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sábado, 28 de setembro de 2013

O drama do edifício Caiçara: Recife terra de ninguém

Enquanto o macrocosmo se agita e para abranger tanta mudança seriam necessárias muitas metáforas, gostaríamos de contrapor a toda a estrutura proposta pelo projeto tecnicista do capitalismo em sua forma mais sincrônica, uma metonímia local.
Um fato  estranho e tão comum na nossa cidade, Recife: A demolição do Edifício Caiçara, na Avenida Boa Viagem, começou no dia 27  de setembro, mesmo contra a lei. A força da grana que ergue e destrói coisas belas, cantada por Caetano, mostrou suas armas mais uma vez. Os dois andares de um dos mais antigos prédios da região, estão agora em ruínas. Vejam bem: o prédio estava em processo de tombamento e mesmo assim a empresa Rio Ave, proprietária do terreno, detonou o Caiçara. O Ministério Público de Pernambuco informou que vai entrar com duas ações contra a construtora. A gente já imagina o fim desta novela.
em frente ao prédio


O Edifício Caiçara, à beira-mar em Boa Viagem, foi projetado em estilo neocolonial nos ano 40. Os seis apartamentos foram vendidos. A Fundarpe disse que a Secretaria de Cultura recebeu a Resolução N° 001/2013 do Conselho Estadual de Cultura indeferindo o pedido de tombamento do Edifício Caiçara, datada de 19 de setembro. Já a Rio Ave insinuou que a Prefeitura do Recife autorizara a demolição do prédio, o que foi negado pelos responsáveis logo a seguir. A Fundarpe embargou a obra.

O promotor Ricardo Coelho disse que a atitude da empresa foi "precipitada" e "criminosa". "A nota da Rio Ave não condiz com a verdade. O Edifício Caiçara ainda está tombado, embora provisoriamente. O tombamento só pode cair mediante um decreto governamental, que é posterior a decisão do Conselho Estadual de Cultura. Na hora que alguém derruba um bem tombado, incorre no artigo 62 da Lei 9.605/98, de destruir e inutilizar um bem tombado. Assim, houve improbidade administrativa, crime ambiental".
Fala-se numa multa de até 50 milhões. Quem acredita? Isso seria feito através de uma “ação cautelar” pedindo a responsabilização da construtora e o embargo da demolição. Sim: uma ação criminal, cuja  pena seria de um a três anos de reclusão . Veremos?
A seguir: cenas do próximo capítulo


sábado, 21 de setembro de 2013

Tempos perdidos, nossos tempos?

Fala-se muito da eleição para presidente do Brasil, ano que vem. Da espionagem  intensa, do Mensalão, dos novos aplicativos e do final de uma Era. Muita gente cozinhando e nada no pote, a não ser as velhas ideias requentadas. O discurso ideológico preso a valores da ganância. Passar os outros para trás. Por outro lado levanta-se uma possibilidade grande de revolta, conciliação com valores mais justos e... honestos .
A indústria bélica é uma das mais lucrativas do mundo e não é a toa que estamos todos envolvidos neste caos. O cinema constantemente está a fazer propaganda de armas. Vê-se de tudo em desenhos animados etc. Os livros ainda são impressos em grande quantidade, porém o reino virtual pouco a pouco vai se estendendo e não há dúvida das suas possibilidades. O culto à imagem vai se sobrepondo a uma reflexão mais interior, no sentido menos tecnológico e mais humano, afastando-se do automatismo previsto desde o início do século XX.
A dança das horas aproxima-nos de um êxtase programado e individualista. Sigamos na esperança de dias melhores. É interessante quando vemos, por exemplo, atrizes famosas como Rosamaria Murtinho, Nathalia Timberg e Suzana Vieira posicionando-se por uma causa, como fizeram esta semana, mostrando luto pelo momento político que o país atravessa.
 



    Rosamaria Murtinho, Nathalia Timberg e Suzana Vieira



Para que não sejam tempos perdidos, nossos tempos, há que se manifestar: tudo que é sólido ainda se desmancha no ar. Somos feitos da matéria dos sonhos, também, enquanto seres metafísicos, porém nossa constituição física exige respostas imediatas sobre assuntos tão problemáticos que é bom estarmos atentos  fortes... sem temer.

sábado, 14 de setembro de 2013

Parte I: Introdução à história do teatro


 Sobre a   História do Teatro



 (Introdução à  História do Teatro)


(TEATRO DO PARQUE, RECIFE)


                                   

por MOISÉS MONTEIRO DE MELO NETO
(MOISÉS NETO)



Teatro é encenação, espetáculo, encontro rápido entre atores e platéia e sobram fotos, roupas quem sabe alguns objetos e... um texto.

