CORDEL DO LOBISOMEM NA CORTE DE
MAURÍCIO DE NASSAU
Autor:
Moisés Monteiro de Melo Neto
1
Cheiro o cangote da morena
que
parece fora de si
num
frenesi sem jeito
vou
lambendo a sapoti
para um homem como eu
de
tesão eu explodi
2
Eita, corpinho bonito!
um estudiosos como eu
que
carrega a maldição
sou
lobisomem judeu
peguei
isso no Caribe
foi
meu pai, um fariseu
3
Com formação de Doutor
Mal
dá pra se suspeitar
A
febre dentro de mim
Numa
noite de luar
Nem
sempre acontece
Mas
quando é, é de arrasar!
4
Venho assim sobrevivendo
Cada
noite de terror
Sou
tal bicho maldito
Poeta
e agrimensor
coleto, organizo,
forneço
documentos de valor
5 Na cidade de Nassau
Vim de Holanda a
Pernambuco
Século dezessete, estou
Sim ,sei, estou maluco
Mas poucos são como eu
Sei aguentar o trabuco
6 Avisaram-me:
nos trópicos
Mais feitiços ia pegar
Mas
louco por aventura
Não,
não pude evitar
mel dos lábios carinhosos
dengo,
malícia no olhar
7
Já me caçaram na noite
Tantas
vezes que nem sei
Novo
Mundo, velhos truques!
Holandês me encantei
Hoje, noite enluarada
Que
destino terei?
8
noite de verão grandiosa
festa no Palácio, grande
é
o palácio de Friburgo
quem
pode mandar que mande
Renascimento do Brasil
Nova Amsterdã, desmande
9
Intelectual europeu
Devia
me dar ao respeito
Maldição
de lobisomem
Não
me dá esse direito
Ajo
tão fora de mim
Muitas
vezes sou suspeito
10
Sou uma lenda mundial
No
Brasil cheguei assim
Num
barco muito sinistro
Havia
outros iguais a mim
Quero
sangue, quero corpos
Numa
fúria sem fim
11
A Licantropia eu tenho
Assim
a ciência chama
A doença de um lobo
Que
me contamina, inflama
Se
não mato quem ataco
É
mais um com essa trama
12
Dizem começo foi um pacto
De
meu pai, meu ancestral
Queria
fama e fortuna
De
ser sobrenatural
Logo
perdeu o controle
Sucedeu-lhe
o Grande Mal
13
Fujo da bala de prata
De
arma de prata, também
Isso
veio de meu pai
Que
hoje está no Além
Não
que acredite nisso
Não
duvide, disse alguém
14
Numa lenda grega antiga
Dizem
foi castigo de Zeus
Pra
punir um tal Licaon
Que
tentou matar chefe- deus
Foi
então punido assim
Mesma
coisa com os meus...
15
Loup-garou, na França
werewolf,
dos saxões
oboroten,
para os russos
lobisosômicas
dimensões
na Península Ibérica
África,
Ásia: tensões
16
Eu sou filho de um incesto
Vim
depois de sete filhas
Percorro
veloz estradas
Não
importa quantas milhas
Durmo
até em cemitérios
Se
tem perigo nas trilhas
17
No Nordeste estou anêmico
Quem
me vê até parece
Que
não desconfia de nada
Pois
assim não transparece
Alguns
dizem que há cura
Cera
de uma Igreja viesse
18
Eu não quero nem tentar
Que
um padre faça isso
Dê
a vela de um altar
Que
eu assuma o compromisso
De
nunca mais ninguém matar
Quando
quer me dar sumiço
19
Bala banhada com cera
De
um altar, é assim o remédio
Enfiem
no meu coração
Acabem
com esse meu tédio
Quase
não aguento mais
Já
me jogo desse prédio
20
A serviço de Nassau
Construí
observatório
Fico
olhando as estrelas
Planetas,
tudo ilusório?
Essas
lentes levam pra longe
Eu
e essa morena: um casório?
21
Meus filhos herdariam
Essa
minha danação?
E
dessa mulher, um dia
Comeria
o coração?
jacaré,
caranguejo, capivara
nordestina indecisão
22
Dou-lhe assim o meu veneno
Sob a lua incandescente
refletida no Capibaribe
o
meu sexo ela sente
O
que espera de mim?
Que
lucros ela pressente?
23
A música vem do salão
O
Baile prossegue, enfim
Aqui
tem tanta luxúria
estranha
excitação em mim
que
agonia, que calor
Nesse
holandês carmim
24
Pernambucano português
Se
fala nesse lugar
Mais
uma década de domínio
De
holandês governar
Hoje
o príncipe avisou:
“Boto
um boi para voar!”
25
Queria eu alçar voo
Nos
braços dessa morena
Voar
até raiar o dia
Nessa
mesma cantilena
Voar
para outro mundo
Levar
uma vida serena
26
Ir pra longe das intrigas
Viver
sem futilidades
Esquecer
que descobri
o
ouro que ela (fatalidades!)
recebeu para me trair
contar
aos lusos fragilidades
27
Das Índias Ocidentais
Sou
funcionário, tanto tenho
Essa
doida comigo teria mais
Ela
não sabe a que venho
Pediram-me
para envenená-la
Essa
espiã que mantenho
28
Leio no meu destino
Não
posso mudar a sorte
Toda
minha fantasia
Meu amor vira morte
vendeu-se
aos portugueses!
Seria
comigo dama de porte
29
Amor, suave indolor veneno
a botânica me ensina
saboroso
licor sob a lua
com
o lobo, pobre menina
podia
sair daqui com ela
fugir,
diaba que me fascina
30
Entregou-se com volúpia
Colombina
pernambucana
Num
ritmo de ferver
Fervor
que a lua emana
Do
manguezal a força
Ele
se transforma... vem a gana!
31
O monstro nele desperta!
