acontecimentos que o levaram a ser autor de Cordel. A cada estrofe, é
possível identificar, de forma rimada, os relatos do seu amor pela Literatura
de Cordel, assim como as ocorrências da sua vida. Deixa claro que um autor como
ele não será encontrado em lugar nenhum, fazendo destaque à sua lírica e ao seu
desejo de possessão pelo Cordel. O autor declara que o seu destino está
destinado a ser poeta errante, referenciando, assim, a forma como os cordéis
são escritos. O autor utiliza o Cordel como uma forma de expor a sua biografia
e o caminho percorrido para tornar-se quem hoje ele é. O título remete que o
escritor foi enterrado vivo em mágica sepultura, ou seja, de forma artificial. O
Homem que Virou Cordel direciona o leitor para a ideia que Moisés é o
próprio Cordel por trazer a sua autodescrição biográfica no texto.
O cordel intitulado Enterrado Vivo: O
Homem que Virou Cordel é uma manifestação literária bem construída. O autor
coloca-se como o próprio Cordel e sua lírica é apresentada de forma
simplificada, permitindo que o leitor possa assimilar com facilidade as ideias
expostas. A produção apresenta traços biográficos do autor, mas com o cuidado
necessário de manter a originalidade da estrutura de um Cordel. A métrica e a
rima são bem acentuadas e firma os termos estéticos, linguísticos e retóricos
da obra. O texto é uma grande contribuição literária para os estudos da
Literatura de Cordel, podendo ser utilizado, inclusive, como proposta de
ensino.
Vampiro no Cordel de Pernambuco
O cordel é organizado em 5 partes. A
primeira, constituída de 8 estrofes, com 6 versos. O autor inicia detalhando o
espaço e o tempo em que a história acontece, que seria na cidade de Recife, em
Pernambuco, numa madrugada fria, manifestando os seus desejos, revelando-se
assim, um vampiro que pretende transformar ou matar um jovem que parece
desesperançado na ponte do Capibaribe, se essa for a vontade deste.
A segunda parte é composta por 13 estrofes de
6 versos. É onde o vampiro se apresenta como cordelista, mostrando para o jovem
o que seria a sua última esperança:
Quer
alçar voo ao céu?
Parado
no meio da ponte
Do
bem e do mal, eis a fonte
Não
escolha um ou outro.
A
igreja que desconte
A terceira parte contém 8 estrofes de 6
versos e passa a ser narrada pelo jovem já transformado, questionando se teria
feito a melhor escolha:
Aí
ele me mordeu
Numa
noite sem fim então
Vampiro
me ensinou muito
Será
tudo isso em vão?
Ó
crianças das trevas!
No
morrer tem salvação?
O tema
religioso pode ser encontrado em diversos momentos do texto, como quando o
personagem afirma preferir a filosofia ao livro judeu, discordando de quem o
escreveu. O autor cita os palestinos, cristãos etc.
Na quarta parte, composta por 13 estrofes de
6 versos, Moisés retrata a realidade social no seguinte verso:
Pobres,
mulheres, gays, negros
Não
tinham status algum
Mundo
Deus estava morto e
Sem
religião para nenhum
Daí
só tomava sangue
Do
luxo e da pobreza fiz “Um”
O personagem diz não matar os inocentes no
início e lamenta a sua sina. A parte 5 é constituída por 5 estrofes. A
primeira, de 5 versos, e as últimas, de 6 versos. Nessa parte do texto, fica
evidente os motivos que o levou a escrever o cordel, a vontade de transformar
tudo em arte, contemplar o esplendor que o amor o dava e sair do tédio. Ele
finaliza:
Este
folheto acaba assim
No
pensamento que me atormenta...
Pois
não consigo fazer texto
Que
enfim vos acalenta
Leitor
desperte do sono
Que
no nosso estado se assenta.
