Pesquisar este blog

segunda-feira, 30 de setembro de 2019

Os Malefícios do Tabaco ou Os males do fumo peça de Anton Tchekhov




Arion Medeiros interpreta   NIOUKHINE. Direção de Ruben Rocha Filho, Moisés Monteiro de Melo Neto (Moisés Neto) e Guilherme Coelho. Montagem de 2015. Recife PE




         NIOUKHINE (de longas suíças, sem bigode, fato velho e coçado. Entra majestosamente, saúda e ajeita o colete). – Minhas senhoras e, de certo modo, meus senhores. (Alisa as suíças). Pediram a minha mulher que eu viesse aqui fazer uma conferência, para fins beneficientes, sobre um assunto qualquer. E por que não fazê-la? Se é preciso uma conferência, façamos então uma conferência; a mim é-me absolutamente indiferente. Bem... para dizer a verdade, eu não sou propriamente um professor, e nem sequer estou munido de qualquer título acadêmico ou científico: pois apesar disso, há trinta anos que ininterruptamente, e posso mesmo acrescentar que em detrimento da minha saúde e de outras coisas semelhantes, eu trabalho em assuntos de natureza estritamente científica. Dou tratos aos miolos quando, às vezes, - imaginem Vossas Excelências! – tenho de escrever artigos científicos ou... talvez muito pouco científicos, mas que, vá lá, têm um certo ar científico.

