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segunda-feira, 25 de abril de 2022

LITERATURA, (AUTO)BIOGRAFIA, BIOFICÇÃO E HISTÓRIA EM ENTRELAÇAMENTOS VIVENCIAIS

 

 


Prof. Dr. Moisés Monteiro de Melo Neto

UNEAL e UPE

 

 

A vida que eu levava não era a minha. Eu tentava fazer com que se tornasse minha, essa era a minha luta (Karl Ove Knausgärd)

As biografias são como a interpretação de uma peça musical. As pessoas confiam muito no retrato, mas é apenas uma maneira de contar, é a minha forma, minha história, e não a própria pessoa (Benjamin Moser)

.

            Literatura para mim é paz e êxtase, dor extrema, perdição e redenção. É um caminho longo para quem está só. Minha vida sempre me pareceu que estava escrita numa potencial euforia de um desejo não correspondido. Agora, que estou bem entrado no século XXI, concluindo o primeiro quarteirão, mutação cultural tão acelerada, no processo de pandemia e o que ele permitiu que fizéssemos de nós mesmos, resta-me definir a literatura hoje, de modo essencial e intemporal e isto significa estar ligado à história literária, autores, obras, contexto, manuais que tratam disto. Resta a quem é professor a prática pedagógica através do diálogo. No caso da literatura enquanto reflexo do fator social, do que tratarei agora, é preciso, talvez, distanciá-lo sem o prejuízo da forma, cabe à literariedade e seus variados vieses, adentrar veredas ainda mais complexas, da história e da vida, por mais aparentemente simples que pareça ou até a mais grandiosa delas. Hoje, quando gênero, etnocentrismo, movimentos sociais dão lugar a uma nova prosa de ficção. Impressos ou on-line os livros de agora trazem novas tendências? E se pensarmos Homero como fundador de literatura europeia e Goethe como o último autor universal, estaremos ainda como prisioneiros do cânone? Devemos aqui pensar como Derrida e transgredir, transformar, investigar desconstruindo tais formas discursivas (mesmo as canonizadas)? A vida só é possível reinventada?  Como alguns escritores transformaram história e vida comum em ficção? Esta experiência entre fundo e forma, ainda parece um tanto amarga, chocante? A banalização da literatura? Pensemos com Sartre, que passou anos estudando a vida de Gustave Flaubert, ou Proust na ânsia de revelar a sociedade à clef na sua Busca do Tempo perdido.  Lembremos que quando se trata da arte literária: falar é agir, toda coisa nomeada já não é exatamente a mesma. Será que o real se revelava à contemplação e transcrição em forma literária? Podemos fazer da vida real, até da nossa, uma obra de ficção, como fizeram autores como Jack Kerouac, um beatnik?

            Penso na literatura como um generoso pacto entre o autor e o leitor, mas acredito que escrever é transformar o real, num mundo que pode passar bem sem a literatura e melhor ainda (risos e sisos) sem o homem.  Que civilização é esta que nós alimentamos direta ou indiretamente?  Lembro Blanchot ao afirmar que livros correspondem às coisas para as quais ainda não temos nomes. Literatura não pode imobilizar o futuro na tradição das velhas estruturas quando estamos assistindo, vivenciando, o fim da arte pós-moderna. Roland Barthes sugeriu até a morte da literatura. Mas a pela literatura como mito vivo estaria em vias de morrer, naqueles anos 70? Será que agora neste portal do século XXI, mais viva do que nunca?  Iuri Tynianov, em 1923 a destrinchar o fato literário e sua heterogeneidade, em constante evolução dialética, por etapas: diante de uma construção automatizada, outra oposta, se delineia (dialeticamente), lembra que o “novo” pode ser repetitivo, principalmente dentro da arte mais comum, hoje, a arte industrializada, consumida vorazmente, não que eu seja tão ortodoxo quanto Horkheimer e Adorno, mas tenho ojeriza ao  modo como se dá a mistificação das massas para  glória da unificação de gosto para os consumidores acústicos do atual sistema capitalista.

        A indústria de entretenimentos apela para o consumo fácil, e o livro está (ainda bem?) no rol das coisas que “vendem” (às vezes) bem. Longe vão os dias em que Kant anunciou que o juízo estético é um juízo particular que almeja à universalidade. Os novos autores privilegiarão cada vez mais o eu e suas experiências, mesmo as menores e farão sucesso com isso, como é o caso, agora mesmo, de Patti Smith e suas autobiografias instantâneas (mutação de gêneros e subgêneros?). O futuro nos absorva e absolva, pois nossa herança literária ainda nos intima à fidelidade.

       Como a geração digital trata o entrelaçamento da literatura com a história? A obra literária sempre será uma pergunta ao mundo. Estaria a literatura, agora, nesta segunda década do terceiro milênio, num barco no centro de um mar terrível?  Literatura seria nave resistente comparada às insignificâncias que assombram a História contemporânea?

            Precisamos ler enfrentando lutas, como quem domestica irracionais voluntariosos, se for necessário. Não há literatura sem umas boas doses de sacrifício. Quem reescreve o presente ou investiga o passado, dá voz ao futuro? O poder decisivo de uma obra singular é o chamado à ação. E não falo apenas em termos de critérios estéticos universalizantes: não acredito que o estudo da literatura, hoje, está se acabando, porque poderia ser politicamente incorreto analisar, em termos técnicos, uma literatura que tem apenas função política (politicamente correta).

          Busco sempre os efeitos sociais e culturais do literário e não só o que é estético e linguístico na literariedade. Literatura está no eixo principal da experiência humana, por isso acho interessante, quando há reflexos biográficos numa obra literária, tendo eu mesmo escrito peças teatrais sobre Padre Cícero, Bento Teixeira, Delmiro Gouveia, dentre outros personagens históricos.  Ou será que Literatura e História só podem ser salvas por elas mesmas? A fusão das duas pode ser uma faca de dois gumes, mas, de certo modo, útil, facilita o girar dos prazeres (sem fetichizar base teórica e a terminologia específica, nem a esquecer). Dar sentido à vida parece uma tarefa cada vez mais supérflua no processo da transmodernidade líquida, sólida ou gasosa que nos abate em números avassaladores. Presos a smartphones, vivemos num mundo de siglas, códigos, novidades que nos cerceiam e alucinam com sua velocidade inessencial.  Há muito tempo que não adianta ser realista. Penso aqui, também, nas distopias de Orwell, no horror kafkiano, nas revoltas de J. D.  Salinger, no erotismo intelectualizado (e até biográfico) de Marguerite yourcenar (Memórias de Adriano).

            Parece que a ficção está no mundo para as pessoas que querem uma vida diferente da que vivem. Em toda obra literária lateja um desejo insatisfeito. Seria a literatura um sonho lúcido? Provavelmente não. Uma fantasia sobre existência?  Lembrando aqui que os meios audiovisuais não podem substituir a literatura, no que se trata das possibilidades que a língua escrita oferece no sentido de ampliação lexical, por exemplo (a exceção seria a literatura oral de alto nível). E aqui não estamos nos referindo ao livro de papel. Para ser político um escritor só precisa mostrar bem uma situação e deixar que o leitor reflita sobre ela. O escritor tem que resistir ao desencanto?  Possivelmente.

