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quarta-feira, 23 de abril de 2025

CORDEL BOB DYLAN MOISÉS MONTEIRO DE MELO NETO

 

 

BOB DYLAN CORDEL

Autores: Moisés Monteiro de Melo Neto

José Nogueira da Silva

                                                         


1.      O meu nome é Bob Dylan

Nasci em quarenta e um

Os cordéis já escreveram

 Yankee do folk, hum!

ícone da contracultura

Nobel em dezesseis: boom!

 

2.       Sou  Robert Allen Zimmerman

Em Minnesota nasci

Em 24 de maio

Em Duluthu eu vivi

Com a gaita e o violão

Little Richard eu ouvi

 

3.      Realizei shows em bares

Isso nos anos 60

Com letras enigmáticas

Vê aí se tu te aguenta

Com um folk original

Que também se reinventa

 

4.      Abri show de John Lee Hooker

Pense num cara arretado

Logo depois do evento

Eu acabei contratado

Com o produtor John Hammond

Fiz álbum “The Freewheelin”, babado

 

5.      Sucesso em sessenta e três

“Blowin in the wind” é

Emblemático até hoje

“Mr. Tambourine Man”, né?

“Like a Rooling Stone” com

Guitarra elétrica até

 

6.      Depois veio Huricano

No ano setenta e seis

Depois “Lady Lady Lay”

Que foi sucesso outra vez

Anos 80 e 90

Virei um “Jokerman”, em inglês

 

7.      “Time Out of Mind”

No ano 98

Longo tempo sem destaque

Influenciei afoito

A obra dos Rolling Stones

De Beatles comi biscoito

 

8.      “Like a Rolling Stone”

Melhor do século XX

Avesso a rótulos, fui

E isso foi um acinte

E as “canções de protesto”

Abominei sem requinte

 

9.      Em doze, condecorado

Medalha da liberdade

Maior honra da América

Do Norte, tenho é saudade

Obama me elogiou

Falar nem tive vontade

 

10.  Fui casado duas vezes

Com Sara em 65

Em 86 com Carolyn

Uma união com afinco

Divórcio em 92

Após 6 filhos, não brinco

 

11.  Só Jakob seguiu músico

E eu segui minha história

Não com a biografia

Com ilusão, versos, glória

E o cordel se inicia

Chegue ao fim, enfim vitória

 

12.  Com “Uns comunista chato”

Fui Sherlock entre os vermelhos

Busquei pistas ao redor

Maldito jogo de espelhos

“Contra os cara” quem é gente

Torturou negro de joelhos

 

13.  Juízes e jurados

Oh! Eu tenho que dizer

Não aguento nem olhar

Também não aguento ver

Que essa conversa furada

Buraco negro a crescer

 

14.   Ku Klux Klan dos infernos

Um carnaval ao contrário

É sério demais pra rir

Cabeça erguida, otário

Seguistes pra a cova assim

Viver tal qual missionário

 

15.  Há medo pra nos calar

Mas, não calo facilmente

Sou desses que incomodam

Com a arte diferente

Por isso, fi d’uma égua

Não fique na minha frente

 

16.  Corre cheiro de alfazema

E mar no meu sangue bom

Bebo a minha cerveja

E não me tira do tom

É o rico e o pedinte

Regidos pelo mesmo som

 

17.  Eu de Pernambuco a raiva

Um passo na imensidão

Deus do céu Alagoas

Me cansa esta multidão

Estou ficando cansado

Da viver com a solidão

 

18.  Mas a estrada me atrai

Desejo e literatura

Nem vem com Nobel pra mim

Piso firme na aventura

Voa bala de canhão

Mesmo assim nessa postura

 

19.  Um homem crucificado

por ver tudo e esclarecer

Isso foi há tanto tempo

Isso está a acontecer

Não posso só lamentar

Faço o que devo fazer

 

20.  Os humanos vão dançando

Até a casa cair

Eu que sou um filho único

Único na forma de agir

Há vazio na cabeça

Com rumos a prosseguir

 

21.  Não sou filho do profeta

Tô andando no limite

Os meus pés hão de voar

Aonde o tempo permite

Meus sapatos de estrada

Em ritmo de dinamite

 

22.  Muitas noites sem dormir

Tentando bolar um plano

Pensei na ponta da língua

Meu verso nem causa dano

Cápsulas de bala voam

Porém, disso não me ufano

 

23.  Hoje sou um inimigo

Que a sociedade fez

Se rezo para o senhor

Sei que não se satisfez

Pois fé sem a obra é morta

Reflitam para vocês

 

24.  No portão de São Pedro

Com isso eu jamais contava

Não é moleza enganar

Eu não sou quem você esperava

Não voltei morto da guerra

No céu, você não entrava

 

25.  Amanhã é muito longe

Reflexos na água meu nome

A água do rio canta

Tem gente passando fome

Fico sozinho na cama

Não há ninguém que isso dome

 

26.  Uma vez eu tava mal

Saí para um lugar

Que sabia ter do bom

Tava entrando pra gozar

Vi uns caras detonados

Que temi me aproximar

 

27.  Eu dei logo marcha a ré

E fugi em disparada

Davi, Sansão e Saul

Em cada tempo um de cada

Mas comigo, a transa pesa

Sairei dessa enrascada

 

28.  Na cidade que eu moro

Tá tudo desmoronando

Também vejo o mundo inteiro

Sempre se despedaçando

Pois, o mundo é uma guerra

Mas, tem poucos no comando

 

29.  Mão nos bolsos, gola erguida

Fica amor, está aí tá?

O vento sopra e fala “não”

Muitos gritam em vão, lá

Alquimistas também erram

Ventos uivam, venha cá

 

30.  Senhores da guerra, ricos

Nós poetas, bem sabemos

Nem Jesus perdoaria

Senhores da guerra, vemos

Que alguém cuspa em seus túmulos

Criando casos extremos

 

31.  Seu eu jogo há tanto tempo

Sem ter muito o que perder

Agora, estou entendendo

Que o difícil é vencer

Aqui no meio do mar

Sou um solitário ser

 

32.  Uma Guerra Mundial

Vai se disfarçando, eu sei

Um abrigo nuclear

O cordel abar, pensei

Cigarros, coca, hamburguer

Meus versos encerrarei

 

33.  Se o presidente ligar

Vou tomar uma cerveja

Tem promessa descumprida

Partido virando igreja

Pão e vinho, me espanto

E um Judas me fareja

 

34.  Vamos parar por aqui

O que você vai fazer?

Se der errado, afinal?

Caro leitor, se entreter?

Nessa América Rapina

E outra coisa vá ler!

Conjunto de linhas infinitas.

CORDÉIS DE TERROR MOISÉS MONTEIRO DE MELO NETO

 

CORDEL DO LOBISOMEM NA CORTE DE MAURÍCIO DE NASSAU

Autor: Moisés Monteiro de Melo Neto

 


1 Cheiro o cangote da morena

que parece fora de si

num frenesi sem jeito

vou lambendo a sapoti

 para um homem como eu

de tesão eu explodi

 

2 Eita, corpinho bonito!

 um estudiosos como eu

que carrega a maldição

sou lobisomem judeu

peguei isso no Caribe

foi meu pai, um fariseu

 

3 Com formação de Doutor

Mal dá pra se suspeitar

A febre dentro de mim

Numa noite de luar

Nem sempre acontece

Mas quando é, é de arrasar!