Ela
não percebe
Em
gozos se contorce
Nem
sequer concebe
Monstruosa
mutação dele
No
esplendor da sebe
32
Traquejado nessas situações
sente
as unhas crescendo
os
dentes vorazes aumentando
Há
cinco anos ali vivendo
Conhecia
caminhos secretos
Arrastou-a
se escondendo
33 Sofria por sonhos e projetos
Desfeitos
por gente como ela
uma tristeza profunda
em
noite como aquela
cortava
seu coração
fosse
atém com uma donzela
34 Rasgou-lhe o pescoço
Ela
tremia sem voz
Irremediável
torpor
Em
estranho prazer feroz.
Aos
poucos ela morria
Ele
foi seu algoz
36
Sob um frondoso jasmineiro
tirou tirar dela a chave do armário
onde ela escondera os planos
que roubara tendo-lhe com o otário
Frans Post e Eckout
aproximavam-se,
com honorários
37
Não desconfiavam dele
Que
recompôs-se num instante
Não
mais se entregaria à paixão
Pensou
na pátria distante
O
lobisomem europeu
Um
bom burguês elegante
38
Não mais excesso,
nem nada
por natureza e por
ofício
medonho viver sem
paixões
aceitava o sacrifício
seres
que se consomem assim
existem
desde o princípio
39 Em solidão compartilhada
a romper elos com as criaturas,
cuidado
com esses tipos
que
andam em ruas escuras
Na
volúpia da escureza
Não
terás o que procuras
40
Seres da vida recôndita
que não gostam de se exibir.
Ao alcance das tuas
mãos
Tens
o fim dessa história
Espero
seja lição
Pra
tua a alma atingir
Certa
purificação
41
Não queira sentir demais
esperar demais da vida
depois curtir
frustração.
O
mundo é sina, é lida
solidão
é insuportável
cure
então sua ferida
42
Cuidado com Lobisomem
Que
na dor de existir
Se
arrasta escondido
Tal
bom moço a atrair
Não
faça ninguém de otário
Desconfie
do porvir
43
Sigamos então assim
transitivo caminhar
comedimento
é bom
e
esse cordel vai parar
mas
antes lhe digo algo
você
não tente escapar
44
A história se repete
Em
Pernambuco de antes
Ou
depois, repare em qualquer lugar
Haverá
seres amantes
E
ouro, mais veja bem:
Tem
coisas mais importantes...
CORDEL
DO GATO PRETO
1 Não espero e nem peço
que acreditem nessa história
é história muito estanha
sem honra tão pouco glória
Nem eu mesmo acredito
Então não conto vitória
2 Não é loucura nem sonho...
Não vou morrer sem
contar
Esta minha louca minha história!
A esposa dizia: pra me acalmar
meu espírito inquieto
cuidar da casa e esperar
3 O fantasma da obsessão...
pelo gato... o estranho animal
pela preta criatura
que consequência fatal
... os
acontecimentos... tortura
tortura.. me destruiu no final!
4 horror... horror...
inferno
Ela olhava maliciosa
Me chamava grotesco!
Assim meio curiosa
Mangava de superstições
Nisso era pretensiosa
5 Que isso era arabesco
medo de assombração
Isso causava terror?
Eu era mesmo um bobão
O que posso dizer, agora
não foi comum sucessão
6 Causas e efeitos naturais.
Me acusou de fingir
Ser bonzinho pra todos
Meu desgraçado existir
Mas eu sabia, eu era bom
terno de seu coração a sorrir
7
parecia tão evidente
meu amor aos animais
tinha muitos lá em casa
eles são sensacionais
dava a eles meu tempo...
que bichinhos sem iguais
8 Me sentia tão feliz
quando os dava de comer
ou os acariciava
é bom logo você saber
amor desinteressado
capaz de sacrifícios
fazer
9 O amor de um animal
Toca o nosso coração
Eita, história estranha!
Tínha pássaros, um cão,
peixes dourados, coelhos
macaquinho e... o gato,
o tição!
10 O gato preto esquisito!
uma cara terrível
mostrava
meu gato preto!
Plutão...
às vezes me assustava
não sei porque o preferido
meu bicho que mais amava
11 Ele eu me distraía
Só eu o alimentava
me seguia pela casa
às vezes até me custava
Queria sair comigo
me acompanhasse onde
estava
12 Minha esposa notou algo
Muito esquisito em mim
indiferente aos outros
estava violento, enfim
maltratei coelhos, o macaco, o cão
por que agia assim?
13 Ela disse: o mal
tomou conta de você!
A culpa foi do álcool
Vou lhe dizer porquê
Até o gato pressentiu
Estranho, você não
crê?
14 E o gato
me mordeu!
um canivete peguei...
e arranquei um olho dele!
Por que o fiz? Nem sei
Maldito! Que mal lhe fiz?
Isso não esquecerei
15 Mulher, pega o gato
e diz
você deu nele,
primeiro...
Não queria mais o
bicho!
fui lá e peguei primeiro
o gato era meu
isso é bem verdadeiro
16 Ela
resistiu entregar
Com tanta raiva fiquei
Que pegue logo uma corda
E o gato enforquei
Num pé de pau no quintal
Arrependido chorei
17 Cachaça acaba com um
Isso é a coisa mais certa
Não façam nunca o que fiz
Fiquem sempre em alerta
O mal quer tomar os homens
Tenha força quando aperta
18 Não afaste sua alma
da misericórdia de Deus!
Pensei tanta porcaria
furioso, com os meus
ameaçador, assassino
Os pecados dos ateus...
19 Ri do Misericordioso
Disse que ele era terrível!
Ah, como eu errei
Isso parece incrível
Mas foi o que aconteceu
Pior parece impossível
20 Vejam o que se sucedeu
Agora vem pior parte
Agredi minha mulher
A maldição destarte
Ela estranhou aquilo
fui bom marido
comparte
21 E a maldição sobre nós ...
Instalou-se bem assim
Contradição dos infernos
Valei-me um serafim
E veio uma estranha noite
Favor: não riam de mim
22 Numa noite um incêndio
Destruiu o nosso lar
Me entreguei ao
desespero
Foi difícil suportar
paredes desmoronando
coisa de arrepiar
23
Só sobrou uma parede
Ao lado da nossa cama
Estranha imagem surgiu
A imagem, meu crime, chama!
