Instapoesia: uma literatura que marca presença
Espalho o meu amor (em poesia ou não) nas redes
sociais, também. Uno-me assim a um movimento crescente de poetas, que cravaram
seu espaço no online com textos curtos, compartilháveis e fáceis de se
relacionar, e acabaram refletidos com muito sucesso na literatura tradicional. Pela
força no Instagram, os escritores acabaram apelidados de instapoetas. Nomes
como João Doederlein, Ryane Leão, Lucão e Zack Magiezi exploram de forma
engenhosa temas como amor, decepção, saudade e autoestima, literatura em si... a
maioria com caráter motivacional, bebendo de fontes filosóficas e do velho
formato dos provérbios, enquanto ainda se arriscam na tendência metalinguística
– que fala sobre a própria poesia e a arte de escrever. Estas centenas de
milhares de poetas do Instagram migraram para o papel e, rapidamente, chegaram
à lista de best-sellers. Na comparação entre os meses de janeiro a agosto de
2017 com o mesmo período de 2018, os livros de poesia nacionais cresceram em
venda 107%*, fenômeno diretamente causado pelos autores virtuais. Destaca-se na
lista a obra Textos Cruéis Demais para Serem Lidos
Rapidamente, do perfil no Instagram de mesmo nome, atualmente o
livro de ficção nacional mais vendido do país neste ano. Gosto da indiana,
naturalizada no Canadá, Rupi Kaur. Autora de Outros Jeitos de Usar a Boca e O Que o Sol Faz com as Flores, publicados no Brasil
pela editora Planeta, em 2017 e 2018, respectivamente, os títulos somam 275.000
exemplares comercializados por aqui até o momento. No mundo, já ultrapassam a
marca do milhão. Por exemplo uso aqui um amor literário: “Porque
há o direito ao grito. Então eu grito”. A frase de Clarice Lispector é um dos
motores de Igor Pires da Silva, 23 anos, idealizador do perfil Textos Cruéis
Demais. “Eu escrevo melhor do que eu falo. Tenho dislexia. Então escrever
poesia é o jeito que eu encontrei de gritar no mundo”, diz Igor. O rapaz
natural de Guarulhos, São Paulo, que hoje estuda comunicação na Universidade
Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), começou a escrever ainda na infância. Mas foi
ao enfrentar uma depressão que a poesia ganhou a função de ferramenta de
sobrevivência. Durante um trajeto de ônibus voltando da faculdade, em 2016, a
frase “textos cruéis demais para serem lidos rapidamente” surgiu em sua mente.
Na época, ele já escrevia poesia com outras quatro amigas, grupo que se
conheceu através da rede online Tumblr.
A
página nasceu primeiramente no Facebook antes de chegar adaptada, com textos
menores em imagens quadradas, ao Instagram. A visibilidade aumentou quando
celebridades começaram a compartilhar os poemas do grupo, caso de Marília
Mendonça, que alavancou em 20.000 seguidores a página em menos de 24 horas.
A
força na internet atiçou o desejo de Igor de migrar para o papel. Ele jogou o
sonho de escrever um livro no Facebook, esperando o retorno de alguma casa
editorial. “Na época não deu em nada. Mandei e-mails para editoras e recebi
muitos nãos”, conta. Ele já tinha desistido da ideia quando chegou o decisivo
e-mail da Globo Livros, perguntando se ainda tinha interesse em publicar. A
aposta da editora deu certo. Em 10 meses nas lojas, o livro conta com mais de
200.000 exemplares vendidos, e se mantém há 36 semanas na lista de mais
vendidos da Veja. O sucesso foi tanto que Igor, que escreveu sozinho o
primeiro, agora prepara um segundo, com a colaboração das colegas de grupo, as
autoras Maria Luiza Moreira, 21, e Letícia Loureiro, 21, e a designer Gabriela
Barreira, 23 anos.
O
diferencial do próximo livro, previsto para o ano que vem, é a parceria com as
amigas. “Serão três partes, uma de cura, outra de amor e outra de perdão. Com
três pessoas olhando para os temas”, conta. Igor afirma que o coletivo, que já
teve outra formação, opta por não assinar os poemas por um motivo simples. “A
palavra tem mais peso que a assinatura. Não quero ser maior que a poesia”, diz.