         Nestes últimos dias, precisamente, escrevi entre outros um artigo considerável sob o título «Dos efeitos maléficos de alguns insectos». Este artigo agradou muito às minhas filhas, sobretudo na parte que se relacionava com os percevejos.  Pois bem, eu, depois de o ter lido rasguei-o. De facto, por mais que eu dissesse e escrevesse, nem por isso se dispensaria o pó de piretro. Em nossa casa, por exemplo, há percevejos até no piano de cauda...
         Escolhi para tema da minha conferência de hoje, se assim lhe podemos chamar, o prejuízo que traz à humanidade o uso e abuso do tabaco. Quanto a mim, devo confessá-lo, sou um fumador inveterado. Mas a minha mulher ordenou-me que falasse hoje dos malefícios do tabaco, e não tenho por isso outro remédio senão obedecer-lhe. Já que é preciso falar de tabaco, falemos então de tabaco. Para mim é absolutamente indiferente; e eu convido Vossas Excelências, minhas senhoras e meus senhores, a escutar a minha conferência com toda a gravidade requerida para evitar qualquer sensaboria. E aquelas pessoas a quem mete medo uma conferência séria, digamos mesmo científica, têm inteira liberdade de não escutar... ou de sair. (Ajeita o colete).
         Peço, sobretudo, a atenção dos senhores doutores aqui presentes. Eles poderão encontrar na minha conferência numerosos ensinamentos úteis, porque o tabaco, à margem dos seus efeitos nocivos, é muito empregado em medicina.
         Assim, por exemplo, se metermos uma mosca dentro de uma tabaqueira, ela morre, aparentemente por desarranjo nervoso... O tabaco é, para falar corretamente, uma planta...
         Quando faço uma conferência pisco ordinariamente o olho direito, mas Vossas Excelências não façam caso: é efeito da emoção. Eu sou, duma maneira geral, um homem muito nervoso.
         O meu olho direito começou a piscar em 1889, a 13 de Setembro, exactamente no dia em que, por assim dizer, a minha mulher deu à luz a sua quarta filha, Bárbara... Todas as minhas filhas nasceram em dias 13. Mas de resto (tira e consulta o relógio) dado o pouco tempo de que dispomos, não nos afastemos do tema da nossa conferência.
         Devo em todo o caso dizer a Vossas Excelências que a minha mulher tem uma escola de música e um pensionato particular, ou, talvez mais exactamente, não é bem um pensionato, mas qualquer coisa no género. Aqui para nós, a minha mulher gosta de apregoar aos quatro ventos a sua miséria, mas a verdade é que ela conseguiu pôr uns dinheiros de lado – uns quarenta ou mesmo uns cinquenta mil rublos; eu, pessoalmente, é que não tenho um copek, nem sequer uma moeda furada. Mas deixemos isso...
         No pensionato de minha mulher sou eu o encarregado da administração. Faço as provisões, fiscalizo o pessoal, assento as despesas, tomo conta da escrita, mato os percevejos, passeio o cãozinho de minha mulher e dou caça aos ratos.
         Ontem à tarde, por exemplo, eu devia entregar à cozinheira farinha e manteiga, porque se tinha decidido fazer fritos. Pois muito bem! Imaginem Vossas Excelências que hoje, quando os fritos já estavam prontos, a minha mulher veio à cozinha anunciar que três pensionistas, estando doentes da garganta, não podiam comer fritos. Tinham-se feito, portanto, fritos a mais. Que destino lhes havíamos de dar? A minha mulher, primeiro, ordenou que os guardassem na dispensa, para o doa seguinte. Mas depois refletiu longamente e disse-me: «Coma você esses fritos, seu espantalho!».
         Quando não está de bom humor, a minha mulher chama-me espantalho, víbora, demônio... Demônio, eu? Calculem Vossas Excelências!... Em suma, ela está sempre de mau humor!
         Pois quanto aos tais fritos, não se pode bem dizer que os tenha comido, porque os devorei, de tal modo que ando sempre esfomeado! Ontem, por exemplo, a minha mulher não me deu de jantar... Disse-me assim: «A você, seu espantalho, não vale a pena alimentá-lo»!
         Entretanto (consulta novamente o relógio) falando disto e daquilo fomo-nos afastando um pouco do assunto... Vamos, pois, prosseguir, ainda que naturalmente, eu esteja convencido que Vossas Excelências haviam de gostar mais de ouvir uma romanza, ou uma sinfonia qualquer, ou uma área de ópera.
         (Trauteando). «Fremente indignação – Palpita meu coração...»
         (Falado). Não me lembro de onde isto é... Entre parêntesis, esqueci-me de dizer a Vossas Excelências que na escola de música de minha mulher, além das particularidades domésticas, eu tenho a meu cargo o ensino das matemáticas, da física, da química, da geografia, da história, do solfejo, da literatura, etc. Para as danças, o canto e o desenho a minha mulher ministra os rudimentos, embora seja eu, igualmente, quem ensina essas matérias. A nossa escola de música fica no Beco dos Cinco Cães, número 13. A razão da minha pouca sorte, não há dúvida, é habitarmos no número 13. As minhas filhas, como Vossas Excelências já sabem, nasceram todas em dias 13 e a nossa casa tem 13 janelas... Mas deixemos isso.
