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quinta-feira, 26 de julho de 2018

Moisés Monteiro de Melo Neto e Jorge Dubatti, no VI Congresso Internacional Sesc de Arte/ Educação

Moisés Monteiro de Melo Neto e Jorge Dubatti, no VI Congresso Internacional Sesc de Arte/ Educação 


O argentino Jorge Dubatti, criador da Escola dos Espectadores, lançará o livro "O teatro dos mortos: introdução a uma filosofia do teatro", pelas Edições Sesc São Paulo. Sua proposta de uma Filosofia do Teatro permite empregar um conjunto de conceitos válidos para a compreensão das práticas cênicas em sua des-delimitação e complexidade: a distinção entre corpo social e corpo poético, convívio e zonas de experiência e subjetividade, teatro de "estados" e a possibilidade de pensar as poéticas como espaços de tensões ontológicas que deslocam as noções de "representação" e "apresentação". Ele,em seu empenho por traçar uma filosofia do teatro, é  ensaísta,o crítico e teórico argentino Jorge Dubatti reconhece que, assim como a Arte em geral, o teatro passa por um processo de “desdefinição” com a emergência de acontecimentos artísticos fronteiriços desde o início do século XX; contudo, apesar dessa desdelimitação com outras artes e com a vida, Dubatti identifica ainda “uma singularidade na teatralidade que é sua estrutura matriz” e que o diferencia de outras manifestações culturais também fundadas na representação, como o cinema, a televisão e o jornalismo. Essa singularidade é “o resgate do convívio”, ou seja, “a reunião sem intermediação tecnológica – o encontro de pessoa a pessoa em escala humana” em uma “encruzilhada espaço-temporal cotidiana”. Dubatti propõe, então, uma definição ontológica da composição interna do teatro. Segundo ele, o teatro é conformado pela tríade acontecimento convival, acontecimento poiético e expectação, necessariamente associados. Portanto, o convívio deve estar associado à poiésis, que é o material artístico e sua criação, portanto, necessariamente poiético, ainda que possa ou não ser ficcional, trata-se de um duplo frente à realidade e não necessariamente sua negação. Nas palavras de Dubatti, a “produção de um ente poético, dotado de traços ontológicos singulares, a partir do qual se produzem processos de semiotização que nunca se completam ou se esgotam” (2007, p. 89). E a essas duas dimensões se soma a expectação: o campo de constituição do espaço de percepção do espectador, onde o teatro enfim se constitui como tal, mas não sem os outros dois fatores anteriores. Em síntese, o teatro “é a produção e expectação de acontecimentos poiéticos corporais em convívio”. Na entrevista abaixo, realizada em fevereiro de 2014, no Centro Cultural de la Cooperación, localizado no centro da cidade de Buenos Aires, o teórico argentino relaciona sua ontologia teatral às possibilidades de dramaturgias conviviais, à crítica de teatro e à necessidade de uma mudança de paradigma na pesquisa sobre teatro cartografada que o entenda não como linguagem tão-somente, mas também como acontecimento. Olha esta fala dele: “O conceito de dramaturgia se ampliou enormemente, do ponto de vista do sujeito produtor, do sistema de referência, da edição etc. Acaba de sair no Chile um trabalho meu sobre esse tema. Dentro dessa ampliação, entraria o que podemos chamar de dramaturgias conviviais. São aquelas dramaturgias que, seja pela liberdade que tem o ator para interagir com os espectadores ou pela imposição do convívio sobre o material da cena, produziriam um caso particular. Digamos que o ator deixa de ser uma simples tecnologia do diretor para transformar-se em um gerador de acontecimento convivial, que implica produção de dramaturgia. Nesse sentido, creio que a dramaturgia convivial é vivida todo o tempo, inclusive nos espetáculos em que o ator está determinado a cumprir com um determinado protocolo de representação do texto ou a cumprir com as instruções de um diretor, porque o convívio produz modificações. Se alguém medir a duração de uma obra em cada sessão, verá que nunca é a mesma. Por outro lado, há mudanças na ordem dramatúrgica não só pela dinâmica de convívio, mas também pela dinâmica de produção de poiésis – a poiésis produtiva, segundo a terminologia da Filosofia do Teatro. Nesse sentido, há de se distinguir dois tipos de dramaturgias conviviais. Um tipo seria aquela que é natural do acontecimento convivial e vai acontecer sempre, mesmo que o ator trabalhe com quarta parede e se isole do mundo, essa dramaturgia vai estar em funcionamento. Outro tipo são casos muito particulares de distintas poéticas que trabalham com o que podemos chamar de uma “dramaturgia do ator em convívio”, no qual o ator interage