“Não fazemos poesia em troca de likes. O propósito é falar de assuntos que
tocam o leitor.”
João
Doederleindeclarou: ‘A poesia me ensinou
a ver o lado bom da vida.Também conhecido como @akapoeta, autor conquistou
celebridades, fashionistas e leitores de livrarias com o sucesso no Instagram. Quem
usa as redes sociais com frequência provavelmente já tropeçou na série Ressignificados,
assinada pelo brasiliense João Doederlein, 22 anos, também conhecido pelo
apelido virtual @akapoeta. A imagem traz no topo uma palavra e abaixo seu
significado, como em um dicionário, mas com um texto explicativo poético,
formado por frases curtas. Criado em 2016, o formato consagrou Doederlein na
internet.“O Ressignificados nasceu por causa de sentimentos de amor
que tive por uma garota na época”, conta.
A
série saiu do virtual para estampar uma coleção de camisetas, em uma parceria
do poeta com uma marca de roupas, e ganhar a lista de mais vendidos de VEJA
com O Livro dos Ressignificados (Paralela), título que soma 85.000
exemplares vendidos, um ano após o lançamento.
Estudante
de publicidade e propaganda na Universidade de Brasília, Doederlein escreve
desde os 11 anos em blogs, e antes da poesia apostou em crônicas e contos. No
Facebook, ele ainda mantém uma página desta época, a Contos Mal Contados,
onde ele publicava histórias de “heróis mal-encarados e dragões injustiçados”.
“Gosto de expressar o outro lado da moeda”, diz.
A
habilidade de ponderar é parte da essência do escritor, que, aos 16 anos,
sofreu uma crise de ansiedade, e, durante o processo de recuperação, percebeu o
impacto que seus textos tinham em pessoas com diferentes dores. “A poesia me
ensinou a ver o lado bom da vida. Fiquei mais positivo”, conta. Sobre seu papel
em meio aos ânimos exaltados dos usuários das redes, ele mantém o cerne de suas
ideias. “Alguém tem que contrabalancear as coisas. Ninguém aguenta passar o
tempo inteiro com sentimentos tensos e pesados”, diz. “A orelha do meu segundo
livro, Coração-Granada (lançado em julho deste ano), diz: ‘esse livro
é um banho quente depois de um dia de trabalho’. Quero ser o banho quente com
meus textos. Participar da calmaria, para as pessoas recuperarem a energia e os
sentimentos através da arte.”
Ryane
Leão: ‘A Rupi Kaur abriu o caminho para mim’. Autora do perfil ‘Onde Jazz Meu
Coração’ navega com destreza pela atual onda do empoderamento feminino nas
redes – e na lista de best-sellers. Aos 19 anos,
Ryane Leão deixou Cuiabá, sua cidade natal, e se mudou para São Paulo para
fazer faculdade na Universidade de São Paulo (USP), onde começou estudando
moda, antes de mudar para letras. A metrópole se tornou cenário para a poesia
da aspirante a escritora, que passou a colar pelos muros seus versos em
cartazes, tipo lambe-lambes. Hoje, aos 29 anos, Ryane é a feliz autora de um
best-seller de poesia, o Tudo Nela Brilha e Queima (Planeta),
foi destaque na Bienal do Livro e da Festa Literária de Paraty (Flip) este ano,
e comanda a escola de inglês Odara, voltada para mulheres negras.
As
conquistas foram alcançadas ao longo de dez anos com muitos percalços. “A
mudança para São Paulo foi bem difícil. Trabalhei de tudo para pagar o aluguel,
fui recepcionista, garçonete, dei aulas de inglês”, conta. “Eu escrevia por
hobby. Demorou muito para a poesia ser algo rentável para mim.”
