Adaptação da obra de Tulio Carella "ORGIA" feita por Moisés Monteiro de melo Neto com Wellington Junior e Breno Fittipaldi foi encenada no Recife
Orgia, de Tulio Carella, é comentado
por especialistas em literatura, história e sociologia
Leia comentários publicados na imprensa brasileira e outras apreciações sobre o
livro no universo blog e redes sociais
ORGIA –
OS DIÁRIOS DE TULIO CARELLA, RECIFE 1960, lançamento da Opera Prima
Editorial, vem recebendo resenhas elogiosas e comentários de estudiosos.
Leia aqui uma seleção de apreciações sobre esse livro de grande
importância não apenas na área literária, mas também nos estudos de história
recente de Brasil e Argentina. Por sua acurada observação da realidade e
cultura brasileiras, a publicação tem, ainda, enorme interesse para as
áreas de sociologia, estética e filosofia.
José
Mario Rodrigues,
cronista e escritor pernambucano: “Era um escritor de expressão e não
apenas um contador de intimidades que assustam os mais puritanos. É ele mesmo
quem diz: “Não gosto de indivíduos puros, de pessoas que nunca pecam. Gosto de
pecadores” (…) Mesmo o diário ora lançado, cuidadosamente, pela editora Opera
Prima, foi esgotado na época ou sua tiragem, como sempre acontece aqui, foi
reduzida. Que bom seria se nos dessem outros livros deste argentino que
Hermilo Borba Filho considerou “um dos mais sérios dessa inválida América
Latina”. Página de OPINIÃO, do “Jornal do Commercio”,
Recife, 21 de maio de 2011.
Ítalo
Moriconi, professor
de Literatura, escritor, poeta e organizador de antologias literárias:
“Puxa! Sou fã deste livro, que eu lia escondido na biblioteca
proibida de meu pai. Bom que esteja sendo reeditado, é um clássico dos
clássicos do homoerotismo.” (em FaceBook, maio de 2011).
Cecilia
Palmeiro,
professora do Departamento de Estudos Íbero e Latino-americanos da Universidade
de Londres : “É maravilhoso!!!! Um processo de devir
perlonghereano mesmo! (referência a tese do poeta e antropólogo
Néstor Perlongher (1949-1992)” (FaceBook, maio de 2011).
Laymert
Garcia dos Santos, filósofo
e professor do Departamento de Sociologia da Unicamp: “O livro traz uma visão
diferente: qual é o modo de ser do negro na intimidade absoluta. O que
interessa é o ponto de vista ontológico – o modo de ser negro – e o ponto de
vista epistemológico – como posso conhecer o modo de ser negro, mergulhando
fundo na sexualidade deles”. (Folha de São Paulo, Ilustrada E4, 10 de
maio de 2011).
João
Silvério Trevisan, escritor
e pesquisador da cultura homossexual no Brasil: ” Do que conheço da
literatura e arte homoerótica, “Orgia” é uma das coisas mais emblemáticas e
contundentes, inclusive pela qualidade literária”. (Folha de São Paulo,
Ilustrada E4, 10 de maio de 2011).
“Foi também graças a esses contrastes que o Brasil ofereceu à Argentina e
ao mundo esse Orgia, exemplar da melhor literatura erótica, dotado de
grande beleza de estilo e acuidade reflexiva.” (João Silvério Trevisan, ‘ESTADOS
UNIDOS DO FOGO’ , resenha publicada no CADERNO 2 de O
ESTADO DE SÃO PAULO, 25 de maio 2011
Raúl
Antelo, ensaísta, estudioso
da literatura argentina e professor de Literatura na Universidade Federal
de Santa Catarina, cujo estudo sobre Carella – “A Linguagem que Excede as
Coisas” – é citado no estudo introdutório da atual edição de “Orgia”: “Uma
ótima surpresa, a edição está fantástica, com a foto do autor na capa ao estilo
Puig, e as panorâmicas do Recife no interior, muito bonito.” (Em
correspondência com o editor).
Osvaldo
Bazán, autor
de “Historia de la Homosexualidad en la Argentina” (Marea Editorial, Buenos
Aires, 2004): “É um livro muito moderno. Eu mesmo queria traduzi-lo para o
espanhol”. (Folha de São Paulo, Ilustrada E4, 10 de maio de 2011)
Caio
Liudvik, doutor
em filosofia e autor de “Sartre e o Pensamento Mítico” (Loyola): “Do sol
recifense e dos meios homossexuais de que então se aproxima, provém a
iluminação graças ao “amor ao pecado” no leito de muitos anônimos populares —
transgressões que o levaram, às vésperas da escuridão autoritária, a ser preso,
torturado e deportado”. Guia de Livros da Folha de São Paulo, edição maio
2011;
Leda
Alves, viúva
do tradutor e escritor Hermilo Borba Filho (1917-1976), presidente da Companhia
Editora de Pernambuco: “A edição é muito bonita. Tulio Carella era
um homem muito sério e inteligente e recordo bem o carinho imenso que
por ele tinham os seus alunos de teatro do Recife.” (Depoimento por
telefone, maio de 2011).
Diário de
Pernambuco, 29 de maio de 2011, em reportagem de Paulo Carvalho:
Depoimento
do encenador Antonio Cadengue: “Considero Orgia uma das mais belas
páginas do homoerotismo, que além dessa característica faz um belo diagnóstico
da cidade e do período político em que se vivia (quando a direita estava muito
organizada e a esquerda não havia se dado conta disso). A prisão de Tulio
Carella, inclusive, pode ser considerada como uma confirmação de alguns
movimentos não muito claros (ainda que se pudesse ser observados nos jornais da
época)”, avalia o encenador.
Outro artista que se considera influenciado por Orgia é Jomard Muniz
de Britto. “Não fui contemporâneo dele. E nessa época não frequentava os
lugares que ele frequentava: eu era um rapaz bem comportado. A importância é de
ser uma literatura pioneira, do que se chama hoje de homoerotismo. A presença dele
foi uma coisa muito forte. Eu considero o livro de Tulio Carella um similar em
impacto a Deus no pasto (atualmente esgotado), de Hermilo Borba Filho”,
arremata. ( Diário de Pernambuco).
Suplemento
Cultural do Diário Oficial do Estado de Pernambuco, ensaio da socióloga
Carolina Leão: “Outra
digressão: Bahktin, em Cultura Popular na Idade Média, investiga a
relação entre cultura e civilização, mostrando como determinadas manifestações
populares são encaradas como primitivas e deveriam ser evitadas pela incipiente
burguesia se esta quisesse se mostrar como polida e cortês. As danças sensuais
e a gula, movimentos do baixo ventre, eram alguns dos indicadores de atos
primitivos, relacionados à volúpia, ao descontrole dos instintos naturais que
acabaram sendo normatizados no processo civilizador (a partir do século 16). A
obra de Carella percorre exatamente essas questões. Nela, temos o argentino
civilizado e encantado com a oferta fálica pelas ruas do Recife. A oferta de
negros. Enquanto a moral branca, vestia-se de forma minuciosa e trancafiava seu
corpo e seu desejo. Cabia à burguesia acompanhá-la pelos sobrados, pelos
casarios ou pelo indiscreto estreitamento das casas conjugadas que revelam
muito mais do que se poderia saber sobre a alteridade do senhor, seu vizinho.
