Emocionantes e supergostosas, desde os anos 70, as peças infantis levam adultos e crianças ao teatro no Brasil. Não precisam ser didáticas, basta que entretenham sadiamente os cidadãos de amanhã. Eis as peças infantis.
O teatro para crianças versus texto-educação: é a ficção que está em cena.
UM POUCO DE HISTÓRIA: Desde a China do século III AC, havia teatro de bonecos para crianças e mulheres ricas.
E se avançarmos mais no tempo, veremos que a Commedia dell´ Arte (século XV a XVII) com seu teatro profissional, também é raiz do teatro para criança. Estes tais comediantes pediam dinheiro ao público depois do espetáculo. Viviam disso. Eram ambulantes. Aprimoraram sua arte assim. Eram improvisos e acrobacias em cima de um roteiro que inspiraram artistas de teatro dos séculos seguintes (XVIII e XIX). Deboche, modos grosseiros, temperamento insolente e desrespeito às instituições, eram características de personagens como Polichinelo (ou João Redondo, em português, ou o Punch, inglês).
A violência na literatura infantil se justifica, se pensarmos que antigamente não havia literatura feita especificamente para criança (os medos, as ansiedades geram reações violentas que se unem a instintos violentos).
Na França do século XIX, um personagem virou estilo: o Guignol, meio Polichinelo, ele era cheio de exageros, mas agradava bastante, mas deixou de satisfazer certos interesses quando o teatro ficou moralizante.
O teatro de sombras de Seraphin foi o primeiro dirigido às crianças. Ele morreu em 1800.
A Bélgica tem tradição em teatro de bonecos. Dom Bosco (1815-1888), fundador da Ordem dos Salesianos, cuidou de fazer teatro (encenação, música, biblioteca dramática, cenários, figurino, etc.) educando com qualidade técnica através da cena. No século XX, Maria Montessori, respeitando a criança, criou móveis em tamanhos e observou as necessidades específicas da infância.
Andersen, Grimm e Maeterlinck são escritores que dedicaram bastante atenção aos “pequenos”. E na URSS surge em 1918 (um ano depois da Revolução) tinha supervisão de um comitê de educadores e artistas, formado por cidadãos socialistas tudo também em tamanho reduzido (à altura dos baixinhos): poltronas, banheiros, etc., estimulando deste modo, a autonomia das crianças. Além de jogos, havia peças de caráter fantástico e representações do folclore russo.
Após a segunda guerra mundial surgem vários espetáculos par criança na Europa. O teatro é indicado então como instrumento educativo.
Aparece a dramaturgia especializada e profissionalização das companhias.
Na Austrália de 1938, havia o Theatre for children, com temas como escola e família. Na Finlândia também houve algo similar (o Teatro de Turku). No México em 1947 houve a montagem de Dom Quixote para crianças. Em Londres, 1946, vários grupos se dedicaram a montagens assim.
Alguns acham que neste teatro deve haver luz na platéia para a criança ver os outros espectadores e ter assim o conforto e sensação de experiência em comum. Realiza-se então o 1º Congresso Internacional de Teatro Infantil (Brasil, Cuba, Bélgica, África do Sul, EUA, Dinamarca, França, Bélgica, Itália, Noruega, Reino Unido, Suécia e Suíça) em Paris de 7 a 9 de abril de 1952. Assuntos como formação de platéia e reciclagem dos artistas foram objetos de discussão.
NO BRASIL: a origem do teatro para a infância em terras brasileiras está ligada aos bonecos. No século XVIII, um homem só com armação nos ombros manipulava fantoches, rodava o chapéu depois. Às vezes os bonecos se exibiam nas janelas ou nas portas abertas pela metade. Mas é já no século XX que se pode falar de teatro infantil por aqui: Coelho Neto e Olavo Bilac são pioneiros, mas pecam pelo didatismo de suas obras. Durante um bom tempo, vemos as crianças sendo tratadas como adultos em miniaturas, mas condenadas à passividade e falta de iniciativa. Olavo Barros mostra espetáculos como “A gata borralheira”, um texto cheio de moralismos. Valdemar de Oliveira, no Recife lança suas idéias. O governo começa a apoiar tais iniciativas e surgem outras idéias.