Sombra na superfície branca
do gato gigantesco,
flama
24 Na imagem uma corda
em tomo do pescoço.
Maldito seja eu!
Clamava o tal esboço
Entre o mal e o bem
Pelo Bem vale o esforço
25 Minha esposa disse assim:
arrancar um olho do bicho
enforca-lo,
brutalmente!
És um homem ou lixo?
Maldito seja, meu esposo
Esse teu vil capricho
25 Transtornado eu
fiquei
Meses de tanto horror
Sem me livrar do fantasma
do gato e... daquela dor
que coisa mais sinistra
vou lhe contar, ó leitor!
26 Não, não pensei noutro crime!
É mentira, meu amor
Queria fugir daquilo
Daquele obsessor
Tirar da alma o remorso
Afastar tanto terror
27 Um dia encontrei na rua
outro gato parecido
maus lugares eu frequentava...
não quero ser fingido
O segundo gato preto...
Isso fazia sentido
28 Parecido com o primeiro...
Gostei assim no princípio
Parecia confortante
Mas isso foi no início
O álcool ia me jogando
No fundo dum precipício
29 Veio a sensação esquisita
Esse bicho é do mal
Minha mulher também viu
“Jogue fora esse animal!”
Minha doidice só piorava
Prum desenlace fatal...
30 A cada minuto pior!
O meu tempo escoava
O bicho era igual ao outro...
ao primeiro, igual estava
... até o olho arrancado... igual!
Aquilo me apavorava
31 Tinha a mancha
branca ... o
outro não tinha isso
ao redor do ... pescoço...
A marca da forca, insubmisso!
... eu enforcara o gato preto!
Iria pagar compromisso
32 Nem de noite eu
descansava!
O animal não permitia
e os perversos pensamentos
a tudo submetia
eu não suportava mais!
Danada estrepolia
33 Saí doido pelo mundo
Perdi o amor, foi assim
Aonde você vai? Volte aqui!
A mulher chamou por mim
Não me deixe aqui sozinha!
Te amo até o fim
34 Mas agora é o pior
Peguei uma machadinha
para esquartejar o gato!
Besta-fera danadinha
Eu juro! Não aguento mais!
Mulher na frente, sina minha
35 Feriu-se
mortalmente
a esposa... querida dos dias meus
e resolvi... emparedá-la...
como monges medievais aos seus
às suas vítimas, na adega
que pecado terrível, meu Deus!
36 Arranjei cimento, cal e areia
Trancado meu novo lar
Tentei fugir da justiça
E mais me desgraçar
Eu estava doido, danado
Ninguém pode perdoar
37 Com toda a precaução possível
preparei uma argamassa
Ao terminar,
satisfeito
Sofri com minha desgraça
Emparedei a minha
esposa
O reboco disfarça
38 Limpei o chão e então
O tal gato procurei
Culpado por tudo aquilo
Foi o que assim pensei
o segundo gato preto
que na rua má encontrei
39 Matá-lo como fiz
com o outro
Era meu objetivo, afinal
Não o encontrei!
Onde estava o mal animal?
Sinal nenhum eu vi
Do inimigo fatal
40 Passaram-se três dias
Eu louco. Ele sumiu!
satisfeito com o doido crime
Quem te vê e quem te viu...
Não tomaria a vê-lo!
A peste escapuliu!
41 Cheguei até a acalmar
Meu desespero profundo
Pela tenebrosa ação
na inquietação do mundo
A polícia deu em cima
Eu sou um sujeito imundo!
42 Veio a investigação
Meu medo se acentuou
mas respondi às perguntas
que o oficial sentenciou
Procedeu-se uma vistoria
Nem isso me abalou
43 A polícia em minha casa
Nada ia ser descoberto
. Eu pensava em escapar
Estava errado, decerto
Pois nesse mundo é difícil
A Justiça está por
perto
44 Quarto dia após o fato
caravana policial chegou
inesperadamente à minha
casa
e novo investigou
rigorosa vistoria
tudo viu e fuçou
45 Pode examinar o que
quiser
Foi o que eu disse ao doutor
Não sei onde está minha esposa
creia nisso, sim, senhor.
porque eu sou inocente
encontrem-na, por favor!
46 Obrigado, senhores guardas.
Desejo-lhes boa saúde
tão boa quanto essa
casa
que refiz como pude
foi difícil de fazer
Estas paredes da minha atitude
47 E o
guarda foi saindo
Eu disse: o senhor já vai?
(Bati firme com a bengala)
Disse: “a casa nunca cai”
Aí ouvimos um choro
Uma espécie de um “Ai”!
48 Entrecortado e abafado
tal soluços criança
depois, de repente, um grito
De quem não tem esperança
prolongado, estridente, contínuo
anormal inumano mordança
49
Um uivo, um grito agudo
meio triunfo, meio horror
tal surgido do inferno
vibrando com muito ardor
garganta dos condenados
demoníaco estupor
50 Eu... sou ... inocente... eu não...
Doze braços vigorosos
atacaram os tijolos
caíram por terra, vistosos
surge aí minha esposa morta
aos policiais vitoriosos
52 Sobre a cabeça dela
com a boca vermelha
dilatada
o único olho chamejante
estava o gato, a boca escancarada
dentro da tumba estava
Eu emparedara o monstro, na hora desesperada
SHERLOCK
E O CÃO DOS BASKERVILLES
Cordel de Moisés
Monteiro de Melo Neto
1 Essa história vou contar
Sei você vai perceber
Algo de inconveniente
Depois vai entender
Caso do Sherlock Holmes
Pra todo mundo ler
2 Livro com mais de cem anos
Traz hoje um interesse
No cordel aqui presente
Que do escocês fez-se
O escritor Conan Doyle
Sem que concorresse
3 Esse cordelista fez
texto assim matreiro
num caso do detetive
da rua do padeiro
Baker Street, endereço
Investigação? Certeiro
4 Tudo começou em Londres
Tendo em lama acabado
Logo explico como
Agora fica calado
E falo bem no início
Lá Holmes foi contratado
5 Uma história cabeluda
De demônio não previsível
Deus nos livre do Danado
Monstro não muito crível
Interior da Inglaterra
Uma vingança incabível...
