Miró é recifense do bairro da Encruzilhada, morador da
Muribeca, escreve desde 1985, tem 7 livros lançados por este Brasil afora: Que
descobriu azul anil(1985), Ilusão de ética (1993), Entrando pra
fora e saindo pra dentro (1995), Quebra a direita segue a esquerda e
vai em frente (1997), São Paulo eu te amo mesmo andando de ônibus(2001), Poemas
pra sentir tesão ou não (2002), Pra não dizer que não falei de flúor (2004)
e recitais por todas as esquinas.Ele foi tema da tese de mestrado de André
Telles Corpoeticidade: Poeta Miró e sua literatura performática, na
Universidade Federal de Pernambuco. A poesia dele tem um certo toque de
crônica e ele gosta de dizer que não tem papas na língua, no sentido de usar
palavras difíceis para que o engraxate e a mulher que vende tapioca na rua
entendam.
Eis um dos seus poemas:
Eis um dos seus poemas:
CARLA
Conheci Carla catando lata
seus olhos brilhavam
como alumínio ao sol
São Paulo ardia num calor
de quase quarenta graus
pisou na lata,
como pisam os policiais
nos internos da Febem
jogou no saco
com a precisão
que os internos jogam
monitores dos telhados
e rápido foi embora,
tal qual seqüestro relâmpago
deixando a lembrança de um tempo
que não havia
sequestros,
Febem,
nem tanta polícia,
muitos menos
catadores de lata
seus olhos brilhavam
como alumínio ao sol
São Paulo ardia num calor
de quase quarenta graus
pisou na lata,
como pisam os policiais
nos internos da Febem
jogou no saco
com a precisão
que os internos jogam
monitores dos telhados
e rápido foi embora,
tal qual seqüestro relâmpago
deixando a lembrança de um tempo
que não havia
sequestros,
Febem,
nem tanta polícia,
muitos menos
catadores de lata
Os olhos de Carla
Nem desse poema precisavam.
Nem desse poema precisavam.
Vemos o cotidiano esmagador ao som de uma lira incandescente.
Nascer na Encruzilhada e morar no bairro que teve o lixão mais famoso da
periferia do Grande Recife. Nem assim se deixou contaminar. Antes reviu tudo de
forma também forte. Ele acha que os poetas devem parar de reclamar e fazer.
Procurar espaços alternativos para divulgar os seus escritos longe dos
mauricinhos brancos querendo resgatar a cultura popular. Prefere a postura
"antissistema". Sua pobreza suburbana deu-lhe um olhar com consciência
de classe, revolta.
Sobre o seu trabalho, ele revelou à Agenda Cultural da
Prefeitura do Recife: "Quando o André me escolheu para ser tema dessa
tese, eu já vinha fazendo isso há muito tempo na rua, e sendo conceituado,
sendo querido. Uma questão fundamental na história: fui muito conhecido, tive
muita fama na rua, como P.F. (prato feito) de graça, minha poesia é exatamente
a cara do ser humano na rua. Quando perguntam a mim: `Miró, o que você diria a
um poeta novo?´, eu respondo: `Ande de ônibus, olhe pela janela do ônibus, seja
observador, olhe as pessoas na rua conversando´. Eu escrevo só sobre isso, só
que tem imagens poéticas e apuradas porque já faço poesia desde muito tempo.
Você já levou sua poesia para a rua muitas vezes. Quais são as experiências
pelas quais você já passou recitando poesia em espaços públicos? Muita coisa.
Já passei pela experiência de estar falando em um poema: `o domingo era o dia
mais feliz antes de Norma beijar um outro na boca´, e uma mulher disse: é gaia!
Já levei mão na cara em Juazeiro da Bahia quando eu fazia isso, hoje em dia não
faço mais, hoje eu sou convidado, mas quando eu comecei eu não podia ver cinco
pessoas na rua que subia na mesa. Já fui aplaudido de pé em Niterói. O artista
de rua passa coisas que nem Deus acredita. Ele vai ter aplausos, beijos de
mulheres, vai ter casa pra dormir como eu já tive. A poesia me fez conhecer o
Brasil, conhecer nossa gente, eu conheço quase o Brasil todo, a poesia me
salvou, cara. Agora eu preciso ganhar dinheiro pra poder cuidar da minha mãe,
dona Joaquina, que tem 82 anos, morar numa periferia onde todo mundo me ama, e
chegar lá e ser considerado pelos policiais, pelos amigos, pela vizinha de
baixo que nunca quis falar. Eu faço camisas, cartões-postais e não trabalho de
segunda a sexta em lugar nenhum, eu nunca disse isso: desde 1985 que eu não
saio de segunda a sexta pra canto nenhum tendo que ir, e fazendo poesia em um
país que não lê."
Quanto à série Marginal Recife (série de
quatro livros, com dez poetas cada, publicada pela Fundação de Cultura Cidade
do Recife). Heloísa Arcoverde (Gerente de Literatura da FCCR), que viu Miró
falando poesia na rua e quando foi pesquisar na prefeitura não achou nada.
"Ela me chamou, chamou Cida e Valmir para que juntassem as pessoas que
quisessem." Cida Pedrosa tem uma página na net: a Interpoética,
há também recitais como o Quartas Literárias. Mas a união de sentar,
"essa coisa política", segundo Miró, em Recife não acontece:
"Agora tem sim um movimento que é forte e que quando quer bota pra
quebrar. Os urbanos não têm paciência para reuniões. Eu sou um. Malungo tem
o fanzine De Cara com a Poesia, eu tenho meu livro, Lara bota na
internet, Chico Espinhara nunca quis nada com o poder, Érickson
Luna era aquilo que todo mundo sabe. E o pior: o poder querendo ajudar.
Quem fez o livro de Luna foram os amigos. Há uma coisa no Recife dos poetas
urbanos de não quererem muita coisa com o sistema. E o sistema muitas vezes
chamou a gente."
Todos
os livros de Miró foram feitos de modo independente. O que não significa que
recuse apoio de sindicatos. Foi publicado também em Marginal
Recife (coletânea
da FCCR) e
pela "Livros e Letras", do Ceará (a segunda edição de seu único livro
que fica em pé, o "Ilusão de ética"). Diz-se dono de uma poesia visceral.
Começou a recitar nos anos 80 viajando pelo seu país e encontrando outros como
ele. Recitador de Pernambuco, nas lidas do cotidiano, no pega mata e come da
vida, de cada minuto. Oprimido, oprime. Ao falar do movimento cultural mais
importante dos anos 90 no Brasil, o Manguebeat, Miró sustenta que
Chico Science, Fred 04 e
outros de
sua geração sacudiram Pernambuco, o Brasil e o mundo. Mas que essa história de mistureba,
Raul e Alceu já faziam.
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