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domingo, 24 de abril de 2022

TEORIA LITERÁRIA

 



PROF.DR. MOISÉS MONTEIRO DE MELO NETO

 

 

1.      O QUE É TEORIA LITERÁRIA?

O conhecimento sobre este assunto pode ser PRÁTICO ou TEÓRICO:

PRÁTICO= produto da experiência

TEÓRICO= elaboração mental dessa experiência (em termos científicos e filosóficos)

 


Na LITERATURA, por exemplo: a PROSA é lida de um modo, a POESIA de outro.

Para definir cada uma dessas, teremos que observar suas características, o que as distingue e chegar a uma definição geral e teórica sobre elas.

Então, temos: um CONHECIMENTO PRÁTICO (pela experiência) e um CONHECIMENTO TEÓRICO (pela elaboração científica ou filosófica).

Ao CONHECIMENTO TEÓRICO chamamos TEORIA LITERÁRIA ou Teoria da Literatura.

 

2.      Vejamos exemplos para análise (entre PROSA E POESIA):

 

(texto UM)

 

Autopsicografia

 

O poeta é um fingidor.A

Finge tão completamenteB

Que chega a fingir que é dorA

A dor que deveras sente.B



E os que leem o que escreve, C

Na dor lida sentem bem,D

Não as duas que ele teve,C

Mas só a que eles não têm.D



E assim nas calhas de rodaE

Gira, a entreter a razão,F

Esse comboio de cordaE

Que se chama coração.F

 



(texto DOIS)

 

Capítulo I

Do título

Uma noite destas, vindo da cidade para o Engenho Novo, encontrei no trem da Central um rapaz aqui do bairro, que eu conheço de vista e de chapéu. Cumprimentou-me, sentou-se ao pé de mim, falou da lua e dos ministros, e acabou recitando-me versos. A viagem era curta, e os versos pode ser que não fossem inteiramente maus. Sucedeu, porém, que, como eu estava cansado, fechei os olhos três ou quatro vezes; tanto bastou para que ele interrompesse a leitura e metesse os versos no bolso.

-Continue, disse eu acordando.

-Já acabei, murmurou ele.

-São muito bonitos.

Vi-lhe fazer um gesto para tirá-los outra vez do bolso, mas não passou do gesto; estava amuado. No dia seguinte entrou a dizer de mim nomes feios, e acabou alcunhando-me Dom Casmurro. Os vizinhos, que não gostam dos meus hábitos reclusos e calados, deram curso à alcunha, que afinal pegou. Nem por isso me zanguei. Contei a anedota aos amigos da cidade, e eles, por graça, chamam-me assim, alguns em bilhetes: “Dom Casmurro, domingo vou jantar com você.” – “Vou para Petrópolis, Dom Casmurro; a casa é a mesma da Renânia; vê se deixas essa caverna do Engenho Novo, e vai lá passar uns quinze dias comigo.” – “Meu caro Dom Casmurro, não cuide que o dispenso do teatro amanhã; venha e dormirá aqui na cidade; dou-lhe camarote, dou-lhe chá, dou-lhe cama; só não lhe dou moça.”

Não consultes dicionários. Casmurro não está aqui no sentido que eles lhe dão, mas no que lhe pôs o vulgo de homem calado e metido consigo. Dom veio por ironia, para atribuir-me fumos de fidalgo. Tudo por estar cochilando! Também não achei melhor título para a minha narração; se não tiver outro daqui até o fim do livro, vai este mesmo. O meu poeta do trem ficará sabendo que não lhe guardo rancor. E com pequeno esforço, sendo o título seu, poderá cuidar que a obra é sua. Há livros que apenas terão isso dos seus autores; alguns nem tanto.




Capítulo II

Do livro

Agora que expliquei o título, passo a escrever o livro. Antes disso, porém, digamos os motivos que me põem a pena na mão.