permanentemente ou aproveita os estímulos. É como na Commedia dell’Arte ou no teatro de rua ou em algumas poéticas particulares. Na Argentina, temos a poética do clown, da improvisação e da comicidade, que são muito abertas à dramaturgia da produção de convívio a cada noite. Há vários grupos que têm essa poética instaurada. Um caso que eu nomearia como exemplar é do La Banda de la Risa, que trabalha com uma margem muito forte de dramaturgia convivial, modificando permanentemente as apresentações com estratégias que são muito parecidas com as da Commedia dell’Arte, como o canovaccio e a construção de lugares inesperados dentro dessa dramaturgia. O que creio é que o específico do teatro, seu núcleo central, é o ator. Há cenas neotecnológicas em que se produzem combinatórias, mas o que não se pode subtrair é o ator. Ele verdadeiramente é o gerador da ação, da poética e do acontecimento. a dramaturgia é o olhar do espectador. Então eu poderia, neste momento, estar olhando para você e pensando nesta entrevista como uma obra de teatro. Não. A poiésis teatral diz que se trata de uma ética dialógica, uma política dialógica. Quando alguém vai ao teatro, vai compartilhar com outro. Não está fechado em seu próprio crânio. Uma ética dialógica seria entrarmos em acordo de que eles (os atores) vão produzir poiésis e nós vamos observar e nos integrar numa poiésis convivial. Essa é a grande diferença entre uma definição geral de poiésis e uma definição específica do teatral. Caso contrário, o teatro perde sua singularidade. É claro que existem zonas de liminaridades, cruzamento e perda de limites. Mas a singularidade (do teatro) é haver uma “figura de ação” que comece a produzir poiésis e, a partir daí, detonar todo o mecanismo. Essa figura é o ator. É claro que há uma grande variedade de poéticas e, dentro de uma ética do científico (estou trabalhando muito esse tema), tenho que valorar e respeitar todas as poéticas. Chamo de cânone da multiplicidade. Um artista pode dizer o contrário: só é arte o que eu faço. Mas um cientista não pode fazer isso. Se sou investigador, tenho que reconhecer tudo que está acontecendo e aceitar que há muitas formas de fazer teatro. Mas há algo interessante que é um núcleo de teatro, com estabilidade, que provém da Antiguidade e segue vigente. O acontecimento é efêmero, mas a memória não. Há uma memória do teatro que segue funcionando e teria a ver com esse núcleo central. O núcleo fundamental, como disse Grotowski e também Peter Brook, estaria dado no sistema de convenção do século V a.C, com a tragédia e a comédia gregas e os mimos romanos. Nesse sentido, gosto muito de usar a palavra teatro. Muitos perguntam por que não falar em “artes cênicas”. O problema com as artes cênicas é que todo mundo se apropriou da palavra cena: a sociologia, a literatura, as artes digitais. Eu teria que separar artes cênicas conviviais e não conviviais. A palavra teatro, usada no sentido de origem, não o moderno, implica todos os elementos dessa estabilização da linguagem teatral que continua vigente até hoje. Teatro significa lugar, um mirante, onde alguém vai ver algo que aparece. Por outro lado, há a atividade de olhar. Portanto, na palavra teatro estão inscritos o território, o objeto observado e o observador. Voltando ao núcleo, as combinatórias são infinitas, especialmente depois do choque das vanguardas, muito estimulante para se ler a História [do teatro]. Por que não sustentamos que o primeiro ator foi Homero? Ali havia convívio, poiésis e expectação. Se fizermos todo esse protocolo de regresso à História e voltarmos a pensar nos processos, além da multiplicidade aparece um elemento irrenunciável, que é o ator. Há um grande dramaturgo argentino, Mauricio Kartun, que diz: o teatro é um corpo. O que está dizendo é: o teatro é um corpo de um ator que produz acontecimento e estabelece uma ética dialógica com o espectador. Nesse sentido, creio que as luzes, a cenografia, a música, são todos elementos muito importantes, mas são acessórios porque, como diz Grotowski, poderíamos tirá-los e o acontecimento se produziria. Então, eu instalaria dois corredores teóricos. Um seria de quantas possíveis combinatórias há dentro das linguagens teatrais: infinitas. E outro corredor teórico seria o que não pode faltar no acontecimento teatral: a reunião dos corpos viventes produzindo poiésis em convívio, onde haja geração corporal de poiésis e expectação. Seriam duas pertinências diferentes, como dizem os estruturalistas. Por isso, no fundo, a dramaturgia convivial é constitutiva do teatro. Em alguns casos pode ser sistêmica, porque se busca estimular esse convívio, em outros casos não, mas ainda assim está presente.