6 Henry Baskerville
Herdeiro de um rico tio
Herda mansão assombrada
Maldição de um cão sombrio
Que ninguém via, mas cria
Que tremendo calafrio!
7 O tio morre do coração
Intriga evoluía assim
Estranhas pegadas
No imenso jardim
Enredo se complicava
Chamam Holmes, enfim...
8 Mas quem vai é Watson
Auxiliar do detetive
Entre os dois nada
Que a intimidade prive
Na mansão de Henry
O pavor sobrevive
9 Que um dia o cão chegue
Mais um Baskerville morra
Não se salva assim
Quem na Hora H
corra
Um segredo ronda tudo
Com ele ninguém concorra
10 O que provocara morte
Terrível ao velho Tio?
Pistas não batiam bem
Tio saiu às dez, sadio
O que o fez sair
Em horário assim tardio?
11 Vizinhos ricos ou não
Apontavam a Maldição
Na Mansão dos Baskervilles
Tempo é imensidão
Trama que se enrosca
Até fugitivo de uma prisão
12 Um pântano tudo circula
Fede tanto com armadilhas
A quem se arrisca a ali estar
Ao luar ou de dia: “ilhas”
Para quem sabe
Ir lá, decifrar trilhas
13 Pôneis afundam e morrem
Estertores infernais
Belas mulheres se atrevem
A Romances sensuais
No meio daquilo tudo
Nevoentos umbrais
14 Um biólogo, um advogado
Um mordomo bem suspeito
Um vilão se esconde do leitor
Tamanho é o efeito
Que essa literatura causa
Clima, suspense perfeito
14 Caça ao criminoso prossegue
Quem seria o culpado
O cão a todos têm assombrado!
Olhos e boca lançam fogo
É o que o povo tem falado
15 Watson percorre pistas
Mantém Holmes, em Londres, a par
Mas a coisa se complica
Será que vão escapar?
O ajudante e o detetive
Tem muito a desvendar...
16 Ruínas paleolíticas
Dos homens das cavernas
Aumentam mais a intriga
Força internas e externas
História e mitologia
Tornam tais coisas incertas
17 Há notícia que um fugitivo
De uma cadeia local
Está escondido ali
No tal denso pantanal
Irmão da criada de Henry
Mas isso terminou mal
18 O biólogo e sua mulher
Aquele tórrido par
Eram sensuais conquistadores
Terrível jogo de azar
Deram golpe e não ganharam
O prêmio a conquistar
19 Sherlock descobriu tudo
Restava obter as provas
Isso é o que faria
Um plano ideias novas
Isso envolveria mortes
Não só versos e trovas
20 Cordel com reviravoltas
Esse que vou tecendo
Como provar os crimes
O biólogo envolvendo
O cão era um demônio dele?
Não foi bem assim, entendo
21 O detetive se escondeu
No pântano, que rebuliço
Era astúcia do biólogo
Ou mesmo um tal feitiço?
Proteger Henry do pior
Era esse o compromisso
22 Numa noite de lua e neblina
Tudo então se esclareceu
Biólogo mata homem errado
Aí se comprometeu
Amarrou sua mulher
E nela muito bateu
23 Atraiu Henry, pra matá-lo
O truque com o cão era tal
Pintou o bicho em fosforescente
Para aspecto fatal
assim tinha matado o tio
com o sobrinho seria igual
24 Sherlock frustrou-lhe os planos
Matando o cão danado
E o biólogo maluco
Ao fugir morre afogado
Mais um caso resolvido
e documento arquivado.
CORDEL
DAS BONECAS ENFORCADAS
AUTOR: Moisés
Monteiro de Melo Neto
É uma história muito triste
Que eu conto pra vocês
Leiam com muita atenção
Não sai dessas todo mês
História de uma menina
Aconteceu certa vez
Em Lagoa das Cachorras
Cidade do Bem,
se diga
Certas mulheres cristãs
Se juntaram numa Liga
Negócio de gente rica
Corruptas, boas de briga
Juraram então pela “fé”
Acabar com a safadeza
Diabólicas que eram
Disso tenham certeza
Mandavam matar direto
Fingiam com esperteza
Moça solteira buchuda?
Abortasse ou morria!
Da cidade, tal era a Lei
Ai de quem não cumpria!
(a não ser que fosse rica)
Ali do ruim comia
Foi então que sucedeu
O que conto adiante
Mariazinha engravida
Do
filho de uma elegante
Da Liga das
Cristãs
Um riquinho meliante
Não quis abortar, partiu
Era preciso fugir!
Sua mãe nervosa,
morreu
Mariazinha a carpir
Pr’um Sitiozinho distante
(não podia desistir!)
Na casa da
Cachimbeira
Trabalhou de agricultora
A barriga
cresceu tanto
Quase mata a genitora
Que pariu sua criança:
Uma menininha loura...
E o tempo foi passando
A criança era linda
Benzeu-a a Cachimbeira
Perseguição era finda?
(os amigos ajudavam)
Isso não acabou ainda!
Zé do Jerimum, padrinho
Chico da Charque, um tio
A Cachimbeira rezando
Venceram o desafio?
Veio chuva e veio seca
Mas da Liga? nem um
pio!
Naquele distante Agreste
Numa mata recortado
O sítio prosperou
Povo estava preparado
Mas tem sempre
um Judas
E o segredo foi contado
E a Liga
das Cristãs
Soube
assim do sucedido
Prepararam então um plano
Que fique bem entendido:
De Cristãs não tinham nada
Contrataram
um bandido
Numa noite tenebrosa
Decidiram o que fazer
Matariam tal menina
Mariazinha ia ver
Herdeira?! Que se cuidasse!
Isso não podia ser!
Lá no Sítio bem distante
As três fêmeas viviam
Mais uma noite feliz
Luar, astros reluziam
Sem intuir nada estranho
Bandido não pressentiam
Na noite fria de junho
A Cachimbeira cantou
Uma música tão bela
A todos emocionou
A menina de seis anos
Sete então completou
Um bolinho de fubá...
Um chazinho tão gostoso!