Vivo só, com um criado. A casa em que moro é própria; fi-la construir de propósito, levado de um desejo tão particular que me vexa imprimi-lo, mas vá lá. Um dia, há bastantes anos, lembrou-me reproduzir no Engenho Novo a casa em que me criei na antiga Rua de Matacavalos, dando-lhe o mesmo aspecto e economia daquela outra, que desapareceu. Construtor e pintor entenderam bem as indicações que lhes fiz: é o mesmo prédio assobradado, três janelas de frente, varanda ao fundo, as mesmas alcovas e salas. Na principal destas, a pintura do teto e das paredes é mais ou menos igual, umas grinaldas de flores miúdas e grandes pássaros que as tomam nos bicos, de espaço a espaço. Nos quatro cantos do teto as figuras das estações, e ao centro das paredes os medalhões de César, Augusto, Nero e Massinissa, com os nomes por baixo... Não alcanço a razão de tais personagens. Quando fomos para a casa de Matacavalos, já ela estava assim decorada; vinha do decênio anterior. Naturalmente era gosto do tempo meter sabor clássico e figuras antigas em pinturas americanas. O mais é também análogo e parecido. Tenho chacarinha, flores, legume, uma casuarina, um poço e lavadouro. Uso louça velha e mobília velha. Enfim, agora, como outrora, há aqui o mesmo contraste da vida interior, que é pacata, com a exterior, que é ruidosa.

O meu fim evidente era atar as duas pontas da vida, e restaurar na velhice a adolescência. Pois, senhor, não consegui recompor o que foi nem o que fui. Em tudo, se o rosto é igual, a fisionomia é diferente. Se só me faltassem os outros, vá; um homem consola-se mais ou menos das pessoas que perde; mas falto eu mesmo, e esta lacuna é tudo. O que aqui está é, mal comparando, semelhante à pintura que se põe na barba e nos cabelos, e que apenas conserva o hábito externo, como se diz nas autópsias; o interno não aguenta tinta. Uma certidão que me desse vinte anos de idade poderia enganar os estranhos, como todos os documentos falsos, mas não a mim. Os amigos que me restam são de data recente; todos os antigos foram estudar a geologia dos campos santos. Quanto às amigas, algumas datam de quinze anos, outras de menos, e quase todas creem na mocidade. Duas ou três fariam crer nela aos outros, mas a língua que falam obriga muita vez a consultar os dicionários, e tal frequência é cansativa.

Entretanto, vida diferente não quer dizer vida pior; é outra coisa. A certos respeitos, aquela vida antiga aparece-me despida de muitos encantos que lhe achei; mas é também exato que perdeu muito espinho que a fez molesta, e, de memória, conservo alguma recordação doce e feiticeira. Em verdade, pouco apareço e menos falo. Distrações raras. O mais do tempo é gasto em hortar, jardinar e ler; como bem e não durmo mal.

Ora, como tudo cansa, esta monotonia acabou por exaurir-me também. Quis variar, e lembrou-me escrever um livro. Jurisprudência, filosofia e política acudiram-me, mas não me acudiram as forças necessárias. Depois, pensei em fazer uma História dos Subúrbios, menos seca que as memórias do Padre Luís Gonçalves dos Santos, relativas à cidade; era obra modesta, mas exigia documentos e datas, como preliminares, tudo árido e longo. Foi então que os bustos pintados nas paredes entraram a falar-me e a dizer-me que, uma vez que eles não alcançavam reconstituir-me os tempos idos, pegasse da pena e contasse alguns. Talvez a narração me desse a ilusão, e as sombras viessem perpassar ligeiras, como ao poeta, não o do trem, mas o do Fausto: Aí vindes outra vez, inquietas sombras...?

Fiquei tão alegre com esta ideia, que ainda agora me treme a pena na mão. Sim, Nero, Augusto, Massinissa, e tu, grande César, que me incitas a fazer os meus comentários, agradeço-vos o conselho, e vou deitar ao papel as reminiscências que me vierem vindo. Deste modo, viverei o que vivi, e assentarei a mão para alguma obra de maior tomo. Eia, comecemos a evocação por uma célebre tarde de novembro, que nunca me esqueceu. Tive outras muitas, melhores, e piores, mas aquela nunca se me apagou do espírito. É o que vais entender, lendo.

 

 

ROMEU E JULIETA, ATO III, Cena V

O mesmo. Quarto de Julieta. Entram Romeu e Julieta.

JULIETA — Já vais partir? O dia ainda está longe. Não foi a cotovia, mas apenas o rouxinol que o fundo
amedrontado do ouvido te feriu. Todas as noites ele canta nos galhos da romeira. É o rouxinol, amor; crê
no que eu digo.

ROMEU — É a cotovia, o arauto da manhã; não foi o rouxinol. Olha, querida, para aquelas estrias
invejosas que cortam pelas nuvens do nascente. As candeias da noite se apagaram; sobre a ponta dos pés
o alegre dia se põe, no pico das montanhas úmidas. Ou parto, e vivo, ou morrerei, ficando.