Nós temos armado uma epistemologia do teatro baseada na ideia do teatro como linguagem. Uma ideia da linguagem como um corpo que produz signos e que são expectados por outro corpo que produz sentidos através desses signos. Toda a teoria básica é a da comunicação. Mas há outra coisa que é importante e é justamente a convivialidade. O grande problema em que nos encontramos é que há de se armar uma epistemologia da convivialidade, não da linguagem, porque a linguagem não necessariamente é o que ocorre no acontecimento. Se estou observando um corpo que produz acontecimento, de golpe me abstraio porque o relaciono com alguma coisa e deixo de perceber os signos. Onde fica a teoria de que houve comunicação ou que esse signo produziu recepção em mim? Nesse sentido, temos que reinstalar um campo epistemológico, que muitas vezes foi tapado pela vontade de certeza da semiótica. Por exemplo, leio um texto, analiso os signos desse texto e os projetos ao funcionamento do espetáculo, pensando que foi isso que se passou. A epistemologia do convivial implicaria ver como fracassa a linguagem. Beckett disse: tenta de novo, fracassa de novo, fracassa melhor. Tenho que ver onde fracassa a teoria semiótica porque é aí que estou entendendo a singularidade do teatro. Tenho que poder pensar o acontecimento pelo que ele é, não pelo que deveria ser enquanto linguagem semiótica. Não digo que não há linguagem, mas que, no acontecimento, há muito mais que linguagem. E o acontecimento, como pertence à cultura vivente, implica categorias epistemológicas muito importantes, como a categoria do perdido, da ignorância – porque há coisas que vou ignorar. Trabalho com espectadores todas as segundas, na Escola de Espectadores, de março a novembro, e estou disposto a não saber o que se passou porque o acontecimento é muito mais intenso do que os relatos posteriores ou uma estatística. Uma coisa que me parece muito importante - e estamos tratando de aprofundá-la - é aceitar que o acontecimento teatral nos enfrenta com um limite.
Uma coisa importantíssima é começar a ter categorias que reconheçam a realidade do acontecimento, como a categoria do “teatro perdido”. Quando vou falar do teatro como crítico, eu falo no passado, não no presente. Estamos falando do perdido, mesmo que o tenhamos visto há dez minutos. Isso implica em primeiro lugar que, a partir dessas categorizações, formulemos do que podemos falar e do que não podemos falar. Quando reconhecemos aquilo do que podemos falar, aparece um monte de questões que se instalam em certos parâmetros. Eu tenho, como crítico, dez grandes parâmetros que têm a ver com um trabalho sobre auto-observação e observação do acontecimento. Trabalho muito com a ideia de auto-observação, o relato do que passou comigo. O acontecimento em princípio é um laboratório de auto-observação tanto para o artista quanto para o espectador e para os técnicos. Há de se habilitar o lugar do técnico. Na Argentina, agora chamamse técnicos-artistas, porque se reconhece que estão fazendo algo muito importante para a poiésis. A técnica é tão protagonista quanto o trabalho do ator e do espectador. Então, auto-observação e construção de discursos sobre essa auto-observação, tanto pelo espectador, quanto pelo técnico e pelo artista. Começam a aparecer categorias, observações históricas, regularidades, reflexões de todo o tipo sobre as conexões com a história e o comportamento. Mas tudo isso baseado no reconhecimento de uma ignorância. A ignorância qual seria? O objeto se perde. Estudar um vídeo não é estudar um acontecimento. Tem-se que estar dentro do acontecimento. E outro tema muito importante é a excepcionalidade do acontecimento. Posso entrar no teatro drogado, feliz no meu mundo, e o espetáculo me parecer maravilhoso porque estou disposto a que seja maravilhoso. Ou o contrário: entro após uma má notícia, de que estou doente, não sei, estou desesperado e odeio o espetáculo porque o relaciono a isso. São muito importantes as categorias da auto-observação, da autodisciplina, da autoconfiança. E algo tão importante quanto é alcançar um lugar trans-subjetivação como espectador, não apenas o subjetivo. Está muito relacionado à ideia da morte: se eu não estivesse hoje aqui, a apresentação igualmente estaria acontecendo. Posso abstrair a minha própria presença e pôr em jogo a observação, não como um sujeito afetado por ela, mas como algo que está acontecendo na minha ausência. Isso implica um exercício epistemológico. No teatro nem tudo é subjetivo. Se estou sentado e a meu lado uma senhora está morrendo de rir, posso observar isso como uma instância objetiva do acontecimento.