Um abraço bem quentinho
Um olhar tão carinhoso
Casinha de barro bege
Silêncio noturno pomposo
Em segredo ali viviam
Imaginavam sagrado
Mas pra tudo nessa vida:
Tem que se estar preparado!
A velha abençoa a menina
Destino fora traçado
O dia nem amanhecia
A velha e Mariazinha
Saem juntas pra cacimba
Sob o céu de
manhãzinha
Que ao voltar tá
vermelho
Inferno que se avizinha
No terror de ver a filha
Enforcada
no umbuzeiro
A mãe enlouqueceu logo
Em máximo desespero
Não voltou mais ao juízo
Cachimbeira acudiu ligeiro
A Moça depois do enterro, ali
Bonecas pôs-se a fazer
Só pensava na menina
E não queria vender
Pendurava no umbuzeiro
Pra filhinha entreter...
Ninava antes cada uma:
“Mamãe não vai te deixar”
Toda noite, todo dia
Na árvore
ia pendurar
Um dia foi ela mesma
Desse jeito balançar!
Foi uma coisa
tão estranha
(não deu empo de evitar!)
Deus perdoe a pobre mãe
Com o coração a sangrar
Sua dor era tão grande
Temos que a perdoar...
Em Lagoa das Cachorras
A pobre foi enterrada
A filha lá tão longe
Fantasma, sai pela estrada
Encantada
assim viaja
Surge qual alma chorada
Quem passa de noite na Via
No cemitério, a calçada
Vê, às vezes, pés pra frente
Cabeça pra trás virada
A menina sem destino
Na noite enluarada...
VAMPIRO
NO CORDEL DE PERNAMBUCO
Autor:
Moisés Monteiro de Melo Neto
I
(do
primeiro narrador)
Mistério da catacumba
Meia-noite recifense
envolve a cidade Maldade
neblina de junho, pense!
passeio por essas ruas
de madrugada nonsense
Ecoa o som da meia-noite
Nas covas de Santo Amaro
não te julgo, eu te sugo
te quero, te
beijo, te amparo
noite estranha dos vampiros
para sempre: sigo e paro
Na madrugada de sangue
Na ponte um jovem carente
Contempla a morte sombrio
Vou brindá-lo
com a serpente
iniciá-lo ou matá-lo
se ele quiser, somente
Bestafera: crime e fel
força, amoródio, aquém
faço vomitar a alma
prefiro a
noite, também
dá cegueira a luz do dia
morto-vivo,
muito além!
desumano, anjo do mal
Como cena de
cinema
Se projeta na tela
Aqui, Hollywood, Ipanema
falo difícil e tão fácil
minha mordida não tema
Choras, jovem,
enquanto chove
não tens lá longe alguém?
Dou-te uma
esperança
como chegada de
trem
glória estação: partir
serás agora,
ninguém!
Ah! Nesta sede
sem fim....
carne e sangue
amalgamo
nesse trânsito urgente
ao fogo de mim te chamo
em estranha oração
minha justiça eu clamo
A sós, vem a
tempestade
do segredo vou te ensinar
sou rico, sou poderoso
mistérios sei
decifrar
da vida de sombra e luz
posso até te saciar
II
Sou poeta de cordel
me trancaram
neste hospício
por histórias que inventei
é perigoso
meu vício
tanta desordem, delírio
conteúdo e frontispício
Meu cordel era anormal
deram camisa de força
sou daqueles
trovadores
meu poema não destorça
mas que vontade cruel
fazer que o poeta
se torça
Te persigo na
Ponte Velha
Capibaribe gelado
sobrenatural dos
tempos
sou o corpo do
passado
sangue nas veias sinistras
em festim desesperado
Ritos de estaca e prata
amante da
escuridão
tenho as
chaves dos segredos
sei: alguns não morrerão
Sou possuído e
possuo
Sou o “X” da questão
Qual o fim
deste cordel?
Preciso contar minha história
o clímax e os
encantos
poesia de vitória
ao sufocante terror
embora não traga glória
Quer alçar voos ao céu?
Parado no meio da ponte
entre bem e mal, eis a fonte
Não escolher um ou outro.
a igreja que desconte
O pacto é
irreversível
brinco que sou do mal
é mistério, não
pecado
experiências
do astral
zodíaco de
lembranças
triunfo, novo ideal
Agora o novo sangue
entra no teu
coração
sublime dor do chamado...
sede, fome,
oração...
Nada te preocupa mais
na sangrenta solidão
Poeta a vida inteira.
culpa tentei compensar...
mas o cordel não deu jeito
melhor é me
desculpar
vou morder o teu pescoço
eternidade vou dar
Terror e êxtase
nesse novo
destino
vem agora a tua calma
neste torpor de menino
tua vida? obra
de arte
passa o
tempo, pequenino
Desça ao fundo de si mesmo...
nem ninguém nem
todo mundo.
meus dentes te ajudarão
sobre este rio
profundo
brindemos com licor íntimo
esqueçamos fim imundo
Longe os seus apuros
na mandala dessa vida
a magia numa dentada
vagabundagem distraída
triunfo da
poesia
dor em prazer convertida
Do
insignificante ao divino
num cabaré
obscuro
melancolia,
alquimia
presente passado futuro
nunca mais bobo da corte
tua vitória
murmuro
III
(do
novo narrador)
Aí ele me mordeu
Numa noite sem fim então
vampiro me ensinou muito
será tudo isso em vão?
Ó crianças das
trevas!
No morrer tem
salvação?
Que mal tão forte encerram
os dons que
assustam tanto?
Não aceitei, aconteceu
hoje não mais me espanto
não me assusto na jornada
Vivo ardendo
este encanto
Não me peçam explicações
Isso é
inexplicável.
não tenho o sinal da cruz
sacramento maleável
não da conta de
vocês
Sou sujeito detestável
Não me falem de
limites
isso não é para
mim!
Chamo tudo
pelos nomes,
nesses portais sem fim
ao mais puro
digo:
para outras novas vim!
