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segunda-feira, 16 de maio de 2016

INÚTIL A CHUVA sobe ao palco do Teatro de Santa Isabel: 15 de maio de 2016

por moisesmonteirodemeloneto



Imaginem barco de dez metros de comprimento  no palco do meu querido Teatro de Santa Isabel, Recife, às margens do rio Capibaribe, perto da Capela Dourada, bem ali, na praça da República, tão neoclássica, mas que serve de base para a escultura representando Augusto dos Anjos, que Abelardo da Hora fez. Cito Abelardo porque a peça que vou comentar trata de arte e de uma espécie de poesia que se entrelaça com uma lógica bem peculiar. Falo de “Inútil a chuva”, da companhia Armazém, do Rio de Janeiro. 
Ah! como é bom assistir a uma apresentação artística deste quilate.
Eles já vieram várias vezes ao Recife. Os vi e me satisfiz sempre, com eles. O recurso cênico do pessoal da Armazém é ao mesmo tempo prático e sugestivo. O texto bastante instigante é feito para quem já é traquejado com jogos linguísticos e tem certo conhecimento das possibilidades do texto para cena. Às vezes me lembrava de Woody Allen, aquele humor amargo, ou mesmo de certo tipo de dramaturgia que mistura TV, teatro e cinema. Esse  novo espetáculo tem como eixo principal a metadiscussão (risos e sisos: digamos assim, certo?) sobre arte.  Já na primeira cena somos convidados a apreciar, com um crítico nos explicando (ou até fazendo uma superinterpretação, no sentido mais ou menos cruel do termo literário, o primeiro de um conjunto de oito quadros impactantes, num crescendo; o tempo é bem controlado nessa encenação; já a iluminação, a cargo do eficiente e poético Maneco Quinderé, nos mostra, ou pelo menos sugere bem, o que seria o mundo e a expressão deste mundo de acordo com certa mundivisão, do misterioso personagem central, que me lembrou muito um amigo meu, Marco Hanois, cineasta, artista plástico notável, que na peça não aparece, mas que é muito bem sugerido, mas principalmente ele está ali através da sua pintura, que a gente não vê, mas espalha-se pela cena de maneira notável. Trata-se da pintura.

O enigmático sumiço de um pintor, a carta de despedida (suicídio?); a discussão sobre o que seria a arte em si.  A sina do autor, meio Van Gogh, meio Fernando Pessoa. A intertextualidade, com Hamlet, que o texto sugere sobre um dos filhos, que tenta resgatar a veia artística do pai (“Ah! Se essa carne sólida, tão sólida, se dissipasse e se fundisse com o orvalho...”). Temos também essa louvável discussão sobre as relações familiares, como cada membro lida com o “desaparecimento” do pai, do marido. Dois filhos e uma filha; homossexualismo em nuances entre o escracho e discreto, se é que isso é possível. Jogo de interesses, pequenos escândalos, o eminente suicídio da jovem fêmea. Os quadros vão se superpondo em velocidade sacolejante. As pinturas do artista começam a ganhar vida com o primeiro quadro “Verão em família” (que vai se repetir no final, numa espécie de eterno retorno freudiano), e vão se interligando uns aos outros em um encadeamento não causal. Paulo de Moraes, que dirige a peça e assina o texto com o filho Jopa Moraes desenvolveu uma dramaturgia, que tem muito a ver com o american way of life, como o pensamento de São Paulo e uma parte menor do Rio de Janeiro, mas na essência, o que temos é um texto inteligente,  mesmo se desconstruirmos as piadas infames que permeiam seu desenvolvimento (o episódio em que se sugere a mais estranha interpretação do momento em que Jesus Cristo anda sobre as águas, Uau! Não foi fácil engolir aquela). Encontros e desencontros da atual cena teatral brasileira: trama fragmentada e de elegante estrutura. Diegese requintada, onde cada elemento cênico exerce sua função de modo satisfatório e profícuo. Mãe  e filhos, a problemática do pai. A arte e  a vida entrelaçando-se num projeto teatral bom. A interpretação dos atores, numa sincronia justa, vai do grande momento a deslizes perdoáveis. Adorei ter encontrado meus alunos do Curso de Interpretação Teatral, do SESC Piedade. Com beijos e abraços nos meus amados. 
Ah! Sim. A Companhia Armazém é patrocinada pela Petrobrás. Houve um discurso, vindo o som amplificado dos bastidores, contra o fim do Ministério da Cultura.

Inútil a Chuva

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