O convívio é um objeto de estudo evanescente, absolutamente imprevisível. Muitas vezes é difícil predicar algo sobre esse objeto. Então aparece uma pergunta epistemológica interessante: quais são os limites de conhecimento do convívio enquanto objeto? Dentro dessa grande pergunta há uma em particular que seriam os estudos dos processos de convívio. Podemos dizer que cada convívio é absolutamente diferente de outro. Posso encontrar regras de regularidade, mas talvez o mais interessante não seja a regularidade, mas aquilo que o convívio muda. Espetáculos que me interessam muito, vejo-os mais de uma vez. É impressionante não só como eu mudo na relação com o acontecimento já tendo visto o espetáculo uma vez, mas também como muda o acontecimento pela nova composição do público e pelo estado dos atores. Isso já foi muito dito: a apresentação nunca é a mesma. Mas há de se produzir categorias. Temos que partir da ideia de que estudar os convívios implica estudá-los micropoéticamente. Não vou estudar todos os convívios porque não poderei estar lá. Se, dentro de todos esses convívios, seleciono um, aí estarei estudando uma micropoética em particular. Questiono muito as observações dos críticos – e me incluo – valorando um espetáculo pelo que se passou numa apresentação com outros críticos [na plateia]. Há que se poder nomear certos critérios. Tenho pelo menos dez grandes critérios: efetividade, historicidade, poeticidade etc. Mas o mais importante é o micropoético: reconhecer cada convívio e cada acontecimento como único e singular e não necessariamente representativo dos outros. Há algo que contradiz a investigação: tratamos de generalizar algo que não se pode generalizar. A relação está dada por uma circunstância, um momento, uma tensão de relações absolutamente micro, não esse modelo abstrato. Por isso sempre que estudamos o convívio peço aos espectadores que digam que dia foi, em qual apresentação, se esteve presente ou não, sobre qual vídeo está trabalhando e que esclareça que está trabalhando sobre um vídeo porque é uma observação extremamente relativa. Sinto que, de tudo que se escreveu sobre teatro, trabalhou-se sobre generalidades, sobre sistemas. E a sensação é que nos acontecimentos essas generalidades não necessariamente estão presentes. Por exemplo, fui a uma apresentação em que espectadores aplaudiram de pé e depois ouvi de outra em que os espectadores dormiram, saíram na metade. Estamos falando do mesmo objeto? São dois objetos diferentes: um convívio e outro convívio.
Tive uma entrevista com um grande pesquisador francês que levei à Universidade de Buenos Aires, e ele disse aos alunos: “Porque vocês viram Planchont...”. Não. Ninguém viu. Ele me olhou: “não conhecem Planchont?” Chegou um momento em que me disse que não poderia prosseguir. Eu lhe disse para falar de teatro, não das obras que ele viu, porque eles falariam das obras que eles viram. Uma cartografia radicante implica conhecer a própria territorialidade e estabelecer diálogos de conexão com França, Alemanha, com todo lado, mas a partir do que se conhece, dos acontecimentos. Não tenho porque estar falando de Bob Wilson, vou falar do que vejo esta noite e daí vou produzir pensamento e me conectar com toda a bibliografia mundial. Essa é uma mudança muito importante porque começamos a reconhecer que temos que falar do que se passa e não do que deveria estar passando. Falei disso com o Lehmann em Porto Alegre, num encontro sobre Bertolt Brecht, conversamos nos almoços, caminhando pela rua. Disse-lhe: “o conceito que você trabalha de pós-dramaticidade não me serve para pensar o teatro de Buenos Aires, o teatro que eu vejo não é o que você diz”. E ele me respondeu uma coisa muito sensata: “Eu nunca falei do teatro de vocês, estou falando do que eu vejo lá”. Isso me parece muito importante, devemos começar a falar de coisas concretas, e claro, depois ouvir atentamente ao Lehmann para ver se o que ele diz tem a ver com o que vivemos. Nos congressos, muitas vezes, sinto que estamos vendo uma coisa e falamos de outra. Acabamos de ver uma obra de teatro em que há personagem, história, dramaticidade e, depois, analisamos esse espetáculo falando de pós-dramaticidade e morte do personagem. Não tem nada a ver com o que vemos. A América Latina tem uma missão agora: começar a falar do que se passa nos teatros locais. Tenho que falar de Buenos Aires. E você tem que falar do teatro do seu lugar. E, claro, conhecer toda a bibliografia mundial.