Entre
o lambe-lambe e os textos em blog, Ryane chegou às redes sociais com o
perfil Onde Jazz Meu Coração, em que publica textos sobre autoafirmação,
relacionamentos e empoderamento feminino. As temáticas lembram as da indiana
Rupi Kaur, fenômeno do gênero. Foi com o sucesso da autora que Ryane conseguiu
publicar seu primeiro livro. “A editora estava procurando alguém parecida.
Entraram em contato comigo pelo Instagram depois que uma amiga me indicou”,
conta. Com quase 20.000 exemplares vendidos em menos de um ano, a autora já
prepara um segundo título para 2019.
“A
Rupi Kaur abriu o caminho para mim. Acho um presente a comparação. Ela é
incrível”, diz. “A literatura ainda é muito branca e elitista. Aí surge uma
poeta imigrante, mulher, de cor, e vira best-seller. A Rupi abriu as portas
para mim e para outras mulheres.”
A
principal semelhança de Rupi e Ryane reside principalmente na missão de falar
sobre assuntos que a literatura tende a ocultar ou romantizar. “Não é fácil ter
amor próprio e autoestima. Não somos inabaláveis. Falamos de relações abusivas,
de racismo, machismo, mas não ficamos na dor pela dor. A ideia é mostrar que
passamos por tudo isso, mas podemos sobreviver.”
A
identificação de outras mulheres e da força dos movimentos feministas nas redes
ajudou Ryane a crescer no meio virtual, com o amplo compartilhamento de seus
textos. Ela percebe a onda e navega nela com tranquilidade. “Quero aproveitar
esse momento de mais mulheres falando e publicando. Chegou ao fim o medo de
contar nossas histórias.”
Zack
Magiezi: ‘Faço poesia simples, para que ela seja democrática’ Autor viralizou
na internet com série de poemas ‘Notas sobre Ela’ e conquistou seguidores pelo
estilo romântico de tom nostálgico. Quando decidiu criar um perfil no
Instagram, Zack Magiezi, 35 anos, que já angariava seguidores com a
página Estranheirismo no Facebook, entendeu que precisava aliar sua
poesia à uma identidade visual. “Na essência, o Instagram é uma rede de fotos e
não de textos”, analisa. Como trabalha sozinho e não sabia usar programas de
edição de imagem, ele resolveu uma antiga dívida com um amigo que havia comprado
dele um violão. O amigo quitou o débito com uma velha máquina de datilografia.
“Comecei a datilografar e fotografar o texto. Chamou a atenção o estilo antigo
num ambiente digital”, conta. A troca foi acertada. Segundo Zack, até hoje o
amigo não aprendeu a tocar violão. “Já a máquina, me serviu bastante”, diz
rindo o poeta que soma quase 1 milhão de seguidores na rede e três livros
publicados, que somam mais de 60.000 exemplares vendidos. O perfil online se
consolidou com uma série de pílulas literárias batizadas de Notas sobre
Ela. “Eram pequenos fragmentos na tentativa de retratar o feminino”, diz.
Ousado, o autor não se acomodou na ideia que lhe deu fama, e continuou a
experimentar formatos e o uso da língua portuguesa. Em tom confessional, os
textos de Zack falam de perda, amor e o medo da finitude. “Passei por alguns
términos de histórias que não foram bem finalizadas. Elas terminaram bem, mas
eu não sabia lidar com o fim. Não sabia para onde ir, o que fazer”, conta.
Sendo
um dos mais seguidos entre os instapoetas brasileiros, Zack analisa que os
autores do movimento são jovens, todos experimentando, em busca da própria voz.
“O que gosto do meu perfil é a linguagem. Faço poesia simples, para que ela
seja democrática e chegue em mais pessoas”, diz. A facilidade da linguagem,
contudo, não significa para ele que os textos sejam sem profundidade. “É uma
rede social de superfícies, por isso é legal ter ali algo de dentro dos
indivíduos.”Apesar da forte presença nas redes sociais, Zack passa longe de ser
um entusiasta da internet. “As pessoas querem conhecer as outras baseadas
apenas nas redes sociais e isso não funciona”, avalia, antes de dizer que quer
se firmar na literatura para não depender apenas da internet para sobreviver.