Cabia à experiência popular vivenciar o inferno típico da cidade: a
sobrevivência. Desse modo, não nos distanciamos muito do início da nossa
colonização e da dialética da nossa modernidade.”
Suplemento Cultural do Diário Oficial do
Estado de Pernambuco, ensaio do professor de Literatura ANCO MARCIO TENÓRIO VIEIRA, da
Universidade Federal de Pernambuco: “Assim, é por meio da interpolação narrativa, pela
tentativa de presentificar fatos que são agora apenas matéria da memória, que Orgia
se organiza formalmente. Sabemos que o autor dessa obra era de fato argentino,
dramaturgo, poeta e crítico literário; sabemos que ele viera ao Recife para
ensinar no seu curso de teatro e que nesta cidade viveu uma experiência densa e
única; assim como sabemos que ele foi confundido pela polícia com um agente
cubano e, depois de preso, espancado e destituído da Universidade, expulso do
Brasil. Orgia poderia ser apenas o registro desses eventos. Ou melhor,
poderia ser apenas a publicação dos diários que ele — Tulio Carella — escrevera
durante a sua estada no Recife, entre os anos de 1960 e 1962. No entanto, ele
precisava entender melhor o que de fato acontecera consigo. De volta a Buenos
Aires, distanciado do seu objeto, ele constrói um narrador na terceira pessoa,
que é o psicanalista. Mais do que um narrador que se refere ao passado, é um
narrador que tenta dar sentido ao que ele vivera. Ele deixa de ser Tulio
Carella para ser Lúcio Ginarte; atribui os diários que escrevera a este
personagem de papel, e constrói um narrador que narra e interpreta a sua
própria experiência. Afinal, tudo agora era apenas memória: tanto a cidade
quanto os diários que registraram o seu tempo no Recife. Ao transformar as suas
memórias em matéria de um romance, Túlio Carella pode alargar o mundo que viu e
viveu em terras distantes, safar-se do julgamento dicotômico entre
verdade/mentira, e mostrar que tanto a memória quanto a arte são realidades
etéreas.”
MAIS:
O Recife Libertino
21/05/2011 - 19:59:39
Tulio Carella, no início dos anos 1950
Com o título acima, o escritor JOSÉ MARIO RODRIGUES publicou, em 21 de maio, artigo no “Jornal do
Commercio”, do Recife, sobre o lançamento da Opera Prima Editorial, ORGIA, OS DIÁRIOS DE TULIO CARELLA
Se Tulio Carella voltasse ao Recife com a mesma idade que tinha, em 1960, quando aqui
esteve a convite Hermilo Borba e Ariano, para ensinar teatro na UFPE, decerto
seu diário não chegaria ao fim. Com a sua vocação para a libertinagem, que
resultou o farto material de “Orgia”, sua vida, hoje, iria trilhar o caminho da
tragédia. Isso seria péssimo, pois ele era um escritor de expressão e não
apenas um contador de intimidades que assustam os mais puritanos. É ele mesmo
quem diz: “Não gosto de indivíduos puros, de pessoas que nunca pecam. Gosto de
pecadores”.
O Recife mudou. No roteiro do prazer, da
sensualidade que se expõe, hibernam o trágico, o assalto, o crime que se
disfarça na fantasia enganadora das ilusões amorosas. É tudo um risco. Qualquer
descuido, o que menos pode acontecer é um boa noite cinderela. A cultura da
violência é tão grande, que um simples jogo de futebol transforma o Centro do
Recife numa praça de guerra. Andar na rua, após um jogo, é preciso coragem. Mas
o Recife do poema que Carella soube escrever com todas as suas imagens, é
memória. Fruto da solidão e da vontade de descobrir a cidade, de se entregar ao
mundo das bolinações, suas investidas na noite chegaram à constatação da
terrível verdade: “Entre o que se propõe e o que alcança há um abismo”. A
danação do Recife pulsava na danação de Tulio Carella. Os deuses da luxúria
faziam bacanal sem culpa.
Na “Trajetória de uma confissão”,
título da introdução do escritor e jornalista Alvaro Machado, há uma máxima que
virou epígrafe do livro do notável argentino, usada para explicar a sua
concupiscência: “A noite e a solidão estão plenas do diabo.” Conheci Tulio
Carella em Buenos Aires, numa época de instabilidade política de lá e daqui.
Ele estava sendo monitorado pelas forças militares, sobretudo por ter sido
preso, equivocadamente, em Fernando de Noronha, como se fosse contrabandista
das armas vindas de Cuba para as Ligas Camponesas. Sem essa republicação de
Orgia, traduzida por Hermilo Borba Filho, eu iria passar batido. Não teria
conhecimento da obra deste escritor que foi ensaísta, dramaturgo, poeta. Não há
nada dele publicado entre nós. Mesmo o diário ora lançado, cuidadosamente, pela
editora Opera Prima, foi esgotado na época ou sua tiragem, como sempre acontece
aqui, foi reduzida. Que bom seria se Alvaro Machado nos desse outros livros
deste argentino que Hermilo considerou “um dos mais sérios dessa inválida
América Latina”.
Estados Unidos do fogo
O fascínio de um
argentino pelo Brasil, o 'país da brasa', é relançado na obra Orgia
25 de maio de 2011 | 0h 00
João Silvério Trevisan - O Estado de S.Paulo
ESPECIAL PARA O ESTADO
Reprodução
Fetiche. Foto de
Pierre Verger feita entre 1946 e 1948
O olhar estrangeiro pode desvendar aspectos ocultos
de outro país. O diário brasileiro do argentino Tulio Carella evidencia isso.
Publicado no Brasil com o título de Orgia (ed. Ópera Prima, 312 págs., R$ 64),
esse livro acaba de ser relançado após mais de 40 anos esgotado. Foi a convite
do seu amigo e tradutor Hermilo Borba Filho que Carella veio para o Recife em
1960, como professor na Escola de Teatro da Universidade local, e lá permaneceu
quase 2 anos. Nesses diários, o quarentão Carella relata o clima político do
País, mas sobretudo suas experiências sexuais, de modo tão obsessivo quanto as
viveu.
Fascinado, Carella referia-se ao Brasil como
"país da brasa". Sua estada no Recife efervescente do período lhe
provocou um verdadeiro choque epifânico: "Creio que está nascendo um outro
eu". Nessa cidade, parecia ter chegado a Sodoma e adentrado o paraíso:
"tudo é força erótica, contato corporal", encontra-se "Vênus
deitada, Urano nas esquinas". Viveu quase em estado de êxtase sexual,
graças aos negros locais, que amou e por quem foi amado. "Acho que pelas
veias dos negros não corre sangue, mas luz do sol, a substância vital dos
trópicos. (...) Aqui eles têm o ar de cisne e usam seus farrapos com uma
majestade indescritível".
De adorador dos Estados Unidos do Fogo (como
batizara o Brasil), Carellla passou a vítima do "país dos contrastes"
- para citar outro estrangeiro que tentou desvendar nossa difícil identidade.