O Cordel da Estrela Janis Joplin
Constituído por 120 estrofes e 6 versos, o
cordel narra a história da cantora, compositora e multi-instrumentista Janis
Joplin. O autor apresenta uma narrativa detalhada dos principais acontecimentos
da vida da rainha do rock, desde o seus nascimento, apontando o contexto
socioeconômico e cultural no qual a artista viveu:
A
Realidade era petróleo
A
poluição no ar
Violência
em cada esquina
Segregação
até no bar
Lá
o garoto era ensinado
A
cara do outro quebrar
O autor apresenta a infância da artista,
destacando pontos importantes como o preconceito na escola, relação conturbada
com os pais, adolescência agitada, início da carreira, o estrelato e toda a
libertinagem que viveu até o vício a tirar de cena.
Conhecida
e amada
Só
que por gente demais
Pelo
frenesi e doidice
Talento
e muito mais
Uma
deusa do Olímpio
De
resultados fatais
Cordel de Dom Quixote Para Jovens
Este cordel contém 24 estrofes de 6 versos e
conta a história de Quixote de La Mancha, obra de Miguel de Cervantes, numa
linguagem coloquial, assim como a obra original. O autor divide o cordel em 2
partes. Na primeira, ele expõe os personagens e as aventuras imaginárias e
protagoniza o texto de uma maneira leve, dialogando com o leitor:
Você gosta de sonhar?
Pois
veio ao lugar certo
Isso
parece um desenho
Feito
por um esperto
tem
moinhos, tem ovelhas
Deixe
o olho bem aberto
A primeira parte é encerrada na estrofe de
número 18 e a segunda é iniciada na estrofe 19, momento em que Quixote volta à
estrada. O texto é finalizado a partir
de um diálogo com o leitor, dando ênfase à importância da liberdade.
Cordel da Ilíada: Poema de Homero Sobre
a Guerra de Troia
A
Ilíada, poema grego
Mas
também universal
Que
narra a “Guerra de Troia”
Com
desenlace fatal
Foi
escrito por Homero
Num
tempo bem ancestral
No decorrer do cordel, o autor apresenta o
poema grego, escrito por volta do século VIII a. C, e sobre o que ele é
apresentado na obra, citando a autoridade de Homero sobre a sua narrativa
diante desse acontecimento que é conhecido e famoso pelo mundo inteiro. O autor
traz a figura principal da obra, Aquiles. Posteriormente, cita sobre o rapto de
Helena, que teria sido um dos motivos da guerra, e além da Ilíada, outra obra
de Homero é citada, a Odisseia, que também traz uma parte final da guerra, é
quando o “Cavalo de Troia” é mencionado pela primeira vez.
O cordel traz uma visão ampliada acerca da
obra de Homero. A linguagem é desenvolvida de forma clara, objetiva e com um
certo humor, como ocorre na terceira estrofe: “se achava o Ideal/ o belo e o
bom guerreiro”.
Assim, a leitura chama atenção para fatos
históricos e mitológicos da sociedade grega, ressaltando os acontecimentos da Guerra
de Troia. Moisés retrata como os elementos míticos e as estruturas
religiosas auxiliam na manutenção da realeza, configurando-se como um tipo
particular de realeza divina.
Cordel das Bonecas Enforcadas
É
uma história muito triste
Que
eu conto pra vocês
Leiam
com muita atenção
Não
sai dessas todo mês
História
de uma menina
Aconteceu
certa vez
No decorrer das estrofes, é apresentada a
história de Mariazinha, uma moça que engravida de um rapaz que é filho de uma
mulher que faz parte de uma liga, retratando na terceira estrofe que quer
“acabar com a safadeza/”, mas percebe-se, e talvez venha a ser como uma crítica
ou uma espécie de ironia sobre o que ocorre frequentemente na sociedade, onde
as pessoas que se intitulam de “conservadores”, julgam apenas as moças,
principalmente, de classe baixa. No enredo, fechavam os olhos para as ricas,
que quando descobrem sobre a tal menina, filha de Mariazinha, fazem um plano
com a criança.