“Se o Zuckerberg puxar a tomada, o que eu vou fazer? Por isso quero me
consolidar como escritor.” O ex-coordenador administrativo de um colégio em
Minas Gerais se dedica exclusivamente à literatura desde 2016, quando lançou
seu primeiro livro, Estranherismo (Bertrand Brasil). Ele prepara
agora um novo título, com pequenos textos em prosa. “O livro é uma plataforma
que te permite mais. É diferente o tempo de uma pessoa que senta para ler um
livro e quem passa o olho por uma timeline. O livro ainda é melhor que um
celular.”
Lucão:
‘Não dependo da dor para escrever’. Ex-redator publicitário faz sucesso na
internet com versos curtos e temas leves, enquanto na literatura aposta pela
primeira vez em um romance
“Eu
e você não rima. Rimos”. Textos curtos costurados com jogos de palavras e
aliados a temáticas românticas e bem-humoradas se tornaram a característica da
poesia de Lucas Cândido Brandão, ou Lucão para os íntimos – e também para seus
mais de 400.000 seguidores. “A experiência que me levou a escrever foi ler. Fui
atraído pela poesia e pela liberdade de formatos”, conta o autor de 33 anos. Ao
contrário de boa parte dos colegas instapoetas, não foi uma perda ou uma dor
que o fez começar a rabiscar versos ainda na adolescência. “Minha vida foi
ótima, recebi muito amor e quero falar sobre isso”, conta. “Eu brinco que não
dependo da dor para escrever. Se eu tivesse que sofrer para criar viveria numa
armadilha. Tem que tomar cuidado. Para escrever bem tem que fazer terapia
antes”, diz o autor filho de uma psicóloga.
Lucão
começou a divulgar seus textos aos 19 anos, antes da onda das redes sociais,
quando os blogs eram o endereço virtual do momento. Foi natural a transição
para o Facebook e Instagram, em 2014, quando misturou os primeiros versos com
fotos em seus perfis. A paixão pela escrita o levou a cursar publicidade e
propaganda e trabalhar, em seguida, como redator publicitário. Até que, também
em 2014, recebeu por e-mail da Saraiva o primeiro convite para publicar um
livro. “Quis deixar o emprego para me dedicar ao trabalho de escritor, mas tive
medo. Quando veio o convite para o segundo livro, tomei coragem”, conta o autor
que há dois anos se dedica à escrita.Seu primeiro livro, É Cada Coisa que
Escrevo Só pra Dizer que Te Amo, levou para o papel o estilo “instagramável”.
“São versos curtos, poesia breve, livro fotogênico para as pessoas tirarem
fotos e compartilharem nas redes”, conta. O segundo, Telegramas, é um
trabalho mais íntimo, com poemas maiores. Juntos, os dois títulos publicados
pela Benvirá, selo da Saraiva, somam mais de 30.000 exemplares vendidos. Em
seguida, Lucão decidiu publicar um livro independente. Foi daí que nasceu Dois
Avessos, feito em parceria com o amigo também poeta Fabio Maca. “Foi uma nova
fase da minha escrita, com poemas mais longos e profundos”, conta. A evolução
dos textos culminou em seu mais recente trabalho na literatura: o romance Amores
ao Sol (Planeta). A trama, uma ficção inspirada numa história real, narra
a história de um homem em busca de uma mulher que ele conheceu no caminho de
Santiago de Compostela. “Aconteceu algo parecido. Encontrei em Compostela um
brasileiro que tinha conhecido uma argentina. Ele estava um pouco apaixonado
por ela, mas se desencontraram. Depois não o vi mais e fiquei sem saber o fim
da história.” Lucão decidiu criar o fim desconhecido da trama. “Eu não pensava
em escrever romance, sou poeta. Mas essa história apareceu na minha frente.”
Para os próximos passos, ele já pensa em um novo livro de poemas e esboça outro
de crônicas. “Sou escritor e quero experimentar estilos na escrita.”