Com forte sotaque espanhol e frequentador assíduo do cais de Santa Rita, acabou
sendo detido pelo Exército como suspeito de intermediar as relações entre
cubanos revolucionários e as Ligas Camponesas. Corria o explosivo ano de 1962.
Os militares, paranoicos com a subversão, esqueceram que esse cais era então um
famoso ponto de sexo anônimo entre homens. Ao vasculhar a casa de Carella,
descobriram não as provas da sua subversão mas os relatos de suas aventuras
homossexuais. Só então se deram conta do equívoco. Como garantia, as
autoridades fotocopiaram seus diários, ameaçando divulgá-los caso ele fizesse
denúncias sobre as torturas sofridas. Ainda assim, a notícia se espalhou e
Carella foi expulso da universidade. O reitor, segundo relato de Hermilo, não
queria um professor que "vivia caçando homens; e o que é pior,
negros". Em seguida, Carella foi obrigado a voltar para a Argentina. Orgia
saiu publicado no Brasil em 1968. Depois de esgotado, mergulhou no
esquecimento.
Entrei em contato com essa obra de Carella no
Recife, em finais da década de 70, quando fazia pesquisas para meu livro
Devassos no Paraíso (Record). Através de amigos locais, como Antonio Cadengue,
consegui entrevistar ex-alunos dele, que me deram um exemplar desse livro já
então raro. Inseri a história de Carella e trechos do seu livro num capítulo em
que narrei como estrangeiros iguais a ele tinham sucumbido aos apelos eróticos
do "país da brasa" - entre outros, Conrad Detrez, Fernand Legros,
George Michael, Nestor Perlongher, Elizabeth Bishop.
Na década de 90, o livro "brasileiro" de
Tulio Carella foi descoberto na Argentina, justamente através da minha obra.
Passei a ser procurado por conterrâneos dele, interessados em localizar os
originais perdidos e até mesmo editá-los a partir da versão em português.
Atualmente, um estudante prepara uma tese que resgata a literatura homoerótica
de Carella. Enquanto isso, no Brasil, Orgia criou uma pequena sub cultura, a
partir de Devassos no Paraíso. Quando estudante de cinema em Nova York, Karim
Aïnouz chegou a fazer um curta, Paixão Nacional, vagamente inspirado na
história do exílio brasileiro de Carella. Aliás, um dos sonhos de Karim era
filmar a história de Carella, mas agora isso parece ter se tornado coisa do
passado, depois que se tornou famoso.
O curioso é que, sem conhecer o livro, sofri algo
semelhante ao equívoco que vitimara Carella, quase 20 anos antes. Em 1978, fui
interrogado, fotografado e fichado na polícia, junto com os demais editores do
jornal Lampião, sob acusação de atentar contra a moral e os bons costumes,
segundo a Lei de Imprensa. Como prova de que o Brasil continuava paradoxal (ou
destrambelhado, vá lá), o delegado começou perguntando se eu já tinha ido a
Cuba, se conhecia alguém que tinha visitado Cuba, etc. Até que um auxiliar veio
cochichar no seu ouvido, e a sessão terminou de repente. Tive que voltar outro
dia, para sofrer o interrogatório certo. Afinal, eu não era um subversivo
padrão. Diante de mim e do meu advogado, ambos de terno e gravata, o delegado
visivelmente confuso perguntou como devia me chamar. Em linguajar cru e direto
(que aqui transcrevo mais respeitosamente), eu lhe respondi: "Pode me
chamar de homossexual mesmo". Eu não sabia que Tulio Carella já vivera
antes as consequências deste país de contrastes. Ou, quem sabe, de piadas
prontas, não fossem os aspectos trágicos de tais equívocos. Foi também graças a
esses contrastes que o Brasil ofereceu à Argentina e ao mundo esse Orgia,
exemplar da melhor literatura erótica, dotado de grande beleza de estilo e
acuidade reflexiva.
JOÃO SILVÉRIO TREVISAN É ESCRITOR E AUTOR, ENTRE
OUTROS, DE DEVASSOS NO PARAÍSO E REI DO CHEIRO (RECORD)
Vida dupla de
um intelectual
Redação do DIARIODEPERNAMBUCO.COM.BR
29/05/2011 | 09h24 | Tulio Carella
Escritor argentino Tulio Carella protagonizou
no Recife experiências com homens do cais do porto; passagens são narradas no
livro Orgia, relançado no Brasil
Paulo Carvalho
Entre os anos de 1940 e 1950, Tulio Carella foi um dos escritores mais
cultuados de Buenos Aires. Poeta, ensaísta, dramaturgo, crítico e roteirista,
ganharia neste período dois prêmios concedidos pela Sociedade de Autores
Argentinos. Atrelado ao sucesso editorial também viria certa fama de professor
universitário carismático (reconhecimento transnacional e, como sabemos, raro
nos casos de talento para as letras).
Acontece que por volta de 1960, o argentino recebeu um convite - se não
exatamente irrecusável - cheio de boas promessas: dar aulas no curso de Arte Dramática/Formação
de Ator, da Universidade Federal de Pernambuco. Os autores da proposta, Ariano
Suassuana e Hermilo Borba Filho, também professores da Escola de Belas Artes,
não poderiam adivinhar os efeitos da experiência tropical sobre esse espírito platino
de 48 anos.
Carella encontrou no Recife um ambiente de transição que pouco lhe atraiu no
sentido propriamente ideológico (à esquerda, lembremos, estava a agitação
política das Ligas Camponesas e Cuba; do outro lado, uma direita já bem
articulada que promoveria, por engano, sua prisão e expulsão do país, além de
pouco tempo depois um golpe militar).
Não era um revolucionário e sua ligação com o Recife tratou-se de uma adesão
afetiva ou erótica. A vida que levou na cidade foi, portanto, e talvez pudéssemos
dizer assim na iminência de um golpe militar, prosaica. Na UFPE, dava aulas
disputadas, com seu já reconhecido talento. Na vida social, foi alvo de um
relativo abandono por parte de seus pares, suprido pela vida paralela de
bolinações e experiências homoafetivas - resumidas por uma pergunta inspirada
pelo francês André Gide. Queria descobrir, junto aos trabalhadores do porto do
Recife, afinal, “que é um negro?”.
Parte desta temporada, vivida entre 1960 e 1962, distante de seu casamento de
mais de 30 anos com uma pianista argentina, foi narrada em folhas de diários e
lançadas originalmente sob dionisíaco título Orgia - Diário Primeiro (José
Álvaro Editor, 1968). Com tradução assinada pelo companheiro de cátedra,
Hermilo, a edição original foi o quarto volume da Coleção Erótica, série
coordenada pelo pernambucano e pelo também teatrólogo Aldomar Conrado.
A circulação do título foi reduzida - talvez pelo período do lançamento, auge
da ditadura; talvez também pela temática homoérotica do diário - motivo pelo
qual viraria item de colecionador, disputado nos sebos do país (uma falta,
aliás, intensificada pela publicação exitosa, em 1986, de Devassos no paraíso,
de João Silvério Trevisan. No livro de Trevisan, constam trechos, entre outras
passagens, do romance de Carella com um pugilista sarará de apelido King-Kong).