Um espetáculo teatral é um ritual onde atores, diretor, produtor, cenógrafos, figurinistas e técnicos esperam aplausos ou mudança social.

O início deu-se em Atenas, Grécia VI a.C quando um homem chamado TÉSPIS ousou imitar os deuses e outros homens. Algo similar já fora feito na Índia, no Egito e em outros lugares milênios antes. Mas desta vez, vestindo uma túnica, usando uma máscara e sobre uma carroça, este ator apitou: “Eu sou Dioniso”. Era o nascimento do teatro. No século seguinte, a Grécia presenciaria o aperfeiçoamento desta arte. No ano 400 A.C, havia concursos para escolher os melhores autores teatrais (comédia, tragédia), turnês patrocinadas pelo governo e teatros com capacidade para milhares de espectadores. O povo queria distração.

Em vez da carroça, veio o palco fixo e escritores como Esquilo, Sófocles e Eurípedes que deram início a esta ilusão mágica chamada Teatro.

E tudo começou como uma homenagem ao deus do vinho e da paixão selvagem: DIONISO.

Se nos rituais a Dioniso (chamados Ditirambo) os gregos embriagavam-se e brincavam, agora permaneciam sóbrios na platéia para assistir às peças, em silêncio e assim purificar suas almas das paixões sufocantes. Pois o teatro, ao falar das emoções alucinantes ou doentias, ao inspirar piedade ou terror, nos liberta de tudo isso.

O teatro sempre fala aos sentimentos dos homens.

Nas tragédias gregas, vemos o herói em luta contra o seu destino e os deuses aparecem para recompensar a coragem e punir a rebeldia. Aí os autores se posicionam diante dos valores sociais.

Havia regras para se escrever peças teatrais na Grécia.

Se as tragédias estudavam o sublime, as comédias baixavam-se ao ridículo para denunciar a incompetência dos governantes, alertar contra os maus costumes ou denunciar aqueles que queriam corromper as instituições.

O teatro imitava a vida: uma trama expunha acontecimentos, havia um clímax e uma solução para o problema inicial. Os gregos sistematizaram essa história de herói (protagonista) e vilão (antagonista).

E tudo deveria acontecer no limite do possível, do verossímil (Eurípedes perdeu um concurso por colocar a sua Medeia fugindo no carro do sol no final da peça: imperdoável deus ex machina).

A coisa mais importante no teatro é a ação! E antigamente a música também auxiliava os espetáculos. O que os espectadores assistiam era a linguagem encenada e o texto escrito era literatura, por isso podemos ler estas obras escritas há 2.500 anos, mas o texto teatral não é para se ler e só “vive” no palco. No livro ele é um fantasma, mas foi assim que foram preservados.

O cenário, figurino, a luz, os gestos, a voz e tudo que faz o público vibrar, dão ao texto plenitude física e espiritual. O ato emociona o público, mas, como profissional, ele precisa estudar muito, ter técnica.

Quando os romanos entraram em contato com os gregos, ficaram encantados com o teatro deles e levaram para Roma esta arte: Plauto e Terêncio, nos anos 200 e 100 A.C, fizeram muito sucesso, mas as comédias eram as preferidas dos romanos: os disfarces, travestimentos, truques, obscenidades, cores e intrigas. Mesmo na decadência de Roma havia público para encher os teatros. Mas no século V D.C, a igreja proibiu as peças.

Vem a idade média e os espetáculos mais apimentados são confinados aos feudos (grades propriedades de ricos), aos castelos e se afastam do povão.

Nos castelos surgem poetas, cantores, músicos, dançarinos, dramaturgos, atores, palhaços, acrobatas, isso tudo muitas vezes recebia um nome só: MENESTREL. Durou até o século IX, quando os artistas foram procurar os pobres novamente e caíram na estrada, sendo até chamados de vagabundos!

A igreja os usou nas festas religiosas empeças chamadas “moralidades” onde personagens chamados “gula” e “luxúria”, por exemplo, surgiram fantasiados de demônios terríveis. Principalmente lá pelo ano 1000 quando se anunciava o fim do mundo.

Essas peças religiosas fizeram muito sucesso na Espanha nos século XII e XIII, eram os autos, que pregavam a salvação da alma. Encenavam-se inclusive dramas como “A PAIXÃO DE CRISTO”. Eram representados dentro ou no pátio das igrejas e depois em praça pública, o que atraía o povo mais pobre. Aí as peças eram montadas em cima de carroças, havia cenários e máquina para encenar os “milagres” e “aparições” dos santos e diabos.

