O MAPA QUE VIROU HISTÓRIA
Estamos em 1881. É verão na Escócia, mas chove muito e faz frio. Para passar o tempo, Robert Louis Stevenson, então com 31 anos, começa a contar mais uma história de piratas para seu enteado Lloyd, de 12 anos. Desta vez, a história começa a partir de um desenho que os dois fazem juntos. É o mapa de uma ilha, mostrando o local exato de um tesouro enterrado por piratas. A história fica na cabeça de Robert e vai ganhando cada vez mais detalhes. Vai para o papel e, ainda em 1881, começa a ser publicada em capítulos numa revista. Pouco tempo depois, sai em livro. Uma das ilustrações, claro, é o mapa da ilha, bem parecido com o que Robert e Lloyd inventaram. De ouvinte a contador de histórias: Nascido em Edimburgo, na Escócia, em 13 de novembro de 1850, Robert Louis Stevenson tinha problemas de pulmão. Tanto que sua família contratou até uma enfermeira, chamada Alison Cummingham, só para cuidar do pequeno Robert. Sorte dele, pois além de ser ótima enfermeira, Alison era uma ótima contadora de histórias. De ouvinte para leitor entusiasmado foi só um pulo. Robert passou a devorar (com os olhos, claro) todo tipo de livros. O resto, você já pode imaginar. De leitor para inventor de histórias, foi apenas outro pulo. Começou escrevendo relatos de viagens que fez, de trem, de canoa, no lombo de burros... Numa dessas viagens, em 1876, conheceu sua futura esposa, a americana Fanny Osbourne, que estava se divorciando do marido. Para ficarem juntos, Robert precisou enfrentar a oposição de sua família, muito religiosa e conservadora, que não gostou nada daquela situação. Mas, enfim, ele se casou e virou padrasto dos dois filhos que Fanny tinha com o primeiro marido. O mais velho era Lloyd, a quem Stevenson dedica A Ilha do Tesouro. Afinal, foi a partir do mapa que os dois desenharam juntos que surgiu a idéia desta aventura emocionante... Vida de aventuras Apesar de sua saúde fraca, Stevenson adorava viajar. Depois das jornadas pelo continente europeu que resultaram em seus primeiros livros, lançou-se a viagens mais difíceis. Uma delas foi cruzar o Oceano Atlântico a bordo de um navio e depois atravessar os Estados Unidos de trem, para encontrar sua futura mulher, Fanny, na Califórnia. Na época – a viagem foi em 1879 -, isso era uma verdadeira aventura. Especialmente para uma pessoa doente como Stevenson, que quase não resistiu às dificuldades do trajeto. Mas seu espírito desbravador não se amedrontou. Tanto que, em 1889, após várias outras viagens pela Europa, pelos EUA e pelas ilhas do Oceano Pacífico, Stevenson decidiu ir morar numa delas. Mais exatamente, na de Upolu, em Samoe (Oceania). Ficou amigo dos habitantes locais, que pertenciam a tribos com cultura muito diferente da sua. Eles chamavam Stevenson de “Tusitala”, palavra da língua nativa de Upolu que quer dizer “contador de histórias”. Upolu foi o último porto do escritor aventureiro. Lá ele ficou até morrer, em 1894, aos 44 anos. Obra preciosa Stevenson deixou uma obra importantíssima. Seus dois livros mais famosos, A Ilha do Tesouro e A estranha história do dr. Jekyll e do sr. Hyde (mais conhecido como O médico e o monstro), foram lidos por milhões de pessoas de várias gerações, em todo o planeta. Um dos livros mais famosos do mundo, A Ilha do Tesouro influenciou grande parte das histórias de aventura posteriores. É difícil imaginar piratas sem lembrar imediatamente de Long John Silver, com sua perna de pau e um papagaio no ombro. O livro saiu do papel para as telas de cinema em 1908 e, depois disso, ganhou cerca de 50 versões em filmes para cinema e para a televisão, nos mais diversos países. Bandidos do mar Os piratas existem desde que o homem começou transportar riquezas em navios. Ou seja, há mais de 2 mil anos. Mas a pirataria cresceu, mesmo, depois que os espanhóis e portugueses chegaram à América e começaram a levar ouro, prata e brilhantes para seus reinos, no século XVI. A partir de então, os reis da França, Grã-Bretanha e Holanda, que viviam em pé-de-guerra com portugueses e espanhóis, passaram a contratar navegadores para saquear os navios de seus inimigos. Esses navegadores ganhavam uma permissão para cometer estes roubos, a carta de corso, e eram chamados de corsários. Eles ficavam com uma parte do tesouro e davam a outra ao rei que os contratou. Com o tempo, as nações fizeram acordo de paz e pararam de contratar esses corsários. Mas no século XVIII, quando se passa a história deste livro, muitos marujos já haviam aprendido como praticar a pirataria e continuaram assaltando, por conta própria, os navios em busca de tesouros. Roubavam navios mercantes e os transformavam em naves de guerra. E atacavam até mesmo os reinos para quem tinham servido antes. Suas crueldades ficaram famosas no Caribe, onde saqueavam os navios espanhóis, e até no litoral do Brasil, onde vinham atrás dos navios portugueses. |
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domingo, 23 de julho de 2017
Sobre A ilha do tesouro e seu autor
quinta-feira, 20 de julho de 2017
Prefeitura do Recife. Comerciante chinês joga esgoto em rede pluvial, COMPESA DE DIZ QUE É com a EMLURB E ESTA NÃO FAZ NADA DEPOIS DE DENUNCIA.
Cartão Postal da Prefeitura do Recife. Comerciante chinês joga esgoto em rede pluvial, COMPESA DE DIZ QUE É com a EMLURB E ESTA NÃO FAZ NADA DEPOIS DE DENUNCIA. Ali, esquina da Gervásio com Av. Conde da Boa Vista. Você se acha "politizado"? Então veja in loco e compartilhe o horror
quarta-feira, 19 de julho de 2017
Ney Matogrosso diz que ser gay não é tão importante
Hilária a entrevista de Ney Matogrosso , hoje no jornal Folha de São Paulo.
Esquerda, direita volver!
Voam no pau: Renato Russo, o desejo de gravar Roberto Carlos, o jogo imbecil dos defensores das "minorias" (tipo FHC)
E muito mais, por exemplo ele toma uma colher de santo daime de vez em quando.
Sobre os novinhos que expõem suas ideias sobre sexualidade diferente, ele excluiu Johnny Hooker.
E disse que não curte muito o tipo de homenagem que a crítica vai fazer a ele no Rio de Janeiro, hoje à noite.
Risos e sisos.
Esquerda, direita volver!
Voam no pau: Renato Russo, o desejo de gravar Roberto Carlos, o jogo imbecil dos defensores das "minorias" (tipo FHC)
E muito mais, por exemplo ele toma uma colher de santo daime de vez em quando.