JULIETA — Não é do dia aquela claridade, podes acreditar—me. É algum meteoro que o sol exala, para
que te sirva de tocheiro esta noite e te ilumine no caminho de Mântua. Assim, espera. Não precisas partir
assim tão cedo.

ROMEU — Que importa que me prendam, que me matem? Serei feliz, assim, se assim o quiseres. Direi
que aquele ponto acinzentado não é o olho do dia, mas o pálido reflexo do diadema da alta Cíntia, e
também que não foi a cotovia, cujas notas a abóbada celeste tão longe ferem sobre nossas frontes. Ficar é
para mim grande ventura; partir é dor. Vem logo, morte dura! Julieta quer assim. Não, não é dia.

JULIETA — É dia; foge! A noite se abrevia. Depressa! É a cotovia, sim, que canta desafinada e rouca,
discordantes modulações forçando e insuportáveis. Dizem que ela é só fonte de harmonia; não é assim,
pois ora nos divide. Há quem diga que o sapo e a cotovia mudam os olhos. Oh! quisera agora que ambos
a voz também trocado houvessem, pois ela nos separa e, assim tão cedo, como grito de caça mete medo.
Oh vai! A luz aumenta a cada instante.

ROMEU — A luz? A escuridão apavorante.
(Entra a ama.)

AMA — Senhora!

JULIETA — Ama?
AMA — Vossa mãe se dirige para cá. Sede prudente; já raiou o dia, como podereis ver.
(Sai.)
JULIETA — Então, janela, que o dia entre no quarto e a vida fuja.

ROMEU — Adeus, adeus! Um beijo, e desço logo.
(Desce.)

JULIETA — Já foste? Meu senhor! Amor! Amigo! Notícias quero ter todas as horas, porque um minuto
encerra muitos dias. Fazendo a conta assim, ficarei velha antes de ver de novo o meu Romeu.

ROMEU — Adeus. Não deixarei passar um só momento sem te mandar contar o meu tormento.

JULIETA — Oh! pensas mesmo que ainda nos veremos?

ROMEU — Não o duvides; todas estas dores nos servirão ainda unicamente para doces deixar nossos
colóquios.

JULIETA — Oh Deus! Um coração tenho agourento. Vendo-te assim, tão longe, só parece que estás sem
vida, dentro de um sepulcro. Ou vejo mal, ou estás, realmente, pálido.

ROMEU — Podes crer-me, querida; de igual modo tu me pareces. A aflição sedenta nos bebe todo o
sangue. Adeus! Adeus!
(Sai.)

 

 

 

Temos, nos exemplos acima, 3 textos cujas interpretações fazem parte do campo de trabalho dos que estudam literatura: um poema, dois capítulos iniciais de um romance. E um trecho de uma peça de teatro.

 

Existem: vida animal, vida vegetal, vida artística, vida política e vida literária (cujo fato principal é a obra literária.

 

Eis o tripé da literatura: toda obra literária tem autor e precisa de um leitor.

Surgem perguntas como: qual o meio cultural (o ambiente) no qual a obra foi produzida, ele se relaciona com a obra? Ou simplesmente estudamos o texto em si?

 

RELACIONADOS À OBRA LITERÁRIA:

 

1.      O LEITOR: interessa-se em compreender a obra.

2.      O ANALISTA: decompõe a obra em seus elementos para análise da forma e conteúdo.

3.      O CRÍTICO: julga o valor da obra (por exemplo: valor artístico, moral, intelectual...)

4.      O TEÓRICO: extrai da obra e tudo que com ela se relaciona, ideias gerais e formula teoria acerca do que é essencial nos fenômenos literários.

 

 

A TEORIA LITERÁRIA É O COMPORTAMENTO ESPECÍFICO DIANTE DOS FATOS LITERÁRIOS.

Não se trata aqui de tarefa para o leitor comum nem analista ou só crítico ou historiador, mas sim de um sistema de elaboração de teorias a respeito do assunto, tratado de modo científico: um sistema de teorias, elaborado por especialistas no assunto.

 

Tipos de ESTUDOS LITERÁRIOS:

ANÁLISE, CRÍTICA, HISTORIOGRAFIA.

O objeto de estudos deles: os FATOS LITERÁRIOS.

A teoria mantém com esses estudos íntimas relações; estuda estruturas, categorias estéticas do fenômeno literário.