Havia muito maniqueísmo. Mas veio a Renascença (os 1500) e os atores dependeram menos dos ricos e tiveram que buscar sustento de outro modo. Em Florença, Londres, Madri e Paris surgem as companhias regulares de teatro. Em Portugal e Espanha, alguns autores como Gil Vicente e Calderon de la Barca ainda insistiam com temas religiosos, no Brasil, José de Anchieta (1534-1597) escreveu peças mostrando as conseqüências da heresia e da maldade.

Já na Itália surge a commedia dell’arte, uma forma de teatro popular que rompe com os clássicos e apresenta personagens engraçados como o arlequim, que consolam mocinhas apaixonadas como a colombina, na base de improviso cômico.

Na Inglaterra, o teatro estava no auge e a rainha Elizabeth I dava a maior força a Shakespeare que escreveu tragédias, comédias e peças históricas. Havia vários teatros em Londres e todo dia quase tinha espetáculo. Só que mulher não podia trabalhar como atriz e na platéia tinha mais rico do que pobre.

Na França dos 1600 surge um grande autor teatral: Molière (1622-1673) que, com suas comédias, criticou a sociedade ao descrever impostores, falsos devotos e maus cristãos. Mostrou também como os pobres podiam ser vulgares.

Já em 1700, os franceses espalham a moda intelectual e discutem filosofia no teatro, afastando novamente o povo da platéia; nos 1800 surgem várias tendências na Europa: Principalmente a briga entre naturalistas e simbolistas. Era a época do Realismo social também e até na América do Norte surgem grandes dramaturgos na primeira metade do século XX: Eugene O´Neil, Tennessee Williams e outros.

Emerge na Europa a figura do Encenador, do diretor de teatro: na Alemanha, Bertold Brecht; da Rússia, vem Stanislavski.

Com a energia elétrica, o som e a luz ganham novas dimensões. O existencialismo discute as relações sociais do homem e prega a revolta. Já o teatro do absurdo diz que a vida não faz sentido.

O século XX vai chegando ao fim e o homem se depara com a solidão capitalista.
Resta a Broadway e similares, o teatro musical comercial. A peça “Hair” nos anos 60 ou “O Fantasma Da Ópera” e “Cats”.

No Brasil o teatro surgiu nos 1800, em forma das comédias de Martins Pena. Na primeira fase do modernismo, só Oswald de Andrade escreveu peças relevantes.

Na década de 1950 e 60, surgem muitos grupos teatrais. Nomes como o pernambucano Nelson Rodrigues ou ainda Millor Fernandes, Plínio Marcos, Oduvaldo Viana, Guarnieri e encenadores como Ziembiski, Antunes Filho e Augusto Boal. No Recife surgem o TAP e diretores /dramaturgos como Hermilo Borba Filho, Luiz Marinho, Ariano Suassuna (paraibano radicado no Recife), Isaac Gondim e Valdemar de Oliveira.


MONTAGEM DE A PEDRA DO REINO, TRAZIDA AO RECIFE PELA ILUSIONISTAS:
http://www.moisesneto.com.br/pedradoreino.html

A Veneza Brasileira no final dos anos 70 vê surgir grupos como o TUBA, com o espetáculo “Guarani com coca-cola” e o talentoso João Falcão, com suas comédias, chega a lotar teatros e a fazer turnês pelo Brasil. Destacamos também a escrita e direção vertiginosas do dramaturgo Henrique Amaral. Nos anos 90, vem o besteirol da Cinderela, seguindo e deturpando um filão aberto por Mauro Rasi e Miguel Falabela.



Clenira Bezerra de Melo, Moisés de Melo Neto, Carlos Bartolomeu e Simone Figueiredo
artistas do teatro em Recife (foto: Gustavo Túlio). Teatro Valdemar de Oliveira


O teatro recifense sobrevive em busca de um perfil. Há diretores como José Francisco Filho, Samuel Santos,  Moreira, Antonio Cadengue e Carlos Bartolomeu que são “clássicos". Quanto aos grupos destacamos o Magilluth, o Coletivo Angu, Fiandeiros, dentre outros, como os veteranos da Seraphim.


ILUSIONISTAS CORPORAÇÃO ARTÍSTICA, 2003:Musical A ILHA DO TESOURO,  de Moisés Neto e Ricardo Valença, direção Carlos Bartolomeu, produção Simone Figueiredo, figurinos e cenário: Marcondes Lima e Herique Celibi


Há que se destacar os nomes de hoje Adriano Marcena, Felipe Botelho, este da minha geração e com quem já compartilhei algumas discussões sobre nossos textos,  Augusta Ferraz, e João Denys. Há também um festival nacional por aqui.