       As novas tendências como a autoficção pululam (vide Karl Oven Knäusgard). A que conclusão eu chego? A arte é o absoluto mais possível e ela não tem que ser engajada, o mesmo em meio a esta época de desprezo e esquecimento e à literatura cabe suprir o que não é dito pelos outros textos. Ela não precisa mostrar o mundo e nem acrescentar algo a ele.  O que a literatura pode é fazer saber que não há verdade absoluta e sim verdades relativas (que se contradizem recheadas de incertezas em meio a alucinação coletiva produto da cultura de massa da indústria cultural etc.), só aí é que a literatura pode ser crítica e resistência, trazendo, se necessário for, a História para dentro de si, desconstruir o “não pensamento” das ideias recebidas nos smartphones e computadores, quando ela tentar esmagar o pensamento original e individual.

        Como continuarmos humanos diante dos mais terríveis verdades sobre nós num mundo múltiplo que a literatura tenta abarcar e onde a ontologia, política, religiosidade, moral estão a girar numa espiral caótica de tantos textos digitais? Mesmo assim a literatura, no que trata da sua produção e consumo, caminha pelo século 21: apesar de tantas incertezas e da fragmentação excessiva do saber, e trabalha a autobiografia ficcional ou autoficção, metaficção, que os grandes autores da literatura fizeram, Cervantes, Machado de Assis, Julia Kristeva criou o termo intertextualidade a partir dos conceitos de polifonia e dialogismo, de Mikhail Bakhtin (1920). Hoje, talvez estejamos ligados a uma grave crise ontológica. O racismo exposto na morte do negro americano George Floyd, desencadeando a maior onda de protestos de os anos 60; a COVID 19 e suas consequências nos mostram também que todo escritor é um leitor que escreve e isso pode incluir resistência ética. Se os professores de literatura e história perguntarem a si mesmos se devem cultuar radicalismos trágicos, eles deverão levar em consideração o alto grau de cabotinismo de quem se aproveita de tais coisas para se projetar numa sociedade cada vez mais artificial. Entre a informação e a invenção irá uma parte a lembrar que nunca haverá a palavra final.

            E há o caso do autor como personagem de sua obra ficcional, e isto é quase certo, teremos aí a autoficção, a metaderivação, autorreferência, aí sugere-se a bioficção, mas a literatura estará ali, se multiplicando à custa de si mesma, indefinidamente; não será explorando espíritos desmesurados que a humanidade vai saber como lidar com sua medida extrema. Os escritores transformam-se em personagens centrais da ficção, em outros casos.  Usarão autores famosos como Saramago fez em O ano de morte de Ricardo Reis (1984) e Ana Miranda o fez em Boca do Inferno (1989), com Gregório de Matos e seu contexto histórico. O que difere estes livros de uma biografia é a sua mistura com a ficção.

          Mas o que seria a autoficção, desdobramentos de um autor, num pacto com o leitor? Que espécie de proposta narrativa é esta, uma autobiografia ficcionalizada?  É o caso literatura séria? Quais são os limites deste gênero? Quais são os limites desta criação? Na autoficcionalidade o escritor constrói um personagem de si mesmo, com traços que podem lhe identificar e que lhe servem para construir livros, artigos. São como autorreferências de um eu desassossegado, confessional. Em seu livro sobre Clarice Lispector, Benjamin Moser insinua que a autora colocava sua vida nos romances e contos, a partir dos romances Perto do Coração Selvagem, O Lustre, A cidade Sitiada e A Paixão segundo G.H., ela teria colocado neles algo das suas raízes judaicas e suas inquietações existenciais particulares. Embora a autora não quisesse ser autobiográfica intencionalmente.

        Em Água viva (o título sugere uma medusa marinha, algo invertebrado e flutuante) ela escreve, introspectivamente, sobre sua mundividência de um modo que transforma sua experiência numa poesia universal. A propósito: o cantor e compositor Cazuza, afirmou que leu este pequeno (grandioso) livro mais de cem vezes. O livro que com cerca de 80 páginas em corpo grande tem na sua brevidade uma aparente simplicidade que mascara vários anos de luta (chamava-se inicialmente Através do Pensamento: monólogo com a vida e também Objeto Gritante até ganhar o seu nome definitivo), traz a tentativa de capturar sua voz cotidiana não lapidada por recursos ficcionais ou literários. São reminiscências, por exemplo: na gênese do livro ela fala sobre um cachorro seu que ela teve que abandonar, Dilermano, que ela foi obrigada a abandonar quando saiu de Nápoles; fala também das suas preferências em relação às flores (aí ela cita o local em que nasceu numa visão pessoal, sugere que o girassol é ucraniano). Quando lemos sobre a feitura deste livro um tom informal. Não há nele um enredo. Parece uma brainstorm sem filtro. Ela fala da sua falta de dinheiro, do conserto do toca-disco e de como tem que trabalhar para ter as coisas que precisa. Diz que sua casa não é metafísica, palavra que ficou grudado à autora e novamente traz seu leitmotiv: a discussão sobre Deus. Talvez Clarice não gostasse tanto da “verdade” e tentasse retoca-la numa luta corpo a corpo, de modo um tanto culpado, com a ficcionalização, num projeto de despersonalização da experiência pessoal, num esforço hesitante, lembrando que arte é mais libertação do que liberdade. É como se a escritora, que se dizia pernambucana, pois morou cerca de doze anos (sua infância e início da adolescência) no Recife, os reinos incomunicáveis do seu espírito, onde o sonho e o devaneio se tornam pensamento, como se quisesse fotografar o perfume, reproduzir em palavras sua vida interior, em dissonância harmoniosa, como se os seus dias fossem um só clímax. Neste livro percebemos a fragmentação do pensamento dela própria, seu cotidiano dialeticamente tratado num caminho que vai das raízes ao cómico.

        Não se trata de fluxo de consciência apenas (Clarice fazia terapia psicanalítica cinco vezes por semana) mas da concretização dos seus pensamentos: luz, sombra e descobertas numa lógica que não é imediatamente evidente, mas é real. Ela queria capturar o tempo e pará-lo ali, num livro sem começo nem fim, que poderia ser iniciado em qualquer uma das páginas, de forma pulsante, fragmentária: transmitir a experiência real de estar viva, movendo-se pelo tempo. Como se fosse um estranho historiador investigando e interpretando, não criticamente, percepção de acontecimentos, resgatando a memória da humanidade, ampliando a compreensão da nossa condição humana. Selecionando, relacionando os dados do objeto gritante no cosmos, encadeando percepções em aparente desordem, tal um profeta, uma sacerdotisa, mas este, também falando sobre como as coisas podem vir a ser. Numa espécie de história à prova de tempo, onde os fatos passam a não ser tanta importância quanto a vivência interior, sem a visão universal acontecimentos. Registro de memória nonsense? Tentativa de resgate do sentido e busca de um novo sentido? Atravessar a trajetória da existência como se fosse um espírito fugindo de qualquer sentido pluralizante? Se é que uma das tarefas do historiador seria fazer o passado deixar de parecer uma coisa que se desdobra no presente, o presente desta autora é a indeterminação da sensibilidade