“A revolta dos brinquedos” (1949) é um marco de Pernambuco de Oliveira, “Pluft”, de Maria Clara Machado (1955) é outro.
Em muitos casos surgem narradores e outros recursos da narrativa oral. Mas sempre o mal sendo castigado, ou se convertendo, às vezes apelando para soluções sobrenaturais como fadas, por exemplo.
Em 1950, no Rio de Janeiro, surge o 1º Concurso Nacional de dramaturgia infantil. Em 1951 o 1º Congresso Brasileiro de Teatro lança as bases psicológicas, técnicas e estéticas de forma repensada. Destacava-se o subconsciente das crianças. Júlio Gouveia, numa palestra, disse: “teatro para criança e adolescente, só pode ser pensado como educativo (…) o treino das emoções (…) sempre mediante ingresso adquirido” (LOMARD 1994:48). Dá vontade de rir destes detratores da bilheteria que dizem que o aspecto comercial deve ser ignorado e só se deve pensar na moral. Para eles uma peça infantil sem “ensinamentos” seria de má qualidade. Criança tem que ficar ligada, calada na platéia e bitolada.
Em 1951, Maria Clara Machado funda o Tablado, sua escola de teatro. Ela, autora e diretora, especializou-se em textos infantis. Geralmente suas tramas giram em torno de recuperar “algo que se perdeu”, como diz a crítica Flora Sussekind (ibid. 53). Outro destaque na área infantil é a dramaturgia de Oscar von Pful (“Dom Chicote Mula Manca”), Tatiana Belinki (“A Sopa de Pedra”) e Stella Leonardos. Estes tentam romper o tom explicativo de um narrador. Um bom texto, hoje, tem que valorizar aas diferenças e não as convenções, como no caso do pernambucano “Hipopocaré”, do psicanalista Antônio Guinho, montado em Recife nos anos 80/90.
Eu mesmo tive três textos infanto-juvenis de minha autoria (Moisés Monteiro de Melo Neto) encenados no Recife: “Draculin e o Circo no Espaço”, “A Maior Bagunça de Todos os Tempos” (ambos com direção de Buarque de Aquino) e “A Ilha do Tesouro” (direção de Carlos Bartolomeu) e tendo como co-produtora Simone Figueiredo, nos três os heróis titubeiam entre o convencional e a contravenção. Alguns críticos ficam irados com tal atitude, mas fiquei firme e os três tiveram ótimos públicos, ficando em cartaz durante meses e meses. Abaixo os pseudo-maniqueísmos!
Em 1962, o Serviço Nacional de Teatro (SNT), inaugura o curso de teatro infantil, em Porto Alegre também.
A partir de 1970 o prêmio Molière, pra os melhores no teatro no Rio de Janeiro e São Paulo, passa a ser entregue também ao teatro infantil. A partir de 79 a Fundação Teatro Guairá, de Curitiba, promove o Encontro Nacional de Teatro Infantil. Artistas e outros profissionais se reúnem para debater.
Vladimir Capela, Ilo Krugli, Ronaldo Ciambroni são outros autores que fizeram história no teatro infantil brasileiro. Em Pernambuco destacamos o trabalho de José Francisco Filho, Paulo de Castro e Marco Camarotti.
TEORIAS: Em arte-educação há duas fortes correntes:
1)Arte para atingir outros fins (não artísticos): Contextualismo.
2)Arte em função de si mesma: Esencialismo (como faz Viola Spolin).
Outra questão importante é a participação da platéia. Por exemplo: quanto tempo deve durar um espetáculo que não “inquiete” os baixinhos? Resposta: 50 minutos, de acordo com o professor Camarotti (UFPE).
Há também que se considerar que a classe média alta forma em grosso o público do teatro convencional, a não ser que haja um trabalho de responsabilidade social, que é imprescindível hoje em dia e foi feito na Ilha do Tesouro, por exemplo. Outro fator que devemos analisar brevemente é o tal “projeto escola”, desenvolvido no Recife há 20 anos por Paulo André: crianças são levadas às centenas, da escola para o teatro, sem a família. Isto arruína as temporadas de fim de semana das outras companhias, mas tem é claro, ou deve ter, algum aspecto positivo. Porém, perde-se o hábito de debater com os pais.