 

1.      A TEORIA LITERÁRIA É, OU NÃO PROPEDÊUTICA (corpo de ensinamentos introdutórios ou básicos de uma disciplina; ciência preliminar, introdução; conjunto de estudos nas áreas humanas e científica que precedem, como fase preparatória e indispensável, os cursos superiores de especialização profissional ou intelectual)?

2.      Deve-se evitar estabelecer regras, a teoria literária recorre as obras em si.

 

 

TEORIA DA LITERATURA

AULA SOBRE VISÃO EAGLETON (28/06/21)

EAGLETON, Terry. Teoria da Literatura: uma introdução. São Paulo: Martins Fontes, 1997).

 

Tornar a Teoria Literária Moderna inteligível e atraente ao maior número possível de leitores.

Algumas correntes parecem herméticas, devemos consertar esse estrago.

Teoria Literária deve ser democrática, nunca elitista, mergulhar no empolgadamente ilegível, fazendo isso ela está sendo desleal com suas próprias raízes históricas.

O início da transformação sofrida pela Teoria Literária: o ano de 1917 daí até os anos 1980, a teoria se desenvolveu rapidamente; o próprio conceito de literatura, leitura e crítica.

Alguns estudantes e críticos também objetam que a teoria literária se interpõe entre o leitor e a obra. Devemos eliminar esta repressão.

Alguns textos nascem literários, outros atingem a condição de literários. A Literatura poderia ser definida como A ESCRITA, no sentido de ficção mas será que esta definição procede? (ver Padre Antônio Vieira, Sóror Mariana Alcoforado, Pero Vaz de Caminha, Hobbes etc.).

Assim, a distinção entre fato e ficção, acima citada, não é muito útil.

Em inglês, a palavra “novel”, até princípios do século XVII, foi utilizada tanto para acontecimentos reais como para os fictícios.

HQs são ficção, mas não Literatura.

A Literatura emprega a linguagem de modo peculiar. Segundo o crítico formalista russo Jakobson, representa uma violência organizada contra a fala comum. (EAGLETON, 1997, p. 2).

Se alguém na rua me diz: “tu, noiva imaculada da quietude”, sei que estou na presença do literário, pois há aqui há  desconformidade entre significantes e significados.

Os FORMALISTAS DE 1917 (Vitor Chlovski, Roman Jakobson, Osip Brik, Vladimir Propp, Yuri Tynyanov, Boris Echenbaum e Boris Tomasheviski), que rejeitaram as doutrinas Simbolistas, que influenciaram a crítica literária até então, achavam-nas quase místicas (a crítica deve separar arte e mistério – verdade transcendental, tem leis específicas, estruturas e mecanismos), atuaram fortemente até que na década de 1920, até serem “silenciados” pelo Stalinismo, que queria uma literatura social (queriam usar a literatura para veicular a visão comunista).

Para os Formalistas a Literatura faz-se com palavras, não com sentimentos. Parece a aplicação da Linguística ao estudo da Literatura. Eles não se preocupam com o “conteúdo” literário; o personagem, por exemplo, seria apenas um artifício para se reunirem diferentes tipos de técnicas narrativas.  A Revolução dos Bichos, não seria uma alegoria sobre o Stalinismo, ao contrário, o Stalinismo ofereceria uma oportunidade perfeita para a criação de uma alegoria daquele porte (EAGLETON, 1997, p. 4), mesmo com todo o seu conteúdo social, que foge ao âmbito do trabalho do crítico formalista.

OBRA LITERÁRIA como reunião (mais ou menos arbitrária?) de artifícios, é o que pensavam. Utilização de sons, imagens, ritmo, sintaxe, métrica, rima, técnicas narrativas, enfim, elementos literários formais que provocariam o efeito de “ESTRANHAMENTO”, ou desfamiliarização. Sob a pressão de tais artifícios a linguagem comum era intensificada, condensada, torcida, reduzida, ampliada, invertida, renovando reações habituais, tornando os objetos mais perceptíveis. Resultado: intensificação de nossa vida material. OS FORMALISTAS RUSSOS NÃO QUERIAM DEFINIR A LITERATURA, MAS A LITERARIEDADE.

Para identificar como se dá o desvio da linguagem comum na Literatura seria necessário identificar a norma da qual esta se afasta.

Pensar assim seria como considerar toda a literatura como Poesia?