        Sabemos que a partir dos anos oitenta aumentou os gêneros autobiográficos nas narrativa. As escritas do eu como, por exemplo, diários autobiografias, memórias, correspondências adquiriram força, mas era algo que vinha sendo praticado havia muito tempo como expressão individual, busca de si mesmo. Isabel Allende com seu trabalho em A casa dos Espíritos tornou-se best-seller. Que espécie de epistemologia encontramos num texto deste quilate?   Algo que já vinha de muito séculos antes? Como o indivíduo trabalha a autobiográfica de como trata a “verdade num espaço literário não ficcional projetando novas especulações narrativas, no qual incluímos a autoficção reforça a questão da representação do Eu do autor, mesmo que com certo distanciamento que, de certo modo, seria passar pela história para narrá-la. O que diferiria das obras de cunho puramente (auto)biográfico numa espécie de romance não preso à ficção, simplesmente, isto é, ao mundo criativo de personagens e paisagens. 

        O “romancista” na bioficção fala de si mesmo e das pessoas com quem conviveu descaradamente e não à clef, como se fazia antes. Karl Oven Knausgärd recebeu alguns processos por gente que não gostou de ser retratada daquele modo.  Caberia ao leitor acreditar ou não numa riqueza de detalhes impossível para a memória. O polêmico Fernando Gabeira, quando voltou do exílio em 1979 lançou O que é isso, companheiro, O crepúsculo do macho e Entradas e Bandeiras, livros onde relata suas experiências políticas com a esquerda, dita terrorista, por uma direita assassina, boa parte dos livros se utiliza de gêneros da ficção para prender o leitor, como numa espécie de enredo, diferenciando as suas obras dos simples diários pessoais e até da ficção do real, numa jornada autobiográfica própria. A história e a teoria literária que este veio híbrido de realidade e ficção próximo ao triunfo da persona do autor, do eu, na corda bamba entre autoficção e autobiografia, que remete “claramente” ao autor, diante da complexidade do mundo. Nestes termo é muito interessante ler algumas biografias sobre Clarice e perceber quando falham ao tratar da sua trajetória, que inclui mais o caminho etéreo do que o físico.

        Quando fui convidado a escrever uma biografia do Mágico nordestino Alakazam, que também é empresário de circo em Pernambuco, não tive tanto tempo para a inspiração, inspirado ou não, a gente escreve, pois o cálculo e o jorro criativo são processos distintos. Sacudido na madrugada, atormentado na insônia, eu produzia. Eram pedaços de papéis avulsos, escritos em qualquer lugar, por exemplo: dentro de um veículo. Eu tinha feito pesquisas sobre ele e entrevistados pessoas. Sobrou um amontoado de arquivos em busca da ideia que precisava se concretizar em menos de um ano. Muito pouco num projeto deste porte, uma biografia (era um desafio e que desafio, para mim, que já li tantas). Eu me sentia caindo no abismo do que é uma vida de uma pessoa quando a gente vai falar sobre ela num livro e vê toda a sua trajetória reconstruída, numa linha que divide fato e reconstituição; os vapores do passado me envolveram, o biografado reluzia como se me puxasse de um redemoinho.

        Continuei a raspar a memória do meu objeto de estudo: aquele mágico dono de circo, aquele pernambucano, tão brasileiro quanto eu, ali, juntos, em profusão de imagens e palavras que eu ia associando num frenesi quase orgasmático e sensível, como se numa cabala bem particular nós nos comunicássemos (ainda  que isso divirja de afirmações que  fiz  anteriormente sobre o ato da escrita  em mim).

Escrever é, para mim, algo intransparente. Selecionar imagens, além de produzir este texto, não foi tão fácil, eram centenas de fotos. Não pretendia edulcorar o meu objeto de estudo e tampouco queria tratá-lo de maneira fria e necessariamente objetiva. Trata-se de um ícone das artes no Brasil, um nordestino que vive da arte há muitas décadas e mesmo hoje, numa idade na qual muitos desejam aposentadoria ele segue adiante com invejável vigor, mesmo neste momento tão difícil que as artes atravessam, especialmente a arte circensense. 



O jornalista e escritor Valdir Oliveira em entrevista comigo e Alakazam sobre o livro que escrevi sobre ele. TV Universitária de Pernambuco, novembro de 2019 (foto: arquivo da TV Universitária, Recife


As entrevistas com Alakazam forma feitas no circo dele, no Sated PE e pelo Whatsapp. Ele sempre se mostrou solícito, mesmo quando se tratava de um assunto de foro íntimo. Utilizei-me de diversos livros sobre o circo também, além de entrevistar alguns artistas circenses. Assisti a muitos vídeos de apresentações dele, assim como acompanhei as apresentações do seu circo neste período no qual escrevi a sua biografia. O prazo era curto e o material muito vasto. Foram 160 páginas em Word, Times New Roman, tamanho 12, no original, nos livros tivemos uma variação de volume, obviamente, pela nova diagramação. Imprimi à pesquisa um tom um tanto literário, quis tratar a trajetória de Wilson Ribeiro da Silva, seu nome oficial, numa visão artística.

Encontrei uma espinha dorsal: o texto teria o ponto de vista de um espectador que estivesse diante de um espetáculo sobre um garoto de 10 anos que fugiu de casa e muito depois inaugurou o seu próprio circo e seguiu durante muito tempo se apresentando pelo Nordeste do Brasil encarando os altos e baixos de uma carreira icônica. Ele já exerceu praticamente todas as funções pelas quais um artista circense pode passar. É mágico, apresentador, foi contorcionista, trapezista e domador de animais. É ainda um compositor com mais de sessenta músicas gravadas e cerca de duzentas compostas. Além disso, já publicou um livro em que conta, em forma de poesia, sua própria história, experiências e a rica vivência de um artista que dedicou a vida ao circo

Foram seis meses de pesquisa e dois meses na conclusão do texto escrito. O material que produzi envolveu a mão de obra de vários outros profissionais: diagramadores, revisor, designers, dentre outros.

 Alakazam, como é conhecido, adotou este nome em 1968, quando leu uma história infantil protagonizada por um mágico assim chamado. A fantasia da ficção transformou-se em realidade através deste artista, que assim também nomeou o circo do qual é dono desde 1974. O Circo Alakazam é dos mais conhecidos e respeitados do Estado, onde se estabeleceu há vinte anos e, desde então, leva a arte milenar do circo ao público pernambucano.

    O livro foi publicado com o Incentivo do FUNCULTURA, Fundarpe, Secretaria de Cultura, Governo de Pernambuco, sendo o primeiro do lançamento em 26/10/2019 no Instituto Histórico de Caruaru e foram distribuído 250 exemplares. O Livro também, foi lançado na XII Encontro de Literatura Infantojuvenil da UNICAP, “Entre nós: Os Livros”, Homenagem ao Circo Alakazam nos dias 28, 29 e 30 de outubro de 2019, no Auditório G1 – Unicap, com apresentações no hall de entrada do Bloco G1, trezentos exemplares distribuídos. E, posteriormente, no Festival de Circo do Brasil, 15ª edição, com participação, lançamento e distribuição gratuita de 150 exemplares do livro, no Museu do Estado de Pernambuco. Livro e lançamento com produção de Sérgio Muniz.