Questões que poderiam aparecer em peças infantis hoje: o tema do meio ambiente, relacionamento de família, mídia.
O lúdico é outra questão a ser resolvida, já que criança exige o jogo, constantemente.
Mas teatro para criança tem que ser sempre divertido? A maioria dos intelectuais diz que sim. E emocionante, ágil. Temos que contar com as crianças mais “antenadas” que querem mais do que histórias com bichinhos e ternurinhas.
Ousadias. Uma tal de Adriana Maia, eixo Rio-São Paulo, já apresentou um espetáculo chamado “Cabaré Infantil” (ibid. p. 85). Algo bem difícil de se conceber se imaginarmos que a produção para crianças está ligada a instituições como escola e família.
A criança é um ser de linguagem, leis próprias e específicas que devem ser trabalhados com cuidado tanto a forma quanto o conteúdo, um “duplo inseparável e inerente à historicidade do fenômeno artístico”, como afirma Sonia Khéde.
A recepção do público, o marketing, a percepção da criança na sociedade brasileira/ recifense, são outras questões que abordaremos posteriormente.
Gostaríamos de destacar artistas recifenses como Ulisses Dornelas (Palhaço Chocolate), José Francisco Filho, Marco Camarotti, Buarque de Aquino, José Manuel, Manuel Constantino que a partir dos anos 70, deram, de modos diversos, suas contribuições ao espetáculo feito para crianças. Alguns foram um pouco anacrônicos em seus posicionamentos, é claro e outros não apresentavam a “cor local”.
Se o Modernismo decretou a morte do sujeito, os anos 90 trouxeram de volta o respeito às diferenças.
LINGUAGEM PRÓPRIA: A comunicação com a criança poderá ser feita através de associações, personagens com os quais ela se identifique. “Um personagem poderá se apresentar fragmentariamente porque representa a crise de identidade, a busca de um (novo) papel, o desconcerto diante de valores velhos e novos” (KHÉDE, 1986: p. 56), sem que seja mal construído, é claro.
O lúdico, o humor e o nonsense se entrelaçam num intercâmbio entre conotação e denotação, buscando driblar o autoritarismo, tão presente na cultura brasileira como a malandragem (e na relação adulto-criança a questão do autoritarismo é de fundamental importância). Por isso um personagem que quer mandar na brincadeira deve, por exemplo, ser mostrado como um chato.
É bom lembrar a criança que ela pode pelo menos tentar mudar as situações que lhe são impostas no mundo. Ela pode interferir.
Devemos fazer o espectador, criança ou não, avaliar sua identidade no confronto com
outras vozes e começar o intercâmbio com o universo da arte.
Quanto aos pais e professores, é bom que não mergulhem muito na nostalgia ou na idealização da infância. Como já dissemos, os espetáculos devem se distanciar do pedagogismo e do moralismo.
Deseroicizar os personagens é uma saída.
VIOLÊNCIA: E falar do amor e da violência? Primeiro colocando os verbos no presente, sempre que possível. Mostrar que a solidariedade é fundamental para o ser humano. A cooperação, a justiça social (sem clichês!).
Os filmes americanos que exaltam a violência devem ser evitados, com seu lucrativo comércio de armas e de guerras “criando o hábito da violência (…) técnicas de eliminação da vida (…) torturas”, como sugere Antonieta Moraes.
“Muitos intelectuais, principalmente aqueles dedicados à produção cultural para a criança e jovens, não assumem posição definida e proclamam que não existe literatura para adulto, para criança, pra jovem; a literatura é uma só: não ensina nem informa” (op. cit. p. 85).
“Não se pode fazer boa literatura com maus sentimentos”, dizia Sartre. Isso não significa entronizar os detentores do poder que exploram os trabalhadores ou os pais que tratam os filhos com grosserias ou vice-versa.
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