 

4 Venho assim sobrevivendo

Cada noite de terror

Sou tal bicho maldito

Poeta e agrimensor

coleto, organizo, forneço

documentos de valor

 

5 Na cidade de Nassau

Vim de Holanda a Pernambuco

Século dezessete, estou

Sim ,sei, estou maluco

Mas poucos são como eu

Sei aguentar o trabuco

 

6 Avisaram-me: nos trópicos

 Mais feitiços ia pegar

Mas louco por aventura

Não, não pude evitar

 mel dos lábios carinhosos

dengo, malícia no olhar

 

7 Já me caçaram na noite

Tantas vezes que nem sei

Novo Mundo, velhos truques!

 Holandês me encantei

 Hoje, noite enluarada

Que destino terei?

 

8 noite de verão grandiosa

 festa no Palácio, grande

é o palácio de Friburgo

quem pode mandar que mande

 Renascimento do Brasil

 Nova Amsterdã, desmande

 

9 Intelectual europeu

Devia me dar ao respeito

Maldição de lobisomem

Não me dá esse direito

Ajo tão fora de mim

Muitas vezes sou suspeito

 

10 Sou uma lenda mundial

No Brasil cheguei assim

Num barco muito sinistro

Havia outros iguais a mim

Quero sangue, quero corpos

Numa fúria sem fim

 

11 A Licantropia eu tenho

Assim a ciência chama

 A doença de um lobo

Que me contamina, inflama

Se não mato quem ataco

É mais um com essa trama

 

12 Dizem começo foi um pacto

De meu pai, meu ancestral

Queria fama e fortuna

De ser sobrenatural

Logo perdeu o controle

Sucedeu-lhe o Grande Mal

 

13 Fujo da bala de prata

De arma de prata, também

Isso veio de meu pai

Que hoje está no Além

Não que acredite nisso

Não duvide, disse alguém

 

14 Numa lenda grega antiga

Dizem foi castigo de Zeus

Pra punir um tal Licaon

Que tentou matar chefe- deus

Foi então punido assim

Mesma coisa com os meus...

 

15 Loup-garou, na França

 werewolf, dos saxões

 oboroten, para os russos

 lobisosômicas dimensões

 na Península Ibérica

África, Ásia: tensões

 

16 Eu sou filho de um incesto

Vim depois de sete filhas

Percorro veloz estradas

Não importa quantas milhas

Durmo até em cemitérios

Se tem perigo nas trilhas

 

17 No Nordeste estou anêmico

Quem me vê até parece

Que não desconfia de nada

Pois assim não transparece

Alguns dizem que há cura

Cera de uma Igreja viesse

 

18 Eu não quero nem tentar

Que um padre faça isso

Dê a vela de um altar

Que eu assuma o compromisso

De nunca mais ninguém matar

Quando quer me dar sumiço

 

19 Bala banhada com cera

De um altar, é assim o remédio

Enfiem no meu coração

Acabem com esse meu tédio

Quase não aguento mais

Já me jogo desse prédio

 

20 A serviço de Nassau

Construí observatório

Fico olhando as estrelas

Planetas, tudo ilusório?

Essas lentes levam pra longe

Eu e essa morena: um casório?

 

21 Meus filhos herdariam

Essa minha danação?

E dessa mulher, um dia

Comeria o coração?

jacaré, caranguejo, capivara

 nordestina indecisão

 

22 Dou-lhe assim o meu veneno

 Sob a lua incandescente

 refletida no Capibaribe

o meu sexo ela sente

O que espera de mim?

Que lucros ela pressente?

 

23 A música vem do salão

O Baile prossegue, enfim

Aqui tem tanta luxúria

estranha excitação em mim

que agonia, que calor

Nesse holandês carmim

 

24 Pernambucano português

Se fala nesse lugar

Mais uma década de domínio

De holandês governar

Hoje o príncipe avisou:

“Boto um boi para voar!”

 

25 Queria eu alçar voo

Nos braços dessa morena

Voar até raiar o dia

Nessa mesma cantilena

Voar para outro mundo

Levar uma vida serena

 

26 Ir pra longe das intrigas

Viver sem futilidades

Esquecer que descobri

o ouro que ela (fatalidades!)

  recebeu para me trair

contar aos lusos fragilidades

 

27 Das Índias Ocidentais

Sou funcionário, tanto tenho

Essa doida comigo teria mais

Ela não sabe a que venho

Pediram-me para envenená-la

Essa espiã que mantenho

 

28 Leio no meu destino

Não posso mudar a sorte

Toda minha fantasia

 Meu amor vira morte

vendeu-se aos portugueses!

Seria comigo dama de porte

 

29 Amor, suave indolor veneno

 a botânica me ensina

saboroso licor sob a lua

com o lobo, pobre menina

podia sair daqui com ela

fugir, diaba que me fascina

 

30 Entregou-se com volúpia

Colombina pernambucana

Num ritmo de ferver

Fervor que a lua emana

Do manguezal a força

Ele se transforma... vem a gana!

 

31 O monstro nele desperta!

Ela não percebe

Em gozos se contorce

Nem sequer concebe

Monstruosa mutação dele

No esplendor da sebe

 

32 Traquejado nessas situações

sente as unhas crescendo

os dentes vorazes aumentando

Há cinco anos ali vivendo

Conhecia caminhos secretos

Arrastou-a se escondendo

 

 33 Sofria por sonhos e projetos

Desfeitos por gente como ela

 uma tristeza profunda

em noite como aquela

cortava seu coração

fosse atém com uma donzela

 

34  Rasgou-lhe o pescoço

Ela tremia sem voz

Irremediável torpor

Em estranho prazer feroz.

Aos poucos ela morria

Ele foi seu algoz

 

 

36 Sob um frondoso jasmineiro

 tirou tirar dela a chave do armário

 onde ela escondera os planos

 que roubara tendo-lhe com o otário

 Frans Post e Eckout

aproximavam-se, com honorários

 

37 Não desconfiavam dele

Que recompôs-se num instante

Não mais se entregaria à paixão

Pensou na pátria distante

O lobisomem europeu

Um bom burguês elegante

 

38 Não mais excesso, nem nada

por natureza e por ofício

medonho viver sem paixões

aceitava o sacrifício

seres que se consomem assim

existem desde o princípio

 

  39 Em solidão compartilhada

 a romper elos com as criaturas,

cuidado com esses tipos

que andam em ruas escuras

Na volúpia da escureza

Não terás o que procuras

 

 

40 Seres da vida recôndita

 que não gostam de se exibir.

Ao alcance das tuas mãos

Tens o fim dessa história

Espero seja lição

Pra tua a alma atingir

Certa purificação

 

41 Não queira sentir demais

 esperar demais da vida

 depois curtir  frustração.