Busquei assim tecer apontamentos a partir dos pressupostos teóricos e metodológicos citados no entrecruzamento entre história e da biografia. Aproximar as narrativas biográficas do campo do conhecimento histórico através da compreensão dos aspectos biográficos e das suas interfaces com a autobiografia, da bioficção e a memória histórica.

 

 



domingo, 24 de abril de 2022

TEORIA LITERÁRIA

 



PROF.DR. MOISÉS MONTEIRO DE MELO NETO

 

 

1.      O QUE É TEORIA LITERÁRIA?

O conhecimento sobre este assunto pode ser PRÁTICO ou TEÓRICO:

PRÁTICO= produto da experiência

TEÓRICO= elaboração mental dessa experiência (em termos científicos e filosóficos)

 


Na LITERATURA, por exemplo: a PROSA é lida de um modo, a POESIA de outro.

Para definir cada uma dessas, teremos que observar suas características, o que as distingue e chegar a uma definição geral e teórica sobre elas.

Então, temos: um CONHECIMENTO PRÁTICO (pela experiência) e um CONHECIMENTO TEÓRICO (pela elaboração científica ou filosófica).

Ao CONHECIMENTO TEÓRICO chamamos TEORIA LITERÁRIA ou Teoria da Literatura.

 

2.      Vejamos exemplos para análise (entre PROSA E POESIA):

 

(texto UM)

 

Autopsicografia

 

O poeta é um fingidor.A

Finge tão completamenteB

Que chega a fingir que é dorA

A dor que deveras sente.B



E os que leem o que escreve, C

Na dor lida sentem bem,D

Não as duas que ele teve,C

Mas só a que eles não têm.D



E assim nas calhas de rodaE

Gira, a entreter a razão,F

Esse comboio de cordaE

Que se chama coração.F

 



(texto DOIS)

 

Capítulo I

Do título

Uma noite destas, vindo da cidade para o Engenho Novo, encontrei no trem da Central um rapaz aqui do bairro, que eu conheço de vista e de chapéu. Cumprimentou-me, sentou-se ao pé de mim, falou da lua e dos ministros, e acabou recitando-me versos. A viagem era curta, e os versos pode ser que não fossem inteiramente maus. Sucedeu, porém, que, como eu estava cansado, fechei os olhos três ou quatro vezes; tanto bastou para que ele interrompesse a leitura e metesse os versos no bolso.

-Continue, disse eu acordando.

-Já acabei, murmurou ele.

-São muito bonitos.

Vi-lhe fazer um gesto para tirá-los outra vez do bolso, mas não passou do gesto; estava amuado. No dia seguinte entrou a dizer de mim nomes feios, e acabou alcunhando-me Dom Casmurro. Os vizinhos, que não gostam dos meus hábitos reclusos e calados, deram curso à alcunha, que afinal pegou. Nem por isso me zanguei. Contei a anedota aos amigos da cidade, e eles, por graça, chamam-me assim, alguns em bilhetes: “Dom Casmurro, domingo vou jantar com você.” – “Vou para Petrópolis, Dom Casmurro; a casa é a mesma da Renânia; vê se deixas essa caverna do Engenho Novo, e vai lá passar uns quinze dias comigo.” – “Meu caro Dom Casmurro, não cuide que o dispenso do teatro amanhã; venha e dormirá aqui na cidade; dou-lhe camarote, dou-lhe chá, dou-lhe cama; só não lhe dou moça.”

Não consultes dicionários. Casmurro não está aqui no sentido que eles lhe dão, mas no que lhe pôs o vulgo de homem calado e metido consigo. Dom veio por ironia, para atribuir-me fumos de fidalgo. Tudo por estar cochilando! Também não achei melhor título para a minha narração; se não tiver outro daqui até o fim do livro, vai este mesmo. O meu poeta do trem ficará sabendo que não lhe guardo rancor. E com pequeno esforço, sendo o título seu, poderá cuidar que a obra é sua. Há livros que apenas terão isso dos seus autores; alguns nem tanto.




Capítulo II

Do livro

Agora que expliquei o título, passo a escrever o livro. Antes disso, porém, digamos os motivos que me põem a pena na mão.

Vivo só, com um criado. A casa em que moro é própria; fi-la construir de propósito, levado de um desejo tão particular que me vexa imprimi-lo, mas vá lá. Um dia, há bastantes anos, lembrou-me reproduzir no Engenho Novo a casa em que me criei na antiga Rua de Matacavalos, dando-lhe o mesmo aspecto e economia daquela outra, que desapareceu. Construtor e pintor entenderam bem as indicações que lhes fiz: é o mesmo prédio assobradado, três janelas de frente, varanda ao fundo, as mesmas alcovas e salas. Na principal destas, a pintura do teto e das paredes é mais ou menos igual, umas grinaldas de flores miúdas e grandes pássaros que as tomam nos bicos, de espaço a espaço. Nos quatro cantos do teto as figuras das estações, e ao centro das paredes os medalhões de César, Augusto, Nero e Massinissa, com os nomes por baixo... Não alcanço a razão de tais personagens. Quando fomos para a casa de Matacavalos, já ela estava assim decorada; vinha do decênio anterior. Naturalmente era gosto do tempo meter sabor clássico e figuras antigas em pinturas americanas. O mais é também análogo e parecido. Tenho chacarinha, flores, legume, uma casuarina, um poço e lavadouro. Uso louça velha e mobília velha. Enfim, agora, como outrora, há aqui o mesmo contraste da vida interior, que é pacata, com a exterior, que é ruidosa.

O meu fim evidente era atar as duas pontas da vida, e restaurar na velhice a adolescência. Pois, senhor, não consegui recompor o que foi nem o que fui. Em tudo, se o rosto é igual, a fisionomia é diferente. Se só me faltassem os outros, vá; um homem consola-se mais ou menos das pessoas que perde; mas falto eu mesmo, e esta lacuna é tudo. O que aqui está é, mal comparando, semelhante à pintura que se põe na barba e nos cabelos, e que apenas conserva o hábito externo, como se diz nas autópsias; o interno não aguenta tinta. Uma certidão que me desse vinte anos de idade poderia enganar os estranhos, como todos os documentos falsos, mas não a mim. Os amigos que me restam são de data recente; todos os antigos foram estudar a geologia dos campos santos. Quanto às amigas, algumas datam de quinze anos, outras de menos, e quase todas creem na mocidade. Duas ou três fariam crer nela aos outros, mas a língua que falam obriga muita vez a consultar os dicionários, e tal frequência é cansativa.