É problemática esta questão porque até anúncios comerciais apresentam técnicas verbais exuberantes, não é? Há muita ambiguidade envolvida aqui.

Quando o poeta nos diz que seu amor é como uma rosa vermelha, não devemos perguntar a ele que estranha razão o leva a dizer tal coisa.

A literatura é um discurso não-pragmático. Isto não significa que não possam ser lidos de maneira pragmática, não é? Está longe de ser clara a possibilidade de distinguirmos nitidamente entre as maneiras “prática” e não-prática” de nos relacionarmos com a linguagem.

Literatura seria o enfoque na maneira de falar e não na realidade daquilo que se fala. É uma espécie de linguagem autorreferencial.

A Literatura não pode ser definida “objetivamente”. (EAGLETON, 1997, p. 1).

Há pessoas comuns que consideram a “literatura” como a escrita que parece “bonita”. (EAGLETON, 1997, p. 14).

A literatura não é uma entidade estável e bem definida. São notoriamente variáveis os juízos de valor nesta área. Os interesses são constitutivos de nosso conhecimento

O ato de classificar algo como literatura é extremamente instável.

VALOR significando tudo aquilo que é considerado valoroso, por certas pessoas, em situações específicas, de acordo com critérios específicos e à luz de determinados objetivos.

Em seu famoso estudo A prática da crítica literária, (1929), o crítico Ivor Armstrong (I.A.) RICHARDS (Universidade de Cambridge) procurou demonstrar como os juízos de valor literários podem ser subjetivos e caprichosos. (EAGLETON, 1997, p. 21). Há uma estreita relação deles com as ideologias sociais.

Interpretamos LITERATURA, até certo ponto, à luz de nossos próprios interesses?

“Nosso” Homero não igual ao Homero da Idade Média, nem “nosso” Shakespeare igual ao dos contemporâneos deste autor. As obras literárias são “reescritas, mesmo que inconscientemente, pelas sociedades que as leem”, (EAGLETON, 1997, p. 17).

A pretensão de que o conhecimento deve ser isento de valores é, em si, um juízo de valor. (EAGLETON, 1997, p. 17).

 O que dizer de uma pessoa que acredita que os papéis sexuais têm raízes apenas na biologia humana?

 

 

Vamos entender mais sobre A POÉTICA DE ARISTÓTELES:

 

A Poética, Aristóteles tem por base a fundamentação da mimese, imitação ativa e criativa, e de catarse, que refere-se à purificação das almas por meio da descarga emocional provocada pela tragédia. A imitação, segundo Aristóteles, determina o modo de ser do poema trágico e está sempre ligada à ideia de arte (tecné) e natureza (physis).

 

Então, Aristóteles começa a Poética abordando alguns aspectos da poesia e da imitação segundo os meios, o objeto e o modo de imitação. São nestes pontos que se diferem a imitação. Todas as artes, realizam a imitação pelo ritmo, pela linguagem e pela melodia, empregados em conjunto ou separadamente (Modos de Imitação). A imitação aplica-se a pessoas em ação, que podem ser boas ou más, dependendo da prática da virtude ou do vício.

A origem da poesia teria duas causas devidas à natureza do homem, pois a imitação corresponde a um instinto humano, já que por ela são adquiridos os primeiros conhecimentos e experimentado o prazer. A poesia teria sido criada por homens aptos à imitação, por meio de ensaios improvisados.

Quanto à divisão em gêneros, tragédia e comédia, resultaria das diferenças de caráter, ou seja, enquanto a tragédia imitava os homens virtuosos e superiores, a comédia imitava os viciosos e inferiores.

Numa comparação entre epopeia e tragédia, diz Aristóteles que a epopeia, assim como a tragédia, imita em versos homens superiores, mas é menos limitada quanto à duração do que a tragédia.

Aristóteles define então a tragédia, como uma imitação de caráter elevado, completa e de certa extensão, em linguagem ornamentada e adornos distribuídos pela peça com atores atuando e não narrando, despertando o temor e a piedade, tendo por efeito a catarse (purificação) destas emoções.

A tragédia é constituída por 6 elementos: a fábula, que é a imitação da ação; o caráter, que diz respeito à qualidade das personagens; as falas, que são o conjunto dos versos; as ideias, tudo o que dizem os personagens para manifestar seu pensamento; o espetáculo, que é a parte cênica; e o canto, principal adorno do espetáculo.