         Para quaisquer informações que Vossas Excelências pretendam, encontrarão sempre a minha mulher em casa, e o programa da escola, se alguém deseja conhecê-lo, está à venda no porteiro, ao preço de 30 copeks. (Tira do bolso algumas pequenas brochuras). E até se alguém está interessado, posso vender alguns a Vossas Excelências. São a 30 copeks o exemplar. (Pausa). Ninguém deseja? Então a 20!... (Outra pausa. Guardando os programas). É pena...
         Pois é verdade, a nossa casa tem o número 13. E nada me sai bem; envelheci, tornei-me estúpido... Assim, reparem Vossas Excelências, estou a fazer uma conferência, tenho um ar alegre, e contudo desejaria gritar de desespero e fugir, fugir, fosse lá para onde fosse!
         E como não tenho ninguém a quem contar as minhas mágoas, até chego a ter vontade de chorar...
         Já sei que me vão dizer: e então as suas filhas? Mas as minhas filhas, quando eu me lamento, não fazem outra coisa senão rir de mim!... A minha mulher tem sete filhas... Não, perdão, seis! Parece-me... (Emenda rapidamente). Sete, sete! A mais velha, Ana, tem 27 anos e a mais nova 17. Meus senhores, (olha receosamente em direcção dos bastidores) eu sou um desgraçado; tornei-me estúpido, nulo, insignificante mas no fundo tendes diante de vós o mais feliz dos pais. No fundo tem de ser assim e não posso falar doutra maneira. Se ao menos Vossas Excelências pudessem saber... Há trinta e três anos que vivo com a minha mulher... e... posso dizer que estes foram os melhores anos da minha vida..., ou, pelo menos, poderiam ter sido os melhores... Apesar de tudo, para falar verdade, esses anos passaram como um instante, um momento feliz – que os leve o diabo de uma vez para sempre!
         (Olhando os bastidores). Bom, parece-me que a minha mulher ainda não chegou. E como ela ainda cá não está, posso dizer tudo o que eu quiser. Tenho um medo horrível... um medo horrível quando ela olha para mim...
         Pois bem, eis o que às vezes eu digo a mim próprio: se as minhas filhas demoram tanto a casar-se, é porque são tímidas e os cavalheiros não reparam nelas. A minha mulher não quer dar serões, não convida ninguém para jantar; é muito avarenta, conflituosa e azeda; e é por isso que ninguém vai a nossa casa. Mas..., mas aqui para nós e muito em segredo... (Aproxima-se da boca de cena; em tom de confidência). Nos dias de grande festa, quem quiser ver as filhas de minha mulher, é em casa da tia Natália Semionovna; conhecem...: aquela Natália Semionovna que sofre de reumatismo e tem um vestido amarelo, salpicado de manchas pretas que parecem baratas... Em casa dela até se servem acepipes; e quando a minha mulher não está, sempre se bebe um bocadito... Também é verdade que o mais pequeno copo me embriaga; então sente-se o coração tão quente..., e ao mesmo tempo fica-se tão triste..., que nem sou capaz de vos explicar... A gente recorda-se, não se sabe porquê, do tempo em que era novo, e só apetece fugir não se sabe para onde... Ah, se Vossas Excelências soubessem como é forte este desejo! (Com paixão). Fugir! Deixar tudo sem olhar para trás! Mas fugir para onde? Não importa para onde..., desde que se deixe esta vida estúpida e banal, esta vida medíocre que fez de mim um deplorável pateta, um velho idiota e ridículo... Fugir desta mesquinha, malvada, malvada avarenta que me martiriza e tortura há trinta e três anos! Fugir da música, da cozinha, do dinheiro da minha mulher, de todas estas ninharias, de todas estas baixezas... E parar num campo, em qualquer parte, longe, muito longe!... E debaixo de um céu imenso ser como uma árvore, uma vara..., ser como um espantalho de pardais..., e ver, toda a noite, por cima de mim, a lua tranquila e clara... E esquecer, esquecer, esquecer... Oh! Como eu desejaria arrancar esta casaca velha e mesquinha, dentro da qual me casei há mais de trinta e três anos..., (tira violentamente a casaca) dentro da qual faço continuamente conferências para fins beneficentes. Toma! (Calca raivosamente a casaca aos pés). Toma! Toma!... Estou velho, sou pobre, sou tão ridículo, tão lamentável como este colete com as suas costas coçadas e luzidias... (Volta-se para mostrar as costas do colete). Mas não preciso de coisa nenhuma! Estou acima disto e sou mais puro do que tudo isto! Dantes, era jovem, inteligente, cursava a Universidade, sonhava... Julgava-me um homem! Agora só preciso de repouso...
         (Depois de ter olhado para os bastidores, torna a vestir rapidamente a casaca). A minha mulher já está lá dentro... Já chegou e está ali à minha espera. (Olha o relógio). E a hora já passou! Se ela perguntar alguma coisa, digam-lhe, por favor, digam-lhe que a conferência se realizou e que o espantalho – sou eu, o espantalho... – se portou convenientemente... (Olha para os bastidores e baixa a voz). Ela já está a olhar para aqui...
         (Endireitando-se e elevando a voz). E visto que o tabaco encerra o terrível veneno de que vos acabo de falar, não se deve fumar em caso nenhum e permito-me ter a esperança de que a minha conferência sobre os malefícios do tabaco possa, de certo modo, haver trazido a Vossas Excelências qualquer utilidade. Tenho dito. Dixi et animam levivi!
         (Saúda e afasta-se majestosamente)