Entretanto, vida diferente não quer dizer vida pior; é outra coisa. A certos respeitos, aquela vida antiga aparece-me despida de muitos encantos que lhe achei; mas é também exato que perdeu muito espinho que a fez molesta, e, de memória, conservo alguma recordação doce e feiticeira. Em verdade, pouco apareço e menos falo. Distrações raras. O mais do tempo é gasto em hortar, jardinar e ler; como bem e não durmo mal.

Ora, como tudo cansa, esta monotonia acabou por exaurir-me também. Quis variar, e lembrou-me escrever um livro. Jurisprudência, filosofia e política acudiram-me, mas não me acudiram as forças necessárias. Depois, pensei em fazer uma História dos Subúrbios, menos seca que as memórias do Padre Luís Gonçalves dos Santos, relativas à cidade; era obra modesta, mas exigia documentos e datas, como preliminares, tudo árido e longo. Foi então que os bustos pintados nas paredes entraram a falar-me e a dizer-me que, uma vez que eles não alcançavam reconstituir-me os tempos idos, pegasse da pena e contasse alguns. Talvez a narração me desse a ilusão, e as sombras viessem perpassar ligeiras, como ao poeta, não o do trem, mas o do Fausto: Aí vindes outra vez, inquietas sombras...?

Fiquei tão alegre com esta ideia, que ainda agora me treme a pena na mão. Sim, Nero, Augusto, Massinissa, e tu, grande César, que me incitas a fazer os meus comentários, agradeço-vos o conselho, e vou deitar ao papel as reminiscências que me vierem vindo. Deste modo, viverei o que vivi, e assentarei a mão para alguma obra de maior tomo. Eia, comecemos a evocação por uma célebre tarde de novembro, que nunca me esqueceu. Tive outras muitas, melhores, e piores, mas aquela nunca se me apagou do espírito. É o que vais entender, lendo.

 

 

ROMEU E JULIETA, ATO III, Cena V

O mesmo. Quarto de Julieta. Entram Romeu e Julieta.

JULIETA — Já vais partir? O dia ainda está longe. Não foi a cotovia, mas apenas o rouxinol que o fundo
amedrontado do ouvido te feriu. Todas as noites ele canta nos galhos da romeira. É o rouxinol, amor; crê
no que eu digo.

ROMEU — É a cotovia, o arauto da manhã; não foi o rouxinol. Olha, querida, para aquelas estrias
invejosas que cortam pelas nuvens do nascente. As candeias da noite se apagaram; sobre a ponta dos pés
o alegre dia se põe, no pico das montanhas úmidas. Ou parto, e vivo, ou morrerei, ficando.

JULIETA — Não é do dia aquela claridade, podes acreditar—me. É algum meteoro que o sol exala, para
que te sirva de tocheiro esta noite e te ilumine no caminho de Mântua. Assim, espera. Não precisas partir
assim tão cedo.

ROMEU — Que importa que me prendam, que me matem? Serei feliz, assim, se assim o quiseres. Direi
que aquele ponto acinzentado não é o olho do dia, mas o pálido reflexo do diadema da alta Cíntia, e
também que não foi a cotovia, cujas notas a abóbada celeste tão longe ferem sobre nossas frontes. Ficar é
para mim grande ventura; partir é dor. Vem logo, morte dura! Julieta quer assim. Não, não é dia.

JULIETA — É dia; foge! A noite se abrevia. Depressa! É a cotovia, sim, que canta desafinada e rouca,
discordantes modulações forçando e insuportáveis. Dizem que ela é só fonte de harmonia; não é assim,
pois ora nos divide. Há quem diga que o sapo e a cotovia mudam os olhos. Oh! quisera agora que ambos
a voz também trocado houvessem, pois ela nos separa e, assim tão cedo, como grito de caça mete medo.
Oh vai! A luz aumenta a cada instante.

ROMEU — A luz? A escuridão apavorante.
(Entra a ama.)

AMA — Senhora!

JULIETA — Ama?
AMA — Vossa mãe se dirige para cá. Sede prudente; já raiou o dia, como podereis ver.
(Sai.)
JULIETA — Então, janela, que o dia entre no quarto e a vida fuja.

ROMEU — Adeus, adeus! Um beijo, e desço logo.
(Desce.)

JULIETA — Já foste? Meu senhor! Amor! Amigo! Notícias quero ter todas as horas, porque um minuto
encerra muitos dias. Fazendo a conta assim, ficarei velha antes de ver de novo o meu Romeu.

ROMEU — Adeus. Não deixarei passar um só momento sem te mandar contar o meu tormento.

JULIETA — Oh! pensas mesmo que ainda nos veremos?

ROMEU — Não o duvides; todas estas dores nos servirão ainda unicamente para doces deixar nossos
colóquios.

JULIETA — Oh Deus! Um coração tenho agourento. Vendo-te assim, tão longe, só parece que estás sem
vida, dentro de um sepulcro. Ou vejo mal, ou estás, realmente, pálido.

ROMEU — Podes crer-me, querida; de igual modo tu me pareces. A aflição sedenta nos bebe todo o
sangue. Adeus! Adeus!
(Sai.)

 

 

 

Temos, nos exemplos acima, 3 textos cujas interpretações fazem parte do campo de trabalho dos que estudam literatura: um poema, dois capítulos iniciais de um romance. E um trecho de uma peça de teatro.

 

Existem: vida animal, vida vegetal, vida artística, vida política e vida literária (cujo fato principal é a obra literária.

 

Eis o tripé da literatura: toda obra literária tem autor e precisa de um leitor.

Surgem perguntas como: qual o meio cultural (o ambiente) no qual a obra foi produzida, ele se relaciona com a obra? Ou simplesmente estudamos o texto em si?

 

RELACIONADOS À OBRA LITERÁRIA:

 

1.      O LEITOR: interessa-se em compreender a obra.

2.      O ANALISTA: decompõe a obra em seus elementos para análise da forma e conteúdo.

3.      O CRÍTICO: julga o valor da obra (por exemplo: valor artístico, moral, intelectual...)

4.      O TEÓRICO: extrai da obra e tudo que com ela se relaciona, ideias gerais e formula teoria acerca do que é essencial nos fenômenos literários.

 

 

A TEORIA LITERÁRIA É O COMPORTAMENTO ESPECÍFICO DIANTE DOS FATOS LITERÁRIOS.

Não se trata aqui de tarefa para o leitor comum nem analista ou só crítico ou historiador, mas sim de um sistema de elaboração de teorias a respeito do assunto, tratado de modo científico: um sistema de teorias, elaborado por especialistas no assunto.

 

Tipos de ESTUDOS LITERÁRIOS:

ANÁLISE, CRÍTICA, HISTORIOGRAFIA.

O objeto de estudos deles: os FATOS LITERÁRIOS.

A teoria mantém com esses estudos íntimas relações; estuda estruturas, categorias estéticas do fenômeno literário.

 

1.      A TEORIA LITERÁRIA É, OU NÃO PROPEDÊUTICA (corpo de ensinamentos introdutórios ou básicos de uma disciplina; ciência preliminar, introdução; conjunto de estudos nas áreas humanas e científica que precedem, como fase preparatória e indispensável, os cursos superiores de especialização profissional ou intelectual)?

