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quinta-feira, 12 de maio de 2016

Sobre Dilma, Freud, Shakespeare, Electra e Júlio Cesar

Electra, filha de Agamenon e Clitemnestra, na mitologia grega, incita o irmão, Orestes, a matar a mãe porque esta assassinou o pai deles, este assim o faz, mas a seguir é  crivado por remorso. A morte simbólica de Dilma também não vai ser fácil de ser digerida pelo Brasil. Talvez não seja nem assassinato, nos moldes de Julio Cesar, seja uma pena de morte, ajuste de contas... 
Lembremo-nos do vacilo da corte da Revolução Francesa para levar Maria Antonieta e Luiz XVI à guilhotina. O ritual é complicado e o luto é um processo complicado cujo desenvolvimento depende da estrutura psicológica de cada indivíduo. Dizia Freud que é mais fácil matar do que seguir com a culpa. São dias estranhos, caríssimos. Totem e Tabu, esse mal estar na nossa civilização. Vi muitos dos discursos, ontem, no senado. Como não lembrar da peça Júlio Cesar, de Shakespeare?



Electra e Orestes, em filme grego



Eis a versão do discurso de Antônio, diante do cadáver de Cesar, no funeral deste último (na peça de William Shakespeare):
"Amigos, romanos, cidadãos deem-me seus ouvidos.


Discurso de Marco António em Júlio César de Shakespeare

Marlon Brando, no papel de Antônio (momento do famoso discurso)



Vim para enterrar Cezar, não para louvá-lo. O bem que se faz é enterrado com os nossos ossos, que seja assim com Cezar.
O nobre Brutus disse a vocês que Cezar era ambicioso. E se é verdade que era, a falta era muito grave, e Cezar pagou por ela com a vida, aqui, pelas mãos de Brutus e dos outros. Pois Brutus é um homem honrado, e assim são todos eles, todos homens honrados.
Venho para falar no funeral de Cezar. Ele era meu amigo, fiel e justo comigo. Mas Brutus diz que ele era ambicioso. E Brutus é um homem honrado. 
Ele trouxe muitos prisioneiros para Roma que, para serem libertados, encheram os cofres de Roma. Isto parecia uma atitude ambiciosa de Cezar? Quando os pobres sofriam Cezar chorava. Ora a ambição torna as pessoas duras e sem compaixão. Entretanto, Brutus diz que Cezar era ambicioso. E Brutus é um homem honrado. 
Vocês todos viram que na festa do Lupercal, eu, por três vezes, ofereci-lhe uma coroa real, a qual ele por três vezes recusou. Isto era ambição? Mas Brutus diz que ele era ambicioso, e Brutus, todos sabemos, é um homem honrado. Eu não falo aqui para discordar do que Brutus falou.
Mas eu tenho que falar daquilo que eu sei. Vocês todos já o amaram e tinham razões para amá-lo. Qual a razão que os impede agora de homenageá-lo na morte?" 
Neste momento Marco Antônio faz uma pausa no discurso, e as pessoas do povo começam a refletir sobre o que ele disse, e a questionar se Cezar tinha afinal merecido a morte que teve.
Passado este interlúdio retorna Marco Antônio a falar:
"Ontem, a palavra de Cezar seria capaz de enfrentar o mundo, agora, jaz aqui morta. Ah! Se eu estivesse disposto a levar os seus corações e mentes para o motim e a violência, eu falaria mal de Brutus e de Cassius, os quais, como sabem, são homens honrados. Não vou falar mal deles.
Prefiro falar mal do morto. Prefiro falar mal de mim e de vocês do que destes homens honrados. Mas, eis aqui, um pergaminho com o selo de Cezar. Eu o achei no seu armário. É o seu testamento. Quando os pobres lerem o seu testamento (porque, perdoem-me, eu não pretendo lê-lo), e eles se arrojarão para beijar os ferimentos de Cezar, e molhar seus lenços no seu sagrado sangue." 
O povo reclama de Marco Antônio e exige que ele o leia. 
"Tenham paciência amigos, mas eu não devo lê-lo. Vocês não são de madeira ou de ferro, e sim humanos. E, sendo humanos, ao ouvir o testamento de Cezar vão se inflamar, ficarão furiosos. É melhor que vocês não saibam que são os herdeiros de Cezar! Pois se souberem... o que vai acontecer? Então vocês vão me obrigar a ler o testamento de Cezar? Então façam um círculo em volta do corpo e deixem-me mostrar-lhes Cézar morto, aquele que escreveu este testamento. 
Cidadãos. Se vocês têm lágrimas, preparem-se para soltá-las. Vocês todos conhecem este manto. Vejam, foi neste lugar que a faca de Cassius penetrou. Através deste outro rasgão, Brutus, tão querido de Cezar, enfiou a sua faca, e, quando ele arrancou a sua maldita arma do ferimento, vejam como o sangue de Cezar escorreu. 
E Brutus, como vocês sabem, era o anjo de Cezar. Oh! Deuses, como Cezar o amava. O golpe de Brutus foi, de todos o mais brutal e o mais perverso. Pois, quando o nobre Cezar viu que Brutus o apunhalava, a ingratidão, mais que a força do braço traidor, parou seu coração.
Oh! Que queda brutal meus concidadãos. Então eu e vocês e todos nós também tombamos, enquanto esta sanguinária traição florescia sobre nós. 
Sim, agora vocês choram. Percebo que sentem um pouco de piedade por ele. Boas almas.
Choram ao ver o manto do nosso Cezar despedaçado.
Bons amigos, queridos amigos, não quero estimular a revolta de vocês. Aqueles que praticaram este ato são honrados. Quais queixas e interesses particulares os levaram a fazer o que fizeram, não sei. Mas são sábios e honrados e tenho certeza que apresentarão a vocês as suas razões.
Eu não vim para roubar seus corações. Eu não sou um bom orador como Brutus. Sou um homem simples e direto, que amo os meus amigos." 
Seguem-se novamente comentários das pessoas, já agora lamentando o assassinato e condenando os assassinos.
Volta Marco Antônio:
"Aqui está o testamento, com o selo de Cezar. A cada cidadão ele deixou 75 dracmas. Mais, para vocês ele deixou seus bens. Seus sítios neste lado do Tibre, com suas árvores, seu pomar, para vocês e para os herdeiros de vocês e para sempre.
Este era Cezar. Quando aparecerá outro como ele?"