Foi motivado pelo silêncio em torno do nome Carella que a editora paulistana
Opera Prima relançou no início deste mês Orgia: Os diários de Tulio Carella,
Recife, 1960. Na edição, a tradução de Hermilo ganhou uma apresentação assinada
por Alvaro Machado, além da longa bibliografia de Carella.
No título, Carella não realiza uma incursão estritamente acadêmica. Pelo
contrário, Orgia é como um traje sisudo de uma análise socióloga revirado ao
avesso. Suas inúmeras experiências homossexuais (antecipadas pela epígrafe A
noite e a solidão estão plenas do diabo) resultam como costuras de uma
narrativa muito bem trabalhada em duas vozes narrativas (cujo efeito é de
um romance dentro de um romance).
“Penso que o título prenuncia toda uma passagem de uma sensualidade espontânea
para uma situação de coação entre as pessoas. Pela condição de consumo que ia
se misturando no circuito do desejo, do sexo, da sensualidade. Isto tudo já
estava em transformação e ele pega num ponto de ]passagem”, avalia o editor
Alvaro Machado.
Com se fosse uma ficção (é um roman à clef portanto), Orgia traz personagens
com nome trocados. Por exemplo, Tulio virou Lúcio Ginarte; Ariano, Adriano;
Hermilo, Hermindo. Troca que não evitaria um escândalo na Argentina e o
“sepultamento vivo” do autor durante os anos de chumbo por lá.
O mais estranho é que, até os dias de hoje, o silêncio permanece: Orgia
nunca foi editado em espanhol, assim como, outros títulos de Carella não
receberam estudos profundos ou reedições como esta da Opera Prima, aqui ou ou
em seu país.
Devassos no paraíso
iluminou resgate
Livro de João Silvério
Trevisan foi fundamental para o processo de recuperação da memória de Tulio
Carella
Para Álvaro Machado, editor à frente da Opera Prima, a nova publicação de Orgia
trata-se de uma redescoberta do escritor argentino, também autor do esgotado
Roteiro Recifense (com poemas em espanhol sobre o Brasil, editado pela Imprensa
Universitária em 1965) e de ensaios de referência sobre a cultura portenha El
tango, mito y essencia (1956) ; El Sainete Criollo: Antología (1957) e
Picaresca Porteña (1966).
Machado enfatiza a importância do escritor João Silvério Trevisan nesse papel
de resgate da memória de Carella.“Como aconteceu comigo, acho que a maioria das
pessoas tomou conhecimento de Orgia através do livro Devassos no paraíso, de
João Silvério Trevisan (Editora Record, 1986, hoje esgotado). No livro,
Trevisan republicou os trechos mais homoeróticos da tradução do Hermilo. Mas
fazia muito tempo que eu não ouvia falar deste escritor. Tive vontade de
conhecer o texto inteiro e só encontrei, com alguma dificuldade, em sebo”,
explica.
“Comecei o trabalho de edição em 2005 e o contrato com Leda Alves (mulher de
Hermilo) foi assinado em 2007”, acrescenta Machado. “São seis anos, então, nos
quais pesquisei a bibliografia dele tanto no Brasil como na Argentina,
descobrindo o que aconteceu de fato com o autor em no nosso país”.
Segundo Machado, um dos feitos de sua pesquisa foi situar o ano em que começam
os relatos, 1960. “Os livros que o citavam davam datas diferentes, mas pelos
acontecimentos narrados - a morte de Carlos Pena Filho; a prisão de Adolf
Eichmann, na Argentina... isso tudo é cronológico: mês a mês. Pode ser que haja
um segundo volume, mas o que ele deixou foi esse mesmo, de 1960”, aponta.
A respeito das críticas que recebeu sua apresentação, o editor se mostra
receptivo às sugestões para a terceira edição de Orgia. “Depois que o livro é
publicado a gente começa a ter um pouco mais retorno. As pessoas se situam,
veem o texto inteiro e, como aconteceu com a própria Leda, começam a lembrar de
mais passagens, mais detalhes. No entanto, do que as pessoas têm falado, acho
que minha pesquisa está basicamente correta e numa segunda ou terceira edição
podemos acrescentar algumas coisas. Digo acrescentar (e não alterar) porque o
que está no livro são dados corretos”.
O editor, contudo não consegue encontrar explicações para o silêncio em torno
da figura de Carella. “De 1968 até a metade da ditadura argentina, quando ele
morreu, é compreensível que ele não tenha publicado nada muito em função do
clima político que havia no seu país. Depois dele morrer, em 1979, no entanto,
nunca mais ele foi reeditado e republicado - nenhuma obra, mesmo o livro sobre
o Tango, que é uma referência no assunto - o que é um sinal muito atípico. Os
argentinos costumam ter carinhos por seus autores. Eles têm muitos leitores
qualificados, numa proporção melhor do que a nossa, às vezes. Eu acredito que
este livro, Orgia, foi o principal motivo do silêncio em torno da obra dele,
por uma questão moral, certo tipo de preconceito. Mas, claro, nada justifica o
esquecimento de obra de mais de 20 livros (alguns em mais de uma edição e duas
delas premiadas pela Sociedade de Autores Argentinos). Qualquer estudioso que
se debruce sobre a obra dele vê o primor que é o estilo dele”, avalia.
De acordo com o editor, Carella não teve filhos e tem pelo menos um irmão e um
sobrinho-neto que, agora, reclamam direitos autorais. “Eu fiz uma
pesquisa na Argentina (entre 2006 e 2008), publicando no jornal La Nación,
anúncios pedindo contatos com familiares para fins culturais. Queria saber da
família informações como as circunstâncias em que ele tinha morrido; e se
existiam os originais para comparar com a versão do Hermilo (sem os originais a
revisão foi muito mais difícil – eu fiz quatro ou cinco provas de revisão); até
2008 eu procurei. Fiz três viagens para Argentina; usei o catálogo telefônico
de Buenos Aires para Cerellas; e não consegui nenhuma confirmação, mesmo porque
esse sobrinho neto está em Mercedes, interior da Argentina”, relata.
Machado conta que também pediu ajuda, durante a pesquisa, ao autor de A
história da homossexualidade na Argentina, o argentino Osvaldo Bazán (no
título, Bazán dedica um capítulo inteiro a Carella, inclusive realizando
citação de uma pesquisa de Machado publicada na internet sobre o tema, em 2005,
e que tinha como base, principalmente, os quatro volumes de memórias de
Hermilo). “Ele não tinha sinal. Mas depois do sucesso que o capítulo de seu
livro fez, através das resenhas dos jornais argentinos, ele se sentiu
interessado para fazer a reversão para o espanhol e procurou uma editora
pequena. Juntos conseguiram encontrar estes familiares. É de fato um caso muito
atípico, porque os originais não estão de posse da família”;
“Eu deduzi que o original foi passado para Hermilo durante uma visita de
Hermilo a Buenos Aires. Os militares brasileiros não apreenderam os diários em
si porque eles declararam ter tirado cópias dos “trechos mais escabrosos”
(conforme eles). Além disso, pela escrita do diário temos certeza que ele
trabalhou literariamente sobre ele mesmo depois da volta dele (no começo ele dá
uma dica de como vai acabar a aventura dele: numa cela de prisão, numa ilha -
provavelmente Fernando de Noronha - com mar cheio de tubarões)”
Apesar dessa situação atípica, de um livro que não possui original, mas apenas
a tradução (que ficou como obra autoral, base para qualquer trabalho) - afinal,
um tipo de polêmica que não ajuda muito a carreira de nenhum livro -
Machado afirma que está colocando, com algum esforço, o livro no mercado.