São
jovens que se tornaram conhecidos nas redes sociais, desafiam a velha ideia de
que poesia não vende e se tornam objeto de estudo de acadêmicos
No meio do caminho de Carlos Drummond de Andrade
tinha o Instagram. O poeta mineiro, talvez o mais celebrado do século XX, já
não lidera a lista de livros mais vendidos de poesia nacional. Segundo a
empresa de pesquisa de mercado GfK, Claro Enigma, que
ocupou a primeira posição do ranking entre janeiro e agosto de 2017 – em grande
parte, provavelmente, porque estava na lista de leituras obrigatórias da
Fuvest, o vestibular da Universidade de São Paulo (USP) –, não repetiu o feito
no mesmo período deste ano. Agora, o posto é do grupo Textos Cruéis Demais
(TCD), liderado pelo jovem Igor Pires da Silva. Já o segundo lugar da lista,
que no ano passado era do poeta marginal Paulo Leminski, hoje é de João
Doederlein, o @akapoeta.
Foi Leminski quem chacoalhou o mercado editorial em
2013, quando seu Toda Poesia (Companhia das
Letras) desafiou a velha história de que poesia não vende no Brasil,
tornando-se um best-seller. Essa máxima continua a ser colocada em xeque, agora
com os instapoetas, que puxaram o crescimento do gênero neste ano e ocupam
cinco das dez posições do ranking de livros de poesia mais vendidos (confira a
lista ao final da reportagem). “É sempre uma surpresa quando um livro de poesia
vende, ainda mais entre o público jovem”, diz a editora Veronica Gonzalez, do
selo Globo Alt, que lançou Textos Cruéis Demais para Serem
Lidos Rapidamente em novembro do ano passado. “Achávamos que
seria um livro que iria bem, mas não nessa magnitude.”
O sucesso comercial era esperado pelo selo
Paralela, do Grupo Companhia das Letras, quando aceitou publicar O Livro dos Ressignificados, de João Doederlein. Bruno
Porto, editor do título, lembra que o selo tem obtido resultados comerciais e
de repercussão bastante favoráveis ao trabalhar com influenciadores digitais,
como a youtuber Kéfera Buchmann. “A gente tinha visto que dava bastante certo
lançar livros desse pessoal, porque eles mesmos divulgavam nas redes sociais
deles. O projeto do João era bom e a Rupi Kaur já tinha aberto o caminho para
autores como ele”, afirma.
Outros dois autores, esses brasileiros,
contribuíram para que o mercado passasse a prestar atenção no que vinha sendo
publicado na internet. Pedro Gabriel é uma constante na lista de best-sellers
desde que lançou Eu Me Chamo Antônio, em 2013, pela
Intrínseca. De lá para cá, foram mais dois livros e um total de aproximadamente
240.000 exemplares vendidos. Já Clarice Freire, da mesma editora, conta com
cerca de 85.000 exemplares vendidos de Pó de Lua (2014)
e Pó de Lua nas Noites em Claro (2016).
Pedro Gabriel, que conquistou as redes ao postar
mensagens e frases escritas em guardanapos, acredita que pode ter sido um
precursor dos instapoetas. “Ajudei a colocar algumas pedras nesse caminho.
Mostrei que uma grande editora poderia se interessar pelo trabalho que faço e
que era possível fazer poesia em português e viver disso”, diz. “Você pode
participar de oficinas, feiras, tudo o que faz parte da cadeia do livro. Eu
vivo do que eu ganho fazendo o que eu gosto. Nunca achei que um pedaço de
guardanapo que todo mundo joga fora poderia trazer o meu alimento.”
Muita
gente achou que com a internet as poesias seriam esquecidas. Mas daí
surgiram pela timeline a arte de colocar os sentimentos em formas de
palavras, dando destaque aos que chamamos hoje de Instapoetas (Instapoets).
E assim, passamos a consumir um pouco mais de literatura e receber gentileza em
nossos feeds.
O
que antes ficava apenas no papel foi parar no Instagram. Os versos hoje se
espalham pelo mundo todo e muitos desses artistas fazem tanto sucesso que
lançam até livros. Os temas ganham mais notoriedade ainda quando falam sobre
o amor, a violência, relacionamentos, autoconhecimento, feminismo,
saudade, o cotidiano, entre outros assuntos comuns – tanto para mim quanto para
você.