terça-feira, 24 de setembro de 2019

Jomard Muniz de Britto e mais atentados poéticos

JMB

OUTUBRO APROXIMANDO-SE
para a beleza de Sonia Braga
e a coragem do Coronel CORTEZ

Olhar tão singular e plural.
Ultimatum pela miséria das filosofias.
Temeridades revolucionárias.
Urgências do cotidiano faminto.
Brindar e brincar sem medo do
SER e NADA.
Roteiros abertos e reinventados pelo
BACURAU.
projeto e projétil de ARTEVIDA
atrevidamente para W. J. SOLHA
e leitores em transe.

Jomard Muniz de Britto
Recife, outubro de 2019

JMB, Moisés Monteiro de Melo Neto e Célia de Lourdes Peixoto Monteiro


domingo, 22 de setembro de 2019

Conto de Marilene Felinto


Conto de Marilene Felinto
(parte de coletânea a ser lançada em março de 2020)

Agora esta tua morte, esse trauma... Teu livro me olha de lá de cima da minha escrivaninha, teu nome ressaltando nas letras brancas. É que me trouxeram livros teus que eu não conhecia. Tua obra. É que me trouxeram inclusive tuas filhas, tua mulher... a mim, que não as conhecia!
Tuas filhas brincam no gramado da minha casa. Como assim? Como é que eu faço? Você não me disse... não me avisou. Nada. Tuas filhas brincam, e meu cachorro pula e salta com elas...
Ora, nosso desencontro virou reencontro! Mas apenas com partes de você, com o melhor da tua reprodução: teus gestos, teu nariz, tua testa, teu sorriso no sorriso de tuas filhas, na cara delas. Teu legado, teu deixado.
Meu cachorro salta e as meninas riem... tudo em cores, em tempo real. Estivesse você aqui, como nos velhos tempos, e soltaríamos um comentário qualquer daqueles nossos, um julgamento, sobre os cachorros, por exemplo, daquelas falas que não serviam para muita coisa, senão somente para que ríssemos depois:
– Que existência imbecil desses animais, hein?! Tão bonitos, esses bichos de estimação, mas não sabem de nada! Quanta imbecilidade! Que vida! Ó!
Um comentário qualquer desses, do lugar da nossa arrogância inútil. Em seguida riríamos, feito adolescentes sem compromisso. E essas nossas risadas ecoam ainda, essa nossa impertinência juvenil paira no ar como se fosse ontem. Fantasmas nossos. Teu fantasma.
– Vamos fazer uma coisa bem doida? – Você propunha, risonho, como se dizia na letra da música. – Topa? Uma coisa bem ilegal, o que você acha? – E nós então gargalhávamos, adolescentes sem propósito.
Mas agora, com esta tua morte, fico eu aqui, mais precocemente velho, mais precocemente feio, mais precocemente à beira da morte. Qualquer dia desses, embarco eu também... de um acidente, de uma explosão orgânica, um escorrer de sangue, uma palpitação, um estertor, de uma dor, de um súbito qualquer. Não é assim que é?
Faço de conta que é você aqui, tuas filhas, tua mulher falando em você! Que coisa. Isso é alguma brincadeira? Ou foi uma daquelas tuas curiosidades científicas, uma especulação? (Alguém precisava ter lembrado a você que “Linha mortal” era apenas um filme... Era somente ficção. Ou você levou aquilo a sério?). Sei lá de você! Todos os personagens do filme voltaram, que eu me lembre. Só você, no tempo real, não voltou.
Desconheço tua dor, não estive... Não vi o soro, o engulho, o vômito, a morfina, os eletrodos... a linha mortal, não vi. Mas conheço o desamparo: o teu, o meu, o das meninas.
Tuas filhas brincam exuberantes no gramado da minha casa – mas eu, de mãos atadas, ainda assim cuido para que elas não corram perigo!
Ora, como é que eu faço?
Tua mulher veio de visita... e fuma aqui ao meu lado... e tudo é fumaça, neblina, nuvem... Por acaso isso não passa de um filme de cinema? Diga que sim, por favor! Para que eu então me localize, entenda, realize a tua morte para além desta névoa: pois esta tua morte, se tivesse uma cor, seria vermelho absurdo, de tanto que ofusca, de tanto que ofende a minha vista!