Os principais meios pelos quais a tragédia fascina as plateias fazem parte da fábula, que são as peripécias e o reconhecimento. As fábulas precisam ter uma extensão que a memória possa apreender por inteiro. Assim, a duração apropriada de uma tragédia é aquela que permite que nas ações, se passe da felicidade ao infortúnio ou do infortúnio à felicidade, o que torna a tragédia mais bela. A fábula precisa ter uma unidade, de maneira que, se acrescentada ou excluída parte dela, altera-se o todo.

Quanto à qualidade da fábula, esta só é bela se for complexa (peripécias e reconhecimento) e capaz de excitar temor e compaixão. Nelas, o infortúnio das personagens não são frutos de sua perversidade, mas sim das suas ações. Para ser bela, a fábula precisa propor um fim único, oferecendo a mudança da felicidade para o infortúnio em virtude de um erro grave.

Assim, o poeta deve criar fábulas e não versos, porque são as fábulas que imitam ações e fatos capazes de suscitar o temor e a compaixão.

As fábulas são classificadas em simples ou complexas de acordo com ações que imitam. Ações simples são as que produzem mudanças na sorte sem peripécias ou reconhecimento, e complexas, ações com peripécias, reconhecimento ou ambos.

A peripécia é a alteração das ações em sentido contrário ao que parecia natural. O reconhecimento é a passagem do desconhecimento ao conhecimento das personagens.

Sobre a divisão da tragédia, seus termos essenciais são: prólogo, que é a parte completa que antecede o coro; o episódio, parte encontrada entre 2 corais e o êxodo é a parte completa da tragédia da qual após não há coro. A tragédia se compõem de enredo e desfecho, além de apresentar estrutura dramática com início, meio e fim.

A tragédia deve ser construída de maneira que as pessoas, só ao ouvirem ou lerem, sem nada ver, possam aterrorizar-se e sentir piedade. Isso caracteriza o bom poeta.

Aristóteles destaca a competência do poeta ao narrar não o acontecido, mas o que poderia acontecer, o possível, a necessidade. Assim, a diferença entre o poeta e o historiador não está na forma da obra, mas no que relatam. Por isso, a poesia, segundo Aristóteles, é mais filosófica e de caráter mais elevado, pois permanece no universal.

Na visão de Aristóteles, o poeta, ao organizar sua fábula, deve sentir como se a tivesse diante de seus olhos e sentir o efeito do que é dito pelos personagens. Para isso, a poesia exige entusiasmo e talento.

O que concluo da Poética, é o fato da superioridade da tragédia sobre a epopeia. Argumenta-se que a menor extensão da tragédia proporciona maior prazer, sem contudo, deixar de atingir o seu objetivo, que é o de imitar ações. Além disso, a imitação da epopeia apresentaria menos unidade, pois trata de muitas fábulas ao mesmo tempo. A tragédia é superior porque atinge sua finalidade: produz não qualquer prazer, mas o sentimento desejado de temor e piedade.

 

 

CONHEÇAMOS MAIS SOBRE A ARTE POÉTICA, do romano HORÁCIO, escrito em forma de POEMA METALIGUÍSTICO SOBRE LITERATURA, EPÍSTOLA AOS PISÕES (família tradicional romana, Horácio dá conselhos a um jovem que queria ser poeta) SOBRE A POESIA NA IDADE CLÁSSICA (Horácio é epicurista e firmou o termo: carpe diem), a arte deve elevar o espírito, a beleza não pode ser gratuita, devem superar a contemplação em si, pura e simplesmente:

 

https://www.youtube.com/watch?v=JdtQzlZAumI

 

HORÁCIO CARTA (Epístola) AOS PISÕES (POÉTICA)

Objeção à poesia inconsistente

Falta de coesão

 Falta de coerência

Falta de articulação

 Falta de unidade

A liberdade poética tem limites

Unidade e Verossimilhança

Virtudes e defeitos

Clareza

Leveza

Unidade/ harmonia das partes, uma não pode contradizer a anterior.

Sublimidade

Sobriedade

NUNCA: Deselegância Extravagância; pedantismo Exagero

Quanto ao tema Verossimilhança (que inclui a fantasia e o maravilhoso) versus Inverossimilhança.