Visto-me como você
estou em tudo, falo
logo
como em peça teatral
sem decepção no
prólogo
e ninguém nem
desconfia
do peculiar monólogo
Não faço novos
vampiros
não sou monstro imaginário
quem
me fez viveu muito
me deixou o
seu diário
tinha sido ser
de luz
foi belo, mas não
gregário
Sugou-me e deu-me seu
sangue
numa noite desesperada
de pergunta e
resposta
tive uma fé desgraçada
agora nem céu
nem Inferno
que me detenha a escalada
Filosofia
prefiro
ao livro máximo judeu
esse povo escolhido
não apoio quem escreveu
o
dom escuro que recebi
me deu quem o recebeu
IV
A romper
velhos mistérios
implanto este estilo.
Por tantas noites e noites
Sim, esforcei-me e fi-lo
o Mestre perto de mim
que estranho foi aquilo
Amor que não teve sexo
Eu bebi na vida dele
bebeu da minha essência
nunca outro como Ele
ganhei esse dom escuro
anjo e
demônio, daquele
Suor, carne, sangue assim
fazem gritar
sem nenhum som
teatro de
sombras, vampiro
na morte nada
bom
pulsando... maldade inocente
nem “dane-se!”
nem shalom
Pobres, mulheres, gays, negros
não tinham status algum
mundo Deus estava morto e
sem religião
para nenhum
Daí só tomava
sangue
De luxo e
pobreza fiz Um
Sugava só gente ruim
sem inocentes,
no começo
muitos querem
ser como eu
ah, eles não sabem o preço
eu que sou um
demônio
sofro assim desde o começo
Aprendi muito, depois de morto
Tenho já tudo que quis
criança estudei c’os padres
mesmo lá não fui feliz
agora só
solidão
sou eu mesmo
meu juiz
Ah, Recife, estou Maldito!
vivo sem Deus nem noutra vida
Dentro de mim tudo são trevas
Mas não sou suicida
ouço os ecos da maldade
encurto a história comprida
Num vazio jardim
selvagem.
sangue nos lábios
abertos
Ele
se jogou no fogo, morreu
deixou-me
recursos certos
matou-se numa fogueira
predador
de bobos e espertos
Não acredito em Satã
Satã também está morto
mas não há maldade, em si
sou um
aventureiro torto
às vezes fico
perdido
Como um navio sem porto
Ah, Não há esplendor nisto!
não é sublime,
bem sei
tudo parece tão
tolo
poupo aquele ou
matarei?
decadência recifense
Nunca soube e não sei
Podemos amar
se odiamos?
Fingindo Amor à
vida
Nem
Pão nem Vinho interessam
Minha sina é
comprida
Cumpri tudo com apuro
Nesta terra tão ferida
Jogo com os mortais
numa orgia dos
sentidos
o truque é não pensar muito
o sangue dos iludidos
bebo antes que
morram
estão mesmo todos perdidos?!
Na religião, fariseus
Desde o início
é assim
Palestinos, judeus, cristãos
O começo contém o fim
No Oriente não é diferente
Mãos de santos, olhar ruim
V
Sou uma criança
antiga...
por muito tempo sofri
em meio a tanta briga
Vejo as regiões
sombrias
ser humano é só intriga
Quis transformar tudo em arte
num cordel sem afetação
obscenidade não obscena,
contraditório é ter tesão
minha condição
complexa
um príncipe
num caixão
Quis contemplar o esplendor
que o cosmos pudesse dar
o que os homens
podem ser...
do tédio me desvencilhar
pesadelos na noite
sonho a quem acreditar
Recife pra mim é Cosmos
Esse Cordel: barco chamas!
em calamidade
pública
quantos caminhos e camas
Partir
sempre lancinante...
Mas vamos deixar de dramas
Este folheto acaba assim
no pensamento que me atormenta...
Pois não consigo fazer texto
Que enfim vos acalenta
Leitor,
desperte do sono
Que no Recife se assenta!
CORDEL DE TERROR EM
PERNAMBUCO
Por Moisés
Monteiro de Melo Neto
Das assombrações daqui,
As que Pernambuco assiste
Abro assim novo
cordel
Hoje conto história em riste
Cada coisa
esquisita,
Tanta lenda que resiste.
2 Não acredito nisso
também não vou
duvidar
Espíritos e
elementos
Quem pode assegurar?
Cabelos e unhas crescem.
No pós-morte a flutuar
3 Começo pelo judeu
que aparece Na Boa Vista
Foi amigo de Clarice
Quem disse, não insista
Bom pirangueiro
deixou uma pista
4 Nos dias comemorativos
sagrados para
judeus
fantasma vai passear
procurando pelos seus
Errante da Boa vista
pontes, becos,
teus e meus.
5 O homem era sovina,
Mas o dinheiro lhe comprou
Casas, lojas luta e maneiro,
interesseiro,
não casou
ansiava ser poeta
tal coisa não engrenou
6 Fantasma, ele é DIBUK
O judeu
caminhador
Que figura tenebrosa!
rápido adivinhador
deixou estranha cabala
esse velho professor.
7 Nunca foi visto em bando
Só para a
fotografia
Vestia preto, somente
chapéu e sem
Alegria
O cabra era tão
esperto
não tinha
melancolia.
8 Sentava meditando
com sua grana,
contente
cada vez
juntava mais
que ele não era demente
Sabia que ia
morrer
Então morreu, finalmente
9 Apareceu para ele
uma espécie de
som, visão
Uma mensagem esquisita
Sobreviverás, Abraão
Viverás depois de morto
Mesmo assim sem
razão
10 Agora vamos aos fatos
da gente da
capital
no Bairro da Boa Vista,
sente o Recife,
afinal
ecoando o Além
de modo sensacional
11 Da cachaça do poeta
Suor de trabalhador,
gente rica também,
classe média, doutor
capto naquele fantasma
misterioso, aglutinador
12 O judeu tinha um plano
ia sonhar com ele, então
Não era de fantasia,
mas sonhos não-vida são
São matéria esquisita
Sonhou ser assombração
13 Podia jurar que eu vi
ponte de Nassau a cruzar
O bicho e estátuas todas
Pareciam num dançar
tive que me benzer
não podia
acreditar
14 Ele apontou para mim
pensei, ia me
enfeitiçar.