Ensaio da peça A NOITE DOS ASSASSINOS,
LEVADA À CENA EM RECIFE, ANOS 80

Mas a chama que os gregos acenderam permanece como um farol e todos nós estamos seguindo viagem.


JORNAL RIBALTA ANUNCIA espetáculo TRÊS TRISTES GREGAS, uma releitura de mitos gregos


Espetáculo TRÊS TRISTES GREGAS, uma releitura de mitos gregos



ASSISTA AO DOCUMENTÁRIO PRODUZIDO PELA ILUSIONISTAS, SOBRE OS 80 ANOS DE ANTUNES FILHO:
http://www.youtube.com/watch?v=LVxTpsv_nCs

quinta-feira, 12 de setembro de 2013

Então foi suspenso o ataque a Síria, por parte dos estadunidenses e franceses.
Os comentários do Papa Francisco, os pareceres negativos de Inglaterra e Rússia.
A falta de apoio interno para uma ação mais agressiva, levaram, o chefe a reconsiderar certas propostas.
Resta agora saber: até quando?
Poderia ter sido como no Iraque...
Os tempos foram outros.

Enquanto isso faz um certo frio no Recife, em pleno setembro: não é comum.


quarta-feira, 11 de setembro de 2013

MANGUEBEATNIK, A INTERZONA: Beat Generation & Manguebeat

Apostando a última ficha na juke box da Soparia do Pina

CHICO SCIENCE E NAÇÃO ZUMBI 

 20 ANOS DO LANÇAMENTO DO CD DA LAMA AO CAOS*

                                                                                                      por Moisés Neto

 