Tuas filhas pulam e riem vivazes, brincam de faz-de-conta no gramado da minha casa. É inverno, e uma sequência de estações está por vir, uma sequência de fatos, de folhas caídas, de flores, de frutos, de eventos de vida. Mas o que fazer? As meninas gesticulam incrivelmente como você, fazem caras e bocas como as tuas! O que fazer com isso?
– Vamos ser sozinhos juntos, que amigos servem para isso mesmo. – Você disse (citando também a letra da música), num pacto, numa promessa de partilha da solidão inexorável.
– Sim – respondi –, e vamos vivendo essas nossas vidas simpatéticas! – E você gargalhou muito. – Lembra disso? “Simpatéticas”! Boa, muito boa! – você exclamou. E a tua gargalhada ecoa aqui ainda, fantasmagórica.
Será que te encontro dia desses em algum lugar para além? Não terei cerimônia, entendeu? Direi tudo o que tiver de dizer. Descontarei todos os dias de ausência – tua e minha. E vê se me trata de igual para igual, está certo? Que eu não estou aqui para fazer as pazes com você. Não. Seria hipocrisia numa hora dessas, da tua morte. Isso é apenas nosso acerto de contas. É entre você e eu, e nada mais. Nosso acerto, de homem para homem. Pode ser, sim, que você queira me estapear: quis muitas vezes, não? E eu também, não se engane não!
Será que te encontro dias desses? Para onde? Pois quando a gente se reencontrar, fica combinado que um vai dar um soco na cara do outro... Ou somente um sopapo dos bons, quem sabe – terminando por se abraçar como velhos amigos, como dois personagens de D. H. Lawrence em luta corporal.
É inverno. E você se foi justo em agosto, o mês de que eu menos gosto (“mês do desgosto”, sim... e pouco importa se você condenava o ditado, a crendice supersticiosa, o clichê). E pensar que você se foi depois da chamada virada de todo um século! Justo depois desta datação tão cristã que menosprezávamos! Foi-se nesta década de 2000 e tanto, nestes anos de 2000 e tanto, nestes cristianos imbecis! Mas, justo, nós teríamos tido tempo ainda de nos reencontrar nos anos 2020, nos anos 2030, quem sabe até nos anos 2040 – em qualquer dos antianos, dos anticristianos nossos, como caberia ao nosso ateísmo! 
Mas você saiu antes. E agora tua mulher me lembra, me relembra, me mostra a dedicatória que fiz para você num livro, há tempos, há décadas perdidas, atemporais.
“Amigo mortal, para você este livro, que eu escrevi como quem brinca no quintal dos fundos! Acredita? Seu, sempre amigo, P. Agosto, 1994.”
“Amigo mortal” foi como nos tratamos um ao outro por uns tempos, o epíteto que tiramos do título do filme pelo qual você ficou friamente obcecado. Mas disseram que você não falou da morte, não quis falar. Como assim? Você não quis falar? Pensou em milagre? Se a filosofia falhou, se a ciência falhou... você pensou em milagre?
– Hoje é um bom dia para morrer! (Você, por acaso, impropriamente, teria pensado isso na tua hora final, abrindo os braços, como o personagem no filme?)
Só que todos os personagens voltaram. Só que você não voltou. Agora com esta tua morte, pego teu orgulho ferido, meu orgulho ferido, tua mágoa, minha mágoa, somo tudo, diminuo, divido por dois... e o resultado é isto: uma água, uma lágrima que eu engulo. Portanto, isto não é uma reconciliação —embora seja uma saudade intemporal—, isto é somente para te lembrar que aquele filme a que assistimos como adolescentes era uma ilusão, rapaz, uma ficção, uma brincadeira de médicos experimentando morrer. Não era para você, de verdade! Nunca foi.
Será que te reencontro um dia para além, para aquém? Para onde?
Repito que não terei cerimônia. Direi tudo o que tiver de dizer, impropriamente, que seja. Descontarei todos os dias de ausência – tua e minha. Acusarei ao vivo tua presença aqui por meio do teu legado, do teu deixado inesperado.
Tuas filhas brincam no gramado da minha casa, brotam como flores, como o vermelhovinho-ou-vivo, como o absurdo rosa em choque das primaveras, das azaleias —o milagre. 