Em
tempos difíceis, a poesia se faz necessária. Os textos curtos,
rápidos, diretos e servem como doses instantâneas de reflexão, inspiração.
Muitos até parecem confissão. Listamos aqui alguns desses Instapoetas
que são incríveis para seguir e para você apreciar, caso ainda
não conheça. Confira:
RUPI
KAUR
Rupi
Kaur é uma poeta indiana que mora no Canadá. O sucesso de
sua obra se deve principalmente pela delicadeza da autora. Seus poemas
são francos e diretos, falam aquilo que muitas vezes não conseguimos exprimir.
A maioria deles são relacionados a temas íntimos das mulheres, como
relacionamentos, abusos, decepções, amores, cura, autoestima e feminilidade.
Rupi tem seus livros traduzidos para o português e ficou na lista dos
mais vendidos durante muitas semanas.
RYANE
LEÃO
Ryane
Leão escreve poesias sobre “mulheres infinitas” (como ela mesmo
diz). Professora e ativista, Ryane também espalha suas palavras em
lambe-lambes e recita seus poemas em saraus e slams. Seu livro “Tudo
nela brilha e queima” (Editora Planeta) traz histórias pra inspirar
outras mulheres a contarem as delas. A poeta também possui uma uma escola
chamada Black to Black. Lá, ensina inglês para mulheres negras com foco em
cultura afro e feminismo negro.
JOÃO
DOEDERLEIN
João
Doederlein explora novos significados e definições para as palavras além
do dicionário. O seu “O Livro dos Ressignificados” (2017) foi lançado
pela editora Paralela. Além disso, João também cria poesias que exploram temas
como amor, saudade, ansiedades da vida moderna e as dificuldades da vida
adulta.
ZACK
MAGIEZI
O
publicitário Zack Magiezi ficou bastante famoso pela rede com a
sua série “Notas sobre ela”. Mas, o poeta também compartilha poemas
curtos datilografados, que exploram principalmente temas relacionados a outros
sentimentos. Zack é autor dos livros “Estranherismo” (2016) e, claro, “Notas
sobre ela” (2017), ambos publicados pela Bertrand Brasil.
VERENA SMIT
Verena
Smit tem o poder de transformar palavras dando novos
significados à elas através de trocadilhos poéticos. Verena nasceu em São
Paulo, é artista visual, formada em cinema e em fotografia. Ela já participou
de exposições em Nova York, Lisboa e São Paulo e já lançou o livro “Eu
Você” pela Editora Paralela.
SAULO
PESSATO
Saulo
Pessato intercala textos curtos com vídeos em que declama
versos próprios. Autor de “Poesia Reclamada no Jardim das Borboletas” (2016),
Saulo também lançou o livro “Verso entre Virilhas” (2018), pela
Editora Laranja Original. Saulo costuma dizer que é intérprete de lirismos e
que nem sempre sua poesia é bonitinha. Seus temas são variados.
Para
seguir:
GERMANA
ZANETTINI
A
jornalista, tradutora e poeta Germana Zanettini criou a série “Poesia
na Pele”, na qual explora e usa o próprio corpo para expressar seus versos.
Germana também é autora de “Eletrocardiodrama” (2017), livro lançado
pela Editora Laranja Original. “A série ‘Poesia na Pele’ foi um trabalho
experimental, mas que rendeu bastante exposição e ajudou a me assumir como
poeta, revelando partes de mim a que ninguém tinha acesso – meu corpo e meus
escritos. É mais uma forma de sentir e de transmitir sensações”, comenta.
EULÍRICAS
Para
ela, tudo pode ser lido. A poesia existe em todas as coisas, por isso
a vontade de publicá-las também em objetos, lugares e momentos. Estamos
falando de Camila Lordelo, a mente e o coração por trás do projeto eulíricas,
que tem como objetivo, espalhar palavras e amor através da “poesia nas
coisas”. Camila dá vida para poemas e sensíveis peças como colares,
fotos, porta joias, pratos, quadros e outras ‘coisas’ que sua imaginação
encontrar.