Obra de arte deve ser composição de um todo uno

Dominar o tema escolhido Saber ordenar

O artista deve Tornar novo o lugar-comum

Enriquecer a língua (neologismos e arcaísmos)

A Métrica ideal

Respeitar o domínio e o tom de cada gênero “Guarde cada gênero o lugar que lhe coube e lhe assenta”

O artista deve Decoro “Não basta serem belos os poemas, têm de ser emocionantes [...], se me queres ver chorar, tens de sentir a dor primeiro.”

Efetividade da poesia

A linguagem deve ser adequada ao caráter, que deve ser coerente.

As emoções da alma são interpretadas pela linguagem.

Escolhas autorais

O artista deve evitar que o começo prometa demais: “Vai parir a montanha, nascerá um ridículo camundongo.”

Avançar sempre rápido para o desfecho e arrebatar o ouvinte para o centro dos acontecimentos.

Misturar verdade e mentira de tal modo que do começo não destoe o meio, nem, do meio, o fim.

Ação Dramática

Narrativa

Recomendações ao dramaturgo: não mostrar em cena ações repugnantes ou irracionais (metamorfoses). Não exceder a extensão de 5 atos. Evitar o deus ex machina. Limitar a três as personagens que falam em cena. Que o coro desempenhe uma parte na ação e um papel pessoal. “Que gosto podia ter um campônio sem instrução, um pé-rapado entre gente distinta?

Contra o gosto vulgar

Escrever e reescrever, guardar (por 8 anos!), não ter pressa em publicar, apresentá-lo a alguém, antes, cuidado com os bajuladores.

 Comporei um poema sobre matéria conhecida, de modo que um qualquer espere fazer o mesmo, porém, atrevendo-se a igual empresa, sue muito e se esforce; tal é a força da ordem e do arranjo, tal beleza ganham termos tomados ao trivial.”

 A arte está na ordem e no arranjo Rigor formal: obediência aos modelos gregos de excelência. Defesa das regras

“Retenham o poema que não tenha sido apurado em longos dias por muita rasura, polido dez vezes até que uma unha bem aparada não sinta asperezas.”

Trabalho formal “Farei trabalho de pedra de amolar, que não tem fio para cortar, mas é capaz de dar gume ao ferro; sem nada escrever eu próprio, ensinarei as regras do mister, as fontes de recursos, o que nutre e forma o poeta, o que fica bem, o que não, aonde leva o acerto, aonde o erro.”

O crítico e a educação do gosto: Rem tene, verba sequentur (domina o assunto, que as palavras virão).

Mais recomendações ao escritor: dar a cada personagem a conveniente caracterização.  

Rigor e perfeição (cálculo).

Brevidade e concisão (evitar o supérfluo).

A ficção não deve distanciar-se da realidade.

O escritor bem-sucedido “Arrebata todos os corações quem mistura o útil ao agradável, deleitando e ao mesmo tempo instruindo o leitor; esse livro, sim, rende lucro; esse transpõe os mares e dilata a longa permanência do escritor.”

A boa poesia exige tensão e precisão.

 Poemas de grande extensão (epopeias) propiciam momentos de menor tensão poética.

Ut pictura poesis (Poesia é como pintura)

Variedade de formas e efeitos. “Aos poetas, nem os homens, nem os deuses, nem as colunas das livrarias perdoam a mediocridade.”

“O poeta deve conhecer o seu mister: compor versos.”

 “O poeta deve submeter sua produção a um crítico confiável e guardá-la por oito anos antes de publicá-la: ‘a palavra lançada não sabe voltar atrás’.”

“O poeta é um civilizador.”

O valor de um poema está na natureza (“gênio”) ou na arte (cultivo)? Solução: conspiração amistosa entre ambos.

O bom crítico louva o que merecer louvor e aponta os defeitos.

A crítica: critério para edição.

 

 

 

 

PAUSA PARA FALARMOS DE BOILEAU

SOBRE A ARTE POÉTICA, de BOILEAU / Antoine Albalat

Nicolas Boileau Despréaux (1636-1711). Crítico e poeta francês. Publicou seu primeiro livro, um volume de sátiras, em 1666. É considerado o fundador do Arcadismo, movimento literário surgido na França no século XVII que depois se espalhou por toda a Europa. Entre as obras de Boileau, encontra-se L’ Art Poétique (A Arte Poética), de 1674.