Ou em outra TRADUÇÃO:
Marco António:
Amigos, compatriotas, escutai-me! Venho para sepultar César, não para elogiá-lo. O mal que os homens fazem sobrevive-lhes. O bem costuma ser sepultado com os seus ossos. Que seja assim com César. O ilustre Brutus disse que César era ambicioso. Se assim foi, tratava-se de uma grave falta, e ele pagou, gravemente, pela ambição. Com a autorização de Brutus, que é um homem honrado, como também o são os demais, venho falar-vos no funeral de César. Era meu amigo, sempre leal e justo comigo. Mas Brutus diz que era ambicioso, e Brutus é um homem honrado. Muitos cativos trouxe para Roma cujos resgates encheram os cofres públicos. Era isso ambição? Se os pobres se lamentavam, César chorava. A ambição devia ser mais dura. Contudo, Brutus disse que era ambicioso. E Brutus é um homem honrado. Todos vós vistes, nas Lupercais apresentei-lhe, por três vezes, uma coroa real. E por três vezes a recusou. Era isto ambição? Contudo, Brutus disse que era ambicioso e ele é um homem honrado. Não desaprovo as palavras de Brutus! Mas estou aqui para dizer o que sei! Todos o amastes alguma vez, e não sem uma razão. Que razão, então, vos impede de chorá-lo? Ah, julgamento! Deves cobiçar os irracionais, porque os homens perderam a razão. Perdoai! O meu coração está ali, junto de César, e tenho de deter-me até que retorne a mim.
Povo de Roma:
Tem muita razão no que diz.
Penso que se cometeu uma grande injustiça com César. Terá sido assim? Temo que venha outro pior para o lugar dele.
Ouviram o que ele disse? Não aceitou a coroa, portanto não era ambicioso.
Se isso se comprovar, a alguém lhe pesará a consciência.
Não há em Roma ninguém mais nobre que António. Escutemo-lo. Dispõe-se a falar.
Tem os olhos avermelhados pelas lágrimas.
Marco António:
Ontem a palavra de César teria feito tremer o mundo. Hoje jaz na terra e não há ninguém que o reverencie. Senhores! Se eu quisesse incitar à rebelião e à cólera as vossas mentes e corações, seria injusto com Brutus e com Cássio, que como sabeis, são homens honrados. Não quero ser injusto com eles. Prefiro ser injusto com o morto, comigo e convosco, antes, do que com esses homens honrados! Mas tenho aqui um pergaminho com o selo de César. Trouxe-o de casa dele: é o seu testamento. Quando o povo lhe conhecer o testamento, que, perdoai-me, não me proponho ler, irá beijar as feridas abertas de César. Ensoparão os lenços no seu sangue sagrado. Reclamará um cabelo seu como relíquia e, ao morrer, o legará como herança para a posteridade!
Povo de Roma:
Queremos ouvir o testamento! Lê-o, Marco António! Queremos ouvir o testamento!
Marco António:
Tende paciência, nobres amigos! Não devo lê-lo! Não é conveniente que saibais quanto César vos amou! Pois sendo homens, e não leões nem pedras, enfurecer-vos-íeis ouvi-lo, cheios de desespero. Se soubésseis que vos institui herdeiros seus, o que não iria acontecer?
Povo de Roma:
Queremos ouvi-lo! Lê o testamento. Deves ler-nos o testamento de César.
Marco António:
Tereis paciência e calma? Fui demasiado longe com este anúncio. Fui injusto para com os honrados homens que apunhalaram César! Tenho medo disso.