Na décima nona estrofe, após o ocorrido com a
menina loira, a mãe começa a fazer bonecas e pendurar as mesmas. Isso nos faz
lembrar das mães que perderam seus filhos e não puderam fazer nada, apenas
viver e existir com a dor da perda. É válido ressaltar que nem todas conseguem
suportar a dor, chegando a cometer o próprio suicídio, como é o caso de
Mariazinha. O Cordel nos relaciona com a lenda da ilha das bonecas enforcadas,
no México, na cidade de Xochimilco, em que há diversas bonecas penduradas e
mutiladas. Há muitas lendas sobre bonecas, como por exemplo, a famosa
Annabelle, Chucky, O Brinquedo Assassino,
Billi dos Jogos Mortais etc.
De modo geral, esse cordel é recomendado para
quem gosta de história relacionada ao mistério, como por exemplo, as lendas urbanas.
É um cordel que nos faz pensar sobre como as pessoas que estão no poder ou em
um posto de importância, podem causar prejuízos, destruindo os menos
favorecidos, fechando os olhos para a classe baixa.
Esse cordel foi escrito e inspirado nas
bonecas vendidas à beira da em Lajedo (PE), penduradas inclusive em árvores e
num estranho episódio acontecido em Lagoa de São José, onde à meia-noite, certa
vez, um amigo do autor viu um fantasma de uma criança andando ao largo muro de
um cemitério.
Cordel da História do Teatro
Ariano
Suassuna
um
dia me disse assim:
que
o teatro indígena
não
tinha Serafim
e
que não veio da Grécia
era
autêntico e fim!
Logo no começo, o autor já retrata algo que
chama atenção, quando ele cita que o teatro não veio da Grécia, já que se
procurarmos sobre a trajetória do teatro ocidental, implicaria em buscar suas
origens levando, assim, ao Mar Mediterrâneo, em que foram desenvolvidas
diversas civilizações, às quais podemos relacionar a existência de
representações teatrais, ligadas primeiramente às cerimônias religiosas. Assim,
é perceptível que antes dos portugueses chegarem ao país, já se tinha o teatro.
No decorrer do cordel, grandes nomes da dramaturgia são mencionados, como:
Ariano Suassuna, Calderón de La Barca, Lope de Vega, Shakespeare, Martins Pena,
Arthur Azevedo e outros.
O cordel nos traz uma perspectiva sobre como
foi a passagem dos tempos antigos até a contemporaneidade, trazendo elementos
como o drama, a comédia e algumas críticas, como é o caso da oitava estrofe.
Assim, temos menções necessárias ao entendimento do teatro, além dos maiores
poetas e obras que marcaram essa arte até os dias atuais.
Cordel
da História da Língua Portuguesa
Aqui o autor traz a diferença entre a língua
coloquial e a língua em sua forma culta. O surgimento da língua portuguesa se
dá através do galego português, vindo da Península Ibérica, O autor nos mostra
a importância de quatro grandes escritores: Oswald, Manoel Bandeira, Cecília e
Chico Buarque.
Oswald
e Bandeira eram livres
Pra
recriar fala do povo
Fizeram
tanta literatura
Poeta
voo ao ovo
Cecília,
chico Buarque
Nossa
língua assim louvo.
Este cordel deve ser trabalhado em sala de
aula, pois seus temas são essenciais para a construção de conceitos e estigmas
da sociedade.
Cordel: Tradição, Ruptura e Proposta de
Ensino
Moises Monteiro Melo Neto faz aqui uma reflexão sobre
como a sociedade ignora as pessoas analfabetas. O preconceito, por sua vez, faz
essas pessoas duvidarem dos seus potencias. O autor aborda de forma muito
espontânea o tema sobre analfabetismo que percorre por muitas décadas, onde as
pessoas mais humildes são localizadas em zona rurais. Moisés ainda faz a
intertextualidade com outros cordéis e vem nos mostrar um dos acontecimentos
mais emblemáticos da história do país: o governo de Getúlio Vargas, com o seu
trágico suicídio, ocorrido no ano de 1954.