Para Fernanda Diamant 
(Em 21.08.2019)

Marilene Felinto é escritora e tradutora
 A autora é excepcional ficcionista, com dois romances publicados “No Lago Encantado de Grongonzo” e “As Mulheres de Tijucopapo” além de um livro de contos “Postcard”, e tem importância assegurada no perfil da literatura brasileira dos últimos anos. Recentemente teve compilados seus artigos de jornal também em livro. A escritora tem posturas polêmicas, às vezes radicais. Mas é a sua coragem, sua falta de meias-palavras que faz dela esta grande porta-voz das nossas penas. Muitos sabem e se omitem, alguns falam veladamente: Marilene não deixa nas entrelinhas suas mensagens. Em recente entrevista à revista Caros Amigos, mostrou posições e opiniões que causariam estranheza a muitos leitores. Ela reflete uma certa amargura no viver que transparece em seus relatos semanais. Discordei de algumas coisas que disse e penso que o normal é que seja mesmo assim: os que expõe sem máscaras suas posições e sentimentos, muitas vezes, estabelecem conflitos com os que pensam e sentem diferente, nada mais humano, mais intrinsecamente humano. A divergência é que cria a discussão e muitas vezes deságua em soluções interessantes. A concordância eterna só leva à estagnação do pensamento.



CURSO DE DRAMATURGIA. Professor: Moisés Monteiro de Melo Neto


DRAMATURGIA



  
Professor: Moisés Monteiro de Melo Neto







PLANO DE DISCIPLINA



I – DADOS DE IDENTIFICAÇÃO

1.    Nome da disciplina: DRAMATURGIA

2. Universidade

3.    Professor: Moisés Monteiro de Melo Neto
                                                          
4.    Período:  

5.    Regime de aula: Semanal- 1 encontro (4horas/ aula)

6.    Carga horária: 60 horas/aula

7.    Participantes: Turma de Letras


II – JUSTIFICATIVA

A construção de uma nova prática pedagógica quanto da construção do texto teatral está diretamente ligada à concepção de mundo, de homem e de conhecimento que fundamenta as relações cotidianas. Repensar essa prática tendo como referência significativa criar um movimento constante de construção e desconstrução.
O conhecimento é construído individual e coletivamente a partir de um processo em que o sujeito interage com a realidade (outras pessoas, ambientes sociocultural, ambientes físicos etc.)
Portanto a cadeira de estudo da Dramaturgia é concebida como um processo de construção que envolve um momento de estudo, um de debate, um momento de (re) leitura e, simultaneamente, um momento de articulação com a prática, já que se trata de um curso de Formação de atores/ atrizes. Este último subsidiado por orientações que questionaram, sugerem, e apontam caminhos que possibilitam ao aluno refletir sobre a prática teatral.
                                                 