O mundo é sina, é lida

solidão é insuportável

cure então sua ferida

 

42 Cuidado com Lobisomem

Que na dor de existir

Se arrasta escondido

Tal bom moço a atrair

Não faça ninguém de otário

Desconfie do porvir

 

43 Sigamos então assim

 transitivo caminhar

comedimento é bom

e esse cordel vai parar

mas antes lhe digo algo

você não tente escapar

 

44 A história se repete

Em Pernambuco de antes

Ou depois, repare em qualquer lugar

Haverá seres amantes

E ouro, mais veja bem:

Tem coisas mais importantes...

 

CORDEL DO GATO PRETO

1 Não espero e nem peço

que acreditem nessa história

é história muito estanha

sem honra tão pouco glória

Nem eu mesmo acredito

Então não conto vitória

 

2 Não é loucura nem sonho...

 Não vou morrer sem contar

Esta minha louca minha história!

A esposa dizia: pra me acalmar

meu espírito inquieto

cuidar da casa e esperar

 

3 O fantasma da obsessão...

 pelo  gato... o estranho animal

pela preta criatura

que  consequência fatal

... os  acontecimentos... tortura

 tortura.. me  destruiu no final!

 

4  horror...  horror...  inferno

 Ela olhava maliciosa

Me chamava grotesco!

Assim meio curiosa

Mangava de superstições

Nisso era pretensiosa

 

 

5 Que isso era arabesco

medo de assombração

 Isso  causava terror?

Eu era mesmo um bobão

O que posso dizer, agora

não foi comum sucessão

 

6 Causas e efeitos naturais.

 Me acusou de fingir

Ser bonzinho pra todos

Meu desgraçado existir

Mas eu sabia, eu era bom

 terno de seu coração a sorrir

 

7

 parecia tão evidente

 meu amor aos animais

tinha muitos lá em casa

eles são sensacionais

dava a eles meu tempo...

que bichinhos sem iguais

 

 

8 Me sentia tão feliz

 quando os dava de comer

ou os acariciava

é bom logo você saber

 amor desinteressado

 capaz de sacrifícios fazer

 

 

9 O amor de um animal

 Toca o nosso coração

Eita, história estranha!

Tínha pássaros, um cão,

peixes dourados, coelhos

 macaquinho e... o gato, o tição!

 

10  O gato preto esquisito!

uma cara terrível mostrava

meu gato preto!  Plutão...

às vezes me assustava

não sei porque o preferido

meu bicho que mais amava

 

 

11  Ele eu me distraía

Só eu o alimentava

 me seguia pela casa

às vezes até me custava

Queria sair comigo

 me acompanhasse onde estava

 

12 Minha esposa notou algo

Muito esquisito em mim

indiferente aos outros

 estava violento, enfim

maltratei coelhos, o macaco, o cão

por que agia assim?

 

13 Ela disse: o mal

 tomou conta de você!

A culpa foi do álcool

Vou lhe dizer porquê

Até o gato pressentiu

 Estranho, você não crê?

 

14 E o gato me mordeu!

um canivete peguei...

e arranquei um olho dele!

Por que o fiz? Nem sei

Maldito! Que mal lhe fiz?

Isso não esquecerei

 

 

15  Mulher, pega o gato e diz

 você deu nele, primeiro...

Não queria  mais o bicho!

 fui lá e peguei primeiro

o gato era meu

isso é bem verdadeiro

 

16 Ela resistiu entregar

Com tanta raiva fiquei

Que pegue logo uma corda

E o gato enforquei

Num pé de pau no quintal

Arrependido chorei

 

17 Cachaça acaba com um

Isso é a coisa mais certa

Não façam nunca o que fiz

Fiquem sempre em alerta

O mal quer tomar os homens

Tenha força quando aperta

 

18 Não afaste sua alma

da misericórdia de Deus!

Pensei tanta porcaria

furioso, com os meus

 ameaçador, assassino

Os pecados dos ateus...

 

19 Ri do Misericordioso

Disse que ele era terrível!

Ah, como eu errei

Isso parece incrível

Mas foi o que aconteceu

Pior parece impossível

 

20 Vejam o que se sucedeu

Agora vem pior parte

Agredi minha mulher

A maldição destarte

Ela estranhou aquilo

 fui bom marido comparte

 

 

21 E a maldição sobre nós ...

Instalou-se bem assim

Contradição dos infernos

Valei-me um serafim

E veio uma estranha noite

Favor: não riam de mim

 

 

22 Numa noite um incêndio

Destruiu o nosso lar

 Me entreguei ao desespero

Foi difícil suportar

paredes desmoronando

coisa de arrepiar

 

 

 23 Só sobrou uma parede

Ao lado da nossa cama

Estranha imagem surgiu

A imagem, meu crime, chama!

Sombra na superfície branca

 do gato gigantesco, flama

 

24 Na imagem uma corda

em tomo do pescoço.

Maldito seja eu!

Clamava o tal esboço

Entre o mal e o bem

Pelo Bem vale o esforço

 

 

25 Minha esposa disse assim:

arrancar um olho do bicho

 enforca-lo, brutalmente!

És um homem ou lixo?

Maldito seja, meu esposo

Esse teu vil capricho

 

 

25 Transtornado eu fiquei

 Meses de tanto horror

Sem me livrar do fantasma

do gato e... daquela dor

que coisa mais sinistra

vou lhe contar, ó leitor!

 

26 Não, não pensei noutro crime!

É mentira, meu amor

Queria fugir daquilo

Daquele obsessor

Tirar da alma o remorso

Afastar tanto terror

 

 

27 Um dia encontrei na rua

 outro gato parecido

maus lugares eu frequentava...

não quero ser fingido

O segundo gato preto...

Isso fazia sentido

 

28 Parecido com o primeiro...

Gostei assim no princípio

Parecia confortante

Mas isso foi no início

O álcool ia me jogando

No fundo dum precipício

 

29 Veio a sensação esquisita

Esse bicho é do mal

Minha mulher também viu

“Jogue fora esse animal!”

Minha doidice só piorava

Prum desenlace fatal...

 

30 A cada minuto pior!

O meu tempo escoava

O bicho era igual ao outro...

ao primeiro, igual estava

... até o olho arrancado... igual!

Aquilo me apavorava

 

 

 31 Tinha a mancha branca ... o

 outro não tinha isso

ao redor do ... pescoço...

A marca da forca, insubmisso!

... eu enforcara o gato preto!

Iria pagar compromisso

 

32  Nem de noite eu descansava!

 O animal não permitia

 e os  perversos pensamentos

a tudo submetia

eu não suportava mais!

Danada estrepolia

 

33 Saí doido pelo mundo

Perdi o amor, foi assim

Aonde você vai? Volte aqui!

A mulher chamou por mim

Não me deixe aqui sozinha!

Te amo até o fim

 

34 Mas agora é o pior

Peguei uma machadinha

para esquartejar o gato!

 Besta-fera danadinha

  Eu juro! Não aguento mais!