Sobre os novinhos que expõem suas ideias sobre sexualidade diferente, ele excluiu Johnny Hooker.
E disse que não curte muito o tipo de homenagem que a crítica vai fazer a ele no Rio de Janeiro, hoje à noite.
Risos e sisos.
Tizuca Yamazaqui e Cláudio Assis num self service do Recife, no intervalo das filmagens sobre a recolução de 1817
Hoje fui surpreendido na hora do almoço, enquanto saboreava meu filé de surubim grelhado: primeiro entrou a diretora DE CINEMA Tizuca Yamazaqui (do filme Lua de Cristal, com Xuxa), com aquele olhar míope dela, procurando uma mesinha; depois Cláudio Assis, com seu copo de cerveja na mão e reclamando muito sobre não assumir erros dos outros (não sentou á mesa da diretora, não comeu nada e saiu arrastado por uma mulher da turma do "deixa disso"). Foi ali, no self service quase em frente ao instituto arqueológico histórico e geográfico de Pernambuco; depois entrou o resto do "pessoal de cinema", com os seus pratos piramidais. Quando entrei a moça que fica na porta me perguntou "Você é do pessoal de teatro?". KKKKKKKKKk. Ah, Pernambuco (Recife) das "re voluções" "libertárias"! Depois eu conto o que respondi a ela...
terça-feira, 18 de julho de 2017
Poemas de Thiago de Mello
Para os que Virão
Como sei pouco, e sou pouco,
faço o pouco que me cabe
me dando inteiro.
Sabendo que não vou ver
o homem que quero ser.
Já sofri o suficiente
para não enganar a ninguém:
principalmente aos que sofrem
na própria vida, a garra
da opressão, e nem sabem.
Não tenho o sol escondido
no meu bolso de palavras.
Sou simplesmente um homem
para quem já a primeira
e desolada pessoa
do singular - foi deixando,
devagar, sofridamente
de ser, para transformar-se
- muito mais sofridamente -
na primeira e profunda pessoa
do plural.
Não importa que doa: é tempo
de avançar de mão dada
com quem vai no mesmo rumo,
mesmo que longe ainda esteja
de aprender a conjugar
o verbo amar.
É tempo sobretudo
de deixar de ser apenas
a solitária vanguarda
de nós mesmos.
Se trata de ir ao encontro.
(Dura no peito, arde a límpida
verdade dos nossos erros.)
Se trata de abrir o rumo.
Os que virão, serão povo,
e saber serão, lutando.
As Ensinanças da Dúvida
Tive um chão (mas já faz tempo)
todo feito de certezas
tão duras como lajedos.
Agora (o tempo é que fez)
tenho um caminho de barro
umedecido de dúvidas.
Mas nele (devagar vou)
me cresce funda a certeza
de que vale a pena o amor.
Thiago de Mello
Arte de Amar
Não faço poemas como quem chora,
nem faço versos como quem morre.
Quem teve esse gosto foi o bardo Bandeira
quando muito moço; achava que tinha
os dias contados pela tísica
e até se acanhava de namorar.
Faço poemas como quem faz amor.
É a mesma luta suave e desvairada
enquanto a rosa orvalhada
se vai entreabrindo devagar.
A gente nem se dá conta, até acha bom,
o imenso trabalho que amor dá para fazer.
Perdão, amor não se faz.
Quando muito, se desfaz.
Fazer amor é um dizer
(a metáfora é falaz)
de quem pretende vestir
com roupa austera a beleza
do corpo da primavera.
O verbo exato é foder.
A palavra fica nua
para todo mundo ver
o corpo amante cantando
a glória do seu poder.
Como sei pouco, e sou pouco,
faço o pouco que me cabe
me dando inteiro.
Sabendo que não vou ver
o homem que quero ser.
Já sofri o suficiente
para não enganar a ninguém:
principalmente aos que sofrem
na própria vida, a garra
da opressão, e nem sabem.
Não tenho o sol escondido
no meu bolso de palavras.
Sou simplesmente um homem
para quem já a primeira
e desolada pessoa
do singular - foi deixando,
devagar, sofridamente
de ser, para transformar-se
- muito mais sofridamente -
na primeira e profunda pessoa
do plural.
Não importa que doa: é tempo
de avançar de mão dada
com quem vai no mesmo rumo,
mesmo que longe ainda esteja
de aprender a conjugar
o verbo amar.
É tempo sobretudo
de deixar de ser apenas
a solitária vanguarda
de nós mesmos.
Se trata de ir ao encontro.
(Dura no peito, arde a límpida
verdade dos nossos erros.)
Se trata de abrir o rumo.
Os que virão, serão povo,
e saber serão, lutando.
As Ensinanças da Dúvida
Tive um chão (mas já faz tempo)
todo feito de certezas
tão duras como lajedos.
Agora (o tempo é que fez)
tenho um caminho de barro
umedecido de dúvidas.
Mas nele (devagar vou)
me cresce funda a certeza
de que vale a pena o amor.
Thiago de Mello
Arte de Amar
Não faço poemas como quem chora,
nem faço versos como quem morre.
Quem teve esse gosto foi o bardo Bandeira
quando muito moço; achava que tinha
os dias contados pela tísica
e até se acanhava de namorar.
Faço poemas como quem faz amor.
É a mesma luta suave e desvairada
enquanto a rosa orvalhada
se vai entreabrindo devagar.
A gente nem se dá conta, até acha bom,
o imenso trabalho que amor dá para fazer.
Perdão, amor não se faz.
Quando muito, se desfaz.
Fazer amor é um dizer
(a metáfora é falaz)
de quem pretende vestir
com roupa austera a beleza
do corpo da primavera.
O verbo exato é foder.
A palavra fica nua
para todo mundo ver
o corpo amante cantando
a glória do seu poder.
Moisés Monteiro de Melo Neto e o poeta amazonense Thiago de Mello
Bernardo Carvalho, um escritor que é pura madeira de lei
por Moisés Monteiro de Melo Neto
Moisés Monteiro de Melo Neto com o escritor Bernardo Carvalho
O escritor Bernardo Carvalho nasceu no Rio de
Janeiro, vive em São Paulo, mas para ele é fundamental o sentimento de não
pertencer a um lugar, certo deslocamento que impossibilita ao mesmo tempo
integração e reconhecimento, ver as coisas de fora. São Paulo é sua terra
estrangeira dentro do Brasil, seu estranhamento e, em O sol se põe em São
Paulo, o narrador-protagonista (publicitário, neto de japoneses imigrantes)
encontra-se com a dona de um restaurante japonês, Setsuko (80 anos). Instalam
ali mesmo um terceiro espaço, cheio de identidades trocadas: ela lhe conta para
que ele escreva, e fazemos assim a viagem com eles a um Japão reinventado: “Ela
vinha de Osaka, o berço da Yakuza. No fundo, sou um moralista. O mundo está
cheio deles. É um azar quando se tornam escritores. Estão sempre prontos a dar
opinião sobre tudo.”(p.16) Ele critica a opção da irmã, que migrou para o
Japão, em busca de emprego. O jogo metalinguístico é óbvio, as frases curtas
nos remetem ao narrador que retornara àquele restaurante depois de 10 anos.
