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sexta-feira, 19 de junho de 2015

A voz fronteiriça de Nelson Rodrigues


                                                                      por Moisés Neto*


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Nelson Rodrigues: Um homem comum, voz fronteiriça, entre banal e o singular, antiintelectualista e anti-retórica. Com a linguagem de modo a recriar seus espaços. Opostas e simétricas dimensões, a pornográfica e a mística, ou a do erótico: "convertido". Reacionário". Resposta ao "revolucionário de esquerda". Recife-RJ : ligação visceral com a cidade, jornalista e escritor. O trivial, o ser como todo mundo, torna-se a fonte da experiência produtora do texto. Já é lendária sua peça Vestido de Noiva, de 1943:  literatura na e com a linguagem ordinária: caráter performativo da palavra. A experiência bifronte do jornalismo e da literatura, Teatrólogo maldito a escrever no sufoco da própria subsistência. Tinha  o hábito das polêmicas.
 Da cidade, a crônica de cada um: Zona Norte,Centro e Zona Sul: Nelson batia tudo: por meio de transporte público ou em percursos a pé. Histórias curtas:  A vida como ela é, durante os anos 1950: metalinguagem espacial, conotando valores e comportamentos no amplo espectro de possibilidades da Zona Norte à Zona Sul. Pense na Folha de Pernambuco casando com Freud, a igreja e sabe-se o que mais.Ele é um autor irônico que  aproveita o espaço da transgressão. Vivencia climas mais melodramáticos, atingindo o grotesco, Repórter de polícia, aos 13, depois: futebol, crítica, crônica, conto, folhetim, romance e inclusive, consultório sentimental. Mistura de componentes passionais ou melodramáticos ao tom humorístico é traço estilístico radical. A rigidez mecânica de seus personagens, capazes de transformar manias em obstinações as criações rodrigueanas, ao se manifestarem pela aparência desagradável do grotesco – kitsch ou pornográfico –, constroem a visão moral da vida, inerente à obra. É justamente esse desconcertante âmago filosófico, a partir do qual a existência aparece como brinquedo absurdo. Temos na sua dramaturgia um tom confessional/ memorialista e característica reflexiva e intrigante de ensaio, investigação existencial, filosófico-moral de ordem estritamente subjetiva. São confissões exorcizando todos os diabos: inventário das exacerbações mais pessoais. Em suas ficções híbridas e destemperadas, "parodia", literária e jornalisticamente. Ato extremo, um risco. Canibal de si mesmo, seu próprio bode expiatório. Nelson, a "flor de obsessão": linguagem ordinária, metáforas coloquiais e lancinantes, igualmente desdobra o próprio pensamento, se alimenta dele mesmo, de suas "fixações obtusas, fanáticas, delirantes: "Ninguém sai de si mesmo", já disse Gracilano Ramos. Exame das obsessões e interesses mais íntimos: "strip-tease" moral, ato problemático, suspeito, quase obsceno, em termos tanto públicos quanto individuais.Volta proustiana a um passado que parecia irreconquistável. Perene menino humilhado nas vivências ordinárias da pequena burguesia, cotidiana penúria. Histórias, embaraçosas ou tristes, mas sempre contadas em tom passional: o episódio das orelhas sujas, a descoberta dos piolhos na cabeça, "a utopia do sanduíche de ovo", em vez da banana de "um vintém", ou mesmo da fome, na falta dela. Traz a perspectiva do homem comum : O aperto de um "ônibus apinhado", capaz de enguiçar, as fixações de pobre: “Quando ando de ônibus (e, às vezes, só tenho o dinheiro contadinho do ônibus), viajo como um ofendido e sou, realmente, um desfeiteado. É uma promiscuidade tão abjeta, que eu diria: o ônibus apinhado é o túmulo do pudor”.
Clarice Lispector elogiou por Bonitinha, mas ordinária. Ela disse que aquele narrador era um menino que acaba de olhar pelo buraco da fechadura uma cena monstruosa! “A própria Clarice também é uma menina de Dickens. E vou mais longe: – é o próprio ser humano que ainda não se tornou adulto. Continua menino órfão Nunca vi ninguém tão menino como o Guimarães Rosa. Ai de quem não é menino! Ai do que vive sem horror! Pois é o espanto que nos salva. Aquele que se horroriza pode esperar ainda a Ressurreição. A visão romântica e encantatória do mundo, a crença em um absoluto inalcançável, a inesgotável capacidade de se alimentar das próprias obsessões habitam o âmago da sensibilidade artística de Nelson e são responsáveis pela correspondência estreita entre arte e vida que caracteriza o seu percurso existencial e artístico de incurável polemista. É o "teatro desagradável": o autor como uma espécie de "bode expiatório", autodesignado para purgar as culpas de uma sociedade na etapa crucial do fim dos anos 1960, com a perda das liberdades democráticas, e durante os piores momentos da ditadura militar nos anos 1970. Morbidez? Sensacionalismo? Não, senhoras e senhores: Teatro para ser purificador, precisa ser atroz. O personagem é vil, para que não o sejamos. Ele realiza a miséria inconfessa de cada um de nós. Mentalidade mórbida esticada no limite da elasticidade, exaltação dos climas, obsedante visionarismo, exorcismo crítica conservadora, mas lúcida, que promove das alienações e dos engodos ideológicos da intelectualidade dominante nos grandes centros brasileiros da época (Rio de Janeiro e São Paulo), o personagem Nelson se expõe radicalmente. Não apenas em termos políticos, mas sobretudo em termos pessoais. "Eu sou um ex-covarde": "Todas as pressões trabalham para o nosso aviltamento pessoal e coletivo. [...] O que existe, por trás de tamanha degradação, é o medo. Por medo, os reitores, os professores, os intelectuais são montados, fisicamente montados, pelos jovens. [...] Sim, os pais têm medo dos filhos, os mestres dos alunos [...] Não há um medo só. São vários medos, alguns pueris, idiotas. O medo de ser reacionário ou de parecer reacionário. Por medo das esquerdas, grã-finas e milionários fazem poses socialistas. Hoje, o sujeito prefere que lhe xinguem a mãe e não o chamem de reacionário. Por que não fazer do Brasil o próprio Brasil? Ah, o Brasil não é uma pátria, não é uma nação, não é um povo, mas uma paisagem. Há também os que o negam até como valor plástico [...] Há um velho e obtuso preconceito, segundo o qual todas as frases querem dizer alguma coisa. Nem sempre”.
*Moisés Monteiro de Melo Neto é pesquisador, escritor e professor recifense. Mestre e Doutor em Letras.


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