Mulher na frente, sina minha

 

35  Feriu-se mortalmente

a esposa... querida dos dias meus

e resolvi... emparedá-la...

como monges medievais aos seus

às suas vítimas, na adega

que pecado terrível, meu Deus!

 

 

36 Arranjei cimento, cal e areia

Trancado meu  novo lar

Tentei fugir da justiça

E mais me desgraçar

Eu estava doido, danado

Ninguém pode perdoar

 

37 Com toda a precaução possível

 preparei uma argamassa

 Ao terminar, satisfeito

Sofri com minha desgraça

 Emparedei a minha esposa

O reboco disfarça

 

38 Limpei o chão e então

O tal gato procurei

Culpado por tudo aquilo

Foi o que assim pensei

o  segundo gato preto

que na rua má encontrei

 

39  Matá-lo como fiz com o outro

Era meu objetivo, afinal

 Não o encontrei!

Onde estava o mal animal?

Sinal nenhum eu vi

Do inimigo fatal

 

40 Passaram-se três dias

Eu louco. Ele sumiu!

satisfeito com o doido crime

Quem te vê e quem te viu...

Não tomaria a vê-lo!

A peste escapuliu!

 

41 Cheguei até a acalmar

Meu desespero profundo

Pela tenebrosa ação

na inquietação do mundo

A polícia deu em cima

Eu sou um sujeito imundo!

 

42 Veio a investigação

 Meu medo se acentuou

mas respondi às perguntas

que o oficial sentenciou

Procedeu-se uma vistoria

Nem isso me abalou

 

43 A polícia em minha casa

Nada ia ser descoberto

. Eu pensava em escapar

Estava errado, decerto

Pois nesse mundo é difícil

 A Justiça está por perto

 

 

44 Quarto dia após o fato

caravana policial chegou

 inesperadamente à minha casa

 e novo investigou

 rigorosa vistoria

tudo viu e fuçou

 

45 Pode examinar o que quiser

Foi o que eu disse ao doutor

Não sei onde está minha esposa

creia nisso, sim, senhor.

porque eu sou inocente

encontrem-na, por favor!

 

 

46 Obrigado, senhores guardas.

Desejo-lhes boa saúde

  tão boa quanto essa casa

que refiz como pude

foi difícil de fazer

Estas paredes da minha atitude

 

 

 47  E o guarda foi saindo

Eu disse: o senhor já vai?

(Bati firme com a bengala)

Disse: “a casa nunca cai”

Aí ouvimos um choro

Uma espécie de um “Ai”!

 

48 Entrecortado e abafado

tal soluços criança

 depois, de repente, um grito

 De quem não tem esperança

prolongado, estridente, contínuo

anormal inumano mordança

 

49  Um uivo, um grito agudo

 meio triunfo, meio horror

 tal surgido do inferno

vibrando com muito ardor

garganta dos condenados

demoníaco estupor

 


50  Eu... sou ... inocente... eu não...

Doze braços vigorosos

 atacaram os tijolos

caíram por terra, vistosos

surge aí minha esposa morta

aos policiais vitoriosos

 

52 Sobre a cabeça dela

 com a boca vermelha dilatada

o único olho chamejante

estava o gato, a boca escancarada

dentro da tumba estava

Eu emparedara o monstro, na hora desesperada

 

SHERLOCK E O CÃO DOS BASKERVILLES

 

Cordel de Moisés Monteiro de Melo Neto

 

1 Essa história vou contar

Sei você vai perceber

Algo de inconveniente

Depois vai entender

Caso do Sherlock Holmes

Pra todo mundo ler

 

2 Livro com mais de cem anos

Traz hoje um interesse

No cordel aqui presente

Que do escocês fez-se

O escritor Conan Doyle

Sem que concorresse

 

3 Esse cordelista fez

texto assim matreiro

num caso do detetive

da rua do padeiro

Baker Street, endereço

Investigação? Certeiro

 

4 Tudo começou em Londres

Tendo em lama acabado

Logo explico como

Agora fica calado

E falo bem no início

Lá Holmes foi contratado

5 Uma história cabeluda

De demônio não previsível

Deus nos livre do Danado

Monstro não muito crível

Interior da Inglaterra

Uma vingança incabível...

 

6 Henry Baskerville

Herdeiro de um rico tio

Herda mansão assombrada

Maldição de um cão sombrio

Que ninguém via, mas cria

Que tremendo calafrio!

 

7 O tio morre do coração

Intriga evoluía assim

Estranhas pegadas

No imenso jardim

Enredo se complicava

Chamam Holmes, enfim...

 

8 Mas quem vai é Watson

Auxiliar do detetive

Entre os dois nada

Que a intimidade prive

Na mansão de Henry

O pavor sobrevive

 

9 Que um dia o cão chegue

Mais um Baskerville morra

Não se salva assim

Quem na Hora H corra

Um segredo ronda tudo

Com ele ninguém concorra

 

10 O que provocara morte

Terrível ao velho Tio?

Pistas não batiam bem

Tio saiu às dez, sadio

O que o fez sair

Em horário assim tardio?

 

11 Vizinhos ricos ou não

Apontavam a Maldição

Na Mansão dos Baskervilles

Tempo é imensidão

Trama que se enrosca

Até fugitivo de uma prisão

 

12 Um pântano tudo circula

Fede tanto com armadilhas

A quem se arrisca a ali estar

Ao luar ou de dia: “ilhas”

Para quem sabe

Ir lá, decifrar trilhas

 

13 Pôneis afundam e morrem

Estertores infernais

Belas mulheres se atrevem

A Romances sensuais

No meio daquilo tudo

Nevoentos umbrais

 

14 Um biólogo, um advogado

Um mordomo bem suspeito

Um vilão se esconde do leitor

Tamanho é o efeito

Que essa literatura causa

Clima, suspense perfeito

 

14 Caça ao criminoso prossegue

Quem seria o culpado

O cão a todos têm assombrado!

Olhos e boca lançam fogo

É o que o povo tem falado

 

15 Watson percorre pistas

Mantém Holmes, em Londres, a par

Mas a coisa se complica

Será que vão escapar?

O ajudante e o detetive

Tem muito a desvendar...

 

16 Ruínas paleolíticas

Dos homens das cavernas

Aumentam mais a intriga

Força internas e externas

História e mitologia

Tornam tais coisas incertas

 

17 Há notícia que um fugitivo

De uma cadeia local

Está escondido ali

No tal denso pantanal

Irmão da criada de Henry

Mas isso terminou mal

 

18 O biólogo e sua mulher

Aquele tórrido par

Eram sensuais conquistadores

Terrível jogo de azar

Deram golpe e não ganharam

O prêmio a conquistar

 

19 Sherlock descobriu tudo

Restava obter as provas

Isso é o que faria

Um plano ideias novas

Isso envolveria mortes

Não só versos e trovas

 

20 Cordel com reviravoltas

Esse que vou tecendo

Como provar os crimes

O biólogo envolvendo

O cão era um demônio dele?

Não foi bem assim, entendo

 

21 O detetive se escondeu

No pântano, que rebuliço

Era astúcia do biólogo

Ou mesmo um tal feitiço?