            Reunidos em lugares como o Cantinho das Graças, na lendária Soparia do Pina ou do Bar do Caranguejo em Candeias, alguns amigos trançaram os rumos que abalariam os alicerces das concepções artísticas no Recife no início dos anos 90. O termo Manguebeat logo seria conhecido pelo Brasil inteiro e viraria marca registrada de artistas que dentre outras coisas admiravam a Geração Beat principalmente os autores como Ginsberg, Kerouac e William S. Burroughs. O livro “On The Road” tivera sua 1ª ed. em português nos anos 80 e a editora Brasiliense havia relançado vários autores da Geração Beat, que voltavam a influenciar os autores brasileiros. “Pergunte ao Pó”, de John Fante, mostra um herói que tem tudo a ver com os personagens marginais que pululam nas letras de Chico Science e Fred Zero Quatro, dois poetas, líderes do Manguebeat, Fante foi um avatar. Science vinha desde os anos 80 “Antenado” com a cultura Underground norte–americana. Rap/ hip hop/ funk faziam a cabeça daquele rapaz que aqui no Recife não esquecia suas raízes culturais, como o Maracatu, por exemplo, mas percebeu que alguns artistas ianques da classe menos favorecida, que ficava às margens do mainstream, aprenderam a transformar em poemas, e no caso dos beatniks, também em romances, as aventuras das ruas, dos bares, dos guetos. O momento chegou para a Geração Mangue quando, em 93, há 20 anos, Science assina com a Sony Music e os mangueboys invadem São Paulo.  Se o movimento, que havia lançado seu 1º manifesto – release em 1991 e já se articulava bem com a mídia e com os produtores independentes mundiais, a partir do lançamento do CD “Da Lama ao Caos”, a geração Manguebeat dava seu passo mais largo em direção à batida perfeita que eles perseguiam. Do mesmo modo como nos romances “Pergunte ao Pó” de Fante, o herói do mangue vive o universo dos bares, dos esquecidos da sociedade, da busca da emoção mais verdadeira, da vida bandida que Bukowsky mostraria nos seus textos. Do mesmo modo que “Beat Generation” foi inventada por Kerouac em 1948 e foi apresentada ao público no artigo que o amigo dele John Clellon Holmes escreveu para o The New York Times Magazine em 1952 (“This Beat Generation”), Fred e Science contaram com o apoio do Jornal do Commercio do Recife para começar o “Movimento Manguebeat”, que evoluiria em muitas direções durante uma década. O Manguebeat, nos moldes da Beat Generation (que tinha este nome porque, dentre outras coisas, por significar “derrotado, ou, como queriam alguns, beatitude), usava palavras que normalmente só eram usadas por pessoas das classes menos favorecidas. Por exemplo, na letra da música “Banditismo por uma questão de classe”, o poeta Science usa a palavra “Fodido”, só para citar um pequeno exemplo.  A “Batida” (Beat) se espalhou entre aqueles que buscavam a critica social e desprezavam as afetações burguesas. Então, nos moldes dos beathiks, a geração mangue usou criminosos, como Lampião, Biu do Olho Verde, Galeguinho do Coque e outros, como modelos a serem incorporados ao eu–lírico. Como os marginais do romance “Almoço Nu” de Burroughs, as barbaridades são sublimadas em nome da doidice generalizada da sociedade. Para o Mangue recifense chegaram com os anos 90: Os CD’s. A MTV, a McDonald’s e a Internet traziam o estilo americano para o seio de Recife. O Grunge explodia como movimento em Seattle(EUA). Começava a última década de um século que presenciou grandes transformações. Os mangueboys ergueram mais uns copos de cerveja e começaram algo que a poeira do esquecimento nunca encobrirá totalmente. Ficção ou poesia, o drama social de homens que buscaram descrever o cotidiano da estrada, da rua, com sua linguagem dura, sua falta de dinheiro. Em livros ou em CDs, que importa? Era Manguebeatnik! Pronto. Trocar idéias, discos, revistas e livros faziam partido Grupo Mangue (Fred, Chico, Renato L, Mabuse, Helder Aragão, Hilton Lacerda e Jorge du Peixe). Algo que lembrava os tempos do Village, onde os beats se reuniam para “segurar a onda” uns dos outros, ler seus novos textos, fazer performances (Como o grupo recifense que elegeu o Espaço Oásis, em Olinda, o Arteviva e a Soparia do Pina, Recife, para exibir seus trabalhos),  encontrar novas pessoas e se interessar por elas, fortalecendo assim uma corrente de pensamento, uma atitude grupal. É claro que, como Burroughs, haveria mangueboys de primeira instância que negariam no futuro qualquer ligação maior com o movimento. Mas isto é outra história. O Manguebeat desponta no Brasil no final dos anos de chumbo, do mesmo modo que os Beatniks enfrentaram o McCarthismo pós–guerra nos EUA e abrir as portas para novas percepções. A psicodelia, que Ginsberg e Timothy Leary propagaram já nos anos 60, influenciou Chico de tal forma que ele criou a estética afrociberdélica, letras psicodélicas, cibernéticas, estética afro, diluída num som cheio de efeitos. O desconforto, a ruptura com a velha realidade e a criação de um novo modo de ver as coisas desnudando-as. Era o espírito dos rapazes que queriam aventuras e se posicionavam contra aqueles que queriam roubar dos pobres seu bem mais precioso: a liberdade.  Artistas criando seu próprio universo: os beats mostravam que não eram só as grades das prisões que mereciam uma revisão. Os valores sociais precisavam de novo padrão, este fatalmente iria de encontro ao consumismo, não o respeitando, mas negociando numa dialética bem particular, nova, diferente. Havia muita gente sem trabalho, sem segurança e sem felicidade, tanto nos EUA Beatnik quanto no Recife Manguebeat. Mas tanto a águia americana quanto o gigante deitado eternamente em berço esplendido (Brasil) na terra dos altos coqueiros (Pernambuco) fincados no mangue (Recife) tinham no seu colo alguns artistas desvalidos que pediam uma vida menos bandida, logo! E foram buscar na música negra, quer fosse o jazz dos beatniks ou no maracatu, funk, rap, soul dos manguebeats. Queriam a chance de gritar poesia e clamar por liberdade. Andar num mundo mais livre. Valia a pena para isso correr vários riscos. “Freedom is just another word for nothing left to lose” disse Kristoferson na letra de “Me and Bob Mcgee”, interpretada por Janis Joplin no seu álbum – testamento (Pearl), uma canção pra lá de beat. Janis que levara às últimas consequências os ideais de sua geração beat/hippie. Viajar, em todos os sentidos, é o que propuseram os manguebeatniks, também. E o esforço anárquico manteve a chama acesa excitando e aquecendo quem deles se aproximar até hoje. Tanto quanto Allen Ginsberg, no outubro de 1955, em San Francisco, quando  pela primeira vez fez uma leitura pública do “Uivo”, a geração manguebeat, também enfrentavam o problema de toda e qualquer nova geração: provar que tinha algo novo e eficiente para mostrar. Tornar–se independente. Na intrigante expressão facial de Chico Science, no seu jeito de cantar, no que ele dizia sobre a malandragem e o trabalho, sobre a condição de vida na Manguetown (modo como a geração manguebeat chamava Recife) e dos mangueboys, vemos estampada a atitude, o desafio. Rotular “Mangue”, ou “Beat”, uma geração é fazer dela parâmetro, farol. Conseguir transformar um conjunto de comportamentos, num adjetivo. 
Livro de 2004