Mas eu, já enfeitiçado,
Ele teve que parar
Disse: Escreva meu poema
Eu mal pude acreditar
15 Escreva meu poema,
poetize meu caminhar
correm musas no Recife
sereias, tritões a sussurrar
místicos do mundo inteiro
concentração
a girar.
16 É estranho ser poeta
escrever minha ficção
vá fazer, vou
orientar
Sussurrou-me Abraão
Disse eu era assinalado,
ele disse, ria não
17 Não ria, vou sugerir
Queremos
cérebro seu
Pra mensagem
transmitir
Eu disse, não sou judeu
ele riu, risada
estranha
também não sou
ateu
18 Minha ciência, o que penso
compartilho até dinheiro
Nunca fui ostentador
Na possessão sou certeiro
matéria mais não sou?
Sou espírito guerreiro
19 Preciso de um homem assim
meu poeta, meu
doutor.
O que a gente vai fazer?
Tem um suave
sabor
por enquanto é
de graça
te ofereço, dê valor
20 Você vai contar no livro.
Esse mundo onde estou?
Sou fantasma do hoje
Buscando o que me faltou
Ganhei o que
merecia
fui embora,
ouro ficou
21 Eu me senti bem estranho
estava indo no
Recife Antigo
Apressei o
passo e saí
No Marco Zero, amigo,
escutei um canto estranho
que nunca ouvi, lhe digo.
22 Era o canto da sereia
Me acalentando?
De vez?
Nada tinha de
Ariel
Muito desisti, talvez
Direito de ser
antiga
Adocicado, me fez
23 Disse: Poeta, me escuta
Tem que ser com melodia
Pra esse povo lhe entender
Nem teste, nem Alegria
A hora está chegando
do seu Leme serei a guia.
24 O céu estava tão estranho
Era noite ou era dia?
parecia até um sonho
no mundo da
poesia
Eu tinha pegado
um barco
Que por ali existia?
25 A guria sereia
Para mim, toda
se exibiu.
Encantou meu condutor
velho zumbi e me atraiu
que, comparsa da tirana,
ia me ofertar,
insistiu.
26 Eu desfaço isso, não?
Ou poderei com isso lidar?
Melhor do que dinheiro
Moça vai
presentear
Gostou do seu jeito faceiro?
é cabocla,
filha do mar.
27 Fique parado, escute
A fala dela é
canção
filho, há muito
te vejo
Recife
arrebentação
amado poeta meu
queres protetora ou não?
28 Me apaixonei por ti
Encantamento vou te dar
Teus escritos vou fazer
infinitas ondas a ecoar
O que fazes, vem dos mestres
tua literatura a mudar
29 Encantados vão aparecer.
Hoje tem encantamento
Letras-trovão, das tuas mãos
Aliviar tanto tormento
Faz-se agora
esse casamento
É estranha para a fusão
Mistério e sentimento
30 Vem do mar e lhe introduzo
Rio, oceano, convulsão
Diga logo: você crê?
Florzinha, invoca atenção
Comadre do mato escuro
Moço faça louvação
31 Não esqueça o que eu disse
Gire mar, mata e sertão
Vá pro mato, de repente
Arrepiante assombração
Ao som da tal melodia
Assobio longe,
louco e são
32 Uma pequena me acalentou
A contar sua história, a mulher
Me disse: bem-vindo, moço
Do mato pegue o que puder
Que eu sou
mulher faceira
Tenho o homem que quiser.
33 Mas contigo é diferente
me sinto outra mulher
fui criança
rejeitada
me pus no Mato a correr
Florzinha me
chamam
tenho muito a oferecer
34 Quem meus encantos rejeitar
Lhe digo: chego a punir
Gosto de papa
de aveia e mel
Ao fumo não sei resistir
Você tem para me dar?
Mas poesia isso vai substituir
35 Por trás desses meus cabelos
sabe o que pode
encontrar?
Força pro teu corpo fraco
Posso a vida aumentar
E nesse cordel, lhe digo
Vou mistério colocar
36 Moço que o mundo viajou
Vou lhe dar força e coragem
Em mim, você encontrou
Uma madrinha selvagem
Sou danada, solta no mato
e agora eu já me vou, também.
37 Me vi solto, ali no Mato
Um vento forte a soprar.
cavalo, pegando fogo.
Era o chão a abrasar
Que homem brabo era aquele?
Cangaceiro a me encarar.
38 Feroz, com sangue a ferver,
eu tremia sem parar
Moço, está fazendo o quê?
Aqui, nesse meu lugar.
Se está procurando a morte
Eu lhe ajudo a encontrar.
39 Sou um anjo, sou o cão
De mim, não vai
escapar.
Deus, que sonho medonho
Eu queria me acordar
Os olhos do anjo malvado
Ameaça a latejar
40 Eu, justiceiro, ele disse
me olhando bem
de frente
Tinha um jeito tão estranho
Uma voz tão diferente
Sumia e
reaparecia
Frente e atrás, de repente
41 Não quero mais dessa gente
Pensei ao estremecer
Mas ele continuou
Minha história vai escrever
Os seus amigos do além
Chegaram a me convencer
42 Eu nasci no Sertão
Mataram meu
pai, rapaz
Minha chance de
Vitória
É o que quero mais
Eu preciso me
vingar
Do Patrão, do capataz
43 Dfendo das emboscadas
Justiça social
e prazer
Com o bando da minha gente
Em batalhas a não se crer
Acabei com
gente safada
Gente “boa” fiz sofrer
44 Que vida é vaivém
no mundo do
além cheguei
Mas perante o mais sagrado
Agora até
melhorei
Vim! O isprito me avisou
O Setestrelo avistei
45 Vou tirar você do buraco
Por serviços que prestou
Na Educação e na arte
Quando tiver perigo, vou
Invoque a força do cangaço
Desse que se encantou
46 Tenha força de vontade
Resista até o fim
Não se entregue não, seu moço
De destino bom e ruim
Palavra de
cangaceiro
Vosmecê confie em mim
47 Infinita vontade tenha
Judeu, sereia, comadre viste
Que eu faço a minha parte
Se mantenha em
riste
Pois comigo você conte
O meu recado ouviste
48 Vou-me embora, meu filho.
Você vá firme em frente
Padim Ciço lhe proteja
Vai dar certo, diferente
Você é homem
marcado
Mas bem vejo é
resistente
49 Que o mal seja esconjurado
Senti uma força tal
Cangaceiro me
sagrou
Com a ponta do seu punhal
Gota de sangue saiu de mim
Como estranho ritual
50 Foi-se na minha frente
O cangaceiro a
brilhar
Eu fiquei muito
pirado
Eu queria era
me acordar.