Proteger Henry do pior

Era esse o compromisso

 

22 Numa noite de lua e neblina

Tudo então se esclareceu

Biólogo mata homem errado

Aí se comprometeu

Amarrou sua mulher

E nela muito bateu

 

23 Atraiu Henry, pra matá-lo

O truque com o cão era tal

Pintou o bicho em fosforescente

Para aspecto fatal

assim tinha matado o tio

com o sobrinho seria igual

 

24 Sherlock frustrou-lhe os planos

Matando o cão danado

E o biólogo maluco

Ao fugir morre afogado

Mais um caso resolvido

e documento arquivado.

 

 

CORDEL DAS BONECAS ENFORCADAS

AUTOR: Moisés Monteiro de Melo Neto

 

É uma história muito triste

Que eu conto pra vocês

Leiam com muita atenção

Não sai dessas todo mês

História de uma menina

Aconteceu certa vez

 

Em Lagoa das Cachorras

Cidade do Bem, se diga

Certas mulheres cristãs

Se juntaram numa Liga

Negócio de gente rica

Corruptas, boas de briga

 

Juraram então pela “fé”

Acabar com a safadeza

Diabólicas que eram

Disso tenham certeza

Mandavam matar direto

Fingiam com esperteza

 

Moça solteira buchuda?

Abortasse ou morria!

Da cidade, tal era a Lei

Ai de quem não cumpria!

(a não ser que fosse rica)

Ali do ruim comia

 

Foi então que sucedeu

O que conto adiante

Mariazinha engravida

Do filho de uma elegante

Da Liga das Cristãs

Um riquinho meliante

 

Não quis abortar, partiu

Era preciso fugir!

Sua mãe nervosa, morreu

Mariazinha a carpir

Pr’um Sitiozinho distante

(não podia desistir!)

 

Na casa da Cachimbeira

Trabalhou de agricultora

A barriga cresceu tanto

Quase mata a genitora

Que pariu sua criança:

Uma menininha loura...

 

E o tempo foi passando

A criança era linda

Benzeu-a a Cachimbeira

Perseguição era finda?

(os amigos ajudavam)

Isso não acabou ainda!

 

Zé do Jerimum, padrinho

Chico da Charque, um tio

A Cachimbeira rezando

Venceram o desafio?

Veio chuva e veio seca

Mas da Liga? nem um pio!

 

Naquele distante Agreste

Numa mata recortado

O sítio prosperou

Povo estava preparado

Mas tem sempre um Judas

E o segredo foi contado

 

E a Liga das Cristãs

Soube assim do sucedido

Prepararam então um plano

Que fique bem entendido:

De Cristãs não tinham nada

Contrataram um bandido

 

Numa noite tenebrosa

Decidiram o que fazer

Matariam tal menina

Mariazinha ia ver

Herdeira?! Que se cuidasse!

Isso não podia ser!

 

Lá no Sítio bem distante

As três fêmeas viviam

Mais uma noite feliz

Luar, astros reluziam

Sem intuir nada estranho

Bandido não pressentiam

 

Na noite fria de junho

A Cachimbeira cantou

Uma música tão bela

A todos emocionou

A menina de seis anos

Sete então completou

 

Um bolinho de fubá...

Um chazinho tão gostoso!

Um abraço bem quentinho

Um olhar tão carinhoso

Casinha de barro bege

Silêncio noturno pomposo

 

Em segredo ali viviam

Imaginavam sagrado

Mas pra tudo nessa vida:

Tem que se estar preparado!

A velha abençoa a menina

Destino fora traçado

 

O dia nem amanhecia

A velha e Mariazinha

Saem juntas pra cacimba

Sob o céu de manhãzinha

Que ao voltar vermelho

Inferno que se avizinha

 

No terror de ver a filha

Enforcada no umbuzeiro

A mãe enlouqueceu logo

Em máximo desespero

Não voltou mais ao juízo

Cachimbeira acudiu ligeiro

 

A Moça depois do enterro, ali

Bonecas pôs-se a fazer

Só pensava na menina

E não queria vender

Pendurava no umbuzeiro

Pra filhinha entreter...

 

Ninava antes cada uma:

“Mamãe não vai te deixar”

Toda noite, todo dia

Na árvore ia pendurar

Um dia foi ela mesma

Desse jeito balançar!

 

Foi uma coisa tão estranha

(não deu empo de evitar!)

Deus perdoe a pobre mãe

Com o coração a sangrar

Sua dor era tão grande

Temos que a perdoar...

 

Em Lagoa das Cachorras

A pobre foi enterrada

A filha lá tão longe

Fantasma, sai pela estrada

Encantada assim viaja

Surge qual alma chorada

 

Quem passa de noite na Via

No cemitério, a calçada

Vê, às vezes, pés pra frente

Cabeça pra trás virada

A menina sem destino

Na noite enluarada...

 

VAMPIRO NO CORDEL DE PERNAMBUCO

Autor: Moisés Monteiro de Melo Neto

 

I

(do primeiro narrador)

 

Mistério da catacumba

Meia-noite recifense

envolve a cidade Maldade

neblina de junho, pense!

passeio por essas ruas

de madrugada nonsense

 

Ecoa o som da meia-noite

Nas covas de Santo Amaro

não te julgo, eu te sugo

te quero,  te beijo, te amparo

noite estranha dos vampiros

para sempre: sigo e paro

 

Na madrugada de sangue

Na ponte um jovem carente

Contempla a morte sombrio

 Vou brindá-lo com a serpente

iniciá-lo ou matá-lo

se ele quiser, somente

 

 Bestafera: crime e fel

  força, amoródio, aquém

faço vomitar a alma

 prefiro a noite, também

dá cegueira a luz do dia

morto-vivo, muito além!

 

desumano, anjo do mal

  Como cena de cinema 

Se projeta na tela

Aqui, Hollywood, Ipanema

falo difícil e tão fácil

minha mordida não tema

 

 Choras, jovem, enquanto chove

não tens lá longe alguém?

  Dou-te uma esperança 

como chegada  de trem 

glória estação: partir

 serás agora, ninguém!

 

Ah!  Nesta sede sem fim....

carne e sangue  amalgamo

nesse trânsito urgente

ao fogo de mim te chamo

em estranha oração

minha justiça eu clamo

 

 A sós, vem a tempestade 

do segredo vou te ensinar

sou rico, sou poderoso

  mistérios sei decifrar

da vida de sombra e luz

posso até te saciar

 

 II

 

Sou poeta de cordel

me trancaram  neste hospício

por histórias que inventei

é perigoso meu vício

tanta desordem, delírio

conteúdo e frontispício

 

Meu cordel era anormal

deram camisa de força

 sou daqueles trovadores

meu poema não destorça

mas que vontade cruel

fazer que o poeta  se torça

 

 Te persigo na Ponte Velha

Capibaribe gelado

sobrenatural dos  tempos

 sou o corpo do passado

sangue nas veias sinistras

em festim  desesperado

 

Ritos de estaca e prata

   amante da escuridão

  tenho as chaves dos segredos

 sei: alguns não morrerão

  Sou possuído e possuo

Sou o “X” da questão

 

  Qual o fim deste cordel? 