2.      Deve-se evitar estabelecer regras, a teoria literária recorre as obras em si.

 

 

TEORIA DA LITERATURA

AULA SOBRE VISÃO EAGLETON (28/06/21)

EAGLETON, Terry. Teoria da Literatura: uma introdução. São Paulo: Martins Fontes, 1997).

 

Tornar a Teoria Literária Moderna inteligível e atraente ao maior número possível de leitores.

Algumas correntes parecem herméticas, devemos consertar esse estrago.

Teoria Literária deve ser democrática, nunca elitista, mergulhar no empolgadamente ilegível, fazendo isso ela está sendo desleal com suas próprias raízes históricas.

O início da transformação sofrida pela Teoria Literária: o ano de 1917 daí até os anos 1980, a teoria se desenvolveu rapidamente; o próprio conceito de literatura, leitura e crítica.

Alguns estudantes e críticos também objetam que a teoria literária se interpõe entre o leitor e a obra. Devemos eliminar esta repressão.

Alguns textos nascem literários, outros atingem a condição de literários. A Literatura poderia ser definida como A ESCRITA, no sentido de ficção mas será que esta definição procede? (ver Padre Antônio Vieira, Sóror Mariana Alcoforado, Pero Vaz de Caminha, Hobbes etc.).

Assim, a distinção entre fato e ficção, acima citada, não é muito útil.

Em inglês, a palavra “novel”, até princípios do século XVII, foi utilizada tanto para acontecimentos reais como para os fictícios.

HQs são ficção, mas não Literatura.

A Literatura emprega a linguagem de modo peculiar. Segundo o crítico formalista russo Jakobson, representa uma violência organizada contra a fala comum. (EAGLETON, 1997, p. 2).

Se alguém na rua me diz: “tu, noiva imaculada da quietude”, sei que estou na presença do literário, pois há aqui há  desconformidade entre significantes e significados.

Os FORMALISTAS DE 1917 (Vitor Chlovski, Roman Jakobson, Osip Brik, Vladimir Propp, Yuri Tynyanov, Boris Echenbaum e Boris Tomasheviski), que rejeitaram as doutrinas Simbolistas, que influenciaram a crítica literária até então, achavam-nas quase místicas (a crítica deve separar arte e mistério – verdade transcendental, tem leis específicas, estruturas e mecanismos), atuaram fortemente até que na década de 1920, até serem “silenciados” pelo Stalinismo, que queria uma literatura social (queriam usar a literatura para veicular a visão comunista).

Para os Formalistas a Literatura faz-se com palavras, não com sentimentos. Parece a aplicação da Linguística ao estudo da Literatura. Eles não se preocupam com o “conteúdo” literário; o personagem, por exemplo, seria apenas um artifício para se reunirem diferentes tipos de técnicas narrativas.  A Revolução dos Bichos, não seria uma alegoria sobre o Stalinismo, ao contrário, o Stalinismo ofereceria uma oportunidade perfeita para a criação de uma alegoria daquele porte (EAGLETON, 1997, p. 4), mesmo com todo o seu conteúdo social, que foge ao âmbito do trabalho do crítico formalista.

OBRA LITERÁRIA como reunião (mais ou menos arbitrária?) de artifícios, é o que pensavam. Utilização de sons, imagens, ritmo, sintaxe, métrica, rima, técnicas narrativas, enfim, elementos literários formais que provocariam o efeito de “ESTRANHAMENTO”, ou desfamiliarização. Sob a pressão de tais artifícios a linguagem comum era intensificada, condensada, torcida, reduzida, ampliada, invertida, renovando reações habituais, tornando os objetos mais perceptíveis. Resultado: intensificação de nossa vida material. OS FORMALISTAS RUSSOS NÃO QUERIAM DEFINIR A LITERATURA, MAS A LITERARIEDADE.

Para identificar como se dá o desvio da linguagem comum na Literatura seria necessário identificar a norma da qual esta se afasta.

Pensar assim seria como considerar toda a literatura como Poesia?

É problemática esta questão porque até anúncios comerciais apresentam técnicas verbais exuberantes, não é? Há muita ambiguidade envolvida aqui.

Quando o poeta nos diz que seu amor é como uma rosa vermelha, não devemos perguntar a ele que estranha razão o leva a dizer tal coisa.

A literatura é um discurso não-pragmático. Isto não significa que não possam ser lidos de maneira pragmática, não é? Está longe de ser clara a possibilidade de distinguirmos nitidamente entre as maneiras “prática” e não-prática” de nos relacionarmos com a linguagem.

Literatura seria o enfoque na maneira de falar e não na realidade daquilo que se fala. É uma espécie de linguagem autorreferencial.

A Literatura não pode ser definida “objetivamente”. (EAGLETON, 1997, p. 1).

Há pessoas comuns que consideram a “literatura” como a escrita que parece “bonita”. (EAGLETON, 1997, p. 14).

A literatura não é uma entidade estável e bem definida. São notoriamente variáveis os juízos de valor nesta área. Os interesses são constitutivos de nosso conhecimento

O ato de classificar algo como literatura é extremamente instável.

VALOR significando tudo aquilo que é considerado valoroso, por certas pessoas, em situações específicas, de acordo com critérios específicos e à luz de determinados objetivos.

Em seu famoso estudo A prática da crítica literária, (1929), o crítico Ivor Armstrong (I.A.) RICHARDS (Universidade de Cambridge) procurou demonstrar como os juízos de valor literários podem ser subjetivos e caprichosos. (EAGLETON, 1997, p. 21). Há uma estreita relação deles com as ideologias sociais.

Interpretamos LITERATURA, até certo ponto, à luz de nossos próprios interesses?

“Nosso” Homero não igual ao Homero da Idade Média, nem “nosso” Shakespeare igual ao dos contemporâneos deste autor. As obras literárias são “reescritas, mesmo que inconscientemente, pelas sociedades que as leem”, (EAGLETON, 1997, p. 17).

A pretensão de que o conhecimento deve ser isento de valores é, em si, um juízo de valor. (EAGLETON, 1997, p. 17).

 O que dizer de uma pessoa que acredita que os papéis sexuais têm raízes apenas na biologia humana?

 

 

Vamos entender mais sobre A POÉTICA DE ARISTÓTELES:

 

A Poética, Aristóteles tem por base a fundamentação da mimese, imitação ativa e criativa, e de catarse, que refere-se à purificação das almas por meio da descarga emocional provocada pela tragédia. A imitação, segundo Aristóteles, determina o modo de ser do poema trágico e está sempre ligada à ideia de arte (tecné) e natureza (physis).

 

Então, Aristóteles começa a Poética abordando alguns aspectos da poesia e da imitação segundo os meios, o objeto e o modo de imitação. São nestes pontos que se diferem a imitação. Todas as artes, realizam a imitação pelo ritmo, pela linguagem e pela melodia, empregados em conjunto ou separadamente (Modos de Imitação). A imitação aplica-se a pessoas em ação, que podem ser boas ou más, dependendo da prática da virtude ou do vício.