Uma poesia crua, nua, apostando a última ficha numa juke box de um bar como foi a lendária Soparia do Pina, de Roger de Renor, onde a geração manguebeat se encontrou, naquele início dos 90. Viver na boemia e ser ágil como um caranguejo. Não ter medo do excêntrico, do tedioso, do ceticismo, do cinismo, de reconhecer que a paz nas ruas era apenas para disfarçar o cansaço diante da injustiça social transformada em máquina de explorar pobre é que um cara pobre desses tinha, ou poderia expressar, sua visão diferente do mundo. Uma idéia na cabeça e um bom canal de expressão à mão eram o bastante para começar. Se o beco não tinha saída, o lance seria dar meia volta e cair na estrada novamente. Pois estar na estrada é não estar perdido, é estar procurando. On the road  o Manguebeat procurava era a atitude certa, coisa que a passividade recifense havia esquecido de fazer desde os anos 70, quando grupos como Ave Sangria, capitaneados pelo poeta Marco Pólo, e os escritores publicados pela “Edições Piratas”, como o poeta Manuel Constantino, criavam novas perspectivas  nos meios intelectuais dos bares, das ruas, da mídia. O mergulho no álcool, na brincadeira, e até mesmo a visão das drogas, o trabalho alternativo, ou nenhum, a produção independente ou o respaldo de uma grande editora, uma gravadora, tudo ia circulando ao redor dos manguebitniks. A desilusão se transformando na vontade de curtir uma nova experiência, psicodélica, africana, cibernética, existencialista, uma viagem para dentro da própria sua condição e curtir várias possibilidades do ser. 
“Freedom is just another word for nothing left to lose” disse Kristoferson na letra de “Me and Bob Mcgee”, 
interpretada por Janis Joplin no seu álbum – testamento (Pearl), uma canção pra lá de beat

Como no filme “The Wild One”, com Marlon Brando, onde um motoqueiro beat e sua turma chegam para tomar cerveja e agitam numa cidade americana. Ele tem até um troféu, mas a vontade de desafiar o sistema é bem mais importante. Foi assim com Jim Morrison, com James Dean (ícone beat), com Cazuza e Renato Russo (rock dos 80) e com Chico Science e Fred Zero Quatro, sua virada cultural. “Only the most bitter among them would call their reality a nightmare and protest that they have been indeed lost something, the future”. Disse John Clellon Holmes no artigo “This is the beat generation”, no New York Times Magazine 16/nov/52. Artigo que introduziu a expressão “Beat Generation” para o mundo onde ele afirmava que para eles era mais importante “como” viver do que “por quê”. Não era falar sobre o cansaço e sim em como se tornar mais ativo e ativista: o manguebeat foi o plano que todos esperavam. Nem se conformar nem destruir: antenar-se e relaxar, parecia ser o melhor caminho para ambas as “gerações”. Se a guerrilha que Zeroquatro e Chico exaltavam não podia ser uma revolução armada, então seriam poesia e som com “gosto de gás” (com toda vontade) como “Bala que já cheira a sangue” (Trecho de uma letra de Science). 
Kerouac,  desbravador


Zeroquatro parecia com o narrador do romance “On The Road” (“Pé na estrada” na tradução para o Brasil), Sal Paradise, que parte de New Jersey para San Francisco, antes parando na casa de um amigo, Dean Moriarty uma espécie de Chico Science, que mora em Denver, e curte a vida. (Dean é inspirado no Beatnik Neal Cassady). Em Dever ele encontra Dean e Carlo Marx (inspirado em Allen Ginsberg) que poderia ser qualquer outro mangueboy como Renato L ou Jorge du Peixe, ou Hélder Aragão (DJ Dolores). Os três curtem Denver, como os caranguejos com cérebro (os jovens do mangue), curtiram Recife. Dean e Sal precisavam de um lugar para ficar e ainda pensam dar um salto para a Itália. Mas a estrada americana era tudo que a realidade lhes oferece. Chico, Fred, Renato, Helder, du Peixe e Mabuse aqui no Recife armavam as estratégias de ataque. O manifesto em 91, o CD e o lançamento do movimento em São Paulo e no Rio de Janeiro em 93. O Jazz que Sal curte com Duke Ellington em Chicago, era o som de Nick Cave e tantos outros  que Chico curtia em Recife. Carne preta seca em pó da lacraia aquática gigante brasileira, citada por Burroughs em “Naked Lunch”, a interzona que este autor sugeriu neste romance. Americanos gostam de viajar, mas só querem encontrar humor afrodisíaco: agente interzonal. Esporádicas alucinações? Bem–vindo ao clube! Ele está cheio de máquinas escrever mutantes e dopadas. Penitência? Ansiedade? Psicodelicanálise? Há em tudo isso um paradoxo ético (étnico)? Transestético! Todos saem do ar na interzona. 