III – OBJETIVOS GERAIS
            Propiciar condições para que os alunos sejam capazes de:
Perceber a atividade interpretativa de um sujeito sobre o objeto; considerando a relação do texto com seu contexto, situacional/ cultural ou linguístico, partindo de um pressuposto de conhecimento que permitirá realizar a interpretação, vinculado as pistas textuais explícitas e implícitas; transformando, assim, os sentidos do texto, gerando novos conhecimentos e/ou explorando outras possibilidades na análise e ensino da produção literária, principalmente a brasileira.
A disciplina destina-se a instrumentalizar atores tornando-os mais atentos na análise de textos teatrais, investigando-os, traçando estratégias por meio de possíveis interpretações. Trataremos a dramaturgia a partir da Grécia Antiga até a contemporaneidade, enquanto compreensão e expressão. O aprendizado da produção e divulgação destas obras facilitará a organização de ideias em sequência lógica; domínio das técnicas e práticas no trato com tais textos,  estudando conteúdo, estilo e conteúdo, possibilitando o domínio social da comunicação, capacidade de linguagem e gêneros.
Ampliar o processo de iniciação do aluno-ator e da aluna-atriz com informações e práticas específicas e mais detalhadas relacionadas com o saber teatral. O estudo sobre dramaturgia será aprofundado, gerando a necessidade de reflexão mais abrangente sobre o assunto fortalecendo uma articulação efetiva entre conteúdos e culturais, interligando signos e valores do imaginário social e atuando como intérpretes do seu tempo e da sua cultura.
Levar os alunos a conhecer e analisar criticamente algumas correntes da dramaturgia mundial.
Estabelecer relações entre as teorias os textos teatrais no contexto sociocultural em que estão inseridas.
 Identificar possíveis relações entre algumas obras.
Entender como podemos traçar paralelos entre algumas dessas peças teatrais.
Compreender, por meio de descrições e exemplos alguns aspectos principais da dramaturgia desde a Grécia antiga até o final do século XIX, e neste 1º semestre de 2018, do final do século  até   os dias de hoje.


IV – EMENTA
Dramaturgia História e conceituação da Dramaturgia, valorizando a leitura e o consequente estudo sobre textos dramáticos representativos de várias convenções dramatúrgicas, dos gregos até a contemporaneidade.


V – OBJETIVOS ESPECÍFICOS


VI  METODOLOGIA/ ATIVIDADES

Serão utilizadas diversas técnicas participativas de ensino-aprendizagem, como seminários, painéis integrados, mesas-redondas, aulas expositivas, utilização de vídeos com adaptações dos textos comentados em sala de aula, os alunos serão convidados a ler os trechos das peças analisadas durante o curso. Haverá além da indicação bibliográfica uma apostila especialmente elaborada para esta disciplina. Buscaremos a articulação entre as disciplinas. 

- Por tratar-se de um curto espaço de tempo, a aula terá um formato puramente expositivo com comentários instigantes procurando motivar o aluno, que levará para casa a apostila com os trechos comentados, a uma pesquisa mais detalhada e profícua.
 - Tal metodologia busca fornecer ao espaço da sala de aula um caráter dinâmico e dialógico.
- Leitura, contextualização e análise de trechos com observações sobre as teorias mencionadas.

VII – CONTEÚDO

UNIDADES DIDÁTICAS
CARGA HORÁRIA
UNIDADE I


1)    Oscar Wilde (O leque de LADY WINDMERE): o teatro da irreverência: ironia à era vitoriana

2)    Lirismo e crítica social em Maiakovski: O Percevejo; A teoria do grotesco. Jarry (trecho de Ubu Rei). A História do comunismo contada por doentes mentais, de Matéi Visniec.

3)    Simbolismo: Maeterlink e O pássaro azul.


4)    Tchekhov (Naturalismo?): O Jardim das Cerejeiras.


5)    O insólito e o surreal em Qorpo Santo: análise de As relações naturais. Samuel Beckett: Esperando Godot; Pirandello: Seis personagens à procura de um autor. Ionesco.

6)    ILUSIONISMO E ANTIILUSIONISMO: Lorca (Bodas de sangue, uma análise).


7)    Arthur Miller (A morte do caixeiro viajante; As feiticeiras de Salém).


8)    ÉPICO MODERNO: Brecht.  Georg Büchner: A morte de Danton.


9)    O caso Jean Genet. Sartre. Tenessee Williams (Um bonde chamado desejo)


10) Nelson Rodrigues .

11) O caso Eles não usam black tie. Teatro contemporâneo. David Mamet e sua OLLEANA.

12) O teatro de Woody Allen. O teatro comercial: A Ratoeira, de Agatha Christie.

13) Edward Albee. Quem tem medo de Virginia Wolf? Peter Weiss: Marat Sade.