A origem da poesia teria duas causas devidas à natureza do homem, pois a imitação corresponde a um instinto humano, já que por ela são adquiridos os primeiros conhecimentos e experimentado o prazer. A poesia teria sido criada por homens aptos à imitação, por meio de ensaios improvisados.

Quanto à divisão em gêneros, tragédia e comédia, resultaria das diferenças de caráter, ou seja, enquanto a tragédia imitava os homens virtuosos e superiores, a comédia imitava os viciosos e inferiores.

Numa comparação entre epopeia e tragédia, diz Aristóteles que a epopeia, assim como a tragédia, imita em versos homens superiores, mas é menos limitada quanto à duração do que a tragédia.

Aristóteles define então a tragédia, como uma imitação de caráter elevado, completa e de certa extensão, em linguagem ornamentada e adornos distribuídos pela peça com atores atuando e não narrando, despertando o temor e a piedade, tendo por efeito a catarse (purificação) destas emoções.

A tragédia é constituída por 6 elementos: a fábula, que é a imitação da ação; o caráter, que diz respeito à qualidade das personagens; as falas, que são o conjunto dos versos; as ideias, tudo o que dizem os personagens para manifestar seu pensamento; o espetáculo, que é a parte cênica; e o canto, principal adorno do espetáculo.

Os principais meios pelos quais a tragédia fascina as plateias fazem parte da fábula, que são as peripécias e o reconhecimento. As fábulas precisam ter uma extensão que a memória possa apreender por inteiro. Assim, a duração apropriada de uma tragédia é aquela que permite que nas ações, se passe da felicidade ao infortúnio ou do infortúnio à felicidade, o que torna a tragédia mais bela. A fábula precisa ter uma unidade, de maneira que, se acrescentada ou excluída parte dela, altera-se o todo.

Quanto à qualidade da fábula, esta só é bela se for complexa (peripécias e reconhecimento) e capaz de excitar temor e compaixão. Nelas, o infortúnio das personagens não são frutos de sua perversidade, mas sim das suas ações. Para ser bela, a fábula precisa propor um fim único, oferecendo a mudança da felicidade para o infortúnio em virtude de um erro grave.

Assim, o poeta deve criar fábulas e não versos, porque são as fábulas que imitam ações e fatos capazes de suscitar o temor e a compaixão.

As fábulas são classificadas em simples ou complexas de acordo com ações que imitam. Ações simples são as que produzem mudanças na sorte sem peripécias ou reconhecimento, e complexas, ações com peripécias, reconhecimento ou ambos.

A peripécia é a alteração das ações em sentido contrário ao que parecia natural. O reconhecimento é a passagem do desconhecimento ao conhecimento das personagens.

Sobre a divisão da tragédia, seus termos essenciais são: prólogo, que é a parte completa que antecede o coro; o episódio, parte encontrada entre 2 corais e o êxodo é a parte completa da tragédia da qual após não há coro. A tragédia se compõem de enredo e desfecho, além de apresentar estrutura dramática com início, meio e fim.

A tragédia deve ser construída de maneira que as pessoas, só ao ouvirem ou lerem, sem nada ver, possam aterrorizar-se e sentir piedade. Isso caracteriza o bom poeta.

Aristóteles destaca a competência do poeta ao narrar não o acontecido, mas o que poderia acontecer, o possível, a necessidade. Assim, a diferença entre o poeta e o historiador não está na forma da obra, mas no que relatam. Por isso, a poesia, segundo Aristóteles, é mais filosófica e de caráter mais elevado, pois permanece no universal.

Na visão de Aristóteles, o poeta, ao organizar sua fábula, deve sentir como se a tivesse diante de seus olhos e sentir o efeito do que é dito pelos personagens. Para isso, a poesia exige entusiasmo e talento.

O que concluo da Poética, é o fato da superioridade da tragédia sobre a epopeia. Argumenta-se que a menor extensão da tragédia proporciona maior prazer, sem contudo, deixar de atingir o seu objetivo, que é o de imitar ações. Além disso, a imitação da epopeia apresentaria menos unidade, pois trata de muitas fábulas ao mesmo tempo. A tragédia é superior porque atinge sua finalidade: produz não qualquer prazer, mas o sentimento desejado de temor e piedade.

 

 

CONHEÇAMOS MAIS SOBRE A ARTE POÉTICA, do romano HORÁCIO, escrito em forma de POEMA METALIGUÍSTICO SOBRE LITERATURA, EPÍSTOLA AOS PISÕES (família tradicional romana, Horácio dá conselhos a um jovem que queria ser poeta) SOBRE A POESIA NA IDADE CLÁSSICA (Horácio é epicurista e firmou o termo: carpe diem), a arte deve elevar o espírito, a beleza não pode ser gratuita, devem superar a contemplação em si, pura e simplesmente:

 

https://www.youtube.com/watch?v=JdtQzlZAumI

 

HORÁCIO CARTA (Epístola) AOS PISÕES (POÉTICA)

Objeção à poesia inconsistente

Falta de coesão

 Falta de coerência

Falta de articulação

 Falta de unidade

A liberdade poética tem limites

Unidade e Verossimilhança

Virtudes e defeitos

Clareza

Leveza

Unidade/ harmonia das partes, uma não pode contradizer a anterior.

Sublimidade

Sobriedade

NUNCA: Deselegância Extravagância; pedantismo Exagero

Quanto ao tema Verossimilhança (que inclui a fantasia e o maravilhoso) versus Inverossimilhança.

Obra de arte deve ser composição de um todo uno

Dominar o tema escolhido Saber ordenar

O artista deve Tornar novo o lugar-comum

Enriquecer a língua (neologismos e arcaísmos)

A Métrica ideal

Respeitar o domínio e o tom de cada gênero “Guarde cada gênero o lugar que lhe coube e lhe assenta”

O artista deve Decoro “Não basta serem belos os poemas, têm de ser emocionantes [...], se me queres ver chorar, tens de sentir a dor primeiro.”

Efetividade da poesia

A linguagem deve ser adequada ao caráter, que deve ser coerente.

As emoções da alma são interpretadas pela linguagem.

Escolhas autorais

O artista deve evitar que o começo prometa demais: “Vai parir a montanha, nascerá um ridículo camundongo.”

Avançar sempre rápido para o desfecho e arrebatar o ouvinte para o centro dos acontecimentos.

Misturar verdade e mentira de tal modo que do começo não destoe o meio, nem, do meio, o fim.

Ação Dramática

Narrativa

Recomendações ao dramaturgo: não mostrar em cena ações repugnantes ou irracionais (metamorfoses). Não exceder a extensão de 5 atos. Evitar o deus ex machina. Limitar a três as personagens que falam em cena. Que o coro desempenhe uma parte na ação e um papel pessoal. “Que gosto podia ter um campônio sem instrução, um pé-rapado entre gente distinta?

Contra o gosto vulgar

Escrever e reescrever, guardar (por 8 anos!), não ter pressa em publicar, apresentá-lo a alguém, antes, cuidado com os bajuladores.

 Comporei um poema sobre matéria conhecida, de modo que um qualquer espere fazer o mesmo, porém, atrevendo-se a igual empresa, sue muito e se esforce; tal é a força da ordem e do arranjo, tal beleza ganham termos tomados ao trivial.”