* originalmente publicado na Gazeta de pernambuco

domingo, 8 de setembro de 2013

MIRÓ: poeta pernambucano



Miró é recifense do bairro da Encruzilhada, morador da Muribeca, escreve desde 1985, tem 7 livros lançados por este Brasil afora: Que descobriu azul anil(1985), Ilusão de ética (1993), Entrando pra fora e saindo pra dentro (1995), Quebra a direita segue a esquerda e vai em frente (1997), São Paulo eu te amo mesmo andando de ônibus(2001), Poemas pra sentir tesão ou não (2002), Pra não dizer que não falei de flúor (2004) e recitais por todas as esquinas.Ele foi tema da tese de mestrado de André Telles Corpoeticidade: Poeta Miró e sua literatura performática, na Universidade Federal de Pernambuco.  A poesia dele tem um certo toque de crônica e ele gosta de dizer que não tem papas na língua, no sentido de usar palavras difíceis para que o engraxate e a mulher que vende tapioca na rua entendam.




Eis um dos seus poemas:

CARLA
Conheci Carla catando lata
seus olhos brilhavam
como alumínio ao sol
São Paulo ardia num calor
de quase quarenta graus
pisou na lata,
como pisam os policiais
nos internos da Febem
jogou no saco
com a precisão
que os internos jogam
monitores dos telhados
e rápido foi embora,
tal qual seqüestro relâmpago
deixando a lembrança de um tempo
que não havia
sequestros,
Febem,
nem tanta polícia,
muitos menos
catadores de lata
Os olhos de Carla
Nem desse poema precisavam.

Vemos o cotidiano esmagador ao som de uma lira incandescente. Nascer na Encruzilhada e morar no bairro que teve o lixão mais famoso da periferia do Grande Recife. Nem assim se deixou contaminar. Antes reviu tudo de forma também forte. Ele acha que os poetas devem parar de reclamar e fazer. Procurar espaços alternativos para divulgar os seus escritos longe dos mauricinhos brancos querendo resgatar a cultura popular. Prefere a postura "antissistema". Sua pobreza suburbana deu-lhe um olhar com consciência de classe, revolta.
Sobre o seu trabalho, ele revelou à Agenda Cultural da Prefeitura do Recife: "Quando o André me escolheu para ser tema dessa tese, eu já vinha fazendo isso há muito tempo na rua, e sendo conceituado, sendo querido. Uma questão fundamental na história: fui muito conhecido, tive muita fama na rua, como P.F. (prato feito) de graça, minha poesia é exatamente a cara do ser humano na rua. Quando perguntam a mim: `Miró, o que você diria a um poeta novo?´, eu respondo: `Ande de ônibus, olhe pela janela do ônibus, seja observador, olhe as pessoas na rua conversando´. Eu escrevo só sobre isso, só que tem imagens poéticas e apuradas porque já faço poesia desde muito tempo. Você já levou sua poesia para a rua muitas vezes. Quais são as experiências pelas quais você já passou recitando poesia em espaços públicos? Muita coisa. Já passei pela experiência de estar falando em um poema: `o domingo era o dia mais feliz antes de Norma beijar um outro na boca´, e uma mulher disse: é gaia! Já levei mão na cara em Juazeiro da Bahia quando eu fazia isso, hoje em dia não faço mais, hoje eu sou convidado, mas quando eu comecei eu não podia ver cinco pessoas na rua que subia na mesa. Já fui aplaudido de pé em Niterói. O artista de rua passa coisas que nem Deus acredita. Ele vai ter aplausos, beijos de mulheres, vai ter casa pra dormir como eu já tive. A poesia me fez conhecer o Brasil, conhecer nossa gente, eu conheço quase o Brasil todo, a poesia me salvou, cara. Agora eu preciso ganhar dinheiro pra poder cuidar da minha mãe, dona Joaquina, que tem 82 anos, morar numa periferia onde todo mundo me ama, e chegar lá e ser considerado pelos policiais, pelos amigos, pela vizinha de baixo que nunca quis falar. Eu faço camisas, cartões-postais e não trabalho de segunda a sexta em lugar nenhum, eu nunca disse isso: desde 1985 que eu não saio de segunda a sexta pra canto nenhum tendo que ir, e fazendo poesia em um país que não lê."
 Quanto à série Marginal Recife (série de quatro livros, com dez poetas cada, publicada pela Fundação de Cultura Cidade do Recife). Heloísa Arcoverde (Gerente de Literatura da FCCR), que viu Miró falando poesia na rua e quando foi pesquisar na prefeitura não achou nada. "Ela me chamou, chamou Cida e Valmir para que juntassem as pessoas que quisessem." Cida Pedrosa  tem uma página na net: a  Interpoética, há também recitais como o Quartas Literárias. Mas a união de sentar, "essa coisa política", segundo Miró, em Recife não acontece: "Agora tem sim um movimento que é forte e que quando quer bota pra quebrar. Os urbanos não têm paciência para reuniões. Eu sou um. Malungo tem o fanzine De Cara com a Poesia, eu tenho meu livro, Lara bota na internet, Chico Espinhara nunca quis nada com o poder, Érickson Luna era aquilo que todo mundo sabe. E o pior: o poder querendo ajudar. Quem fez o livro de Luna foram os amigos. Há uma coisa no Recife dos poetas urbanos de não quererem muita coisa com o sistema. E o sistema muitas vezes chamou a gente."
 Todos os livros de Miró foram feitos de modo independente. O que não significa que recuse apoio de sindicatos. Foi publicado também em Marginal Recife (coletânea da FCCR)  e pela "Livros e Letras", do Ceará (a segunda edição de seu único livro que fica em pé, o "Ilusão de ética"). Diz-se dono de uma poesia visceral. Começou a recitar nos anos 80 viajando pelo seu país e encontrando outros como ele. Recitador de Pernambuco, nas lidas do cotidiano, no pega mata e come da vida, de cada minuto. Oprimido, oprime. Ao falar do movimento cultural mais importante dos anos 90 no Brasil, o Manguebeat, Miró sustenta que Chico Science, Fred 04 e outros de sua geração sacudiram Pernambuco, o Brasil e o mundo. Mas que essa história de mistureba, Raul e Alceu já faziam.