Quando Getúlio suicidou-se
Em cinquenta e quatro, ele fez
um folheto de oito páginas
foi
assim a bola da vez
feito no mesmo dia
da morte
vendeu setenta mil e satisfez.
Com essa intertextualidade
Moisés exercita mais uma das suas práticas favoritas, a ressignificação através
do mergulho em outros textos que tenham a ver com o tema desenvolvido. É um
exercício dinâmico que amplia horizontes de expectativas tornando a paráfrase
um elemento ativo e crítico.
Nos dois últimos cordéis da
Antologia aqui estudada, Cordel
da Literatura Brasileira de Autoria Indígena e o Cordel da Visão Indígena sobre a Literatura
Portuguesa, temos a preocupação com a questão da participação do indígena
na literatura, o foco de Moisés, aqui, ilumina o palco literário para destacar
a importância do autor indígena que tem seus livros impressos. No primeiro caso
há destaque para nomes (dos autores indígenas) como vemos nos trechos abaixo
(aqui colocamos os números das estrofes):
42 Se espalhando no país
Munduruku, Jekupé,
Yaman, Pataxó, diz
Kithaulu, Potiguara, fala
Terena, Guará, raiz
43 Haki'y, Wapixana, Yaguakãg
Makuxi, Kerexu Mirim
e autores sem preconceitos
conteúdo cognitivo, sim
valor próprio de sedução
arte importante é assim
44. Função simbolizadora
que ela possa situar-se
tendo um espaço próprio
e presentificar-se
cada vez mais estudada
local de fala, ela faz-se
45 Autorias indígenas
É
Literatura forte
Erroneamente
escondida
Era
entregue à própria sorte
questões
indígenas, sim
bem
marcado suporte
46
Letras diferenciadas
Pelo
brilho furta-cor
direito
de expor sua arte
um
universo em vetor
propriedade
intelectual
coletivo/
individual primor
47
Oralidade e escrita
Oratura
ou impressa
saberes,
fazeres e crenças
adotada na Europa, essa
sobre crise ambiental
a muitos ela interessa
Temos acima uma preocupação
e uma proposta de cânone de autores indígenas espalhados pelo Brasil. Moisés
reflete a importância dos estudos acadêmicos nessa área. Novamente continua com
as sextilhas heptassilábicas, com rimas nos versos pares, o que também acontecerá
no penúltimo cordel desta antologia, Visão Indígena da Literatura Portuguesa,
que Moisés apenas organiza, mas que foi escrito por seus alunos da cadeira de
Literatura Portuguesa, no Curso de Licenciaturas Interculturais
Indígenas de Alagoas/CLIND-AL, que aconteceu na cidade de Pariconha. Sertão alagoano, em outubro de
2022. Os autores desse cordel analisado pelo referido professor são: ALINE LOPES DOS REIS, ANGÉLICA MARIA
SILVA DOS SANTOS, EIMYSLENE FERRAZ DE MELO SANTOS, ELMA PATRÍCIA LIMA, ISLANIA
MARIA DA SILVA, JOÃO PAULO DE JESUS DOS SANTOS, JOSEFA SANTANA DOS SANTOS, JOSÉ
PEREIRA DA SILVA, MARCIANA SOARES DO NASCIMENTO, MARIA APARECIDA DO NASCIMENTO
DA SILVA, MAURÍCIO JÚNIOR FRUTUOSO, OZANA SILVA MERENÇO DOS SANTOS, VAGNA DA
SILVA SANTOS, VALDINETE DE SOUZA SANTOS e WUANDA MYCIELQUE DA SILVA. Do qual destacamos
os seguintes trechos para análise:
1 Eu agora vou contar
uma história pra vocês
é uma história mentirosa
que eu ouvi certa vez
toda cheia de verdade
ou de mentira, talvez
2 É sobre Literatura
muito boa pra vocês
principalmente você
que estuda o português
começa na Idade Média
é de pobre e de Reis
3 Isso é tudo ficção
disse o professor Moisés
é lição muito bonita
da cabeça até os pés
e eu me emocionei
é quem eu sou e quem tu és
4 É poema e é cantiga
de
amigo e de amor
de escárnio
e maldizer
tem textura e tem sabor
nessa parte eu vou dizer
gente, há muito sabor...