 A arte está na ordem e no arranjo Rigor formal: obediência aos modelos gregos de excelência. Defesa das regras

“Retenham o poema que não tenha sido apurado em longos dias por muita rasura, polido dez vezes até que uma unha bem aparada não sinta asperezas.”

Trabalho formal “Farei trabalho de pedra de amolar, que não tem fio para cortar, mas é capaz de dar gume ao ferro; sem nada escrever eu próprio, ensinarei as regras do mister, as fontes de recursos, o que nutre e forma o poeta, o que fica bem, o que não, aonde leva o acerto, aonde o erro.”

O crítico e a educação do gosto: Rem tene, verba sequentur (domina o assunto, que as palavras virão).

Mais recomendações ao escritor: dar a cada personagem a conveniente caracterização.  

Rigor e perfeição (cálculo).

Brevidade e concisão (evitar o supérfluo).

A ficção não deve distanciar-se da realidade.

O escritor bem-sucedido “Arrebata todos os corações quem mistura o útil ao agradável, deleitando e ao mesmo tempo instruindo o leitor; esse livro, sim, rende lucro; esse transpõe os mares e dilata a longa permanência do escritor.”

A boa poesia exige tensão e precisão.

 Poemas de grande extensão (epopeias) propiciam momentos de menor tensão poética.

Ut pictura poesis (Poesia é como pintura)

Variedade de formas e efeitos. “Aos poetas, nem os homens, nem os deuses, nem as colunas das livrarias perdoam a mediocridade.”

“O poeta deve conhecer o seu mister: compor versos.”

 “O poeta deve submeter sua produção a um crítico confiável e guardá-la por oito anos antes de publicá-la: ‘a palavra lançada não sabe voltar atrás’.”

“O poeta é um civilizador.”

O valor de um poema está na natureza (“gênio”) ou na arte (cultivo)? Solução: conspiração amistosa entre ambos.

O bom crítico louva o que merecer louvor e aponta os defeitos.

A crítica: critério para edição.

 

 

 

 

PAUSA PARA FALARMOS DE BOILEAU

SOBRE A ARTE POÉTICA, de BOILEAU / Antoine Albalat

Nicolas Boileau Despréaux (1636-1711). Crítico e poeta francês. Publicou seu primeiro livro, um volume de sátiras, em 1666. É considerado o fundador do Arcadismo, movimento literário surgido na França no século XVII que depois se espalhou por toda a Europa. Entre as obras de Boileau, encontra-se L’ Art Poétique (A Arte Poética), de 1674.

NICOLAS BOILEAU, eis aí um nome que fermentou toda a Europa e atingiu o nosso continente. Nasceu em Paris e viveu entre 1636 e 1711. Percorreu os caminhos do Direito, mas não se encontrou dentro dos tribunais. Também trilhou os conhecimentos da Teologia e não se realizou dentro deles. Ficou órfão de mãe ainda criança e de pai quando estava com 21 anos. Tal infortúnio lhe rendeu uma fortuna da qual desfrutou até o fim de sua existência. Amou uma mulher, no entanto não teve um desfecho feliz. Apaixonou-se pelos versos e a eles dedicou-se até à morte. Homem amado e odiado, irônico e bondoso, tinha na sátira o elemento básico de seu trabalho. Seu temperamento agressivo às vezes ultrapassava os limites da crítica e decência. Odiava os maus poetas e a má poesia. Foi crítico severo da Academia de Paris e da corte francesa, que premiava os maus poetas e não dava valor aos bons.

            Teve como amigos as pessoas mais importantes e qualificadas no reino. Foi amicíssimo de Molière, de quem sofreu grande influência, um poeta libertino e perseguidor da Igreja Católica e dos jesuítas, e de Jean Racine, calcado em valores morais. A base cultural de Boileau foi fundamentada em pensadores antes de Cristo: Horácio, Homero, Platão, Aristóteles e outros, que registraram sua forma de pensar dentro de normas rígidas, objetivando demonstrar a beleza das palavras e os efeitos que iriam provocar e transformá-las numa obra de arte. Aristóteles definiu num trabalho incompleto as leis da poesia e do drama. Foi o primeiro filósofo a deixar um tratado sobre a arte poética. Com esse embasamento cultural e riqueza secular, Boileau desafiava os poetas da sua época, cujos escritos, segundo ele, eram de péssima qualidade. Faltava-lhes conhecimento, e essa era a chave da sua crítica. Segundo Nicolas, os versos deveriam ser trabalhados, escritos e reescritos! Foi considerado um poeta da regra, de ajustagem de forma fria e perfeita?. Pairava sobre ele a crítica de que havia plagiado Horácio? Boileau afirmava ser ele mesmo o Horácio francês

Publicou em 1674 A Arte Poética, tornada padrão para a técnica da poesia francesa e mundial arcádica. Com essa obra alcançou popularidade e glória, sendo reconhecido na França e Europa. Recebeu o título de ? O Poeta da Razão? no século XVII. Anos após a publicação, o Rei Luís XIV o designou historiador do reino, com Racine. Boileau foi o fundador do Arcadismo no final do século XVII. Isso foi possível porque a França não se curvou à contrarreforma católica, que possibilitou o desenvolvimento do Barroco, especialmente na Espanha, de tradição católica, e Itália, um pouco menos. Sob influência francesa, fiel aos padrões clássicos em pleno Barroco, e de Boileau, a Rainha Cristina da Suécia e Crescimbeni fundaram a Academia Arcádica Romana, em Roma, propiciando o aparecimento da filosofia racionalista, com Vico, e da poesia arcádica italiana, com Metastasio, Gravina e tantos outros. O Arcadismo, ou Neoclassicismo, influenciou toda a Europa, incluindo Portugal, onde no reinado de D. João V foi fundada a Academia Ulissiponense, e também poetas brasileiros, tendo como seguidor o fundador da Arcádia Ultramarina, Cláudio Manuel da Costa, em Ouro Preto (MG).

 

 

16 perguntas sobre LITERATURA para hoje:

1.        Que estudamos na escola?

2.       Qual o objeto desta educação?

3.       Alguns decidem ser escritores ou professores de Literatura: o que os levaria a isso?

4.       O que é VALOR, quando falamos de LITERATURA (ou de outra arte)?

5.       O que seria a VERDADE na Literatura?

6.       O que é a Beleza na Arte?

7.       O que levaria alguém a seguir pelo caminho da LITERATURA?

8.       O que é a Vida e como a Literatura pode lidar com ela?

9.       O que faz um romancista para criar o seu livro?

10.   Como se dá o uso da palavra na Literatura?

11.   Como o escritor de Literatura trabalha a palavra?

12.   Como assim “trabalha a palavra”?

13.   Como você definiria a Literatura?

14.   COMO ERA A POESIA DOS ANTIGOS AUTORES GREGOS?

15.   Ainda hoje temos as divisões (“tipos” de poesia) que os gregos usavam?

16.   Como está representada, hoje, esta divisão da antiga poesia grega (épica, lírica e dramática?