Este narrador está desempregado e descasado; é descendente de japoneses; sua
irmã foi morar no Japão – ele não fala muito sobre as duas. É a inquietação de
um eu em passagem, há também o triângulo amoroso que nos remete ao passado, no
Japão, depois da guerra. E os personagens nesse entre-lugar tentam reconstruir
suas identidades. Pós-moderno? Avesso dos estrangeiros no Brasil? Parecem
inúteis tais classificações aqui, onde as informações históricas, geográficas
mesclam-se em tom agressivo: “depois de me foder por nada, trabalhando como
redator de comerciais de uma agência de publicidade...”. Parece Dashiell
Hammet. Pressentimos o Noir. O pôr-do-sol em São Paulo pode ser belo na
poluição e Setsuko, voz dupla com o narrador, vem da terra do sol nascente, que
vem se pôr em São Paulo. São universos paralelos, sutilmente contraditórios:
nissei (americano filho de japonês), sansei (neto). Da Ásia, da América do Sul,
fugindo da miséria, da opressão, do nada e seguindo um sonho. E o narrador
escuta as histórias como se tudo estivesse na sombra no restaurante Seiyoken.
Sakê, cerveja, o apagar das luzes, perguntas, códigos: estrada de palavras.
Fecha-se a trilogia ''Nove noites'' (2002) e ''Mongólia'' (2003) são fronteiras
apagadas, Setsuko foi jovem de família respeitada, conhecemos através dela o
filho de um industrial e um ator de kyogen, o teatro cômico local. Tudo parece
um outro lugar, a ambiguidade, a entrega, as imposturas, angústia, a literatura
como dissimulação... O sol se põe em São Paulo foi reescrito 20 vezes. Temos
nele a metalinguagem . É um livro que trata de literatura japonesa, cuja
sociedade não preza a individualidade, não preza o estilo individual - a
ruptura não faz parte da tradição cultural. Carvalho faz parte de uma vertente
da literatura brasileira a partir dos anos 80: Caio Fernando Abreu, João
Gilberto Noll e Chico Buarque. O jogo e a história em dubiedade: toda parte,
lugar nenhum. A desconfiança, a relação com o passado, com o conhecer-se, qual
Édipo. Em “O sol se põe...”, há ainda a história contada pelo homem com o lábio
leporino que vamos conhecer no final da obra. Paira sobre tudo a desconfiança
em relação a uma verdade histórica. Há muitos microrelatos, vestígios, alguns enganosos.
É literatura falando de si em processo metaficcional historiográfico, o errante
e sua relação com as coisas. Instabilidade, o desconhecido, projetos da
existência e da experiência subjetiva: problematizações, desconstruções, como
em O sol se põe em São Paulo, a construção do personagem principal, ambígua:
“Voltar ao Japão como operário (apesar de nunca ter posto os pés lá antes)
seria perpetuar o fracasso e o erro, a fuga apenas nos afundava ainda mais no
inferno. A literatura podia ser a minha miragem, mas pelo menos era uma forma
de abraçar o inferno como pátria. No fundo, era nisso que eu acreditava.”
(CARVALHO, 2007, p. 20) Carvalho ressalta: “A literatura que serve para alguma
coisa é a que o mercado quer. Se vivêssemos na Idade Média, a literatura
serviria para a Igreja. Se vivêssemos num país comunista, faríamos literatura
oficial. Não servir para nada é um negócio radical e muito importante; permite
que se faça uma literatura de ruptura, que não obedece a demandas
preexistentes. Não é o novo pelo novo. Não é isso. É criar um mundo que ainda
não existe. Criar uma vontade nas pessoas que elas ainda não têm (romance de
demanda). Isso é genial. É uma oferta para ver se germina. É lógico que eu acho
que a literatura serve para alguma coisa. Mas preciso manter esta ideia, porque
é uma ideia política, de resistência: literatura não serve para nada mesmo. Mas
eu vou continuar fazendo. A ilusão de que não tem função é super-importante.
Para mim, é fundamental; me dá um alento; me deixa respirar. Para o tipo de
literatura que eu faço, há cada vez menos espaço. A maioria dos escritores é
composta por ingleses e americanos. Passei dois meses convivendo com alguns
escritores anglo-saxões e me dei conta de que a importância do mercado é um
negócio chocante. Esses escritores só funcionam em função do mercado porque se
você for um escritor nos Estados Unidos e na Inglaterra e não funcionar no
mercado, você não existe. Para mim, fazer literatura com essa preocupação é
algo muito sem graça.” A literatura no Brasil, país de analfabetos, onde o
texto faz parte apenas de uma cultura de classe média ou de uma elite
grosseira, iletrada, ignorante, que cultiva e reproduz a ignorância para os
seus filhos: a arte que Carvalho defende não funciona na sociedade, não tem função,
entra em desacordo - não tem lugar no Brasil. Trata-se de um tipo de literatura
que tem importância mas ele diz não ter nenhuma consequência social. Uma
literatura que pode ser de resistência, a ideia de que a literatura não serve
para nada surgiu na modernidade, e ele a considera importante. É uma ideia
política. É essa ideia que faria a literatura de verdade sobreviver. É uma
literatura que se quer militante contra a perda do interesse dos leitores pela
ficção na literatura. “Parte do livro pode ser lida como um pastiche dos
romances do Tanizaki, narrado por uma das personagens principais. O Japão
produziu grandes escritores no século XX. E isso em termos absolutos, mundiais.
No caso desse romance, o que me interessava era o deslocamento do qual eu vinha
falando, o Japão no Brasil e o Brasil no Japão, as coisas fora do lugar. E o
curto-circuito que a inadequação e o estranhamento podem provocar na criação de
outros pontos de vista, de outras maneiras de ver. Há uma frase no final do
livro que resume esse sentimento e essa vontade: o oposto é o que mais se
parece conosco”. “Uma professora universitária escreveu um ensaio longuíssimo
sobre Nove noites, dizendo que o personagem era um gay enrustido. E como o
romance seria autobiográfico, só podia ser eu o gay enrustido. Então, com O sol
se põe em São Paulo, eu queria fazer um livro que essa professora não
descobrisse que o gay enrustido era eu. Até agora ela não descobriu. Se eu
trato de gay enrustido, é porque isso me interessa, mas aquele não sou eu.” Bernardo
lembra Beckett e escreve algo dissonante, novo e inovador que demanda força de
vida, um mundo sombrio, Sade também: vozes dissonantes, incompatíveis com seu
tempo. Forte, paradoxal. Uma celebração do humano. Ele faz o elogio da ficção e
propõe uma formulação que não é simples ao ver “a imaginação como elemento
constitutivo da realidade e não um artigo supérfluo”. É parte da tendência da
literatura brasileira contemporânea ao realismo e ao documental, uma tendência
natural. Quanto maior a violência dessa realidade, mais ela vai impor uma
representação unívoca, mais ela vai reduzir as possibilidades de representação.