5 E na prosa também tem
uma tal cavalaria
são
novelas fascinantes
podem se ler hoje em dia
gênero de antigamente
mas de hoje parecia
6 São heróis bem populares
hoje não tem tanto assim
por exemplo: o Rei Arthur
história tão linda, sim
são castelo e mistérios
tem até o mago Merlim
7 Excalibur, uma espada
uniu todo um país
se espalhou pela Europa
trouxe um final feliz
ela chegou até hoje
mas escapou por um triz
8 Pariconha foi lugar
de uma aula especial
no meu curso de Letras
algo assim sensacional
a história continua
vou contar até o final
Percebemos claramente nessas
estrofes a preocupação com uma busca de interlocução procurando nesse leitor
uma identificação com o texto (o cordel em andamento); há um tom de oralidade e
pertencimento, expressos no tratamento ao leitor e a expressão do local de
fala. Os indígenas autores tratam com respeito e compreensão a saga literária
portuguesa desde a Idade Média até a época do descobrimento do Brasil. Não há
repúdio pela história do colonizador, mas uma apreciação crítica, como veremos
adiante, na mundividência desses quatro povos que compuseram a turma dessa
disciplina ofertada pelo Clind e ministrada pelo Prof. Dr. Moisés Monteiro de
Melo Neto. Vejamos como essa visão crítica indígena se expressa com mais
clareza:
17 O sonho
agora é outro
Realismo:
vida real
Literatura de
fato
tal notícia de
jornal
mulher que
trai o marido
seria isso
fatal?
18 Cientificismo é
difícil de se
explicar
caber em
literatura
isso pode
complicar
falar do Primo Basílio
isso eu vou
tentar
19 Luísa,
Jorge e Juliana
vejam que casa
danada
tudo em Lisboa
antiga
que cidade
depravada
literatura é
assim
vixe, que
coisa danada!
20 Foi sexo na
cabeça
foi amor coisa
nenhuma!
um ninho de
perdição
solução terá
alguma?
Promessa de
família
terminou
virando espuma
Não deixa de haver uma visão crítica
em relação à sociedade branca europeia com suas hipocrisias denunciadas pela
escola realista, uma leitura indígena de viés diferenciado que reflete uma
linguagem de hoje, o conhecimento da obra, não consumida de maneira passiva,
mas uma crítica ativa por parte desses indígenas alagoanos, que não acreditam
que índio só deve escrever sobre temas indígenas. Isso merece nosso destaque
nessa questão.
Nossa análise também se debruçou
sobre o trecho no qual é analisada a obra de Fernando Pessoa, ícone da
literatura em Portugal:
28 Não se
assuste Pessoa
Fernando! Vem
logo aqui!
tu que foste
tanta gente
eu chorei eu
sorri
com tanto
verso bonito
tua poesia li
29 Caeiro, Campos e Reis
tanta gente em
um lugar só
trenzinho de
brinquedo
o cadeado é um
nó
o poeta é
fingidor
leitor isso
não vira pó!
30 Poesia é
brincadeira
muito séria,
meu senhor
tua ironia é
mel
Pessoa bom criador
sensacionismo
assim
vem do grande
trovador
31 É com
Fernando Pessoa
que a gente
vai encerrar
e reabrir
novamente
o infinito particular
eita, sujeito
arretado!
pra gente ler
e aprovar
Os autores parecem, como no coro do
antigo teatro grego, refletir sobre o herói em cena, e a poesia pessoana é bem
teatral, mesmo, alertando para perigos, abismo, dignidade acima de tudo diante
de um destino dos eus de Fernando
Pessoa.
E a Antologia Mosaica termina com as
duas últimas sextilhas do cordel final
Lembrei de Saramago
Prêmio Nobel
vencedor
colírio para
cegueira
de patrão e
trabalhador
Deus está
solto minha gente!
Quem é o
vencedor?