sábado, 7 de setembro de 2013

Caetano encontrado mascarado: black blocado

Caetano Veloso surge na rede com o rosto enrolado com um pano preto, como fazem os participantes do movimento chamado black bloc!


O mano Caetano


Ontem (06/09/13) ele postou esta foto (mascarado) na rede Instagram, dizendo assim: "Em favor da paz, no dia 7 de setembro, todos deveriam sair mascarados como no carnaval, respondendo à violência simbólica, sem usar a violência. Proibir o uso de máscaras numa cidade como o Rio de Janeiro é uma violência simbólica".
Ele sempre foi um homem ligado à mídia pesada. Usando linguagem pop, revolucionou o fazer lírico na MPB e inseriu guitarras quando isto era blasfêmia de acordo com o cânone. Atravessou décadas no topo das manchetes com declarações polêmicas e manda agora este “abraçaço”. Estará além do bem e do zen? 
"Agora vejo aqui que eles puseram a foto na rede e logo alguém tuitou que sou oportunista e incito a violência. Não. Entendo que Black Bloc faz parte. Mas nem anticapitalista convicto eu sou. E quero paz", disse ele na sua coluna em jornal jornal carioca . 
Neste baile de máscaras que ele propõe estão embutidas propostas que vão da lama ao caos num estalar de gatilho, bomba, mas ele propõe paz e uma carnavalização pré-cabralina ou pós- tudo num recomeço e transtemporalidade artístico-política. Ele estava no maio de 68, quando tudo mudou. Ele, exilado e bem próximo ao poder (da Globo etc.), agora anuncia este apoio.


E aí?

quinta-feira, 5 de setembro de 2013

UMA IMAGEM OU MIL PALAVRAS?

Baby, you´re a big surprise.





O presidente Barack Obama explicará diretamente a Dilma Rousseff o mecanismo norte-americano de espionagem que tanto irritou a presidente brasileira.

SERÁ QUE ELA VAI ENTENDER?

domingo, 1 de setembro de 2013

Setembro...

Esta semana desdobramentos capitalistas numa Síria radical prometem agitar grupos e opiniões.
No Brasil a semana da Pátria, como era chamada antigamente, parece vir carregada de surpresas não tão boas nem tão incontroláveis.
Da Inglaterra vem um sopro de inéditas dos Beatles. Londres decidiu não interferir na possível intervenção que a França  planeja contra o governo sírio.
Vamos devagar que isto é só um intervalo para o almoço do início da semana.
É setembro, novos ventos... vamos no sutil equilíbrio entre afetos e negociações...