A questão não é representar ou deixar de representar a realidade (até porque,
de alguma forma, ela sempre acaba representada), mas não sucumbir a uma
determinada ideia de representação da realidade como modelo e paradigma. A
imaginação é um elemento complexo da realidade. A literatura e a arte cessam
quando você passa a aceitar modelos para a criação. Os seus livros explicitam a
manipulação do leitor até quase o grotesco. É muito visível. Mas o que o
romance faz é manipular o leitor e fazer com que ele participe? Carvalho
polemiza: “Guimarães Rosa, que eu considero um gênio. Há três traduções no
mundo do Rosa: duas boas (Itália e Alemanha) e uma na França (mais ou menos).
Mas se perguntar para um alemão, italiano ou francês quem é Guimarães Rosa,
ninguém sabe. Nos Estados Unidos, Grande Sertão foi traduzido como
bangue-bangue. Este jornalista nunca ouviu falar em Guimarães Rosa. É triste:
você pode ser um gênio da literatura, pode fazer uma obra incontestável, e
mesmo assim não vai ter lugar para você. No cânone internacional, ocidental,
não tem lugar para o brasileiro, pode ser o maior gênio da raça. Você fica
babando ovo para escritor inglês e americano (há alguns geniais), mas não tem a
contrapartida. Ninguém vai ler escritor brasileiro. E não é escritor
pequenininho como eu, é Guimarães Rosa. Ninguém sabe quem é Guimarães Rosa e
nem quer saber. A cultura brasileira é samba, futebol e música popular. Não é
alta cultura. O Brasil tem a oferecer cultura popular, futebol e administração
da miséria. Não sei como lidar com isso. Eu sou um pouco paranóico. Mas se pode
ver a paranoia como a criação do sentido. Se o mundo não faz sentido - e não
faz -, o paranóico é que aquele que vê sentido onde não tem. O mundo não faz
sentido, a vida não tem sentido, não faz sentido eu estar vivo. A paranoia me
atraía como uma matriz de sentido, uma matriz desvairada. A ideia da paranoia
me atraía como ficção, como produção de ficção.Eu escrevo os romances que eu
gostaria de ler. É importante que o leitor participe de forma ativa da leitura,
que seja empurrado para dentro do texto não de maneira meramente passiva,
queria deixar isso claro. Então, o jogo em meus livros é importante. Tem a
função de cooptar o leitor, de fazê-lo ter uma participação ativa no livro”
sábado, 15 de julho de 2017
A prosa romântica brasileira e a Identidade forjada às pressas para uma pátria acéfala
Do Romantismo Brasileiro
Prof. Moisés Monteiro de Melo Neto
“Além
da Terra, além do céu,
no
trampolim do sem – fim das estrelas,
no
rastro dos astros,
na
magnólia das nebulosas.
Além,
muito além do sistema solar,
até
onde alcançam o pensamento e o coração,
Vamos!
Vamos
conjugar
o
verbo fundamental essencial
o
verbo transcendental, acima das gramáticas
e
do medo e da moeda e da política
o
verbo sempreamar,
o
verbo pluriamar,
razão
de ser e de viver.
(Carlos Drummond de Andrade)
O
romance como gênero romântico torna-se comum no Brasil a partir da publicação
em jornais (FOLHETINS) de traduções de romances europeus. Romances românticos
de autores como Vitor Hugo, Alexandre Dumas, Walter Scott tornam-se populares
no Brasil da 1ª metade do século XIX. Na verdade, temos o romance romântico
europeu mais o cenário brasileiro. Todo relato possibilitou ao leitor uma
identificação.
O romance de folhetim era
publicado regularmente pela imprensa. As aventuras, as intrigas, as histórias
de amores impossíveis, a complicação sentimental eram seus temas. Depois estas
histórias passaram a ser divulgadas pelo rádio. A base das histórias dos
romances românticos será o AMOR, daí esperarmos os finais felizes tão típico do
gênero nesta época. Os que amam são os heróis da histórias: fortes, destemidos,
belos, os que estão do lado do bem. Os que não amam são feios, cruéis, os que
estão do lado do mal – Eis o universo maniqueísta da prosa romântica.
Foi com os folhetins
que a ficção novelística ganhou força e foi assim também que o teatro se
firmou.
Os leitores começam a se
identificar com os personagens e passam a exigir intrigas, situações cada vez
mais fortes, mais novelescas: os valores pessoais, o desempenho dos heróis,
amor à primeira vista, a supervalorização do casamento vêm à tona. É assim que
o ROMANCE, a NOVELA e o CONTO vão ganhando espaço.
O romance vai aos poucos se
ampliando e refinando. Em fins do decênio de 30 (1830) surgem novelas. Em 1843
aparece O filho do Pescador de Teixeira e Souza (romance), mas foi
Joaquim Manuel de Macedo quem criou o primeiro romance (1844): A MORENINHA,
nele explodem os traços mais comuns do gênero:
–
os costumes e a cor local (natureza virgem, solo
esplêndido, o índio).
–
complicação sentimental (herói, vilão, orgulho...)
–
personagens planas, estereotipadas, com comportamentos previsíveis.
–
integração entre a Natureza e os sentimentos dos personagens.
–
idealização do herói.
–
idealização da mulher (anjo).
–
linguagem metafórica.
–
final feliz ou trágico (morte, loucura, celibato).
–
Esquema: harmonia – desarmonia – harmonia.
–
Enredo com mensagem conservadora.
–
Amor como redenção.
A prosa romântica
e as grandes
tendências
a) Romance urbano – retratam-se cenas,
costumes, ambientes e tipos humanos da burguesia.
b) Romance histórico – Trabalha-se o passado
histórico remoto ou lendário.
c) Romance regionalista – o Brasil passa a se
conhecer melhor em suas diversidades regionais. Valorizaram-se as diferenças étnicas,
linguísticas, sociais e culturais que evidenciam a região. Visa-se a pôr
fim às ilhas culturais brasileiras. O nativismo e o ufanismo ganham relevo com
Alencar, Bernardo Guimarães; o aspecto documental aparece com Taunay e Franklin
Távora.
d) Romance Indianista – Tende à epopeia, ou seja,
à necessidade de criação de heróis nacionais, míticos, lendários. Estes heróis
tornam-se símbolos da nacionalidade. (Veja Peri, Iracema).
Vale destacar que “Quanto à matéria, o romance brasileiro nasceu
regionalista e de costumes; ou melhor, pendeu para a descrição de tipos humanos
e de formas de vida social nas cidades e nos campos”.