Agora chegou o
fim
desse cordel
que eu te dou
pesquisando
pra você
junto com o
professor
coração de
Pariconha
literatura é
amor...
Interessante notar o uso da Leminiscata
marcando o final deste cordel e também da antologia, como a dizer isso
continua, isso não tem fim.
O
último cordel da antologia é o Cordel do
Lobisomem na Corte de Maurício de Nassau, mais um cordel de fantasia,
fantástico e terror, dessa com uma v oz mais sombria ele conta a história de
uma noite bem diferente na corte do Príncipe Maurício de Nassau, durante a
ocupação holandesa em Pernambuco (1630-1654). Do qual destacamos apenas o
trecho inicial:
1 Cheiro o cangote da morena
que parece fora de si
num frenesi sem jeito
vou lambendo a sapoti
para um homem como eu
de tesão eu explodi
2 Eita, corpinho bonito!
um estudiosos como eu
que carrega a maldição
sou lobisomem judeu
peguei isso no Caribe
foi meu pai, um fariseu
3 Com formação de Doutor
Mal dá pra se suspeitar
A febre dentro de mim
Numa noite de luar
Nem sempre acontece
Mas quando é, é de arrasar!
4 Venho assim sobrevivendo
Cada noite de terror
Sou tal bicho maldito
Poeta e agrimensor
coleto, organizo,
forneço
documentos de valor
5 Na cidade de Nassau
Vim de Holanda a
Pernambuco
Século dezessete,
estou
Sim ,sei, estou
maluco
Mas poucos são como
eu
Sei aguentar o
trabuco
6 Avisaram-me: nos trópicos
Mais feitiços ia pegar
Mas louco por aventura
Não, não pude evitar
mel dos lábios carinhosos
dengo, malícia no olhar
7 Já me caçaram na noite
Tantas vezes que nem sei
Novo Mundo, velhos truques!
Holandês me encantei
Hoje, noite enluarada
Que destino terei?
8 noite de verão grandiosa
festa no Palácio, grande
é o palácio de Friburgo
quem pode mandar que mande
Renascimento do Brasil
Nova Amsterdã, desmande
9 Intelectual europeu
Devia me dar ao respeito
Maldição de lobisomem
Não me dá esse direito
Ajo tão fora de mim
Muitas vezes sou suspeito
10 Sou uma lenda mundial
No Brasil cheguei assim
Num barco muito sinistro
Havia outros iguais a mim
Quero sangue, quero corpos
Numa fúria sem fim
11 A Licantropia eu tenho
Assim a ciência chama
A doença de um lobo
Que me contamina, inflama
Se não mato quem ataco
É mais um com essa trama
12 Dizem começo foi um pacto
De meu pai, meu ancestral
Queria fama e fortuna
De ser sobrenatural
Logo perdeu o controle
Sucedeu-lhe o Grande Mal
13 Fujo da bala de prata
De arma de prata, também
Isso veio de meu pai
Que hoje está no Além
Não que acredite nisso
Não duvide, disse alguém
14 Numa lenda grega antiga
Dizem foi castigo de Zeus
Pra punir um tal Licaon
Que tentou matar chefe- deus
Foi então punido assim
Mesma coisa com os meus...
15 Loup-garou,
na França
werewolf, dos saxões
oboroten, para os russos
lobisosômicas dimensões
na Península Ibérica
África, Ásia: tensões
16 Eu sou filho de um incesto
Vim depois de sete filhas
Percorro veloz estradas
Não importa quantas milhas
Durmo até em cemitérios
Se tem perigo nas trilhas
Como percebemos o autor usa elementos
líricos atrelados à narrativa que segue em sextilhas em redondilha maior num
tour de force que segura o leitor numa cadência, numa espiral ao mesmo claustrofóbica
e libertadora, exibindo o tormento de seres marginais que cada vez mais se
embrenham na própria teia de fuga e retorno, paradoxalmente.