AMANDA
LOVELACE
A
americana Amanda Lovelace sempre gostou de histórias de contos
de fadas. Ao crescer, foi natural se formar em literatura inglesa e se
especializar em sociologia. Porém, as histórias de contos de fadas foram
transformadas em poemas curtos e contam sobre momentos de abuso,
perda, inspiração, autoaceitação, amor-próprio, relacionamentos, sobretudo
sobre a possibilidade de escrevermos nossos próprios finais felizes.
Amanda compartilha linguagem direta, em forma de poesia, e temática
contemporânea. No Brasil, a Editora Leya lançou dois de seus
livros com os títulos de “A princesa salva a si mesma neste livro” e
“A bruxa não vai para a fogueira neste livro”.
LUCÃO
O
publicitário Lucas Candão é quem está por trás de bonitos poemas
que falam sobre amor, autoconhecimento e saudade. Lucão é escritor de dois
livros, “Telegrama” e “É Cada Coisa Que Escrevo Pra Dizer Que Te Amo”, lançado
em 2015. Fundo branco e letra de mão são a marca registrada da
prosa do autor carioca – e a felicidade dos seguidores e fãs no Instagram
– que sempre reconhecem seus versos quando ele publica algo novo.
Que é amplamente lida, não há dúvida. Mas será que
a “instapoesia” estimula a leitura também de outros autores? Miguel Braga
Vieira, professor de literatura brasileira da Universidade Estadual de Londrina
(UEL), acredita que os poetas das redes sociais, como outros best-sellers,
podem ter esse papel de fazer despertar o interesse do público por outras leituras.
“Uma pessoa não vai se tornar leitora com Os Sertões, e sim a
partir de autores que chamam mais atenção”, diz. “Um número maior de pessoas
está lendo e não tem problema algum em ser poesia no Instagram, mas o legal é
que eles possam passar a ler outras coisas também”, diz.
Assim como outros livros que caem no gosto popular
– ou qualquer obra escrita, na verdade – os títulos dos instapoetas não são
regulares: há alguns com reflexões mais e também menos aprofundadas, cuidado e
conhecimento maior ou menor da linguagem. No entanto, o meio inicial de
propagação do trabalho destes jovens escritores pode ser um fator decisivo na
criação e temática dos poemas, algo que os diferencia dos artistas ditos
tradicionais. Para o professor da UEL, pode haver certa preocupação por parte
deles de agradar seu público por antecedência, respondendo a anseios de seus
leitores. “São escritores que estão em busca de aumentar sua circulação. Se for
pensar em arte, ela não abre tanto a mão em busca de aceitação imediata, de
curtidas e seguidores”, diz Vieira, que não enxerga nessa característica algo
necessariamente negativo. “Não há nada que impeça isso, e vejo o movimento com
bons olhos, é um estímulo da poesia.”
A aceitação e assimilação dos best-sellers por
parte da academia é ainda um tema controverso – e que varia a cada profissional
do meio e cada universidade. Mas já há ao menos um indício de que os estudiosos
da literatura estão prestando atenção no fenômeno dos instapoetas. A doutoranda
Layse Barnabé de Moraes, da UEL, se debruça atualmente a uma tese que parte do
livro Outros Jeitos de Usar a Boca, de Rupi Kaur, para
analisar o movimento recente formado também por outras escritoras que usam a
poesia como meio de cura. “Ela toca em assuntos muito básicos, da vivência
feminina, que não são nada delicados e sensíveis, a maneira como geralmente se
lida com a literatura feita por mulheres. Ela fala de temas como abuso, o pai
imigrante, ser uma mulher indiana”, afirma Layse.
O projeto ainda deve levar alguns dos poemas das
escritoras, que incluem também a americana Nayyirah Waheed e a canadense Key
Ballah, a mulheres em situação de vulnerabilidade – presas, que estão em
asilos, órfãs e que sofreram violência sexual ou doméstica, por exemplo. A
ideia da estudante é ouvir essas histórias e apresentar os poemas das autoras,
propondo um ambiente de troca de vivências.
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