Os romances foram
classificados pelo espaço em que se desenvolveu a narrativa:
cidade – vida urbana
campo – vida rural
selva – vida primitiva
Autores e Obras
2.1 Joaquim Manuel de Macedo
2.1.1
Obra
A – Ficção
A Moreninha (1844); O moço Loiro
(1845); Os dois amores; Rosa; Vicentina; O Forasteiro; Os Romances da Semana
(contos); A Luneta Mágica; O Rio do Quarto, Nina; As Vítimas Algozes (novelas);
As Mulheres de Mantilha; A Namoradeira; Um Noivo e Duas Noiva (1871) etc.
B – Teatro
O Cego; Cobé; O Fantasma Branco; O Primo da Califórnia; Lusbela;
Cincinato Quebra-louça; Vingança por vingança; etc.
C – Poesia
A Nebulosa, poema-romano (1957).
D – Vários
O Carteiro de meu Tio; Memórias de um Sobrinho de meu Tio; Um Passeio
pela Cidade do Rio de Janeiro; Memória do Ouvidor.
José Martiniano de Alencar (Mecejane, CE, 1829-RJ, 1877)
Principais Prosadores
*José
de Alencar (O Consolidador do Romance)
Tentou criar uma linguagem
brasileira (estilo brasileiro), incorporou nos textos indianistas o vocabulário
dos selvagens, usou de brasileirismo. Em Iracema aproximou a linguagem da prosa
à da poesia.
Suas longas narrativa são ricas em adjetivos. Defendeu o surgimento de
um novo povo fruto do casamento entre o nativo e o colonizador (europeu).
Procurou, em seus romances, fazer um painel do Brasil.
Outro aspecto marcante em seus textos é o “medievalismo”, a construção
da sociedade ideal “para o senhor tudo”.
Alencar visou a acabar com as ilhas culturais, pintar o Brasil de
ponta-a-ponta, daí a diversidade de tipos de romance.
Divisão da obra alencariana
a) O romance indianista: O
Guarani, Iracema – impregnação lírica.
Esse romance de caráter
lírico poemático, aproveita o mito e o símbolo como elemento estético.
b) Como romancista histórico: As Minas de Prata, A Guerra dos
Mascates, O Garatuja, Alfarrábios.
O mito do tesouro escondido, a lenda das riquezas
inesgotáveis da nova terra descoberta, as lutas pela posse definitiva da terra
e alargamento das fronteiras.
c) No romance urbano: Cinco Minutos, A Viuvinha, Lucíola, Diva, a
Pata da Gazela, Sonhos d’Ouro, Senhora, Encarnação.
Alencar retrata a vida carioca, com sua gente
e costumes. Dramas morais, tipos femininos complicados, problemas de amor e do
casamento com o patriarcalismo determinando as uniões dos filhos- são outros
tantos temas para as novelas de Alencar, que nelas realiza considerável levantamento
da vida burguesa brasileira do seu tempo. Em Lucíola e Senhora, Já se notam
prenúncios Realismo.
d) No romance regionalista
Aí está um dos aspectos mais admiráveis do autor: dá-nos um painel das
principais regiões culturais do País: a região sulina, com seus pampas e suas
coxilhas (O Gaúcho), a vida rural fluminense (O Tronco do Ipê), O Planalto
Paulista (Til) e o Nordeste (O Sertanejo). Como no caso do romance histórico,
não é a realidade, a verdade em si, que atrai o romancista, e sim o tema.
Teatro: O Demônio familiar, Verso e Reverso, As Asas de um Anjo, Mãe, O
Jesuíta.
Crítica, polêmica, publicista: Cartas sobre a Confederação dos Tamaios;
Ao Imperador; Cartas Políticas de Éramos e Ao Imperador, Novas Cartas Políticas
de Erasmo; Ao Povo; O juízo de Deus; A Visão de Jó, o Sistema Representativo.
Observe o comentário abaixo, feito estudiosos, indianismo em
José de Alencar.
|
* Manuel Antônio de Almeida
“MEMÓRIAS
DE UM SARGENTO DE MILÍCIAS” – Um Romance de Costumes com características do
Realismo. (Crônica de Costumes).
O
autor analisa o comportamento da sociedade “no tempo do rei D. João VI, coloca
como protagonista o “herói pícaro” Leonardinho, filho de Leonardo Pataca e
Maria das Hortaliças. A vida do Leonardinho desde o nascimento até a idade
adulta quando se torna Sargento de milícias. “Leonardo é o primeiro grande
malandro que entra na novelística brasileira, vindo de uma tradição.
Vê-se a classe pobre do Rio de Janeiro na
época de D. João VI, fato diferenciador dos outros românticos que exibiram as
camadas mais abastadas.
O livro é formado de vários episódios quase
independentes, a unidade é conseguida pela presença do herói Leonardo em várias
etapas de sua vida: a infância e as diabruras, a adolescência e os casos
amorosos, e a fase adulta com o peso e a responsabilidade.
O romance funciona como documento de uma
época que o autor descreve com “malícia, humor e sátira”. À medida que exibe o
ambiente carioca faz julgamentos.
O esquema romântico é rompida logo no modelo
de herói: Leonardinho é um anti-herói ou um herói picaresco. À margem da
sociedade parece, vê-la melhor. Ao esgotar todos os caminhos da aventura
picaresca só lhe resta o emprego de soldado, o casamento com Luisinha (seu
primeiro amor) e depois o posto de sargento. (Eis a guinada romântica, o
triunfo do bem, o fim das peripécias) O estilo frouxo, a linguagem descuidada o
final feliz também alimentam a guinada romântica. Por estes fatos alguns
estudiosos condenam a percepção de escritor pré-Realista dada ao autor de
memórias de um Sargento de Milícias.
Costumes sociais, crítica irônica dos
costumes morais são exibidos ao mesmo tempo que as aventuras de Leonardo também
acontecem, e apesar disso bem como de o povo entrar como personagem a guinada
continua romântica.
