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sexta-feira, 21 de maio de 2021

Livro sobre Chico Science e o Movimento Mangue

 

A década de 1990 foi marcada pela afirmação e contestação do modelo econômico do neoliberalismo e pelos desdobramentos da globalização. No Recife surgiu o Movimento Manguebeat que produziu deslocamentos e rompeu com os paradigmas estéticos. Este importante livro (re) constrói o universo cultural da capital de Pernambuco nos anos 90. A poética, as representações, as demandas sociais de um movimento que pensou os mangues e a periferia da cidade como centro. Na obra do Prof. Dr. Moisés Monteiro de Melo Neto o encontro entre o pensamento de Josué de Castro, a poesia de Chico Science, e os “caranguejos com cérebro” potencializam a narrativa.

 

Helder Remigio de Amorim

 

Coordenador do Mestrado em História da Universidade Católica de Pernambuco (PPG História/ UNICAP)




Prof. Dr. Moisés Monteiro de Melo Neto em entrevista sobre livro que publicou sobre
os poetas do  Movimento Mangue


 

 


Este livro não teria sido escrito sem que antes houvesse uma série de personagens reais, “pessoas extraordinárias”, na expressão roubada aqui do historiador inglês Eric Hobsbawn. Refiro-me a Chico Science, Fred 04, Renato L. e muitos outros músicos, roadies, técnicos de som, promotores de eventos, cineastas, jornalistas, etc. que movimentaram e fizeram parte da cena recifense na década de 90. Na verdade, um dos capítulos mais importantes da história da música brasileira foi escrito ali, nas noites quentes da Manguetown. No entanto, esse livro e todas as histórias contidas nele não chegariam aos leitores sem que houvesse um escritor dedicado e comprometido como é o caso do autor deste livro, o professor Moisés Monteiro de Melo Neto.

Munido de vasta pesquisa e excelente aporte teórico, Moisés se propõe a discutir a poética diluída e condensada em letras de música, shows, filmes, manifestos, entrevistas etc. Esta poética é a peça-chave desse quebra-cabeça, fundamental na reconstrução dessa história, do que se viveu na agitada Cena Recifense daqueles anos. O que compunha toda a diversidade sonora e imagética, que iam dos batuques de terreiro, dos graves alcançados nos tambores de pele de bode, passando pelas guitarras distorcidas por overdrive, wah wah, delay e outros efeitos, era a palavra, ou melhor, uma série de escritos, poesias em forma de letras de músicas que foram amplificadas nos alto-falantes e fizeram a cabeça de uma geração, movimentando a “cultura quatrocentona de Pernambuco”, na expressão do autor. De fato, o solo da Manguetown foi fértil, um ecossistema completo. Quase três décadas depois, discos como Da Lama ao Caos (Chico Science e Nação Zumbi) e Samba Esquema Noise (Mundo Livre S/A) ainda impressionam pela qualidade da gravação, a escolha dos timbres, arte visual das capas e encartes, temática das letras etc. Toda a estética do movimento e padrões de comportamento nasciam ali. Esses discos, de tão perfeitos, podem ser comparados a outros tão importantes da Música Popular Brasileira, como Construção (Chico Buarque) ou Expresso 2222 (Gilberto Gil), tamanha a força e a perenidade das composições prensadas no vinil. Obras primas da criação humana que inspiraram outros trabalhos, provocando metamorfoses e deslocamentos. Depois deles, poética nunca deixou de brotar no solo fértil da Manguetown.

O legado deixado pelas bandas e outros artistas que compunham esse cenário é inegável. Muito já se escreveu, de forma geral ou pontual, sobre o Movimento Mangue. Pela diversidade característica das bandas e produções artísticas, as interpretações são muito distintas, quase particulares.

O professor Moises Monteiro de Melo Neto foi um dos primeiros autores, ainda nos anos 2000, a dedicar um livro sobre o Movimento Mangue, na intenção de fornecer uma compreensão teórica sobre a cena e seu principal mentor, o Chico Science, figura carismática e uma das cabeças mais brilhantes que já nasceu nessas paragens. O valor daquela incursão foi grande, gerando uma dissertação de mestrado em Letras da UFPE, defendida em 2004, onde o tema foi mais que aprofundado. O que o leitor tem hoje em mãos são anos de investigação, de trabalho dedicados a compreender da melhor forma possível aquele movimento, um fenômeno cultural que levou a imprensa nacional e internacional a focar seus holofotes na cidade estuário do Recife.

Temas como “tradição” e “cultura popular”, entre muitos outros, são discutidos com maestria por Moisés, sem correr o risco de cair numa mera folclorização ou mesmo em fomentar antagonismo simplórios e batidos, como por exemplo, modernidade versus conservadorismo. De forma simples, o autor parte para desenvolver ideias instigantes que dialogam com autores da pós-modernidade, dos Estudos Culturais etc. A construção dos argumentos é bem ancorada não apenas nas pesquisas empreendidas pelo autor, mas também nos aportes teóricos, utilizando gente de peso, como Bhabha, Hall, Barthes, Octavio Paz, entre outros. Apesar da complexidade de alguns temas, a escrita de Moisés não se faz entendida apenas ao leitor versado nos jargões do mundo acadêmico. Pelo contrário, o leitor comum vai se deliciar com o que vai encontrar nessas páginas.

Ao leitor que começou esse livro pela leitura desse prefácio, faço questão de ressaltar que a escrita de Moisés Monteiro de Melo Neto é extremamente versátil, misturando com maestria análise acadêmica profícua, fruto de extensa pesquisa e reflexão teórica, com aquele gostinho de crônica domingueira, que encontrávamos nos bons jornais de outrora, quando a leitura era feita com leveza e prazer. Mas não é só isso, como toda boa obra literária, o texto cresce, fica denso, nervoso, como se o leitor estivesse participando diretamente dos embates que se travaram na legitimação daquele tipo de arte que era produzido ali no Recife dos anos 90. Por fim, espero que esse livro seja tão estimulante quanto foi para mim. Ler o livro de Moisés Neto me fez voltar no tempo, de quando frequentava as festas, discotecagem e show na Soparia, na Oficina Mecânica, no Pina de Copacabana, no Abril pro Rock e muitos outros “lugares de memória”, das minhas memórias e de toda uma geração que viveu e se criou ao som do que se produziu na Manguetown. O que se viveu naqueles anos foi de fato uma experiência única.

Bruno Augusto Dornelas Câmara*

Garanhuns, 25 de abril de 2021.

* Professor adjunto do Curso de Licenciatura em História da Universidade de Pernambuco – UPE, Campus Garanhuns, e docente permanente do Programa de Mestrado Profissional em Culturas Africanas, da Diáspora, e dos Povos Indígenas – PROCADI, docente colaborador no Programa de Pós-Graduação em História – UFPE.

 

 

 

 

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