NICOLAS BOILEAU, eis aí um nome que fermentou toda a Europa e atingiu o nosso continente. Nasceu em Paris e viveu entre 1636 e 1711. Percorreu os caminhos do Direito, mas não se encontrou dentro dos tribunais. Também trilhou os conhecimentos da Teologia e não se realizou dentro deles. Ficou órfão de mãe ainda criança e de pai quando estava com 21 anos. Tal infortúnio lhe rendeu uma fortuna da qual desfrutou até o fim de sua existência. Amou uma mulher, no entanto não teve um desfecho feliz. Apaixonou-se pelos versos e a eles dedicou-se até à morte. Homem amado e odiado, irônico e bondoso, tinha na sátira o elemento básico de seu trabalho. Seu temperamento agressivo às vezes ultrapassava os limites da crítica e decência. Odiava os maus poetas e a má poesia. Foi crítico severo da Academia de Paris e da corte francesa, que premiava os maus poetas e não dava valor aos bons.

            Teve como amigos as pessoas mais importantes e qualificadas no reino. Foi amicíssimo de Molière, de quem sofreu grande influência, um poeta libertino e perseguidor da Igreja Católica e dos jesuítas, e de Jean Racine, calcado em valores morais. A base cultural de Boileau foi fundamentada em pensadores antes de Cristo: Horácio, Homero, Platão, Aristóteles e outros, que registraram sua forma de pensar dentro de normas rígidas, objetivando demonstrar a beleza das palavras e os efeitos que iriam provocar e transformá-las numa obra de arte. Aristóteles definiu num trabalho incompleto as leis da poesia e do drama. Foi o primeiro filósofo a deixar um tratado sobre a arte poética. Com esse embasamento cultural e riqueza secular, Boileau desafiava os poetas da sua época, cujos escritos, segundo ele, eram de péssima qualidade. Faltava-lhes conhecimento, e essa era a chave da sua crítica. Segundo Nicolas, os versos deveriam ser trabalhados, escritos e reescritos! Foi considerado um poeta da regra, de ajustagem de forma fria e perfeita?. Pairava sobre ele a crítica de que havia plagiado Horácio? Boileau afirmava ser ele mesmo o Horácio francês

Publicou em 1674 A Arte Poética, tornada padrão para a técnica da poesia francesa e mundial arcádica. Com essa obra alcançou popularidade e glória, sendo reconhecido na França e Europa. Recebeu o título de ? O Poeta da Razão? no século XVII. Anos após a publicação, o Rei Luís XIV o designou historiador do reino, com Racine. Boileau foi o fundador do Arcadismo no final do século XVII. Isso foi possível porque a França não se curvou à contrarreforma católica, que possibilitou o desenvolvimento do Barroco, especialmente na Espanha, de tradição católica, e Itália, um pouco menos. Sob influência francesa, fiel aos padrões clássicos em pleno Barroco, e de Boileau, a Rainha Cristina da Suécia e Crescimbeni fundaram a Academia Arcádica Romana, em Roma, propiciando o aparecimento da filosofia racionalista, com Vico, e da poesia arcádica italiana, com Metastasio, Gravina e tantos outros. O Arcadismo, ou Neoclassicismo, influenciou toda a Europa, incluindo Portugal, onde no reinado de D. João V foi fundada a Academia Ulissiponense, e também poetas brasileiros, tendo como seguidor o fundador da Arcádia Ultramarina, Cláudio Manuel da Costa, em Ouro Preto (MG).

 

 

16 perguntas sobre LITERATURA para hoje:

1.        Que estudamos na escola?

2.       Qual o objeto desta educação?

3.       Alguns decidem ser escritores ou professores de Literatura: o que os levaria a isso?

4.       O que é VALOR, quando falamos de LITERATURA (ou de outra arte)?

5.       O que seria a VERDADE na Literatura?

6.       O que é a Beleza na Arte?

7.       O que levaria alguém a seguir pelo caminho da LITERATURA?

8.       O que é a Vida e como a Literatura pode lidar com ela?

9.       O que faz um romancista para criar o seu livro?

10.   Como se dá o uso da palavra na Literatura?

11.   Como o escritor de Literatura trabalha a palavra?

12.   Como assim “trabalha a palavra”?

13.   Como você definiria a Literatura?

14.   COMO ERA A POESIA DOS ANTIGOS AUTORES GREGOS?

15.   Ainda hoje temos as divisões (“tipos” de poesia) que os gregos usavam?

16.   Como está representada, hoje, esta divisão da antiga poesia grega (épica, lírica e dramática?

 

 

 

 

 

 

 



 

 


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