Observe os nomes e alguns personagens
romance:
Veja, agora, o que alguns estudiosos,
escritores e críticos literários dizem sobre o romance:
a) Novela de tom humorístico
que faz crônica de costumes do Rio Colonial, na época de D. João VI.
b) Não há idealização das
personagens, graças à observação direta e objetiva. Presença das camadas inferiores da população – (barbeiros,
comadres, parteiras, meirinhos, “saloias”, designados pela ocupação que
exercem). Rompe a tensão BEM x MAL, HERÓI x VILÃO, típica do Romantismo. Os
personagens não são heróis nem vilões, praticam o bem e o mal, impulsionados
pelas necessidades de sobrevivência (a fome, a ascensão social).
c) LEONARDO PATACA é o PRIMEIRO
MALANDRO da Literatura Brasileira. Apontado por Mário de Andrade como PERSONAGEM
PICARESCO (bufão, mau-caráter). A crítica mais recente (Antônio Cândido, A
Dialética da Malandragem) vem modificando essa visão inserindo o Leonardo
Pataca na dialética “ordem” X
“desordem”, e no desmascaramento das mazelas de uma sociedade
caracterizada pela risonha hipocrisia, pela acomodação através do jeitinho,
pelo empreguismo e favorecimentos ilícitos.
d) O realismo de Manuel Antônio
de Almeida não se esgota nas linhas meio caricaturais com que define uma
variada galeria de tipos populares. Seu valor reside principalmente em ter
captado, pelo fluxo narrativo, uma das marcas
da vida na pobreza que é a perpétua sujeição à necessidade, sentida de
modo fatalista como o destino de cada um. O esforço para driblar as condições
adversas e a avidez em gozar os intervalos de boa sorte impelem as personagens,
principalmente o anti-herói LEONARDO, “filho de uma pisadela e de um beliscão”,
para a roda-viva de mentiras em busca de emprego, entremeadas com farras e
aventuras, que dão motivo ao romancista para fazer entrar em cena tipos e
costumes do Rio Colonial. (A. BOSI).
e) É obra precursora do
Realismo? Não. Apesar da imparcialidade do narrador, da fidelidade ao real,
Memórias de um Sargento de Milícias nada tem a ver com o Realismo de Machado ou
Aluísio. É um realismo espontâneo, arcaico, sem o estofo científico-positivista
da segunda metade do século XIX.
f)
As Memórias reportam-se a uma fase em que se esboçava uma estrutura não
mais puramente colonial, mas inda longe do quadro industrial-burguês. E, como
autor conviveu de fato com o povo, o espelhamento foi distorcido apenas pelo
ângulo da comicidade, que é, de longa data, o viés pelo qual o artista vê o
típico, e sobretudo o típico popular. (A BOSI).
O teatro romântico
Luis Carlos Martins Pena (RJ, 1815 –Lisboa 1848)
Em
1833, foi criada a primeira companhia teatral brasileira, a Companhia
Dramática Nacional por João Caetano.
Muitos
escritores já haviam se dedicado ao teatro, mas a dramaturgia ganhou impulso
com o florescimento da comédia nacional de Martins Pena.
Pena
iniciou seu trabalho satirizando os costumes da roça (Veja o juiz de Paz
na roça). Com sua ironia atingiu apenas pequenos proprietários. O riso, ele o
consegue pondo em evidência hábitos curiosos do meio rural. O juiz de Paz é um
corrupto, tira proveito das causas que julga.
Os costumes urbanos também fazem parte
do trabalho do talentoso Martins Pena que focalizou o dia-a-dia –
principalmente da classe média –no Rio de Janeiro: a constituição familiar, o
casamento por interesse, contrabandistas, conflitos de gerações, negociantes, o
funcionário público, as formas de ascensão social, escravos, traficantes.
Construiu tipos humanos caricaturizando-os e
não aprofundando sua psicologia ou denunciando o caráter. Suas peças obedecem
aos esquemas românticos de finais felizes e punições exemplares para os maus.
São curtas, mas bastante movimentadas:
A linguagem é simples, viva e fluida. Queria
o riso da platéia, a simpatia e a cumplicidade, enfim um admirável observador
da vida do nosso país na 1ª metade do século XIX. Talentos e galhofeiro.
Obras
Comédias: O Juiz de Paz na Roça; Um Sertanejo na Corte; A Família e a festa da
roça; Os dois ou O Inglês Maquinista; O Judas em sábado de Aleluia; O Noviço; O
Cigano; O Caixeiro da Taverna; As Casadas Solteiras; Quem casa, quer casa;
Drama: Fernando ou O Cinto Acusador.
Crítica Teatral
(Folhetins, Semana lírica)
Fragmento de uma peça de
Martins Pena
A peça Os dois ou O inglês maquinista,
de Martins Pena, é uma comédia em uma to que se passa no Rio de Janeiro de
1842. A cena transcrita a seguir envolve as seguintes personagens: Clemência,
Mariquinha (filha de Clemência), Felício (sobrinho de Clemência), Negreiro
(negociante de escravos) e júlia (outra filha de Clemência).
|
Clemência: Muito custa viver-se no Rio
de Janeiro! É tudo tão caro!
Negreiro: Mas o que quer a senhora em
suma? Os direitos são tão sobrecarregados! Veja só os gêneros de primeira
necessidade. Quanto pagam? O vinho, por exemplo, cinqüenta por cento!
Clemência: Boto as mãos na cabeça todas
as vezes que recebo as contas do armazém e da loja de fazendas.
Negreiro: Porém as mais puxadinhas
são as das modistas, não é assim?
Clemência: Nisto não se fala! Na última
que recebi vieram dois vestidos que já tinha pago, um que não tinha mandado fazer,
e uma quantidade tal de linhas, colchetes, cadarços e retroses, que fazia
horror.
Felício: (largando o jornal sobre a
mesa com impaciência): Irra, já aborrece!
Clemência: O que é?
Felício: Todas as vezes que pego
neste jornal...
Clemência: Por mim se não fossem os
folhetins, não lia o jornal. O último era bem bonito; o senhor não leu?
Negreiro: Eu? Nada. Não gasto meu
tempo com essas ninharias, que são só boas para as moças.
Voz na rua: Manuê1 quentinho!
(Entra Júlia pela direita, correndo).
Clemência: Aonde vai, aonde vai?
Júlia: (parando no meio da sala):
Vou chamar o preto dos manuês.
Clemência: E pra isso precisa correr?
Vá, mas não caia. (Júlia vai para a janela e chama para a rua dando psius).
Negreiro: A pecurrucha gosta dos
doces.
Júlia: (da janela): Sim, aí mesmo.
(Saí da janela e vai para a porta, aonde momentos depois chega um preto com um
tabuleiro com manuês, e, descasando-o no chão, vende-os a Júlia. Os demais
continuam a conversar.)
Felício: Sr. Negreiro, a quem
pertence o brigue Veloz Espadarte, aprisionado ontem junto quase da Fortaleza
de Santa Cruz pelo cruzeiro inglês, por ter a seu bordo trezentos africanos?
Negreiro: A um pobre diabo que está
quase maluco... Mas é bem feito, para não ser tolo. Quem é que neste tempo
manda entrar pela barra um navio com semelhante carregação? Só um pedaço de
asno. Há por aí além uma costa tão longa e algumas autoridades tão
condescendentes!...
Felício: Condescendentes porque se
esquecem de seu dever!
Negreiro: Dever? Perdoe que lhe diga:
ainda está muito moço... Ora, suponha que chega navio carregado de africanos e
deriva em uma dessas praias, e que o capitão vai dar disso parte ao juiz do
lugar. O que há de este fazer, se for homem cordato e de juízo?
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Senhora
Senhora,
obra-prima de Alencar ao lado de Iracema, narra em terceira pessoa a história
de Aurélia Camargo, que vive com sua mãe viúva e um irmão num subúrbio do Rio
de Janeiro.