“Teve uma entrada mínima na livreira e percebo que ele está encontrando
leitores. É um livro com valor literário evidente, muito moderno hoje em dia,
talvez mais moderno do que na época em que foi publicado”.
“Venho argumentando”, acrescenta, “que não é justo com um autor que tem tantas
obras valiosas e reconhecidas, que vai fazer 100 anos em 2012, tenha sido
esquecido dessa maneira. É muito melhor publicar o livro inteiro da forma como
foi feita (já que não são apenas passagens eróticas, mas há muita informação
crítica e reflexões estéticas e filosóficas de primeira linha) do que ficar
vendo pipocar aqui e ali reproduções de duas ou três páginas eróticas
apenas ad infinitum. Penso que a trilogia portenha, do autor, por exemplo,
merece ser republicada de qualquer maneira. Não tem uma justificativa para ter
desaparecido tanto”, conclui Machado.
O RITMO DA CIDADE
Os anos 1960 no Recife foram marcados pela força dos movimentos católicos,
políticos e artísticos. O próprio campo no qual Carella vai se disseminar
mostra a construção de sua autonomia e autoridade. O teatro, nessa década,
atinge sua maturidade como instituição artística, o que é comprovado pela
própria criação de um curso universitário voltado ao seu ensinamento. Sobre a
década de 1960, falamos demasiado das revoluções ideológicas. Mas esquecemos
as tecnológicas. O fato é que nessa época também estamos no fim dos bondes
elétricos, que começaram a ser substituídos pelos pesados trolebus.
Apenas 60 frotas percorriam os trechos mais movimentados da cidade, o que lhe
garantia, ainda, a possibilidade da movimentação e do ato da flâneurie.
Túlio circulou pela cidade em transformação, em seu anonimato arbitrário.
Anonimato e condição estrangeira lhe permitiam críticas pontuais à
modernidade local. Ao ser apresentado ao Teatro de Santa Isabel, não contém o
comentário que, para o recifense, deve soar como ofensa. “O automóvel para
diante de um teatro: é o Santa Isabel. Mostram-no com orgulho pueril e
conservador. Para uma cidade de província é um luxo. O Santa Isabel tem uma
falsa atmosfera senhorial, uma imitação de luxo. Somente o edifício é
equilibrado, com o pórtico neoclássico, o saguão lajeado de branco e preto, e
a altura elegante”.
Aqui não era reconhecido como autoridade. Podia se misturar à experiência
social. Perder-se na cidade. Perder-se não somente na experiência coletiva,
em meio à multidão subnutrida. Mas perder-se também no próprio meio
intelectual.
Não demorou, porém, para perceber que os olhares constantes lançados a ele
nas pontes do Recife tinham a ver com o modo particular de se vestir. Era um
estrangeiro. E como um explorador medieval repleto de espelhos e colares, foi
conveniente aos negros, mulatos e mestiços, que negociaram seu membro
enrijecido por uma camisa nova, um maço de cigarro ou alguns trocados para comprar
uma bebida. Negros, mulatos e mestiços que, embora sejam ressaltados por suas
características biológicas positivas, eram pobres, miseráveis ou apenas
alpinistas sociais por uma questão de sobrevivência.
Naturalmente, não podemos reduzir a sedução homerótica relatada no livro
apenas à dialética social de dominantes e dominados. Obviamente, há o prazer.
E como todo assunto ligado ao prazer, é um tabu. O prazer dos mulatos em Orgia
é, porém, sempre reticente. Na maioria das vezes, demonstram-se receosos,
dizem que aquela foi a primeira penetração de suas vidas. Preferem ser visto
como dominantes. A questão masters and servants é substituída por
dominantes (os civilizados, polidos, que encaminham a sedução) e dominados
(os que se subjugam a ela).
Nesse sentido, a localização de Túlio no Recife é estratégica. Morando numa
pensão da Sete de Setembro, fazia trajetos específicos que, coincidentemente
ou não, levaram-no aos becos, às vielas e aos guetos, onde até hoje o ato de
se exibir homoeroticamente é tradição. Conde da Boa Vista, Cinema São Luiz,
Duque de Caxias, Cais de Santa Rita. A cidade é comércio até às 18h.
Convive-se com a gritaria e o azudeme das frutas que se mis- turam à maresia
e ao odor de urina das calçadas. Ainda hoje, os mesmos locais funcionam como
gueto. Com a pressa do dia, é difícil olhar para os lados e observar o
cortejo sensual que se segue enquanto a cidade vive seu cotidiano. Talvez os
anos 1960 foram o marco inicial da derrocada da cidade como experiência
sensorial estética, dentro dos parâmetros modernos de apreensão e percepção
das trocas urbanas permitidas pela flâneurie. Talvez os que estejam inseridos
no gueto percebam que um olhar a mais numa ponte, às 17h da tarde, é um
código de liberação e permissão.
Por outro lado, as intervenções conceituais do autor sobre a cidade nos
revelam algo incomodo. “Cidade pequena, inferno grande. Pois bem: este é
inferno, onde todos se veem a cada instante, conhecem-se a fundo e não podem
libertar-se”, escreveu Carella, sobre o ato do mexerico. Inevitável na
cidade, a fofoca, ou, para falarmos sociologicamente, o ato de vigiar e
punir, lhe incomoda. Frustra-se com a possibilidade de passar incólume à nova
cidade. De um canto ou de outro, ecoam-se os sacarmos, as ironias e os
desafetos.
Outro dado interessante. A elite intelectual e artística sempre se valeu de
diários e correspondências de suas impressões europeias, que contribuíram
para a própria identidade da cidade a partir do contato com a experiência
moderna por excelência. Nesse caso, temos a inversão. O Recife e sua
intelectualidade são analisados através de um relato descritivo que desloca o
protagonista recorrente em tais gêneros narrativos. Ao vivenciar o Recife, e
sua marginalidade, Carella nos coloca diante de anônimos. Mas, não se iluda,
estes anônimos, mulatos, pedintes ou fofoqueiros, personagens secundários da
cidade, também são idealizados.
Orgia é um relato minucioso do homoerotismo, mas é também a descrição da
vivência citadina, com seus sinais, com seus indícios, com sua regionalidade.
Sedutor, mas melancólico, e por vezes sufocante como a cidade do Recife.
Ontem e hoje.
Carolina Leão é doutora em Sociologia.