Jorge Dubatti traz, em O Teatro dos Mortos, uma proposta de conceitualização para as artes cênicas, partindo do princípio do teatro como acontecimento, algo que acontece e em que se dá a construção de sentido. Partindo desta perspectiva, o autor considera o teatro como um conceito que inclui a dança, o teatro de animação, a performance, o novo circo, a narração oral, o clown, stand up, entre outros acontecimentos que compreendam o convívio, a poiesis corporal e a expectação. Ele defende a utilização do termo 'teatro' a partir da sua concepção etimológica, derivada da palavra grega "théatron" que "incluem, direta ou indiretamente, territorialidade, convívio, poiesis, expectação, os acontecimentos inevitáveis do acontecimento da cultura vivente que estudo" (pág. 20)
Teatro, portanto, em sua definição pragmática, "é a zona de acontecimento resultante da experiência de estimulação, afetação e multiplicação recíproca das ações conviviais, poéticas e expectatoriais em relação de companhia. É o espaço de subjetividade e experiência que surge do acontecimento de multiplicação convivial-poética-expectatorial" (p.37).
Essa abordagem ampliada do teatro coloca, para mim, a questão sobre a necessidade de falar especificamente das artes circenses na minha pesquisa e, mais ainda, sobre a necessidade de definir de alguma maneira o que são as artes circenses contemporâneas. A perspectiva de Dubatti, no entanto, é filosófica e não leva em consideração os aspectos sócio-políticos que compreendem a identificação de um fenômeno. É inegável que o circo existe, as artes circenses são assim nomeadas, existe um grupo social que se identifica como artistas circenses e um espetáculo que se caracteriza como tal.
Se, em relação ao conceito teatro ele enfatiza a importância de uma definição, já que a filosofia do teatro tem como caminho para o conhecimento justamente perguntas ontológicas como 'o que é o teatro/ o que acontece no teatro/ o que há no teatro', etc, porque não teria importância a definição do que são as artes circenses? O autor inclusive cita a frase do diretor mexicano Luis de Tavira que diz que "só o teatro é teatro, porque, se tudo fosse teatro, nada seria teatro" (p.30). Partindo do mesmo princípio, podemos derivar dessa mesma lógica a afirmação de que 'só o circo é circo, porque se tudo fosse circo, nada seria circo'. Apesar de poder depreender essa afirmação, dentro do sistema conceitual proposto por ele não vi a necessidade de entender as artes circenses separadamente do conceito mais amplo de teatro. Dentro da minha pesquisa, entretanto, essa identificação é imprescindível, por comportar uma localização desta linguagem em um contexto acadêmico, social e político.
As ideias propostas por Dubatti em sua filosofia do teatro trazem ainda, elementos para abordagem das poéticas dos processos criativos os quais estou me propondo a pesquisar. Mais do que analisar os processos à luz dos termos propostos, Dubatti propõe um sistema de ideias que serve de base e pressuposto para qualquer pesquisa do que ele compreende como teatro. Inclusive a sua noção de uma historicidade que inclua a inclusão da concepção de teatro a qual está se levando em consideração. Para Dubatti, "pode-se compor uma história do teatro a partir da história das poéticas, sua comunidade e sua integração em cânones" (p.68). Isso me provocou no sentido de incluir na minha pesquisa sobre a concepção de teatro que a circula, fazendo com que as poéticas pesquisadas possam contribuir para essa história, um dos meus interesses na pesquisa.
Outra vantagem da filosofia do teatro, como apresentada pelo autor, é a de introduzir "algumas condições fundamentais para a pesquisa ou pressupostos inevitáveis", dentre eles a perspectiva do teatro como trabalho, práxis. Sendo trabalho, "as teorias do teatro devem ser confrontadas com suas práticas, porque o que se passa no mundo das práticas teatrais não é necessariamente o que se passa no plano abstrato do pensamento" e, além disso, "deve ser pensado não apenas como por meio da observação de suas práticas mas também do pensamento teatral de artistas, técnicos e espectadores que é gerado sobre/ a partir dessas práticas" (p.85). Esses pressupostos contribuem bastante com a minha pesquisa, inclusive na assertividade da escolha metodológica. Até o momento incluí artistas e técnicos como minhas principais fontes e pretendo também incluir o espectador, como fontes de material para um percurso indutivo.
Essas foram algumas das relações que pude fazer em uma primeira leitura de 'O Teatro dos Mortos'. A obra, no entanto é muito interessante para qualquer pesquisa em artes cênicas pois coloca de forma clara a distinção e definição de conceitos frequentemente utilizados, contribuindo para a problematização e reflexão sobre conceitos essenciais para a reflexão. (Julia Henning)


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