Aurélia apaixona-se por Fernando Seixas e
este por ela, de modo que contratam casamento. Seixas, porém, abandona-a por
outra mulher por dinheiro. Uma herança inesperada beneficia Aurélia,
propiciando-lhe a oportunidade de reconquistar o seu amor.
Aurélia, que ainda não tem 21 anos, incumbe
Lemos, seu tio e tutor, de propor a Seixas um casamento com uma moça de grande
dote, contra-recibo. Impõe, no entanto, que ele aceite a proposta sem conhecer
a identidade da noiva. Seixas, endividado, aceita. Ao saber que a noiva é
Aurélia, fica enormemente feliz. Mas, na noite de núpcias, Aurélia lhe revela a
verdade: “eu, uma mulher traída; o senhor, um homem vendido” e, mostrando-lhe o
recibo, expulsa-o do quarto.
A partir daí, o relacionamento entre eles se
torna hipócrita. Diante de estranhos, representam um casal perfeito. A sós,
Aurélia o trata como se fosse sua propriedade e Seixas aceita-se como tal até
que, um pouco pelo trabalho, um pouco por sorte, consegue juntar o dinheiro que
deve a Aurélia, ficando, assim, resgatado.
Depois disso, os dois jogam-se nos braços um
do outro, vivendo felizes para sempre.
O livro se divide em quatro partes: “Preço”,
“Quitação”, “Posse” e “Resgate”.
Cada uma destas partes recebeu um nome
estritamente comercial, o que nos remete ao problema centra, mola propulsora da
obra: o casamento por interesse.
Vejamos agora as chamadas ações secundárias
ou satélites, que gravitam em torno da ação central. Vamos reconstituir a 1ª
parte, “Preço”. Nesta parte, a jovem Aurélia confabula com o seu tio e tutor
Lemos: discute o casamento da jovem Adelaide Amaral com o Dr. Torquato Ribeiro.
Essa discussão tem uma finalidade: a jovem Adelaide e Aurélia disputavam o amor
de Seixas. Casando-a com o Dr. Torquato Ribeiro, Seixas ficaria livre. O único
empecilho para a não-realização da união Adelaide-Torquato era a pobreza deste,
coisa que Aurélia resolveria oferecendo um dote ao moço.
Num esquema, teríamos o seguinte:
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Texto – 1
Seixas
ajoelhou-se aos pés da noiva, tomou-lhe as mãos que ela não retirava; e modulou
o seu canto de amor, essa ode sublime do coração que só as mulheres entendem,
como somente as mães percebem o balbuciar dos filhos.
A
moça com o talhe languidamente recostado no espaldar da cadeira, a fronte reclinada, os olhos coalhados em uma
ternura maviosa, escutava as falas de seu marido; toda ela de embebia dos
eflúvios de amor, de que ele a repassava com a palavra ardente, o olhar
rendido, e o gesto apaixonado.
–
É então verdade que me ama?
–
Pois duvida, Aurélia?
–
E amou-me sempre, desde o primeiro dia que nos vimos?
–
Não lho disse já?
–
Então nunca amou a outra?
–
Eu lhe juro, Aurélia. Estes lábios nunca tocaram a face de outra mulher, que
não fosse minha mãe. O meu primeiro beijo de amor, guardei-o para minha esposa,
para ti...
Soerguendo-se
para alcançar-lhe a face, não viu Seixas a súbita mutação que se havia operado
na fisionomia de sua noiva.
Aurélia
estava lívida, e a sua beleza, radiante há pouco, se marmorizara.
–
Ou para outra mais rica!... disse ela retraindo-se para fugir ao beijo do
marido, e afastando-o com a ponta dos dedos.
A
voz da moça tomara o timbre cristalino, eco da rispidez e aspereza do
sentimento que lhe sublevava o seio, e que parecia ringir-lhe nos lábios como
aço.
–
Aurélia! Que significa isto?
– Representamos uma comédia, na qual ambos
desempenhamos o nosso papel com perícia consumada. Podemos ter este orgulho,
que os melhores atores não nos excederiam. Mas é tempo de pôr termo a esta
cruel mistificação, com que nos estamos escarnecendo mutuamente, senhor.
Entremos na realidade por mais triste que ela seja; e resigne-se cada um ao que
é; eu, uma mulher traída; o senhor, um homem vendido.
– Vendido! Exclamou Seixas ferido dentro
d’alma.
– Vendido sim: não tem outro nome. Sou rica,
muito rica, sou milionária, precisava de um marido, traste indispensável às
mulheres honestas. O senhor estava no mercado; comprei-o, custou-me cem contos
de réis, foi barato; não se fez valer. Eu daria o dobro, o triplo, toda a minha
riqueza por este momento.
Aurélia proferiu estas palavras desdobrando
um papel, no qual Seixas reconheceu a obrigação por ele passada ao Lemos.
Não se pode exprimir o sarcasmo que salpicava
dos lábios da moça; nem a indignação que vazava dessa alma profundamente
revolta, no olhar implacável com que ela flagelava o semblante do marido.
Seixas, trespassado pelo cruel insulto,
arremessado do êxtase da felicidade a esse abismo de humilhação, a princípio
ficara atônito. Depois quando os assomos da irritação vinham, sublevando-lhe a
alma, recalcou-os esse poderoso sentimento do respeito à mulher que raro
abandona o homem de fina educação.
Penetrado da impossibilidade de retribuir o
ultraje à senhora a quem havia amado, escutava imóvel, cogitando no que lhe
cumpria fazer; se matá-la a ela, matar-se a si, ou matar a ambos.
Aurélia como se lhe adivinhasse o pensamento
esteve por algum tempo afrontando-o com inexorável desprezo.
– Agora, meu marido, se quer saber a razão
por que o comprei de preferência a qualquer outro, vou dizê-la; e peço que não
me interrompa. Deixe-me vazar o que tenho dentro desta alma, e que há um ano a
está amargurando e consumindo.
A moça apontou a Seixas uma cadeira próxima.
– Sente-se, meu marido.
Com que tom acerbo e excruciante lançou a
moça esta frase “meu marido”, que nos seus lábios ríspidos acerava-se como um
dardo ervado de cáustica ironia.
Seixas sentou-se.
Dominava-o a estranha fascinação dessa
mulher, e ainda mais a situação incrível a que fora arrastado.
Alencar, J. de. Senhora. São Paulo, Ática,
1982.
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Texto – 2
A Caçada
(...)Era uma onça enorme; de garras apoiadas sobre um grosso ramo de
árvore, e pés suspensos no galho superior, encolhia o corpo, preparando o salto
gigantesco.
Batia os flancos com a larga cauda, e movia a cabeça monstruosa, como
procurando uma abertura entre a folhagem para arremessar o pulo; uma espécie de
riso sardônico e feroz contraía-lhe as negras mandíbulas, e mostrava a linha de
dentes amarelos; as ventas dilatadas aspiravam fortemente e pareciam
deleitar-se já com o odor do sangue da vítima.