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Adaptação da obra de Tulio Carella "ORGIA" feita por Moisés Monteiro de Melo Neto com Wellington Junior e Breno Fittipaldi foi encenada no Recife
Memórias de ruas asfaltadas pelo “prazer”
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Orgia, do escritor argentino Túlio Carella, que teve sua primeira edição, no Brasil, em 1968, em tradução de Hermilo Borba Filho, fala de um personagem — Lúcio Ginarte, poeta e dramaturgo —, residente na então mais importante cidade da América Latina — Buenos Aires —, que recebe, em 1960, um convite da Universidade Federal de Pernambuco para ser professor de um recém-fundado curso de teatro. Na passagem entre uma cidade e outra, o personagem conhece uma nova paisagem econômica, social e cultural. Não só: ele descobre prazeres afetivo -sexuais distintos da sua orientação sexual. Entre o deslocamento geo-sócio-cultural e a descoberta da nova orientação sexual, subsiste a memória. Memória da Buenos Aires que ficou para trás (suas ruas, seus monumentos, os amigos, os familiares e a vida cultural), memória do que vai sendo vivido no presente. É na confecção de um diário que ele guarda os feitos e os fatos dessa memória recente, do presente que vai se plasmando ante os seus sentidos. Como diz o narrador do romance, “Lúcio Ginarte despeja em seus cadernos parte de suas experiências. São tão abundantes que não é possível anotar todas. Receia que a seleção não corresponda ao melhor, mas acha que seja a mais próxima dele. Sem perceber suprime os escrúpulos morais para obter a felicidade”. Finda a experiência de professor e o seu retorno para Buenos Aires, resta o diário — matéria-prima para a confecção de um futuro romance. A capital da Argentina já não é a mesma que ele deixara. Não porque esta sofrera alguma brusca transformação, mas porque o protagonista da história já não é o mesmo. Uma cidade se inventa pelo olhar de quem a observa, e o seu olhar sobre a natureza humana fora alargado: seja culturalmente, seja afetivo-sexualmente. A cidade que deixara para trás também já não é a cidade que vivera e que inventara a partir do que vira, ouvira, tocara e fora tocado, mas a cidade registrada nos diários. Entre duas realidades eternizadas — Buenos Aires e Recife —, restou o recurso da imaginação: o construir e o reconstruir dos espaços sócio-culturais, o construir e o reconstruir da sua afetividade sexual.
Toda narrativa é uma tentativa de presentificar os fatos retidos pela memória, uma tentativa de dar sentido ao que vimos e guardamos na memória. Não se narra o instante presente, narra-se o que já aconteceu. O instante presente é passível apenas de descrição — aquilo a que se refere —, não de narração — quando nos referimos a um fato e, ao mesmo tempo, o interpretamos. Esta observação faz-se necessária porque Orgia é um romance que se estrutura entre dois tipos de registros: o da memória e o do diário. A primeira narrativa — a da memória — tem o foco narrativo na terceira pessoa; a segunda narrativa — a do diário — se dá na primeira pessoa, e acolhe o que Lúcio Ginarte reteve ou considera relevante de ser registrado dos fatos do dia.
Adaptação da obra de Tulio Carella "ORGIA" feita por Moisés Monteiro de melo Neto com Wellington Junior e Breno Fittipaldi foi encenada enoRecife
É pelo modo narrativo na terceira pessoa que se inicia o romance de Túlio Carella. Por meio deste narrador conhecemos as dúvidas de Lúcio Ginarte em aceitar o convite para lecionar no Recife (recorrendo, inclusive, a uma vidente), os seus primeiros contatos com a cidade (as pessoas, o clima, seus odores, seus olhares) e a sua vida intelectual. O foco narrativo muda quando o narrador inscreve passagens do diário de Lúcio Ginarte. Assim, o romance se constrói interpolando dois olhares: o do narrador, que tenta ver os fatos com olhar distanciado e crítico, e o do personagem, que registra suas impressões da cidade. A narrativa na terceira pessoa é toda em itálico, reforçando a ideia de distanciamento (afinal, o aspear e o itálico em um texto denotam a referência a um enunciado proferido por outrem, que podemos ou não aceitar); a do diário, em letra corrente. Assinale-se, porém, que ao inserir passagens do diário do protagonista em sua narrativa, o narrador redimensiona o sentido que o autor do diário quis dar a sua narrativa, já que essas passagens estão enfeixadas pelo seu texto. Assim, se toda narrativa refere e interpreta ao mesmo tempo, o narrador de Orgia tanto se refere ao diário, citando-o, quanto o interpreta: seja ao escolher os trechos que devem ilustrar a sua narrativa, seja ao inserir esses excertos nas passagens que ele considera adequadas. É sempre interessante comparar as passagens do diário de Lúcio Ginarte que estão em Orgia e que, posteriormente, foram também citadas por Hermilo Borba Filho em seu romance Deus no pasto (1972). Elas mudam completamente de sentido, já que o texto que as precede e o que as sucede redimensionam as informações contidas no diário. O diário em Orgia torna-se uma espécie de memória da memória. Memória primeira quando do registro de Lúcio Ginarte; memória segunda ao ser inserida em uma narrativa secundária. Dessa forma, o diário alarga o próprio olhar do narrador onisciente. É como se o diário de Ginarte encerrasse um mundo ou um olhar sobre o mundo que o próprio narrador, apesar da sua onisciência, não pudesse penetrar em sua plenitude.
Assim, é por meio da interpolação narrativa, pela tentativa de presentificar fatos que são agora apenas matéria da memória, que Orgia se organiza formalmente. Sabemos que o autor dessa obra era de fato argentino, dramaturgo, poeta e crítico literário; sabemos que ele viera ao Recife para ensinar no seu curso de teatro e que nesta cidade viveu uma experiência densa e única; assim como sabemos que ele foi confundido pela polícia com um agente cubano e, depois de preso, espancado e destituído da Universidade, expulso do Brasil. Orgia poderia ser apenas o registro desses eventos. Ou melhor, poderia ser apenas a publicação dos diários que ele — Túlio Carella — escrevera durante a sua estada no Recife, entre os anos de 1960 e 1962. No entanto, ele precisava entender melhor o que de fato acontecera consigo. De volta a Buenos Aires, distanciado do seu objeto, ele constrói um narrador na terceira pessoa que é o psicanalista. Mais do que um narrador que se refere ao passado, é um narrador que tenta dar sentido ao que ele vivera. Ele deixa de ser Túlio Carella para ser Lúcio Ginarte; atribui os diários que escrevera a este personagem de papel, e constrói um narrador que narra e interpreta a sua própria experiência. Afinal, tudo agora era apenas memória: tanto a cidade quanto os diários que registraram o seu tempo no Recife. Ao transformar as suas memórias em matéria de um romance, Túlio Carella pode alargar o mundo que viu e viveu em terras distantes, safar-se do julgamento dicotômico entre verdade/mentira, e mostrar que tanto a memória quanto a arte são realidades etéreas.
Por fim, faz-se necessário observar que é nesse jogo de interpolação entre narrativas na primeira e na terceira pessoa que podemos observar as transformações que o personagem Lúcio Ginarte irá passar durante a sua estada no Recife. Cada vez mais, ao longo do romance, o narrador na terceira pessoa vai cedendo espaço ao narrador do diário. Ao ver que o seu personagem, pouco a pouco, suprime “os escrúpulos morais para obter a felicidade”, o narrador cede a palavra ao próprio Lúcio Ginarte; seus comentários vão ficando dispensáveis. Não há mais necessidade que ele, o narrador na primeira pessoa, psicanálise o seu personagem. Este, agora, a partir das narrativas fixadas no diário, refere e interpreta a si mesmo. Dessa forma, Orgia pode ser classificado como um romance de formação.