Povo de Roma:
São uns traidores! Assassinos, cobardes!
O testamento, o testamento!
Marco António:
O testamento!... Quereis obrigar-me a lê-lo? Rodeai o cadáver e vos mostrarei o que contém o testamento. Dais-me permissão para descer?
Povo de Roma:
- Sim!
Marco António:
Se tendes lágrimas, disponde-vos agora a vertê-las. Reconheceis este manto? Recordo quando César o usou pela primeira vez. Foi numa tarde de verão, no dia em que venceu os Nérvios. Olhai! Por aqui penetrou a lâmina de Cássio! Vede o golpe que lhe abriu o malvado Casca! Com esta outra, o perfurou o seu muito amado Brutus! E ao retirar o seu maldito ferro o sangue jorrou em jacto, para assegurar-se que assim continuava com tal sanha ali a reabriu! Pois, como sabeis, Brutus era o anjo de César. Julgai com que ternura o amava! Este foi o golpe mais cruel de todos! Quando César viu que também ele o feria, a dor da ingratidão, foi-lhe mais pungente do que a da traição! Então, despedaçou-se-lhe o coração, e cobrindo o rosto com o manto, desistiu e aos pés da estátua de Pompeu, inundado em sangue, o grande César tombou morto! Que queda fatal, meus nobres compatriotas! Nesse mesmo momento, eu, vós e todos nós caímos com ele, e triunfou a sangrenta traição! Agora chorais e apercebo-me da compaixão em vós. Essas são lágrimas generosas. Almas compassivas! Não haveis visto mais que o rasgado manto dele. Vede-o bem agora! Aqui jaz desfigurado pelos traidores!
Povo de Roma:
Nobre César. Sangrento espectáculo. Traidores, vilões. Vingá-lo-emos! Que não fique vivo um único traidor! Silêncio! Ouçamos o nobre António.
Marco António:
Bons amigos, estimados amigos, não quero convidar-vos à sublevação. Os que consumaram este acto são dignos. Mas que secretas ofensas teriam para fazê-lo? Eles são sensatos e não duvido que vos darão razões convincentes. Não vim aqui para captar os vossos corações. Eu não sou um bom orador como Brutus. Sou um homem franco e simples que amava o seu amigo. E isto sabem-no bem os que me deixaram falar dele. Não tenho talento, nem eloquência, nem estilo, nem gestualidade. Nem o poder da oratória que embala os homens. Falo de modo franco e só digo o que já todos conheceis. Mostro-vos as feridas do nobre César, pobres bocas mudas, e peço que elas falem por mim. Se eu fosse Brutus, e Brutus, António, esse António provocaria os vossos ânimos e poria em cada ferida uma língua capaz de amotinar a todas as pedras de Roma! Ouvi-me no entanto! Ouvi-me, compatriotas! Não sabeis o que ides fazer! Que fez César para merecer estas provas de afecto? Ignorai-o. E esqueceis-vos do testamento! Aqui está, e com o selo de César. Nele, lega a cada romano, a cada homem, individualmente, setenta e cinco dracmas. E não só isso, também vos lega, além disso, os seus locais de passeio, as quintas e os jardins, nesta margem do Tibre. Deixa-vos, e aos vossos filhos, em perpetuidade como parques públicos, para que neles passeeis e deles desfruteis. Este era um César! Quando tereis outro como ele?
Público:
Nunca! Morte e fogo, romanos! Avante!




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