Preciso contar minha história

 o clímax e os encantos

poesia de vitória

ao sufocante terror

embora não traga glória

 

Quer alçar voos ao céu?

Parado no meio da ponte

entre bem e mal, eis a fonte

Não escolher um ou outro.

a igreja que desconte

 

O pacto é irreversível

brinco que sou do mal

 é mistério, não pecado

  experiências do astral

zodíaco de  lembranças

triunfo, novo ideal

 

Agora o novo sangue

 entra no teu coração

sublime dor do chamado...

 sede, fome, oração...

Nada te preocupa mais

na sangrenta solidão

 

Poeta a vida inteira.

culpa tentei compensar...

mas o cordel não deu jeito

  melhor é me desculpar

vou morder o teu pescoço

eternidade vou dar

 

Terror e êxtase

 nesse novo destino

vem agora a tua calma

neste torpor de menino

 tua vida? obra de arte

passa o  tempo,  pequenino

 

Desça ao fundo de si mesmo...

nem ninguém nem  todo mundo.

meus dentes te ajudarão

 sobre este rio profundo

brindemos com licor íntimo

esqueçamos fim imundo

 

Longe os seus apuros

na mandala dessa vida

a magia numa dentada

vagabundagem distraída

 triunfo da poesia

dor em prazer convertida

 

 Do insignificante ao divino

num cabaré  obscuro

 melancolia, alquimia

presente passado futuro

nunca mais bobo da corte

 tua vitória murmuro

 

III

(do novo narrador)

 

ele me mordeu

Numa noite sem fim então

vampiro me ensinou muito

será tudo isso em vão?

 Ó crianças das trevas! 

 No morrer tem salvação?

 

Que mal tão forte encerram

 os dons que assustam tanto?

 Não aceitei, aconteceu

 hoje não mais me espanto

não me assusto na jornada

 Vivo ardendo este encanto

 

Não me peçam explicações

 Isso é inexplicável.

não tenho o sinal da cruz

  sacramento maleável

 não da conta de vocês

Sou sujeito detestável

 

 Não me falem de limites

 isso não é para mim!

 Chamo tudo pelos nomes,

nesses portais sem fim

 ao mais puro digo:

para outras novas vim!

 

Visto-me como você

estou em tudo, falo logo

como em peça teatral

 sem decepção no prólogo

  e ninguém nem desconfia

do peculiar monólogo

 

 Não faço novos vampiros

 não sou monstro imaginário

quem me fez viveu muito

  me deixou o seu diário

 tinha sido ser de luz

foi belo, mas não gregário

 

Sugou-me e deu-me seu sangue 

numa noite desesperada

  de pergunta e resposta

 tive uma fé desgraçada

 agora nem céu nem Inferno

que me detenha a escalada

 

 Filosofia prefiro

ao livro máximo judeu

esse povo escolhido

não apoio quem escreveu

o dom escuro que recebi

me deu quem o recebeu

 

IV

 

  A romper velhos mistérios

implanto este estilo.

Por tantas noites e noites

Sim, esforcei-me e fi-lo

 o Mestre perto de mim

que estranho foi aquilo

 

Amor que não teve sexo

Eu bebi na vida dele

bebeu da minha essência

nunca outro como Ele

ganhei esse dom escuro

  anjo e demônio, daquele

 

Suor, carne, sangue assim

  fazem gritar sem nenhum  som

 teatro de sombras, vampiro

  na morte nada bom

pulsando... maldade inocente

 nem “dane-se!” nem shalom

 

Pobres, mulheres, gays, negros

não tinham status algum

 mundo Deus estava morto e

 sem religião para nenhum

 Daí só tomava sangue

 De luxo e pobreza fiz Um

 

Sugava só gente ruim 

sem inocentes, no começo

  muitos querem ser como eu

ah, eles não sabem o preço

  eu que sou um demônio

sofro assim desde o começo

 

Aprendi muito, depois de morto

Tenho já tudo que quis

criança estudei c’os padres

mesmo lá não fui feliz

 agora só solidão

 sou eu mesmo meu juiz

 

Ah, Recife, estou Maldito!

vivo sem Deus nem noutra vida

Dentro de mim tudo são trevas

Mas não sou suicida

ouço os ecos da maldade

encurto a história comprida

 

Num vazio jardim selvagem.

sangue nos lábios  abertos

Ele se jogou no fogo, morreu

 deixou-me recursos certos

matou-se numa fogueira

predador de bobos e espertos

 

Não acredito em Satã

 Satã também está morto

mas não há maldade, em si

 sou um aventureiro torto

às vezes fico  perdido

Como um navio sem porto

 

Ah, Não há esplendor nisto!

 não é sublime, bem sei

tudo parece tão  tolo

 poupo aquele ou matarei?

decadência recifense

Nunca soube e não sei

 

  Podemos amar se odiamos?

 Fingindo Amor à vida

Nem Pão nem Vinho interessam

Minha sina é comprida

Cumpri tudo com apuro 

Nesta terra tão ferida

 

Jogo com os mortais

numa orgia dos sentidos

 o truque é não pensar muito

 o sangue dos iludidos

 bebo antes que morram

estão mesmo todos perdidos?!

 

Na religião, fariseus

 Desde o início é assim

Palestinos, judeus, cristãos

O começo contém o fim

No Oriente não é diferente

Mãos de santos, olhar ruim

 

 

V

Sou uma criança antiga...

por muito tempo sofri

em meio a tanta briga

Vejo as regiões sombrias

ser humano é só intriga

 

Quis transformar tudo em arte

num cordel  sem afetação

obscenidade não obscena,

contraditório é ter tesão

 minha condição complexa

 um príncipe num  caixão

 

Quis contemplar o esplendor

que o cosmos pudesse dar

 o que os homens podem ser...

do tédio me desvencilhar

pesadelos na noite

sonho a quem acreditar

 

Recife pra mim é Cosmos

 Esse Cordel: barco chamas!

  em calamidade pública

quantos caminhos e camas

Partir sempre lancinante...

Mas vamos deixar de dramas

 

Este folheto acaba assim

no pensamento que me atormenta...

Pois não consigo fazer texto

Que enfim vos acalenta

 Leitor, desperte do sono

Que no Recife se assenta!

 

 

CORDEL DE TERROR EM PERNAMBUCO

Por Moisés Monteiro de Melo Neto

 

 

Das assombrações daqui,

As que Pernambuco assiste

Abro assim  novo cordel

Hoje conto história em riste

 Cada coisa esquisita,

Tanta lenda que resiste.

 

2 Não acredito nisso

 também não vou duvidar

 Espíritos e elementos

Quem pode assegurar?

Cabelos e unhas crescem.

No pós-morte a flutuar

 

3 Começo pelo judeu

que aparece Na Boa Vista

Foi amigo de Clarice

Quem disse, não insista

 Bom pirangueiro

 deixou uma pista

 

4 Nos dias comemorativos

 sagrados para judeus

fantasma vai passear

procurando pelos seus

Errante da Boa vista

 pontes, becos, teus e meus.