14) Grandes nomes da Dramaturgia no Brasil. Panorama geral. Martins Pena; Hermilo Borba Filho (A donzela Joana)

15)  O teatro para a infância e juventude (Maria Clara Machado  O cavalinho Azul); Pernambuco de Oliveira e Sylvia Ortoff.

16) Besteirol ou não?  Besame Mucho, de Mário Prata. Ainda existe o Stand up comedy?

17) Dramas circenses (Org. por Índia Moreno e Albemar Araújo). A louca do jardim, por Claudino dos Lagos.

18) Seminário de Dramaturgia contemporânea. Pesquisa dos alunos. Aspectos teóricos do texto dramático. Copi: Eva Perón.

19) Seminário de Dramaturgia contemporânea. Pesquisa dos alunos. Aspectos teóricos do texto dramático. O casamento suspeitoso (Ariano Suassuna). Flores d´América, de João Denys Araújo Leite.

20) Seminário de Dramaturgia contemporânea. Pesquisa dos alunos. Aspectos teóricos do texto dramático




03

03


03

   03    
       
    03

       
    03
    
   03    

   03

   03

   03
   03
     03
   
 03

  03


  03


  03

  03

  03

  03
 

03


03
TOTAL
  60



VIII ESTRUTURA(S) DE APOIO/RECURSOS DIDÁTICOS

- Quadro branco e pincel; livros; textos xerografados/ apostila, Notebook, DATA SHOW.


IX
AVALIAÇÃO/ Aspectos a serem avaliados:

- Os alunos seriam convocados a aprofundar mais o estudo sobre os autores em foco; trabalhos em grupo, trabalhos individuais, participação nas atividades do curso etc.


BIBLIOGRAFIA BÁSICA 
BOAL, Augusto. Técnicas Latino-Americanas de teatro popular: uma revolução copernicana ao contrário. São Paulo: Hucitec, 1975.
______________. Teatro do oprimido e outras poéticas políticas. Rio deJaneiro. Civilização Brasileira. 1975.
BORBA FILHO, Hermilo. História do Teatro. Rio de Janeiro: Ed. Casa do Estudante do Brasil, 1950
_________________ (Org.) Teoria e prática do teatro: antologia. São Paulo: Agência Ed. Íris, 1960.
________________Diálogo do encenador. Recife: Imprensa Universitária, 1964.
BALL, David. Um guia para leitura de peças teatrais. São Paulo: Perspectiva, 2014.
BENTLEY, Eric. O dramaturgo como pensador. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira,1991.
BROOK, Peter. O espaço vazio.Rio de Janeiro: Apicuri, 2015.
ESSLIN, Martin. Uma anatomia do drama. Rio de Janeiro: Zahar, 1978.
MELONETO, Moisés Monteiro. Dramaturgia dos Gregos aos Nosso Dias. Recife, Edições Ilusionistas, 2015.
PALLOTTINI, Renata. Introdução à dramaturgia. São Paulo: Brasiliense, 1983.
_______________. Dramaturgia: construção da personagem. São Paulo: Ática, 1989.
MAGALDI, O texto no teatro. São Paulo: Perspectiva, 2012.
PEACOCK, Ronald. Formas da literatura dramática.Rio de Janeiro: Ed.  Zahar.
ROSENFELD, Anatol. Texto/contexto. São Paulo: Perspectiva, 1985.
_________________ Prismas do Teatro. S. Paulo: Perspectiva, 1993
_________________. Teatro Alemão. S. Paulo: Brasiliense, 1968
_________________. Teatro Épico. S. Paulo: DESA, 1965 (reeditado pela Perspectiva em 1985)
_________________. Teatro Moderno. S. Paulo, Perspectiva, 1977.
RYNGAERT, Jean Pierre. Introdução à análise do teatro. São Paulo: Martins Fontes, 1995.
ZUMTHOR, Paul. Performance, recepção, leitura. São Paulo : Cosac Naify, 2007.



PROFESSOR DOUTOR MOISÉS MONTEIRO DE MELO NETO