O índio, sorrindo e indolentemente encostado ao tronco seco, não perdia
um só destes movimentos, e esperava o inimigo com a calma e serenidade do homem
que contempla uma cena agradável: apenas a fixidade do olhar revelava um
pensamento de defesa.
Assim, durante um curto instante, a fera selvagem mediram-se
mutuamente, com os olhos nos olhos um do outro, depois o tigre agachou-se, e ia
formar o salto, quando a cavalgata apareceu na entrada da clareira.
Então o animal, lançando ao redor um olhar injetado de sangue, eriçou o
pêlo, e ficou imóvel no mesmo lugar, hesitando se devia arriscar o ataque.
O índio que ao movimento da onça acurvara ligeiramente os joelhos e
apertara o forcado, endireitou-se de novo; sem deixar a sua posição, nem tirar
os olhos do animal, viu a banda que parara à sua direita.
Estendeu o braço e fez com a mão um gesto de rei, que rei das florestas
ele era, intimado aos cavaleiros que continuassem a sua marcha.
Como, porém, o italiano, com o arcabuz em face, procurasse fazer a
portaria entre as folhas, o índio bateu com o pé no chão em sinal de
impaciência, e exclamou apontando para o tigre, e levando a mão ao peito:
– É meu!... meu só! (...)
Alencar, J. de. O guarani.
São Paulo, Ática, 1974.
|
Texto – 3
Capítulo I
Verdes mares bravios de minha terra natal, onde canta a jandaia nas
frondes da carnaúba;
Verdes mares que brilhais como líquida esmeralda aos raios do sol
nascente, perlongando as alvas praias ensombradas de coqueiros;
Serenai, verdes mares, e alisai docemente a vaga impetuosa para que o
barco aventureiro manso resvale à flor das águas.
Onde vai a afoita jangada, que deixa rápida a costa cearence, aberta ao
fresco terral a grande vela?
Onde vai como branca alcione buscando o rochedo pátrio nas solidões do
oceano?
Três entes respiram sobre o frágil lenho que vai singrando veloce, mar
em fora.
Um jovem guerreiro cuja tez branca não cora o sangue americano; uma
criança e um rafeiro que viram a luz no berço das florestas e brincam irmãos,
filhos ambos da mesma terra selvagem.
A lufada intermitente traz da praia um eco vibrante, que ressoa entre o
marulho das vagas:
– Iracema!
O moço guerreiro, encostado ao mastro, leva aos olhos presos na sombra
fugitiva da terra; a espaços o olhar empanado por tênue lágrima cai sobre o
jirau, onde folgam as duas inocentes criaturas companheiras de seu infortúnio.
Nesse momento o lábio arranca d’alma um agro sorriso.
Que deixara ele na terra do exílio?
Uma história que me contaram nas lindas várzeas onde nasci, à calada da
noite, quando a lua passeava no céu argenteando os campos, e a brisa rugitava
nos palmares.
Refresca o vento.
O rulo das vagas precipita. O barco salta sobre as ondas e desaparece
no horizonte. Abre-se a imensidade dos mares, e a borrasca enverga, como o
condor, as foscas asas sobre o abismo.
(...)
Deus te leve a salvo, brioso e altivo barco, por entre as vagas
revoltas, e te poje nalguma enseada amiga! Soprem para ti as brandas auras, e
para ti jaspeiei a bonança mares de leite!
Enquanto vogas assim à discrição do vento, airoso barco, volva às
brancas areais da saudade que te acompanha, mas não se parte da terra onde
revoa.
Capítulo II
Além, muito além
daquela serra, que ain-
da azula no horizonte,
nasceu Iracema.
Iracema, a virgem dos lábios de mel, que
tinha os cabelos mais negros que a asa da graúna e mais longos que seu talhe de
palmeira.
O favo da jati não era doce como seu sorriso;
nem a baunilha rescendia no bosque como seu hábito perfumado.
Mais rápida que a ema selvagem, a morena
virgem corria o sertão e as matas do Ipu, onde campeava sua guerreira tribo, da
grande nação tabajara. O pé grácil e nu, mal roçando, alisava apenas a verde
pelúcia que vestia a terra com as primeiras águas.
Um dia, ao pino do sol, ela repousava em uma
claro da floresta. Banhava-lhe o corpo a sombra da oiticida, mais fresca do que
o orvalho da noite. Os ramos da acácia silvestre esparziam flores sobre os
úmidos cabelos. Escondidos na folhagem, os pássaros ameigavam o canto.
Iracema saiu do banho; o aljôfar d’água ainda
a roreja, como à doce mangaba que corou em manhã de chuva. Enquanto repousa,
empluma das penas do gará as flechas do seu arco: e concerta com o sabiá da
mata, pousado no galho próximo, o canto agreste.
A graciosa ará, sua companheira e amiga,
brinca junto dela. Às vezes sobe os ramos da árvore e de lá chama a virgem pelo
nome; outras, remexe o uru de palha matizada, onde traz a selvagem seus
perfumes, os alvos fios do crautá, as agulhas da juçara com que tece a renda, e
as tintas de que matiza o algodão.
Rumor suspeito quebra a doce harmonia da
sesta. Ergue a virgem os olhos, que o sol não deslumbra; sua vista perturba-se.
Diante dela e todo a contemplá-la, está um
guerreiro estranho, se é guerreiro e não algum mau espírito da floresta. Tem
nas faces o branco das areias que bordam o mar, nos olhos o azul triste das
águas profundas. Ignotas armas e tecidos ignotos cobrem-lhe o corpo.
Foi rápido, como o olhar, o gesto de Iracema.
A flecha embebida no arco partiu. Gotas de sangue borbulham na face do
desconhecido.
De primeiro ímpeto, a mão lesta caiu sobre a
cruz da espada; mas logo sorriu. O moço guerreiro aprendeu na religião de sua
mãe, onde a mulher é símbolo de ternura e amor. Sofreu mais d’alma que da
ferida.
O sentimento que ele pôs nos olhos e no
rosto, não sei eu. Porém a virgem lançou de si o arco e a uiraçaba, e correu
para o guerreiro, sentida da mágoa que causara. A mão que rápida ferira,
estancou mais rápida e compassiva o sangue que gotejava. Depois Iracema quebrou
a flecha homicida; deu a haste ao desconhecido, guardando consigo a ponta
farpada.
O guerreiro falou:
– Quebras comigo a flecha da paz?
– quem te ensinou, guerreiro branco, a
linguagem de meus irmãos? Donde vieste a estas matas, que nunca viram outro
guerreiro como tu?
– Venho de bem longe, filha das florestas.
Venho das terras que teus irmãos já possuíram, e hoje têm os meus.
– Bem-vindo seja o estrangeiro aos campos dos
tabajaras, senhores das aldeias, à cabana de Araquém, pai de Iracema.
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