 

5 O homem era sovina,

Mas o dinheiro lhe comprou

Casas, lojas luta e maneiro,

 interesseiro, não casou

ansiava ser poeta

tal coisa não engrenou

 

6 Fantasma, ele é DIBUK

 O judeu caminhador

Que figura tenebrosa!

rápido adivinhador

deixou estranha cabala

esse velho professor.

 

7 Nunca foi visto em bando

 Só para a fotografia

Vestia preto, somente

 chapéu e sem Alegria

 O cabra era tão esperto

 não tinha melancolia.

 

8 Sentava meditando

 com sua grana, contente

 cada vez juntava mais

que ele não era demente

 Sabia que ia morrer

Então morreu, finalmente

 

9 Apareceu para ele

 uma espécie de som, visão

Uma mensagem esquisita

Sobreviverás, Abraão

Viverás depois de morto

 Mesmo assim sem razão

 

10 Agora vamos aos fatos

 da gente da capital

no Bairro da Boa Vista,

 sente o Recife, afinal

ecoando o Além

de modo sensacional

 

11 Da cachaça do poeta

Suor de trabalhador,

gente rica também,

classe média, doutor

capto naquele fantasma

misterioso, aglutinador

 

12 O judeu tinha um plano

ia sonhar com ele, então

Não era de fantasia,

mas sonhos não-vida são

 São matéria esquisita

Sonhou ser assombração

 

13 Podia jurar que eu vi

ponte de Nassau a cruzar

O bicho e estátuas todas

Pareciam num dançar

tive que me benzer

 não podia acreditar

 

14 Ele apontou para mim

 pensei, ia me enfeitiçar.

Mas eu, já enfeitiçado,

Ele teve que parar

Disse: Escreva meu poema

Eu mal pude acreditar

 

15  Escreva meu poema,

poetize meu caminhar

correm musas no Recife

sereias, tritões a sussurrar

místicos do mundo inteiro

   concentração a girar.

 

16 É estranho ser poeta

escrever minha ficção

 vá fazer, vou orientar

Sussurrou-me Abraão

Disse eu era assinalado,

ele disse, ria não

 

17 Não ria, vou sugerir

 Queremos cérebro seu

 Pra mensagem transmitir

Eu disse, não sou judeu

 ele riu, risada estranha

 também não sou ateu

 

18 Minha ciência, o que penso

compartilho até dinheiro

Nunca fui ostentador

Na possessão sou certeiro

matéria mais não sou?

Sou espírito guerreiro

 

19 Preciso de um homem assim

 meu poeta, meu doutor.

O que a gente vai fazer?

 Tem um suave sabor

 por enquanto é de graça

te ofereço, dê valor

 

20 Você vai contar no livro.

Esse mundo onde estou?

Sou fantasma do hoje

Buscando o que me faltou

 Ganhei o que merecia

 fui embora, ouro ficou

 

21 Eu me senti bem estranho

 estava indo no Recife Antigo

 Apressei o passo e saí

No Marco Zero, amigo,

escutei um canto estranho

que nunca ouvi, lhe digo.

 

22 Era o canto da sereia

 Me acalentando? De vez?

 Nada tinha de Ariel

Muito desisti, talvez

 Direito de ser antiga

Adocicado, me fez

 

23 Disse: Poeta, me escuta

Tem que ser com melodia

Pra esse povo lhe entender

Nem teste, nem Alegria

A hora está chegando

do seu Leme serei a guia.

 

24 O céu estava tão estranho

Era noite ou era dia?

parecia até um sonho

 no mundo da poesia

 Eu tinha pegado um barco

Que por ali existia?

 

25 A guria sereia

 Para mim, toda se exibiu.

Encantou meu condutor

velho zumbi e me atraiu

que, comparsa da tirana,

 ia me ofertar, insistiu.

 

26 Eu desfaço isso, não?

Ou poderei com isso lidar?

Melhor do que dinheiro

 Moça vai presentear

Gostou do seu jeito faceiro?

 é cabocla, filha do mar.

 

27 Fique parado, escute

 A fala dela é canção

 filho, há muito te vejo

 Recife arrebentação

amado poeta meu

queres protetora ou não?

 

28 Me apaixonei por ti

Encantamento vou te dar

Teus escritos vou fazer

infinitas ondas a ecoar

O que fazes, vem dos mestres

tua literatura a mudar

 

29 Encantados vão aparecer.

Hoje tem encantamento

Letras-trovão, das tuas mãos

Aliviar tanto tormento

 Faz-se agora esse casamento

É estranha para a fusão

Mistério e sentimento

 

30 Vem do mar e lhe introduzo

Rio, oceano, convulsão

Diga logo: você crê?

Florzinha, invoca atenção

Comadre do mato escuro

Moço faça louvação

 

31 Não esqueça o que eu disse

Gire mar, mata e sertão

Vá pro mato, de repente

Arrepiante assombração

Ao som da tal melodia

 Assobio longe, louco e são

 

32 Uma pequena me acalentou

A contar sua história, a mulher

Me disse: bem-vindo, moço

Do mato pegue o que puder

 Que eu sou mulher faceira

Tenho o homem que quiser.

 

33 Mas contigo é diferente

me sinto outra mulher

 fui criança rejeitada

me pus no Mato a correr

 Florzinha me chamam

tenho muito a oferecer

 

34 Quem meus encantos rejeitar

Lhe digo: chego a punir

 Gosto de papa de aveia e mel

Ao fumo não sei resistir

Você tem para me dar?

Mas poesia isso vai substituir

 

35 Por trás desses meus cabelos

 sabe o que pode encontrar?

Força pro teu corpo fraco

Posso a vida aumentar

E nesse cordel, lhe digo

Vou mistério colocar

 

36 Moço que o mundo viajou

Vou lhe dar força e coragem

Em mim, você encontrou

Uma madrinha selvagem

Sou danada, solta no mato

e agora eu já me vou, também.

 

37 Me vi solto, ali no Mato

Um vento forte a soprar.

cavalo, pegando fogo.

Era o chão a abrasar

Que homem brabo era aquele?

Cangaceiro a me encarar.

 

38 Feroz, com sangue a ferver,

eu tremia sem parar

Moço, está fazendo o quê?

Aqui, nesse meu lugar.

Se está procurando a morte

Eu lhe ajudo a encontrar.

 

39 Sou um anjo, sou o cão

 De mim, não vai escapar.