Muitos
cordéis de Moisés têm capa do artista florestano (PE) Mané
Gostoso Neto (Leonardo de Farias Leal). Como os que aparecem na ilustração
abaixo, exceto o Cordel do Vampiro em
Pernambuco e Enterrado Vivo, o Homem
que Virou Cordel (arquivo do autor).
Capas de alguns cordéis de Moisés
Monteiro de Melo Neto
Considerações Finais
Na épica do instante, Moisés exibe traços do
tempo fluente, no desvio do homem enquanto animal linguístico. São temas
inusitados que fazem a língua carregar-se de alma, a memória renascer
diferente. Ele aperta o gatilho da ironia atingindo o leitor com seu peculiar
senso de humor, poder de síntese, elipses obstinadas, estética atazanadora em verbal moenda, como se
enxugasse tempestades de imagens que se entrecruzam, na busca de um sentido.
Este
estudo teve como principal objetivo analisar os cordéis presentes na Antologia
do Cordel, da autoria do Prof. Dr. Moisés Monteiro de Melo Neto, destacando
e buscando compreender a relação que une tema, história, tradição e ruptura. A
obra é apresentada como uma proposta para o ensino da Literatura de Cordel,
trazendo reflexões e conflitos literários de forma poética e rimada.
Ainda há
outros cordéis de Moisés como Cordel da
Compadecida 2, Sherlock e o cão dos Baskervilles, só para citar alguns aqui
não analisados.
Observou-se que os cordéis trazem marcas da
cultura popular brasileira, atribuindo novos sentidos à estética cordelista. As
produções são coesas, coerentes, possuem propósitos comunicativos relevantes e
traçam novas perspectivas para esse tipo de expressão artística. Moisés
Monteiro de Melo utilizou-se de uma sapiência capaz de conceder o valor
necessário à sua obra.
Referências
CANDIDO, Antonio. Literatura
e Sociedade. 9ª edição. Rio de Janeiro: Ouro sobre Azul, 2006.
HAURÉLIO, Marco. Breve
História da Literatura de Cordel. 2 ed. São Paulo: Claridade, 2016.
MELO NETO, Moisés Monteiro. Antologia
do Cordel. 1ª edição. Recife: Coqueiro, 2016.
MEYER, Marlyse. Autores
de Cordel. São Paulo: Abril Educação, 1990.
PÉCORA, Alcir. Documentação
Histórica e Literária. Revista USP, n. 40, p. 150-157, 1998-1999.
SOBRE
O CORDELISTA MOISÉS
O recifense Moisés
Monteiro de Melo Neto é doutor em Letras, professor na Universidade Estadual de
Alagoas, UNEAL e na Universidade Estadual de Pernambuco, UPE. Tem cerca de 10
livros publicados, alguns premiados e distribuídos nas redes públicas. Atua nas
áreas de Dramaturgia, Literatura Comparada, Estudos Culturais,
Produção Textual, Literaturas de Língua Portuguesa, Representações dos Gêneros,
Bioficção, História e Cinema. É autor de várias peças teatrais. Colaborou com o
Suplemento Cultural da CEPE, com a Revista do Gabinete Português de Leitura e
Jornal do Commercio, Recife, com O Século
(de Garanhuns) e Le Monde Diplomatique, dentre
outros. Faz parte do Programa de Mestrado Profissional em Letras (ProfLetras),
do Programa de Pós-Graduação da UNEAL. Membro dos núcleos de pesquisa e
extensão: NEAB (Núcleo de Estudos sobre África e Brasil) Núcleo de estudos
políticos, estratégicos e filosóficos: NEPEF, e Estudos Literários, Artes e
Ensino: NELIEN e LEPRADIS. Coordena o Grupo de Pesquisa GPLITPOP (Grupo de
Pesquisa em Literatura Popular), da Universidade Estadual de Alagoas. Moisés
escreveu dezenas de peças teatrais que foram premiadas e montadas com sucesso,
como: Delmiro Gouveia, Anjos de Fogo e Gelo (2008), Para um amor no Recife
(1999), Bruno e o Circo (2010), dentre tantas outras. Em 2017 assinou o