Anco Marcio Tenório Vieira é professor do Departamento de Letras da UFPE
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Adaptação da obra de Tulio Carella "ORGIA" feita por Moisés Monteiro de Melo Neto com Wellington Junior e Breno Fittipaldi foi encenada no Recife
O desejo sob o sol que nos (des)protege
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“Por toda parte, vê-se uma profusão de combinação de cores que choca Lúcio, mas ele descobre que é preciso a cor intensa para não desaparecer na luz tropical. A policromia é uma defesa contra o sol que devora o branco dos climas quentes”.
A flâneurie exige uma predisposição à melancolia. Como deixar-se envolver pela multidão sem ser confrontado com os sentimentos desconhecidos que nos protegem de nós mesmos? Também requer uma curiosidade laboriosa que, fronteiriça, limita-se entre o entregar-se ao coletivo, descortinando-o quase antropologicamente, e o criar uma espécie de panopticom privado, no qual as imagens e as ideias do outro sejam observadas não como moral, mas como arte. A princípio, o desafio do flâneur não era científico, mas estético: o alumbramento diante da cidade e a desconstrução do mito da metrópole em nome da experiência individual (e da assinatura do artista, claro).
Quando chegou ao Recife, em 1960, para ministrar uma disciplina no recém-formado curso de Artes Dramáticas, da Universidade do Recife (hoje UFPE), o argentino Túlio Carella encontrou condições especiais, sociais e individuais para criar sua janela e observatório pessoal. Na Argentina, já era um intelectual de representação significativa, tendo vivenciado o modernismo portenho e crescido numa cidade cuja modernização chegara com estrutura econômica, ainda no final do século 19. Embora reconhecido, Túlio parecia um outsider. No Recife, o sonho de ser anônimo e, enfim, vaticinar seu deslocamento íntimo, realiza-se durante os dois anos em que as ruas predominadas pelo cheiro dos manguezais viram seu percurso cotidiano, registrado analiticamente em forma de um diário estetizado pela melancolia e sensualidade de Carella.
O Recife emerge de sua narrativa confessional surpreendente, junto com seus personagens; seu ethos; sua aura católica e o provincianismo burguês; sua movimentação e conservadorismo. Aspectos culturais relevantes para o entendimento do ser e pertencer à capital pernambucana revelam-se nas páginas de Orgia, diário traduzido por Hermilo Borba Filho, que depois de décadas esgotado tem relançamento pela editora Operaprima. Em cinco décadas, Orgia ganhou status de cult por sua narrativa homoerótica dispor de elementos caros ao tema, como a guetificação da atividade sexual e a marginalização do afeto. É fácil analisar Orgia por essa perspectiva. A começar pelo título e a descrição da contracapa: “quem sabe por que escrevo este diário? Por amor ao pecado, talvez, para quem lê-lo?,ou tento justificar-me a mim mesmo com uma exagerada grandeza no erótico? Que procuro? Que persigo”, diz.
A narrativa explora detalhadamente a arte da sedução, da entrega e do desejo homossexual. O que faltou, no entanto, nessa análise tão ligada ao afeto homossexual, foi a percepção de que Orgia fala também do Recife. Dos seus guetos, da sua marginália. Da homossexualidade compulsória dos morenos, mulatos e mestiços que circulavam pela cidade oferecendo o falo como sedução, troféu e moeda de troca. Ao nos propiciar essa passagem pela intimidade pessoal do escritor, Orgia incomoda, desconcerta e seduz, contraditoriamente, das formas mais diversas. Compartilhamos a angústia do autor, em seu deslocamento. Mas em tempos do politicamente correto a ferro e fogo nos incomodamos com sua sinceridade. Uma delas é a sua capciosa e retórica pergunta feita regularmente nas 300 páginas do livro: “o que é um negro?”, pergunta o personagem Lúcio, durante os idílios sexuais com os mulatos encontrados nas zonas de prostituição da cidade ou quando se vê diante de um belo exemplar do gênero. Malandros, mendigos, amantes. Negros. O que é um negro?
Não podemos deixar de voltar à Casa Grande & Senzala, de Gilberto Freyre, obra que tentou desvendar psicossocialmente as etnias formadoras da identidade brasileira e cuja atenção recorreu às raças africanas impostas à economia açucareira. Em sua obra monumental, Freyre fetichiza os primeiros contatos dos colonizadores com os povos primitivos. Diz que os galegos aportaram no Brasil praticamente pisando em índias nuas, voluptuosas que, segundo o intelectual, despertou nos portugueses o arquétipo da moura encantada de suas lendas tradicionais. Os últimos capítulos de Casa Grande & Senzala avaliam a participação e influência da cultura negra no sistema patriarcal e mostram o confronto entre o mundo civilizado e o primitivo – e o processo sádico que surge a partir da figura do senhor de engenho, que seduz e estupra as negras escravas, não por sê-las de raça inferior ou malemolência provocante.
Aqui, a questão é o poder que permite e banaliza a imposição do homem branco sob os demais. No entanto, o discurso é de que a malemolência e sensualidade acabariam por incitar o faro sexual dos dominadores. Quem discute as presas fáceis? Eram fáceis? Se “desfrutáveis”, deixaram-se seduzir por livre arbítrio, fizeram apenas por uma questão atávica ou foi a entrega uma forma de “negociar” a própria liberdade e ascendência social?
Outra digressão: Bahktin, em Cultura Popular na Idade Média, investiga a relação entre cultura e civilização, mostrando como determinadas manifestações populares são encaradas como primitivas e deveriam ser evitadas pela incipiente burguesia se esta quisesse se mostrar como polida e cortês. As danças sensuais e a gula, movimentos do baixo ventre, eram alguns dos indicadores de atos primitivos, relacionados à volúpia, ao descontrole dos instintos naturais que acabaram sendo normatizados no processo civilizador (a partir do século 16). A obra de Carella percorre exatamente essas questões. Nela, temos o argentino civilizado e encantado com a oferta fálica pelas ruas do Recife. A oferta de negros. Enquanto a moral branca, vestia-se de forma minuciosa e trancafiava seu corpo e seu desejo. Cabia à burguesia acompanhá-la pelos sobrados, pelos casarios ou pelo indiscreto estreitamento das casas conjugadas que revelam muito mais do que se poderia saber sobre a alteridade do senhor, seu vizinho. Cabia à experiência popular vivenciar o inferno típico da cidade: a sobrevivência. Desse modo, não nos distanciamos muito do início da nossa colonização e da dialética da nossa modernidade.