Deus, que sonho medonho

Eu queria me acordar

Os olhos do anjo malvado

Ameaça a latejar

 

40 Eu, justiceiro, ele disse

 me olhando bem de frente

Tinha um jeito tão estranho

Uma voz tão diferente

  Sumia e reaparecia

Frente e atrás, de repente

 

41 Não quero mais dessa gente

Pensei ao estremecer

Mas ele continuou

Minha história vai escrever

Os seus amigos do além

Chegaram a me convencer

 

42 Eu nasci no Sertão

 Mataram meu pai, rapaz

 Minha chance de Vitória

É o que quero mais

 Eu preciso me vingar

Do Patrão, do capataz

 

43 Dfendo das emboscadas

 Justiça social e prazer

Com o bando da minha gente

Em batalhas a não se crer

 Acabei com gente safada

Gente “boa” fiz sofrer

 

44 Que vida é vaivém

 no mundo do além cheguei

Mas perante o mais sagrado

 Agora até melhorei

Vim! O isprito me avisou

O Setestrelo avistei

 

45 Vou tirar você do buraco

Por serviços que prestou

Na Educação e na arte

Quando tiver perigo, vou

Invoque a força do cangaço

Desse que se encantou

 

46 Tenha força de vontade

Resista até o fim

Não se entregue não, seu moço

De destino bom e ruim

 Palavra de cangaceiro

Vosmecê confie em mim

 

47 Infinita vontade tenha

Judeu, sereia, comadre viste

Que eu faço a minha parte

Se  mantenha em riste

Pois comigo você conte

O meu recado ouviste

 

48 Vou-me embora, meu filho.

Você vá firme em frente

Padim Ciço lhe proteja

Vai dar certo, diferente

 Você é homem marcado

 Mas bem vejo é resistente

 

49 Que o mal seja esconjurado

Senti uma força tal

 Cangaceiro me sagrou

Com a ponta do seu punhal

Gota de sangue saiu de mim

Como estranho ritual

 

50 Foi-se na minha frente

 O cangaceiro a brilhar

 Eu fiquei muito pirado

 Eu queria era me acordar.

Veio ave, reconheci

Mas não quis encarar

 

51 Conhecida por arisca

Um Nambu tão tupi

Num voo rumorejando

Dificuldade a voar, eu vi

de mim se aproximou

bicho estranho, arrepio senti

 

52 Acostumada com o chão

O nambu a me cercar

cinza e marrom qual agouro

ia piando sem parar

Piado esquisito da peste

Minha paciência a tirar

 

53 O que é que vem por aí?

Fiquei assim a pensar

Mas aviso pra mim?

O que essa vai me contar?

Nem estava afim de ouvir

Cantou história de índios

Meus ancestrais a falar

 

54 Morreram a lutar assim

De um jeito tão cruel

Sem local de fala com brancos

Sem inferno e sem céu

Tenho a Jurema sagrada

Do avô sábio, eu novel

 

55 Serei sua ave da sorte

Me chame para voar

 Nas estradas, pelo céu

Ou terreiro para ciscar

 Isso tudo em pensamento

 e vou logo lhe ajudar.

 

56 Se ligue, já vem aí

Outro bicho importante

Uma alma como eu

De Aruanda, num instante

É o Boi da cara preta

 Vai completar, é falante

 

57. Assim que o Nambu sumiu

Da poeira infernal, “e apoi!”

Disse: eu vim da Índia

Do Egito, do Sertão, foi

No folclore nordestino

Sou o bumba meu boi

 

58 Sou segredo do folclore

  Não quero sangue ou louvor

A oferenda já foi feita

Vim te falar, ó cantor

A oferenda foi aceita

Pro teu passado ou o que for

 

59 Puseram no altar pra mim

O que sofreste de abuso

O que descobriste sozinho

Fracassar me recuso

Se perdeste, se ganhaste

Faz do Passado bom uso

 

60 Conta com esse boi sagrado

Que a mãe deu de mamar

Sou um Pai, natureza pura

Que tudo pode enfrentar

Inclusive teus monstros internos

Um por um eu vou matar

 

61 Vamos logo ao Papafigo

Que assombrou sua Juventude

Lhe impediu atingir

toda a sua plenitude

você agora vai se curar

Isso, sim, é boa atitude

 

62 Sorriso macabro, ele vem

De longe, parece casual

Unhas, rapina, podres dentes

Lhe levou pro matagal

Seu fígado, ele queria

Aquilo não era normal

 

63 Papafigo, homem malvado

Aquele quente, senhor

Morava numa casa boa

com tanta coisa, leitor

Fazer de você, prisioneiro

Agora não mais, meu amor

 

64 Seu Bumba, vai lhe ajudar

A sair desse labirinto

Que o tempo fez pra gente

Psicologia, talvez, não sinto

Isso é coisa de humano

Eu desconheço, não minto

 

65 Mas trabalho com o tempo

Seu fígado vou devolver

Se o vampirão lhe fez mal

Se vingar você vai querer

Lhe aconselho que não

Saúde vou lhe oferecer

 

66 Papafigo, lenda urbana

O danado apareceu

Bem ali na minha frente

O seu rosto era o meu

Me enganou, quebrei o espelho

Foi o que aconteceu

 

67 O fantasma do judeu reapareceu

 Meu caro poeta, ele disse

Como vi o seu cordel,

Depois de tanta esquisitice?

Quer “a viagem” interromper?

Ou concluir, como eu predisse?

 

68 Ele falou isso e saiu

Nem tempo pra resposta eu tive

Apareceu a Perna Cabeluda

Pedi: do Papafigo me livre

Como não tinha boca

Com ela pouco estive

 

69 Veio o chute no Malvado

Sumiram Perna e o bicho, enfim

Surgiu Biu do Olho Verde

A me confessar assim

às vítimas: quer tiro ou beliscão?

No Alicate no bico do peito, o fim.

 

70 Arrependido, agora, o penado

Disse: polícia lhe perturbar

Meu nome você lembrar

Fui prisioneiro de Cão

Agora estou a penar

Não tem perdão para mim

Chorava pra se acabar

 

71 Fui Biu da periferia

Purgo males feitos

Meu exemplo ninguém siga

Reconheço tantos defeitos

Sou contra a violência

E defendo os direitos

 

72 Entra em cena num circo

Teatro e cordel: Louca do Jardim

 Mulher honesta, Júlia Alves

 que sofreu calúnias assim

 homem, quis o sexo dela

 Mas ela recusou e ao fim

 

73 O desprezado lhe difamou

marido acreditou em mentiroso

provas falsas “plantadas”

terrível, esse esposo

Expulsa Júlia sem a filha

Que destino horroroso

 

74 Perguntei ao Fantasma dela:

Que lição você me traz?

Ela disse: poeta resista

Não Vi longe o Satanás

Eu sofri muito, mas sobrevivi

É assim que se faz

 

75 A justiça um dia vem

O monstro atacou minha filha

No Recife, a bichinha gritou

Foi punido na armadilha

confessou tudo, também.

alma penada, nessa sextilha

 

76 Matou-se. Te protegerei, poeta

Tem a Emparedada da rua Nova

Um pai preconceituoso a matou

foi como O Gato Preto, de Poe

Tem Bonecas enforcadas

Mas isso fica pr´outra trova

 

77 Acorda agora, poeta

Finaliza esse cordel

O mais estranho da tua obra

Nesse teu caminho pro céu

Jesus, Deus e a Virgem

Que nunca fiques ao léu

 

78 Acordando o judeu

Satisfeito a testemunhar

Eu cumpri desejo seu

Que era saber versejar

Termino assim esse cordel

Mas isso vai continuar...