dramaturgismo de “Um Minuto para Dizer que te Amo”, peça com sucesso absoluto
de público e crítica. Em 2022, estreou sua peça “Caetés, com o grupo HUMANCENA,
de Alagoas. É autor do roteiro de dança Paralelo 8, uma
viagem lírica que usa a dança como forma de expressão e a literatura como base,
que também dirigiu e seleção musical. A estética buscada na encenação foi a
afrociberdelia, conceito forjado por Chico Science que mescla as influências da
cultura africana, cibernética e psicodélica, o que está na concepção geral do
espetáculo e deve perpassar todas as camadas que envolvem esta criação. O
espetáculo ganhou o Prêmio Klaus Vianna, maior prêmio de dança no Brasil,
oferecido pela FUNARTE, em 2007.Ele também tem publicado
vários cordéis. No dia 27 de outubro de 2022, o Grupo TUPI (com o apoio do
GTLitpop) apresentou, unido ao Conselho Estudantil da UNEAL, a estreia do
espetáculo Morte e Vida Severina, dirigido por Moisés, João Victor Fernandes e
Robson Silva. No final de 2022, seguiram as apresentações da peça CAETÉS e UM
MINUTO PARA DIZER QUE TE AMO com dramaturgismo Moisés.
NOTÍCIAS DE MANÉ GOSTOSO NETO
Leonardo
de Farias Leal
Mané
Gostoso Neto (que dentre tantas atividades compôs a maior parte das capas dos
cordéis de Moisés Monteiro de Melo Neto) é filho de Floresta-PE, passou sua
infância e adolescência em meio ao casario da pequena cidade, perambulando
entre o colégio e a praça, o bar da sua avó e a igreja e passando muitas horas
na biblioteca municipal, um de seus locais preferidos. Influenciado pelo seu
pai (que tinha habilidade em pintura) foi às margens do Rio Pajeú que
germinaram suas primeiras experiências artísticas ligadas ao cordel e ao
desenho. A cultura popular sempre foi um ponto de grande interesse de Mané
Gostoso Neto, que via no cotidiano daquelas pessoas cenas que influenciam sua
arte até hoje. Como falou Aderaldo Luciano sobre o artista: “traz na alma e na
arte os traços de sua terra”. Mais tarde, adotou a cidade de Juazeiro-BA como nova
morada, local que viu desabrochar nele outras formas de expressão cultural,
como teatro, xilogravura, escultura, entre outros. Estudou em São Raimundo
Nonato-PI, onde se formou em Arqueologia e Preservação Patrimonial pela
UNIVASF. Seguindo sua Morena, com quem se casou, foi morar na cidade de João
Pessoa-PB. Mané Gostoso Neto é um “alter ego” do artista Leonardo de Farias
Leal, que utiliza esse nome não em homenagem ao seu avô (Mané Gostoso) e sim
como protesto à forma jocosa e depreciativa que lhe era atribuído o apelido. Na
cultura popular o Mané Gostoso é um brinquedo de madeira feito com duas tábuas
e uma figura humana que, ao ser apertada, faz um movimento, como se fosse um
trapezista.
Fortemente
inspirado pelo sertão, a rebeldia e seu povo, é influenciado pelas obras dos
mestres Marcelo Soares (por quem tem profundo respeito e amizade), Gilvan
Samico, Ciro Fernandes, J. Borges, Dila e José Costa Leite. Sua introdução ao
mundo da xilogravura começou a partir do consumo dos livros de literatura de
cordel ainda na adolescência, mas, seus primeiros entalhes só vieram a ocorrer
no ano de 2018 (aos 32 anos). Depois de diversas exposições coletivas e
individuais em Petrolina - PE, Juazeiro - BA, São Raimundo Nonato - PI, Recife
- PE, Floresta - PE, Viena (Áustria), Bienne (Suiça), Leme – SP, Evilard
(Suíça). De Novembro a Dezembro de 2022 o trabalho de Mané Gostoso Neto esteve
em exibição individual pela primeira vez na cidade de João Pessoa – PB
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