Veio ave, reconheci
Mas não quis encarar
51 Conhecida por arisca
Um Nambu tão tupi
Num voo rumorejando
Dificuldade a voar, eu
vi
de mim se aproximou
bicho estranho, arrepio
senti
52 Acostumada com o chão
O nambu a me cercar
cinza e marrom qual agouro
ia piando sem parar
Piado esquisito da peste
Minha paciência a tirar
53 O que é que vem por aí?
Fiquei assim a pensar
Mas aviso pra mim?
O que essa vai me contar?
Nem estava afim de ouvir
Cantou história de índios
Meus ancestrais a falar
54 Morreram a lutar assim
De um jeito tão cruel
Sem local de fala com brancos
Sem inferno e sem céu
Tenho a Jurema sagrada
Do avô sábio, eu novel
55 Serei sua ave da sorte
Me chame para voar
Nas estradas,
pelo céu
Ou terreiro para ciscar
Isso tudo em
pensamento
e vou logo lhe
ajudar.
56 Se ligue, já vem aí
Outro bicho importante
Uma alma como eu
De Aruanda, num instante
É o Boi da cara preta
Vai completar,
é falante
57. Assim que o Nambu sumiu
Da poeira infernal, “e apoi!”
Disse: eu vim da Índia
Do Egito, do Sertão, foi
No folclore nordestino
Sou o bumba meu boi
58 Sou segredo do folclore
Não quero sangue ou louvor
A oferenda já foi feita
Vim te falar, ó cantor
A oferenda foi aceita
Pro teu passado ou o que for
59 Puseram no altar pra mim
O que sofreste de abuso
O que descobriste sozinho
Fracassar me recuso
Se perdeste, se ganhaste
Faz do Passado bom uso
60 Conta com esse boi sagrado
Que a mãe deu de mamar
Sou um Pai, natureza pura
Que tudo pode enfrentar
Inclusive teus monstros internos
Um por um eu vou matar
61 Vamos logo ao Papafigo
Que assombrou sua Juventude
Lhe impediu atingir
toda a sua plenitude
você agora vai se curar
Isso, sim, é boa atitude
62 Sorriso macabro, ele vem
De longe, parece casual
Unhas, rapina, podres dentes
Lhe levou pro matagal
Seu fígado, ele queria
Aquilo não era normal
63 Papafigo, homem malvado
Aquele quente, senhor
Morava numa casa boa
com tanta coisa, leitor
Fazer de você, prisioneiro
Agora não mais, meu amor
64 Seu Bumba, vai lhe ajudar
A sair desse labirinto
Que o tempo fez pra gente
Psicologia, talvez, não sinto
Isso é coisa de humano
Eu desconheço, não minto
65 Mas trabalho com o tempo
Seu fígado vou devolver
Se o vampirão lhe fez mal
Se vingar você vai querer
Lhe aconselho que não
Saúde vou lhe oferecer
66 Papafigo, lenda urbana
O danado apareceu
Bem ali na minha frente
O seu rosto era o meu
Me enganou, quebrei o espelho
Foi o que aconteceu
67 O fantasma do judeu reapareceu
Meu caro poeta,
ele disse
Como vi o seu cordel,
Depois de tanta esquisitice?
Quer “a viagem” interromper?
Ou concluir, como eu predisse?
68 Ele falou isso e saiu
Nem tempo pra resposta eu tive
Apareceu a Perna Cabeluda
Pedi: do Papafigo me livre
Como não tinha boca
Com ela pouco estive
69 Veio o chute no Malvado
Sumiram Perna e o bicho, enfim
Surgiu Biu do Olho Verde
A me confessar assim
às vítimas: quer tiro ou beliscão?
No Alicate no bico do peito, o fim.
70 Arrependido, agora, o penado
Disse: polícia lhe perturbar
Meu nome você lembrar
Fui prisioneiro de Cão
Agora estou a penar
Não tem perdão para mim
Chorava pra se acabar
71 Fui Biu da periferia
Purgo males feitos
Meu exemplo ninguém siga
Reconheço tantos defeitos
Sou contra a violência
E defendo os direitos
72 Entra em cena num circo
Teatro e cordel: Louca do Jardim
Mulher honesta,
Júlia Alves
que sofreu
calúnias assim
homem, quis o
sexo dela
Mas ela recusou
e ao fim
73 O desprezado lhe difamou
marido acreditou em mentiroso
provas falsas “plantadas”
terrível, esse esposo
Expulsa Júlia sem a filha
Que destino horroroso
74 Perguntei ao Fantasma dela:
Que lição você me traz?
Ela disse: poeta resista
Não Vi longe o Satanás
Eu sofri muito, mas sobrevivi
É assim que se faz
75 A justiça um dia vem
O monstro atacou minha filha
No Recife, a bichinha gritou
Foi punido na armadilha
confessou tudo, também.
alma penada, nessa sextilha
76 Matou-se. Te protegerei, poeta
Tem a Emparedada da rua Nova
Um pai preconceituoso a matou
foi como O Gato Preto, de Poe
Tem Bonecas enforcadas
Mas isso fica pr´outra trova
77 Acorda agora, poeta
Finaliza esse cordel
O mais estranho da tua obra
Nesse teu caminho pro céu
Jesus, Deus e a Virgem
Que nunca fiques ao léu
78 Acordando o judeu
Satisfeito a testemunhar
Eu cumpri desejo seu
Que era saber versejar
Termino assim esse cordel
Mas isso vai continuar...