Vejamos alguns trechos comentados de Orgia. “E começo a andar para apreender os aspectos da cidade. Na fila que esperava o ônibus havia muitos morenos, limpos e comunicativos. Vê-se outros mais nas ruas e todos têm um aspecto alegre, sereno pacífico. Há uma predominância de jovens, quase não se veem velhos. Os canais lodosos, amarelados recordam-lhe as águas do Rio de la Plata. O centro da cidade não é muito grande. E formado por duas ruas paralelas e muitas transversais”, transcreve Carella, através do personagem Lúcio. O ato de se deixar movimentar pelo ritmo da cidade pontua a flâneurie de Carella, que tece comentários sobre o provincianismo do Recife em meio à sua modernização: “Não é difícil compreender a geografia do Recife. Há uma ilha e dali partem as ruas, que se abrem como um leque. O rio Capibaribe ondula sinuosamente em curvas pronunciadas. As pontes são simétricas, mas diferentes. Um ar calmo, provinciano, parece envolver tudo. O que mais lhe chama a atenção é o duplo aspecto da cidade. Até aqui chegou o horrível progresso, com seus arranha-céus de cimento, metal e vidro. A avenida Guararapes é um exemplo de modernismo decepcionante”.
Túlio chegou ao Recife após o boom desenvolvimentista da era Juscelino, que foi seguida por recessão, inflação e pobreza, principalmente na região nordestina. Embora a situação econômica não fosse uma das melhores, a cidade já contava com uma reflexão urbanística modernizante desde os anos 1920. Em certo trecho, um moreno lhe chama para a Praia do Pina, que diz ser ideal para a entrega amorosa. Já Boa Viagem seria indiscreta: alterna edifícios modernos com verdadeiras cabanas. Vazios imensos intercalados de arranha-céus e casas miseráveis.
Por onde anda, Carella se depara com mendigos, pedintes. Sente-se deprimido e vai à Igreja comungar. A oferta de igrejas não se compara a dos mulatos, mas é opulenta. Para Carella, as ruas com casas e sobrados coloniais de cores amarela, celeste e rósea são a verdadeira fisionomia da cidade. “A calma dominical envolve este lugar da esfera terrestre que nem sempre aparece no mapa. As mulheres e os homens vestem-se com esmero minucioso. Vão à missa. Há ruas asfaltadas e ruas de paralelepípedos onde permanecem os trilhos dos desaparecidos bondes. O tempo os irá desgastando. Lúcio confessa mentalmente sua ignorância da cidade, da sua história, sua gente, seus costumes”, revela. Em outra parte: “O Recife, como certas cidades, não se entrega à primeira vista. Seu encanto está oculto e talvez por isto se torne mais penetrante quando encontrado”, conceitua, compactuando da tese freyriana de que o Recife é uma cidade para ser descoberta, redescoberta em seus mistérios, em suas ruas obscuras, em seu ethos conservador.
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Adaptação da obra de Tulio Carella "ORGIA" feita por Moisés Monteiro de melo Neto com Wellington Junior e Breno Fittipaldi foi encenada em Recife
10/05/2011 - 10h20
Escritor argentino fala sobre sexualidade de recifenses em livro reeditado FABIO VICTOR
DE SÃO PAULO
Há 50 anos, ao deixar a mulher em Buenos Aires e aceitar o convite do teatrólogo Hermilo Borba Filho para dar aulas de teatro no Recife, Tulio Carella iniciava uma jornada que o conduziria ao prazer selvagem, à tortura e, por fim, à ruína.
Teatrólogo, poeta, tradutor e ensaísta argentino, Carella (1912-1979) era, naquele 1960, um intelectual respeitado em seu país.
Foi indicado a Hermilo (1917-1976) pelo italiano radicado em São Paulo Alberto d'Aversa (1920-1969), a quem fora feito o convite original.
No Brasil, lhe atraíam "a brasa que arde como um fogo maravilhoso e perdurável", o "duplo aspecto destruidor e purificador que dá luz e sombra, ilumina e barra o caminho ao mesmo tempo".
Achava que o país deveria se chamar "Estados Unidos do Fogo".
Vagava pelo centro em encontros e bolinações com homens rudes, operários de pouca instrução. Registrou tudo, com crueza de detalhes íntimos, em seus diários.No Recife, encantou-se com os negros ("A cor escura dos nordestinos me atrai como um abismo") e, guiado pela solidão nos grandes intervalos da atividade acadêmica, entregou-se à libertinagem sexual, principalmente homossexual.
Numa época em que crescia o desconforto dos militares com o momento político (Jango assumiria o governo em 1961), num bastião esquerdista (berço das Ligas Camponesas de Francisco Julião), a movimentação sorrateira de Carella foi tomada por subversão política.
Supondo que ele era o elo entre as Ligas e Cuba, os militares o prenderam e torturaram. Ao acharem os diários, descobriram que tudo não passava de orgia.
Despacharam-no de volta para Buenos Aires, não sem antes ameaçar divulgar os diários, caso ele denunciasse o que sofrera.
Em 1968, Borba Filho convenceu Carella a publicar os diários no Brasil, numa coleção erótica criada pelo teatrólogo pernambucano na José Alvaro Editor.
"Orgia", o livro, que passou anos esgotado, tornou-se um cult da literatura gay e raridade até mesmo em sebos. Ganha agora reedição pela Opera Prima Editorial.
É TUDO VERDADE
Quando voltou à Argentina, Carella trabalhou ficcionalmente os diários e fez um "roman à clef", história real contada como ficção.
O livro alterna narração em terceira pessoa com relato de diário tradicional, em primeira pessoa.
Responsável pelo novo volume, o jornalista e editor Alvaro Machado assina as notas e uma introdução que situa historicamente a obra e seu autor. Ele viajou a Buenos Aires e ao Recife e revisou lapsos de digitação, pontuação e montagem tipográfica da edição de 1968.
Machado conheceu "Orgia" por meio de "Devassos no Paraíso" (Record, esgotado), de João Silvério Trevisan, estudo sobre a homossexualidade no Brasil e maior responsável por difundir Carella e sua obra depois de esgotada a edição original.
Autor e livro viraram ícones da militância gay --Carella foi listado pelo Grupo Gay da Bahia como um dos "cem desviantes sexuais mais célebres na história do Brasil".
Em "Devassos", Trevisan transcrevia o trecho em que o autor faz sexo com um halterofilista sarará chamado King-Kong (leia ao lado), depois reproduzida em outras obras fora do Brasil.
"Do que eu conheço de literatura e de arte homoerótica, 'Orgia' é uma das coisas mais emblemáticas e contundentes, inclusive pela qualidade literária", diz Trevisan.
O escritor classificou de "muito estranho" não ter sido consultado por Machado para a reedição. "Porque, na verdade, eu que revelei Tulio Carella para o Brasil e os argentinos. Talvez houvesse uma competição embutida."
O sociólogo e professor da Unicamp Laymert Garcia dos Santos destaca o caráter socioantropológico de "Orgia", lembrando que, ao longo da obra, Carella repete uma pergunta: "Que é um negro?".
"O livro traz uma visão diferente: qual é o modo de ser do negro na intimidade absoluta. O que interessa é o ponto de vista ontológico --o modo de ser negro-- e o ponto de vida epistemológico _como posso conhecer o modo de ser negro, mergulhando fundo na sexualidade deles."
ORGIA
AUTOR Tulio Carella
TRADUÇÃO Hermilo Borba Filho
EDITORA Opera Prima
QUANTO R$ 64 (312 págs.)
AVALIAÇÃO bom.